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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O Jejum e a abstinência em Portugal


Todos os anos, quando chegamos na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa, dias em que devemos jejuar e abstermo-nos de comer carne, levantam-se as mesmas dúvidas e perguntas: “O quê é permitido comer? Estou dispensado do jejum e da abstinência? Quanto posso comer no pequeno almoço?”

Para ajudar os que têm dúvidas, resumimos os ensinamentos da Santa Igreja e recordamos as normas da Conferência Episcopal portuguesa.

O que dizem os documentos oficiais da Igreja

No Código de Direito Canónico - uma espécie de Constituição da Igreja, com as normas jurídicas que regulam a organização da Igreja Católica Romana, a hierarquia do seu governo, os direitos e obrigações dos fiéis, e as sanções para quem não as obedecem -  encontramos as seguintes normas:

Can. 1251: “Guarde-se a abstinência de carne ou de outro alimento segundo as determinações da Conferência episcopal, todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; a abstinência e o jejum na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Can. 1252: “Estão obrigados à lei da abstinência os que completaram catorze anos de idade; à lei do jejum estão sujeitos todos os maiores de idade até terem começado os sessenta anos. Todavia os pastores de almas e os pais procurem que, mesmo aqueles que, por motivo de idade menor não estão obrigados à lei da abstinência e do jejum, sejam formados no sentido genuíno da penitência”.

E, finalmente, can. 1253: “A Conferência episcopal pode determinar mais pormenorizadamente a observância do jejum e da abstinência, e bem assim substituir outras formas de penitência, sobretudo obras de caridade e exercícios de piedade, no todo ou em parte, pela abstinência ou jejum”.

Também no Catecismo da Igreja Católica encontramos a explicação da necessidade do jejum e da abstinência:

No ponto 1434, lê-se: “A penitência interior do cristão pode ter expressões muito variadas. A Escritura e os Padres insistem sobretudo em três formas: o jejum, a oração e a esmola que exprimem a conversão, em relação a si mesmo, a Deus e aos outros. A par da purificação radical operada pelo Baptismo ou pelo martírio, citam, como meios de obter o perdão dos pecados, os esforços realizados para se reconciliar com o próximo, as lágrimas de penitência, a preocupação com a salvação do próximo, a intercessão dos santos e a prática da caridade «que cobre uma multidão de pecados” (1 Pe 4, 8).

E no 1438: “Os tempos e os dias de penitência ao longo do ano litúrgico (o tempo da quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor) são momentos fortes da prática penitencial da Igreja. Esses tempos são particularmente apropriados aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras de caridade e missionárias) ”.

As normas da Conferência Episcopal Portuguesa

Como vimos, o Código de Direito Canónico estabelece que as Conferências Episcopais devem determinar as regras específicas do jejum e da abstinência em cada país.
Em Portugal, a Conferência Episcopal Portuguesa determina para os tempos penitenciais:

“1. Na pedagogia da Igreja, há tempos em que os cristãos são especialmente convidados à prática da penitência: a Quaresma e todas as Sextas-feiras do ano. A penitência é uma expressão muito significativa da união dos cristãos ao mistério da Cruz de Cristo. Por isso, a Quaresma, enquanto primeiro tempo da celebração anual da Páscoa, e a sexta-feira, enquanto dia da morte do Senhor, sugerem naturalmente a prática da penitência.

2. O jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos. Na disciplina tradicional da Igreja, a concretização do jejum fazia-se limitando a alimentação diária a uma refeição, embora não se excluísse que se pudesse tomar alimentos ligeiros às horas das outras refeições.

Ainda que convenha manter-se esta forma tradicional de jejuar, contudo os fiéis poderão cumprir o preceito do jejum privando-se de uma quantidade ou qualidade de alimentos ou bebidas que constituam verdadeira privação ou penitência.

3. A abstinência, por sua vez, consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre. A sua concretização na disciplina tradicional da Igreja era a abstenção de carne. Será muito aconselhável manter esta forma de abstinência, particularmente nas sextas-feiras da Quaresma. 
Mas poderá ser substituída pela privação de outros alimentos e bebidas, sobretudo mais requintados e dispendiosos ou da especial preferência de cada um.

Contudo, devido à evolução das condições sociais e do género de alimentação, aquela concretização pode não bastar para praticar a abstinência como acto penitencial. Lembrem-se os fiéis de que o essencial do espírito de abstinência é o que dizemos acima, ou seja, a escolha de uma alimentação simples e pobre e a renúncia ao luxo e ao esbanjamento. Só assim a abstinência será privação e se revestirá de carácter penitencial.

