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terça-feira, 21 de abril de 2020

Quem eram os monges guerreiros da Idade Média?


Os monges-soldados “sabiam mostrar-se ao mesmo tempo mais mansos que os cordeiros e mais terríveis que os leões, a ponto de não se saber se deviam ser chamados religiosos ou soldados, ou melhor, a quem não cabia melhor designação do que a dos dois nomes juntos, monges e cavaleiros, porque sabiam combinar a doçura de uns e o valor de outros” como afirmava São Bernardo de Claraval na obra “De Laude novae militiae ad milites templi” (Em louvor da nova milícia guardiã do Templo).  

Com as cruzadas - que tinham como principal objetivo libertar o Santo Sepulcro das mãos do Sultanato de Rum, garantindo a peregrinação dos cristãos ao lugar santíssimo onde Nosso Senhor Jesus Cristo tinha sido sepultado e ressuscitado - a vida das três principais Ordens de Cavalaria - a “Ordem de São João de Jerusalém”, ou Hospitalários,  a “Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão”, ou Templários e a “Ordem dos Cavaleiros Teutónicos”, ou Teotónicos - começou a atrair milhares de intrépidos cavaleiros e piedosos católicos, que sentiam um chamamento para servir a Deus de todo o coração, com espírito religioso e militar.

Conta Joseph-François Michaud, na História das Cruzadas no, tomo II –pp. 180-181, que retirados do mundo, os monges-guerreiros não tinham outra família senão a de Jesus Cristo e uma única pátria: Jerusalém.

As alegrias, os infortúnios, os perigos, tudo era partilhado entre eles. Um só espírito dirigia todas as suas ações e todos os seus pensamentos, pois viviam com um único objetivo: libertar o Santo Sepulcro. Todos estavam reunidos numa mesma casa, que parecia habitada por um só homem. Viviam em grande austeridade. Quanto mais a disciplina era severa, mais os corações pareciam unidos. As armas eram o seu adorno. Não se encontravam ornamentos preciosos nas suas habitações, nem nas suas igrejas, porque nelas só estavam presentes lanças, escudos e estandartes tomados dos inimigos.

À aproximação do combate, diz São Bernardo, armavam-se, interiormente, com a Fé e exteriormente com o ferro. Não temiam nem o número, nem o furor dos adversários. Sentiam-se altivos quando venciam, pois sabiam que toda a vitória vem de Deus. Mas se morressem não ficavam tristes, pois confiavam na misericórdia divina.

Para os monges-guerreiros, a religião tinha santificado os perigos e as violências da guerra. Quem passasse por algum dos seus mosteiros na Palestina sentia-se numa fortaleza, onde o ruído das armas se misturava com o cântico do Ofício divino, das Missas e das orações.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

O significado das representações de um homem, uma águia, um touro e um leão nas igrejas



Como interpretar as imagens de um homem, uma águia, um touro ou novilho e um leão, presentes nos pórticos de várias catedrais e em várias pinturas?

De acordo com vários escritos do século XII, eles tinham três significados. Eles representavam os Evangelistas, o próprio Salvador do mundo, Nosso Senhor Jesus Cristo e as virtudes necessárias para se alcançar a felicidade eterna.

Representam os evangelistas

Inicialmente, estas imagens simbolizavam apenas os Evangelistas.

*São Mateus tem por atributo o homem, porque começou o seu Evangelho pela lista genealógica dos antepassados de Jesus Cristo, segundo a carne.

*O leão designa São Marcos, que desde as suas primeiras linhas, fala da voz que clama no deserto.

*O touro ou novilho, animal do sacrifício, designa São Lucas, que inicia o seu Evangelho com o sacrifício de Zacarias.

*A águia, enfim, é a figura de São João, porque desde o início, ele transporta-nos ao seio da divindade, semelhante à águia que, única entre todos os animais, ousa contemplar o sol face à face.

Representam Jesus Cristo

Contudo a teologia começou a interpreta-los também como um símbolo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem meditar sobre a vida do Redentor nela encontrará quatro grandes momentos, correspondendo a quatro grandes mistérios.

Sigamos a mesma ordem estabelecida na explicação anterior para os Evangelistas.

+ O homem lembra a Encarnação do Verbo pela qual Jesus Cristo Se fez realmente carne.

+O touro ou novilho, vítima da antiga Lei, faz pensar na Paixão, no sacrifício que o Senhor do Céu e da Terra fez da sua vida para resgatar a humanidade pecadora.

+O leão, símbolo da Ressurreição – acreditava-se no mundo antigo que o leão dormia com os olhos abertos, porque ele rugia sobretudo à noite – ou ainda figura Nosso Senhor na sepultura, onde parecia estar adormecido na morte, mas a sua Divindade velava.

+E, por fim, a águia que é a figura da Ascensão, quando Jesus Se elevou ao Céu, como a águia sobre até às nuvens.

Ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo foi homem quando nasceu, touro quando foi sacrificado na Cruz e morreu, leão quando ressuscitou e águia quando subiu aos Céus.

Indicam as virtudes necessárias para a salvação eterna

Ainda no ramo da teologia, as quatro imagens têm um outro significado. Elas exprimem as virtudes necessárias para a salvação. O bom católico, trilhando o caminho da santidade e da perfeição, deve ser ao mesmo tempo homem, touro, leão e águia.

- Deve ser homem, porque é um animal racional. Só quem caminha na via da reta razão, merece o nome de homem.

- Deve ser touro, porque o touro é a vítima imolada nos sacrifícios. E o verdadeiro católico, renunciando aos prazeres deste mundo, imola-se a si mesmo.

- Deve ser leão, porque o leão é o animal corajoso por excelência. E o justo, que renunciou a tudo, nada teme neste mundo.

- Finalmente, deve ser águia, porque a águia voa nas alturas e olha o sol sem baixar os olhos, exatamente como o católico deve contemplar as coisas eternas, sem se preocupar com as coisas materiais deste mundo.

Estes significados do homem, do touro, do leão e da águia correspondem ao ensinamento da Igreja Católica sobre a representação dos Evangelistas. A aplicação das figuras a Nosso Senhor Jesus Cristo e às virtudes necessárias para se entrar no Céu foi pregada até o período da Revolução protestante, quando muitos ensinamentos da teologia mística foram relegados ao mais profundo esquecimento.

(Cfr. L’art religieux du XIIe siècle en France, Emile Mâle, pp. 86-89)

domingo, 19 de abril de 2020

Idade Média: A procura de Deus, invisível, através das coisas visíveis


Na Idade Média, como viam os homens a natureza e o mundo?

Para os medievais, o universo, composto por uma infinidade de seres, cada um com vários significados, podia ser comparado a um livro imenso, escrito e ilustrado pelo próprio Deus.

O ignorante fita-o e é instruído pelas suas imagens e figuras.

O sábio, contudo, consegue perceber nas coisas visíveis o invisível, lendo assim o pensamento de Deus.

A ciência, por sua vez, não consiste em estudar as coisas em si mesmas, mas em penetrar os ensinamentos que Deus pôs em cada uma delas para instruir os homens.

A rosa

Encontramos um exemplo desta ligação entre o natural e o sobrenatural em Pedro de Mora, Bispo de Cápua. Ao contemplar as rosas do seu jardim, o prelado enterneceu-se, não com a beleza simples e pagã, mas com o seguinte pensamento: “ A rosa representa a legião dos mártires, ou ainda, o coro das virgens. Quando são vermelhas, assumem a cor do sangue daqueles que morreram pela Fé e quando são brancas, reproduzem a pureza virginal. A rosa nasce no meio dos espinhos, como os mártires se elevam no meio dos hereges e perseguidores, ou como uma virgem pura resplandece no meio da iniquidade”.

A pomba

Passando do reino vegetal ao animal, vejamos o que diz Hugo de Saint-Victor, que compara a pomba à Santa Igreja. “A pomba, afirmava, tem duas asas. Também os homens têm dois estilos de vida: ativo e a contemplativo. As suas penas brancas e azuis indicam o pensamento do Céu. As diferentes variações de cores do resto do corpo fazem pensar num mar agitado, simbolizando o oceano de paixões humanas em que navega a Igreja”.

Continuando ainda com a metáfora da pomba, o filósofo medieval perguntava-se: “Porquê os olhos da pomba são de um belo amarelo-dourado? Porque o amarelo é a cor dos frutos maduros, a cor da experiência e da maturidade. Os olhos da pomba significam o olhar cheio de sabedoria que a Igreja lança sobre o futuro.  Finalmente, a pomba tem patas avermelhadas, porque a Igreja caminha no mundo com os pés embebidos no sangue dos seus mártires”.

As pedras preciosas

No campo do reino mineral, Dom Marbode, bispo de Rennes, considerava a existência de misteriosas consonâncias entre as cores das pedras preciosas com a alma humana. “O berilo, por exemplo, brilha como a água que reflete o sol e aquece a mão que o segura. Ora, não é esta a imagem exata do cristão iluminado e aquecido até às suas profundezas pelo Sol, que é Jesus Cristo?" 

"O vermelho do rubi, afirma o prelado, parece refletir chispas de fogo. Ele não é a imagem dos mártires, que derramam o seu sangue e rezam pelos seus algozes?”

As estações do ano

Para os medievais, o sol, a lua, as constelações, a luz, as estações do ano, enfim, tudo no mundo tinha um símbolo, como já afirmamos.

Como interpretavam, por exemplo, o inverno, quando os dias diminuem tristemente e  quando luz parece ter sido vencida e a noite resolvida a triunfar para sempre?

Para eles, o inverno simbolizava os longos séculos de trevas que precederam a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, cujo nascimento deu-se exatamente no solstício de inverno, no momento em que a Luz reapareceu no mundo.

Como a vida natural está ligada à vida espiritual, o ano é todo ele feito à imagem do homem.

Assim, a primavera, que renova o mundo, é a imagem do Batismo que renova o homem no alvorecer da vida. O verão, com o calor e a luz resplandecente, leva-nos a imaginar a luz do Céu, o brilho do amor de Deus na vida eterna. O outono, estação das colheitas e das vindimas, simboliza o temível Juízo final, o grande dia em que colheremos o que tivermos semeado durante a nossa vida. Por fim, o inverno que é a figura da morte, o futuro do homem e do mundo visível.