4. O jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-Feira de Cinzas e em Sexta-Feira Santa.

5. A abstinência é obrigatória, no decurso do ano, em todas as sextas-feiras que não coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades. Esta forma de penitência reveste-se, no entanto, de significado especial nas sextas-feiras da Quaresma.

6. O preceito da abstinência obriga os fiéis a partir dos 14 anos completos. O preceito do jejum obriga os fiéis que tenham feito 18 anos até terem completado os 59. Aos que tiverem menos de 14 anos, deverão os pastores de almas e os pais procurar atentamente formá-los no verdadeiro sentido da penitência, sugerindo-lhes outros modos de a exprimirem.

7. As presentes determinações sobre o jejum e a abstinência apenas se aplicam em condições normais de saúde, estando os doentes, por conseguinte, dispensados da sua observância.
Determinações relativas a outras penitências

8. Nas sextas-feiras poderão os fiéis cumprir o preceito penitencial, quer fazendo penitência como acima ficou dito, quer escolhendo formas de penitência reconhecidas pela tradição, tais como a oração e a esmola, ou mesmo optar por outras formas, de escolha pessoal, como, por exemplo, privar-se de fumar, de algum espectáculo, etc.

9. No que respeita à oração, poderão cumprir o preceito penitencial através de exercícios de oração mais prolongados e generosos, tais como: o exercício da via-sacra, a recitação do rosário, a recitação de Laudes e Vésperas da Liturgia das Horas, a participação na Santa Eucaristia, uma leitura prolongada da Sagrada Escritura.

10. No que respeita à esmola, poderão cumprir o preceito penitencial através da partilha de bens materiais. Essa partilha deve ser proporcional às posses de cada um e deve significar uma verdadeira renúncia a algo do que se tem ou a gastos dispensáveis ou supérfluos.

11. Os cristãos que escolherem como forma de cumprimento do preceito da penitência uma participação pecuniária orientarão o seu contributo penitencial para uma finalidade determinada, a indicar pelo Bispo diocesano.

12. Os cristãos depositarão o seu contributo penitencial em lugar devidamente identificado em cada igreja ou capela, ou através da Cúria diocesana. Na Quaresma, todavia, em vez desta modalidade ou concomitantemente com ela, o contributo poderá ser entregue no ofertório da Missa dominical, em dia para o efeito fixado.

13. É aconselhável que, no cumprimento do preceito penitencial, os cristãos não se limitem a uma só forma de penitência, mas antes as pratiquem todas, pois o jejum, a oração e a esmola completam-se mutuamente, em ordem à caridade.

(Normas estabelecidas pela CEP para todas as dioceses de Portugal em Julho de 1984 e publicadas em 28 de Janeiro de 1985).

Em síntese:

1. Jejum e abstinência (e outras práticas penitenciais) têm duas finalidades principais e concomitantes: exercício de desprendimento e prática da caridade.

2. Jejum consiste em alimentação simples e frugal, de acordo com a idade e o estado de saúde de cada pessoa.

3. Abstinência é a privação da carne na alimentação ou de qualquer outro alimento apetecível ou requintado. Não praticaria verdadeira abstinência quem substituísse um frugal prato de carne por um requintado prato de peixe ou marisco, por exemplo.

4. Para além do jejum e da abstinência, existe um número muito variado de outras práticas penitenciais que poderão substituir ou, melhor ainda, ir concomitantemente com eles: partilha de bens, oração, leitura meditada da Palavra de Deus, peregrinação a pé, retiro, perdão e reconciliação, a prática das obras de misericórdia, etc., incluídas as práticas que cada um eleger para si mesmo.

5. Os tempos mínimos de jejum são a quarta-feira de Cinzas e a sexta-feira Santa, sendo recomendável fazê-lo noutras ocasiões.

6. Os tempos mínimos de abstinência (no sentido que hoje o magistério da Igreja dá a esta prática) são todas as sextas-feiras do ano (incluídas naturalmente as da Quaresma) e a quarta-feira de Cinzas, sendo igualmente recomendável fazê-la noutras ocasiões.

7. O cumprimento dos preceitos de jejum e abstinência poderão ser sob forma de esmola (traduzida numa participação pecuniária correspondente à renúncia que é recomendada).

8. Essa participação em dinheiro efectua-se em dois momentos:

a) o correspondente à renúncia durante a Quaresma é entregue na paróquia em dia (ou dias) indicado(s) pelo pároco);

b) o correspondente à renúncia ao longo do ano é entregue na paróquia (num lugar indicado para este fim) ou na cúria diocesana.

A finalidade a dar a essas renúncias em dinheiro é estabelecida em cada ano pelo Bispo diocesano.

Não se deve, pois, confundir “renúncia penitencial” com “renúncia quaresmal”, reduzindo a renúncia penitencial anual à renúncia feita no tempo da Quaresma.