Apenas pelos pequeníssimos exemplos acima descritos, podemos ter uma noção de como era diferente, por exemplo, um momento de lazer ou o passeio de um medieval, com o pensamento em Deus e no Céu, e as nossas caminhadas, durante as quais sonhamos com prazeres terrenos que não nos satisfazem inteiramente e que não nos ajudam a progredir no amor de Deus e do próximo …

Cfr. Emile Mâle, L’art religieux du XIII siècle en France, pp. 78-81

sábado, 18 de abril de 2020

Perseguição de Napoleão à Igreja e a supressão do feriado da Oitava de Páscoa


“A Páscoa não é simplesmente uma festa entre outras: é a "festa das festas", "solenidade das solenidades", como a Eucaristia é o sacramento dos sacramentos (o grande sacramento). Santo Atanásio a denomina "o grande domingo como a Semana Santa é chamada no Oriente "a grande semana" (Catecismo da Igreja Católica nº. 1169).

Já no século IV, numa atitude festiva, Constantino Magno introduziu no Império Romano o costume de celebrar a Páscoa, durante um período de oito dias.

Esta tradição da Pascoela – período no qual os neófitos recebiam uma formação intensiva dos mistérios da Fé católica e que terminava no Domingo da Oitava, chamado «in albis», porque noutros tempos, nesse dia, eles depunham as vestes brancas recebidas no Baptismo - perpetuou-se na maioria dos países do Império Romano por mais cerca de quinze séculos até que Napoleão Bonaparte, em 1801, decidiu por fim à semana de festas pascais.

Para isto, assinou uma Concordata com a Santa Sé na qual ficava estipulado que os feriados religiosos já não seriam decididos apenas pela Igreja, mas passavam a ser de competência da autoridade do Primeiro Consul da França. No documento ficou estabelecido que os feriados do dia de Todos os Santos, do Natal, da Ascensão e da Assunção seriam mantidos. Contudo, a semana da Oitava da Páscoa ficava reduzida, arbitrariamente, ao dia seguinte da Ressurreição de Cristo.

Este costume propagou-se por muitos países europeus que estavam sob o domínio ou a influência napoleónica e que o mantém até hoje.

A difícil relação de Napoleão com a Igreja

Napoleão I manteve com a Igreja uma relação conflituosa. Para reforçar o seu poder e vendo o clero como uma ameaça, Bonaparte tentou submeter o poder religioso ao civil e substituir a visão monárquica da Igreja e o direito divino ao igualitarismo e ao anticlericalismo, filhos dos ideais da Revolução Francesa.

Na tentativa de instrumentalizar a Igreja, Napoleão começou por invadir os Estados Pontifícios, chegando até a saquear o Santuário de Loreto.

A 28 de dezembro 1797, num ataque entre jacobinos franceses e soldados pontifícios morreu o General Mathurin-Léonard Duphot, hóspede em Roma do embaixador francês junto à Santa Sé, José Bonaparte. A morte do general foi o pretexto esperado por Napoleão para invadir Roma e para retirar o poder temporal do Pontífice e proclamar a República Romana.

Pouco depois dos soldados franceses terem espoliado Pio VI de todos os seus bens, prenderam-no e foi deportado em exílio para a França. Em Roma, vários Cardeais também foram feitos prisioneiros. Aos 80 anos, o Pontífice adoeceu e perdeu os usos das pernas. Mas, isto não travou o ódio do Diretório que exigia a saída do Papa das terras, que outrora faziam parte do Estado Pontifício e que se dirigisse mais para Norte.

Aclamado pelo povo e transferido de cidade em cidade, Pio VI adoeceu, acabando por falecer no dia 29 de agosto de 1799.

Sob as ordens da autoridade civil foi enterrado e no seu túmulo foi escrito: “Cidadão Giannangelo Braschi – in arte Papa”.

Apenas dois anos depois, o corpo foi entregue à Igreja de Roma para ser enterrado com a dignidade pontifícia na Basílica de São Pedro.

Nova perseguição sob o pontificado de Pio VII

Com Pio VII, Napoleão tentou nova aproximação, convidando-o a participar na sua coroação imperial, apesar da forte oposição da Cúria romana.

Afinal, pensava o Imperador, o novo Papa tinha fama de moderado e até parecia em sintonia com os ideais revolucionários. Não era verdade que quando era cardeal tinha feito uma homilia de Natal na qual afirmara: "As virtudes cristãs tornam os homens bons democratas... A igualdade não é uma ideia de filósofos, mas de Cristo... E não se deve acreditar que a religião católica seja contra a democracia”?

Para humilhá-lo, durante a cerimónia, Napoleão colocou a coroa sobre a própria cabeça, recusando que fosse o Papa a fazê-lo, como os Reis que eram coroados pelo poder espiritual. Os historiadores contam que Napoleão Bonaparte e Josefina de Beauharnais, unidos civilmente, só se casaram religiosamente algumas horas antes da coroação, por pressão da própria Josefina, pois o Pontífice recusava-se a participar na cerimónia se o casal não tivesse recebido o sacramento do matrimónio.

Ora, porque Josefina era estéril, a pedido do Imperador, o seu casamento foi anulado civilmente e o tribunal diocesano de Paris fê-lo em nome da Igreja, apesar de Roma não reconhecer a nulidade do mesmo.

O Pontífice e o Imperador estavam continuamente em conflito, muitas vezes envolvendo os desejos do líder militar francês de concessões da Igreja às suas demandas. Pio VII, por sua vez, queria a sua libertação do exílio, bem como a devolução dos Estados Pontifícios e, mais tarde, a libertação dos treze "Cardeais Negros" – incluindo Consalvi, que tinha sido exilado e empobrecido pela sua tomada de posição contrária ao casamento de Napoleão com a Princesa Marie Louise , por acreditar que o  seu casamento anterior ainda era válido – bem como, exigia a libertação de vários prelados, padres, religiosos e outros exilados e prisioneiros, cujo crime consistia apenas na sua fidelidade ao Papa.

Apesar de diversas tentativas de reconciliação, como Roma não respeitou o bloqueio imposto por Napoleão à Inglaterra e porque o Papa não aceitou dissolver o casamento do seu irmão, Jerónimo Napoleão com uma ilustre americana protestante, a Cidade Eterna foi ocupada e o Imperador ordenou a incorporação do Estado 
Pontifício ao império francês.

A resposta de Pio VII não se fez esperar, excomungando Napoleão e todos os executores das ordens do Imperador.

Como represália, na noite do dia 5 a 6 de junho de 1809, o Papa foi feito prisioneiro e exilado para Savona e depois para a França.

Em Paris, o Imperador reuniu 104 bispos, sob a presidência de seu tio, Cardeal Fesch, num pseudo Concílio, a fim de nomear bispos para algumas dioceses. Jurando fidelidade ao Papa, a Assembleia acabou por decidir que os Metropolitas teriam direito de confirmar os candidatos episcopais, caso o Papa não o fizesse num prazo de seis meses.

Diante da ameaça de um cisma, Pio VII acabou por aceitar as nomeações.

Mas as reivindicações de Napoleão não ficavam só por estas nomeações. Ele pretendia que dois terços dos Cardeais fossem nomeados pelos Reis e que o Papa residisse em Fontainebleau, na França.

Forçado a assinar a Concordata de Fontainebleau em 1813, Pio VII aceitou a submissão da Igreja às autoridades civis francesas. O documento causou grande espanto aos católicos conservadores franceses que comentavam: “Para conservar a Fé, Pio VI perdeu o seu lugar; para manter o seu lugar, Pio VII perdeu a Fé». Alguns bispos recusaram categoricamente a obedecer ao Sucessor de Pedro. Diante da ameaça de mais um cisma, Pio VII retratou-se e pediu para que o documento fosse emendado, “a fim de que dele não resultasse nenhum dano para a Igreja e nenhum prejuízo para a alma do Pontífice”.

Com o fracasso da Campanha russa, o Imperador teve de renunciar no dia 11 de abril de 1814 e o Papa pode voltar para Roma, colocando um ponto final na perseguição contra a Igreja e na trágica relação entre a Santa Sé e Napoleão Bonaparte.

sábado, 11 de abril de 2020

Santa e Feliz Páscoa!



Exultemos de alegria, Cristo ressuscitou, aleluia!

Redimidos pelo sangue do Inocente, as portas do Céu foram abertas para sempre a todos nós.

Peçamos a Maria Santíssima que nos guie para o porto seguro que é o Coração de Jesus, a Vítima Pascal.

Santa e Feliz Páscoa!

domingo, 5 de abril de 2020

Contra as epidemias: “Stella Caeli extirpavit”, uma oração mariana nascida no Convento das Clarissas de Coimbra


Como no passado, temos medo de sermos contagiados pela epidemia mortífera. Como a enfrentamos? Com fé? Com confiança na proteção do Céu?

Em 1480, no Convento da Rainha Santa Isabel em Coimbra, São Bartolomeu entregou à Abadessa uma oração, ou um hino dedicado à Virgem Maria, intitulada “Stella Caeli exstirparvit”, em português “A Estrela do Céu extirpou”.

A sua recitação com fé e constância, preservou as religiosas clarissas da peste.

Também hoje, elevemos as nossas súplicas com as mesmas palavras desta oração, pedindo a proteção de Deus para as nossas famílias e pelo fim da pandemia.


Na igreja do Convento de Santa Clara a Nova, ou Convento da Rainha Santa Isabel, em Coimbra, existe o painel de um retábulo alusivo à entrega feita por São Bartolomeu de um papel às religiosas, onde se lê: “Stella Caeli exstirparvit”.

No Inventário Artístico de Portugal, António Nogueira Gonçalves identifica esta representação como sendo a entrega da oração na portaria de Santa Clara.

Recordemos, em primeiro lugar, quem foi o Apóstolo São Bartolomeu, um dos doze Apóstolos de Cristo.

Segundo as Escrituras Sagradas, depois do Pentecostes, os apóstolos espalharam-se pelo mundo para pregar a Palavra de Deus. São Bartolomeu deslocou-se até à India, passando pela Arábia, Mesopotâmia e Arménia. A Legenda Áurea fala-nos em diversos milagres operados na Índia, lugar onde o santo liberta do demónio uma filha do Rei Polímio e os templos daquela região, convertendo e baptizando os seus habitantes após a purificação daquele local. Existem várias versões em relação à sua morte, contudo a narração mais aceita do seu martírio é a de que o santo tenha sido esfolado vivo e depois decapitado.

A história da intercessão de São Bartolomeu no combate à peste no convento de Coimbra foi narrada pelo Frei Manoel da Esperança em 1666. Quando o surto de peste que se alastrava pela Europa chegou a Coimbra, as clarissas dirigiram as suas orações aos apóstolos no sentido de identificar a qual santo deveriam recorrer para se livrarem do mal que assolava a cidade. Acendendo círios com os doze nomes, fora o de São Bartolomeu o último a se apagar, elegendo-o como seu advogado.

Assim narra Frei Manoel, na história da Ordem dos Frades Menores:  “De repente viu-se, que entrava em casa o mesmo fogo da peste, que  já tinha abrasado a cidade. Morreram algumas freiras, outras ficaram feridas; e todas intimidadas pediam com muitas lágrimas à Majestade divina, que embainhasse logo a espada da sua indignação. Para isso, buscaram muitos remédios através de devoções e penitências, que lhes saiam em vão, até virem a concordar entre si, que tomassem por advogado a um dos Santos Apóstolos o qual seria aquele, cujo círio ardia no altar e durasse mais do que os outros. Com esta resolução, acenderam doze círios iguais, de mesmo peso, nos quais estavam escritos os nomes dos doze Apóstolos; e prostradas de joelhos, em quanto eles ardiam, derreteram as suas almas em ferventes orações. Foram-se todos gastando, e somente o de São Bartolomeu durou ainda mais tempo. Quando viram o sucedido, ficaram alegres porque a Rainha Santa fora singular devota deste sagrado Apóstolo por ter sido recebida na sua Igreja em Vila de Trancoso com El Rei seu marido Dom Dinis. Para além disto, o mosteiro estava edificado nos limites da paróquia, que leva o seu nome em Coimbra e onde se guarda uma relíquia sua. E alentadas por todas estas razões, com grande contentamento entregaram a saúde e a vida na sua intercessão (Esperança, F. M. d., 1666. História seráfica da Ordem dos Frades Menores de São Francisco na Província de Portugal. Segunda Parte, que conta os seus progressos no Estado de três Custódias, princípio da Província e Reforma Observante. Lisboa: Oficina de Antonio Craesbeeck de Mello, p. 62).

Contudo, por volta de 1480, as freiras insistiam em sair do mosteiro com medo da peste que prevalecia: “(…) Mas o Senhor, que nesta grande mercê queria dar muita parte à sua Mãe Clementíssima, permitiu que o mal fosse lavrando e as freiras assombradas das muitas mortes, que viam, tratassem de fugir para a casa de seus pais. Resistiu em quanto pode a zelosa Abadessa, mas vencida pela necessidade e importuna instâncias, chegou à grade para ordenar a ida pelo modo mais acertado. Neste tempo, apareceu-lhe um pobre na mesma casa da grade, que era de gracioso aspecto, como que a representar um Mensageiro do Céu. Consolou-a na sua tribulação e ficou confortada muito na confiança de Deus e disse-lhe estas palavras: ‘Mandai rezar todos os dias no coro esta santa devoção à Virgem Senhora nossa que vos dou escrita neste pergaminho e logo vereis as suas misericórdias’.

Não fez mais a Abadessa que receber o escrito, quando o portador se escondeu dos seus olhos, sem haver uma pessoa que, ou dantes ou depois, o visse nem conhecesse. Por onde se entendeu que era São Bartolomeu, Advogado do mosteiro e seu Padroeiro santo, o qual da parte da Imperatriz dos Anjos lhe trouxera a receita milagrosa contra os males da peste” (ESPERANÇA, F. M. d., 1666. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.Francisco, pp. 62-65.).

Ainda segundo os anais da Ordem, o pergaminho está guardado entre as outras relíquias, em custódia de prata, com duas figuras de joelhos feitas do mesmo metal: uma do Santo Apóstolo e a outra desta Abadessa. Ela tem um pouco mais de três dedos de largura e meio palmo de comprimento e contém a Antífona e a oração seguintes, escritas em boa letra:

Stella coeli exstirpavit, quæ lactavit Dominum, mortis pestem, quam plantavit primus parens hóminum. Ipsa stella nunc dignetur sidera compescere, quorum bella plebem cædunt diræ mortis ulcere. O piissima Stella maris, a peste succurre nobis. Audi nos, Domina, nam Filius tuus nihil negans, te honorat. Salva nos, Jesu, pro quibus Virgo Mater te orat.

In omni tribulatione et angustia nostra.
Succurre nobis, piissima Virgo Maria.

Oremus.

Deus misericordiæ, Deus pietatis, Deus indulgentiæ, qui misertus es super afflictionem populi tui, et dixisti Angelo percutienti populum tuum : Contine manum tuam, ob amorem illius Stellæ gloriosæ, cujus ubera pretiosa contra venenum nostrorum delictorum dulciter suxisti ; præsta auxílium gratiæ tuæ, ut intercedente beata Vírgine Maria Matre tua et beato Bartholomaeo Apostolo tuo dilecto, ab omni peste et improvisa morte secure liberemur, et a totius  perditionis incursu misericorditer salvemur. Per te Jesu Christe, Rex gloriæ, qui
cum Patre et Spiritu Sancto vivis et regnas, Deus, in saecula sæculorum. Amen.

Em português, a oração poderia ser assim traduzida:

A Estrela do Céu, que aleitou o Senhor, extirpou a peste da morte, plantada nos homens pelos primeiros pais. Possa esta mesma Estrela Brilhante conter este mal, cujos efeitos atingem o povo com uma morte avassaladora. Ó piíssima Estrela do mar, protegei-nos da peste! Escutai-nos, ó Senhora, pois o Vosso Filho Vos honra e nada Vos recusa. Salvai-nos, Jesus, a nós por quem a Virgem Mãe vos implora.

Em todas as nossas tribulações e angústias,
Socorrei-nos, ó piíssima Virgem Maria.

Oremos

Deus de Misericórdia, Deus do amor, Deus do perdão, que Vos compadecestes com a aflição do Vosso povo e que dissestes ao Anjo devastador do Vosso povo: “Parai a vossa mão”, pelo amor desta Estrela gloriosa, cujos seios preciosos Vos lactaram com doçura, contra o veneno dos nossos pecados. Concedei-nos o socorro da Vossa graça, a fim de que, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, Vossa Mãe, e do bem-aventurado São Bartolomeu, Vosso apóstolo bem-amado, sejamos preservados com segurança de toda peste, bem como da morte súbita, e sejamos misericordiosamente salvos de toda perdição. Por Vós, Jesus Cristo, Rei da glória, que com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais por todos os séculos dos séculos. Amém.



Através desta oração a peste foi milagrosamente contida, no ano de 1480.

Conta-se que, mais tarde, em 1598, uma nova epidemia cessou com o entoar do cântico, sem chegar a afectar o mosteiro.


Foi a partir deste episódio que as clarissas de Coimbra reconheceram São Bartolomeu como seu protector, dando destaque à sua imagem em dois altares (um na igreja e outro no coro) onde entoavam diariamente a Antífona e a oração mariana; mensalmente uma missa é cantada; e anualmente celebravam no dia da sua festa uma procissão e um jantar era oferecido aos pobres, em honra do Apóstolo (ESPERANÇA, F. M. d., 1666. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.Francisco, pp. 65-66.).

Eu conheci o Padre Pio!



Frei Pio (de Pietrelcina) é na verdade um homem extraordinário. Basta dizer que tem as mãos chagadas, como as do próprio Jesus Cristo e que foi favorecido por Deus com essas chagas miraculosas, como o seráfico fundador da ordem a que pertence, o doce “poverello” de Assis.

Muito poucos tem sido os favorecidos pela ventura rara de beijar essas mãos de chagas miraculosas. Eu tive essa ventura. Assisti à missa do Frei Pio, contemplei-o durante bastante tempo, falei-lhe... e a minha impressão é tamanha e a emoção que senti foi tão violenta e tão agradável ao mesmo tempo que não sei como exteriorizar o meu contentamento.

Não há naquele homem nada que não impressione. As falas, as maneiras, o seu porte, a sua missa ... ah! sobretudo vê-lo no altar, oferecendo o Santo Sacrifício … encanta, hipnotiza. Dá vontade de ficar ali sempre.

Uma tossezinha seca e aguda, que parece despedaçar-lhe o peito, acomete-o com frequência.

Apesar disso quase todas as manhãs vai ao confessionário. Diz missa com o fervor de um serafim. Todos os assistentes choram, quando ele celebra. Quando distribui a Sagrada Comunhão procura cobrir as mãos com a alva, para que não vejam as chagas. Estas são a toda a largura da mão pelo lado da palma e do tamanho de um “duro espanhol” pelo lado contrário. Tem iguais chagas nos pés. As plantas inteiramente chagadas e por cima chagas em forma de moedas, que lembram duas rosas. Tem também duas chagas no peito, sobre o coração.

Todos os dias mana sangue de todas elas. Têm a cor rosa muito viva e exalam um delicadíssimo aroma. Só para dizer missa é que as descobre. Fora desse acto oculta-as com umas luvas. Para ver-lhas usam muitos do estratagema de ajudar lhe à missa. É processo posto em prática por muitos estrangeiros, o que rende ao sacristão uma conta calada, pois disputa-se à custa de apreciáveis gorgetas a honra de ajudar à missa ao santo religioso.

Muitos há ainda que mais para ver-lhe as mãos do que por devoção e amor a Jesus Sacramentado se aproximam da Sagrada Mesa. A sua curiosidade não tarda a converter-se em místico fervor. Muitos incrédulos, tocados pela candura daquele homem extraordinário, têm pedido a confissão.

Frei Pio não consente que lhe tirem fotografias, posto que lho tenham pedido de mil maneiras, servindo-se de mil estratagemas.

A sua existência, a conservação da sua vida parece-me ser um contínuo milagre. Pois como explicar naturalmente que um homem continue vivendo com sessenta graus de temperatura?

Que horror!

Os médicos não são capazes de explicar o facto, que se torna ainda de mais difícil explicação, se considerarmos que, em virtude dessa alta temperatura, Frei Pio está sujeito a uma transpiração abundantíssima que o debilita enormemente.

Há muitas curas extraordinárias, factos de bilocação, descoberta dos segredos da alma.

A 20 de Setembro de 1918, ao sair do coro desapareceu de entre a comunidade.

Surpreendidos os religiosos, seus companheiros, procuraram-no por toda a parte e depois de muito trabalho foram encontrá-lo desfalecido e com as chagas miraculosas impressas no corpo, a carne viva, o sangue fresco. Eram mais pequenas do que hoje e tinham um cheiro muito pronunciado a rosas, que ainda conservam.

São muitos os prodígios que se contam de Frei Pio.

Um dia foi á aldeia de São João Rotondo e curou um doente que os médicos tinham declarado perdido. Isto sem sair do convento ou deixar de assistir com os religiosos seus companheiros aos actos da comunidade.

Duas vezes passou da sacristia ao confessionário duma maneira invisível. É frequente descobrir as consciências dos que se lhe confessam, antes de ouvi-los em confissão.

Testemunho sobre Santo Pio de Pietrelcina, publicado no "Diário do Minho", de 25 de Julho de 1922

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O Jejum e a abstinência em Portugal


Todos os anos, quando chegamos na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa, dias em que devemos jejuar e abstermo-nos de comer carne, levantam-se as mesmas dúvidas e perguntas: “O quê é permitido comer? Estou dispensado do jejum e da abstinência? Quanto posso comer no pequeno almoço?”

Para ajudar os que têm dúvidas, resumimos os ensinamentos da Santa Igreja e recordamos as normas da Conferência Episcopal portuguesa.

O que dizem os documentos oficiais da Igreja

No Código de Direito Canónico - uma espécie de Constituição da Igreja, com as normas jurídicas que regulam a organização da Igreja Católica Romana, a hierarquia do seu governo, os direitos e obrigações dos fiéis, e as sanções para quem não as obedecem -  encontramos as seguintes normas:

Can. 1251: “Guarde-se a abstinência de carne ou de outro alimento segundo as determinações da Conferência episcopal, todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; a abstinência e o jejum na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Can. 1252: “Estão obrigados à lei da abstinência os que completaram catorze anos de idade; à lei do jejum estão sujeitos todos os maiores de idade até terem começado os sessenta anos. Todavia os pastores de almas e os pais procurem que, mesmo aqueles que, por motivo de idade menor não estão obrigados à lei da abstinência e do jejum, sejam formados no sentido genuíno da penitência”.

E, finalmente, can. 1253: “A Conferência episcopal pode determinar mais pormenorizadamente a observância do jejum e da abstinência, e bem assim substituir outras formas de penitência, sobretudo obras de caridade e exercícios de piedade, no todo ou em parte, pela abstinência ou jejum”.

Também no Catecismo da Igreja Católica encontramos a explicação da necessidade do jejum e da abstinência:

No ponto 1434, lê-se: “A penitência interior do cristão pode ter expressões muito variadas. A Escritura e os Padres insistem sobretudo em três formas: o jejum, a oração e a esmola que exprimem a conversão, em relação a si mesmo, a Deus e aos outros. A par da purificação radical operada pelo Baptismo ou pelo martírio, citam, como meios de obter o perdão dos pecados, os esforços realizados para se reconciliar com o próximo, as lágrimas de penitência, a preocupação com a salvação do próximo, a intercessão dos santos e a prática da caridade «que cobre uma multidão de pecados” (1 Pe 4, 8).

E no 1438: “Os tempos e os dias de penitência ao longo do ano litúrgico (o tempo da quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor) são momentos fortes da prática penitencial da Igreja. Esses tempos são particularmente apropriados aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras de caridade e missionárias) ”.

As normas da Conferência Episcopal Portuguesa

Como vimos, o Código de Direito Canónico estabelece que as Conferências Episcopais devem determinar as regras específicas do jejum e da abstinência em cada país.
Em Portugal, a Conferência Episcopal Portuguesa determina para os tempos penitenciais:

“1. Na pedagogia da Igreja, há tempos em que os cristãos são especialmente convidados à prática da penitência: a Quaresma e todas as Sextas-feiras do ano. A penitência é uma expressão muito significativa da união dos cristãos ao mistério da Cruz de Cristo. Por isso, a Quaresma, enquanto primeiro tempo da celebração anual da Páscoa, e a sexta-feira, enquanto dia da morte do Senhor, sugerem naturalmente a prática da penitência.

2. O jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos. Na disciplina tradicional da Igreja, a concretização do jejum fazia-se limitando a alimentação diária a uma refeição, embora não se excluísse que se pudesse tomar alimentos ligeiros às horas das outras refeições.

Ainda que convenha manter-se esta forma tradicional de jejuar, contudo os fiéis poderão cumprir o preceito do jejum privando-se de uma quantidade ou qualidade de alimentos ou bebidas que constituam verdadeira privação ou penitência.

3. A abstinência, por sua vez, consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre. A sua concretização na disciplina tradicional da Igreja era a abstenção de carne. Será muito aconselhável manter esta forma de abstinência, particularmente nas sextas-feiras da Quaresma. 
Mas poderá ser substituída pela privação de outros alimentos e bebidas, sobretudo mais requintados e dispendiosos ou da especial preferência de cada um.

Contudo, devido à evolução das condições sociais e do género de alimentação, aquela concretização pode não bastar para praticar a abstinência como acto penitencial. Lembrem-se os fiéis de que o essencial do espírito de abstinência é o que dizemos acima, ou seja, a escolha de uma alimentação simples e pobre e a renúncia ao luxo e ao esbanjamento. Só assim a abstinência será privação e se revestirá de carácter penitencial.

4. O jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-Feira de Cinzas e em Sexta-Feira Santa.

5. A abstinência é obrigatória, no decurso do ano, em todas as sextas-feiras que não coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades. Esta forma de penitência reveste-se, no entanto, de significado especial nas sextas-feiras da Quaresma.

6. O preceito da abstinência obriga os fiéis a partir dos 14 anos completos. O preceito do jejum obriga os fiéis que tenham feito 18 anos até terem completado os 59. Aos que tiverem menos de 14 anos, deverão os pastores de almas e os pais procurar atentamente formá-los no verdadeiro sentido da penitência, sugerindo-lhes outros modos de a exprimirem.

7. As presentes determinações sobre o jejum e a abstinência apenas se aplicam em condições normais de saúde, estando os doentes, por conseguinte, dispensados da sua observância.
Determinações relativas a outras penitências

8. Nas sextas-feiras poderão os fiéis cumprir o preceito penitencial, quer fazendo penitência como acima ficou dito, quer escolhendo formas de penitência reconhecidas pela tradição, tais como a oração e a esmola, ou mesmo optar por outras formas, de escolha pessoal, como, por exemplo, privar-se de fumar, de algum espectáculo, etc.

9. No que respeita à oração, poderão cumprir o preceito penitencial através de exercícios de oração mais prolongados e generosos, tais como: o exercício da via-sacra, a recitação do rosário, a recitação de Laudes e Vésperas da Liturgia das Horas, a participação na Santa Eucaristia, uma leitura prolongada da Sagrada Escritura.

10. No que respeita à esmola, poderão cumprir o preceito penitencial através da partilha de bens materiais. Essa partilha deve ser proporcional às posses de cada um e deve significar uma verdadeira renúncia a algo do que se tem ou a gastos dispensáveis ou supérfluos.

11. Os cristãos que escolherem como forma de cumprimento do preceito da penitência uma participação pecuniária orientarão o seu contributo penitencial para uma finalidade determinada, a indicar pelo Bispo diocesano.

12. Os cristãos depositarão o seu contributo penitencial em lugar devidamente identificado em cada igreja ou capela, ou através da Cúria diocesana. Na Quaresma, todavia, em vez desta modalidade ou concomitantemente com ela, o contributo poderá ser entregue no ofertório da Missa dominical, em dia para o efeito fixado.

13. É aconselhável que, no cumprimento do preceito penitencial, os cristãos não se limitem a uma só forma de penitência, mas antes as pratiquem todas, pois o jejum, a oração e a esmola completam-se mutuamente, em ordem à caridade.

(Normas estabelecidas pela CEP para todas as dioceses de Portugal em Julho de 1984 e publicadas em 28 de Janeiro de 1985).

Em síntese:

1. Jejum e abstinência (e outras práticas penitenciais) têm duas finalidades principais e concomitantes: exercício de desprendimento e prática da caridade.

2. Jejum consiste em alimentação simples e frugal, de acordo com a idade e o estado de saúde de cada pessoa.

3. Abstinência é a privação da carne na alimentação ou de qualquer outro alimento apetecível ou requintado. Não praticaria verdadeira abstinência quem substituísse um frugal prato de carne por um requintado prato de peixe ou marisco, por exemplo.

4. Para além do jejum e da abstinência, existe um número muito variado de outras práticas penitenciais que poderão substituir ou, melhor ainda, ir concomitantemente com eles: partilha de bens, oração, leitura meditada da Palavra de Deus, peregrinação a pé, retiro, perdão e reconciliação, a prática das obras de misericórdia, etc., incluídas as práticas que cada um eleger para si mesmo.

5. Os tempos mínimos de jejum são a quarta-feira de Cinzas e a sexta-feira Santa, sendo recomendável fazê-lo noutras ocasiões.

6. Os tempos mínimos de abstinência (no sentido que hoje o magistério da Igreja dá a esta prática) são todas as sextas-feiras do ano (incluídas naturalmente as da Quaresma) e a quarta-feira de Cinzas, sendo igualmente recomendável fazê-la noutras ocasiões.

7. O cumprimento dos preceitos de jejum e abstinência poderão ser sob forma de esmola (traduzida numa participação pecuniária correspondente à renúncia que é recomendada).

8. Essa participação em dinheiro efectua-se em dois momentos:

a) o correspondente à renúncia durante a Quaresma é entregue na paróquia em dia (ou dias) indicado(s) pelo pároco);

b) o correspondente à renúncia ao longo do ano é entregue na paróquia (num lugar indicado para este fim) ou na cúria diocesana.

A finalidade a dar a essas renúncias em dinheiro é estabelecida em cada ano pelo Bispo diocesano.

Não se deve, pois, confundir “renúncia penitencial” com “renúncia quaresmal”, reduzindo a renúncia penitencial anual à renúncia feita no tempo da Quaresma.