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domingo, 27 de janeiro de 2019

Podemos estar enfermos e não doentes?

A cura da filha de Nain - Paolo Veronese

     Para os médicos, doente e enfermo são palavras sinónimas. Contudo, para um católico, como afirma Santo Agostinho, os dois termos são bem diferentes.

     Um doente é aquele que passa por alguma alteração do seu estado de saúde física, enquanto o enfermo é aquele que “não está parado”, ou seja “in-firmus”, obcecado com a sua própria inquietude ligada ao pecado e que não tem firmeza na vontade, que é espelhada depois na falta de constância de todo o seu ser. Seria, portanto, uma doença espiritual que leva à morte eterna, pois faz com que o Homem viva para os prazeres exteriores, procurando a grandeza, a beleza, a verdade não em Deus, mas nas criaturas e nos objetos sensíveis que não as podem oferecer.

     Ora se é assim, será que muita gente hoje não estará enferma e não sabe? É verdade que a vida do homem sobre a terra é uma contínua tentação que coloca em risco a nossa saúde espiritual. Mas Deus, o Divino Médico, é misericordioso. Se estivermos unidos a Ele, procurarmos servi-Lo e amá-Lo acima de todas as coisas, seremos curados das nossas enfermidades.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Santa Estratonice e Santo Seleuco, mártires


A graça de Deus penetra nos corações muitas vezes inesperadamente e, se a alma não se opuser à ação de Deus, ela provoca mudanças muito rápidas. Foi o aconteceu com Santa Estratonice e São Seleuco.
Esta impressionante paixão deu-se no tempo da cruel perseguição exercida contra a Igreja de Deus pelo Imperador Galério Maximino (305-311). Sobre as muralhas de Cízico, na Mísia (atual Turquia), a filha do prefeito da cidade, Estratonice, quis ver de perto, aos pés da muralha, os suplícios pelos quais passavam um grande número de cristãos, que eram levados para lá, vindos de várias partes da região. Ela era pagã, como o seu pai Apolónio, como o seu marido Seleuco, um dos jovens mais distinguidos da cidade. Estratonice era jovem, rica, amada e sonhava ter, certamente, uma vida sem muitas preocupações.
Contudo, o espetáculo, que ela presenciara, perturbou-a profundamente. Aqueles homens, aquelas mulheres, aqueles idosos que padeciam tormentos atrozes com os olhos postos no Céu, com uma serenidade na fisionomia, com o nome de Jesus nos lábios, encheram-na de espanto e de estupor. E virando-se para aqueles que a acompanhavam, disse: “Que estranho! Os outros condenados vão para morte a tremer e a lamentar-se. Estes aqui, caminham para ela com calma e até com alegria. Mas, com que esperança? Quem é este Jesus que eles invocam quando dão o último suspiro?”
Um jovem cristão ouviu-a. Ele estava ali, escondendo a sua fé por medo, como dizem os Atos. Mas, o desejo de fazer bem a Estratonice foi mais forte do que o de permanecer desconhecido. Aproximando-se, disse-lhe em voz baixa: “Depois desta vida, esperamos uma outra imortal. Àqueles que sofrem sem desfalecer têm-na garantida, pois oferecendo a sua vida por Deus, eles terão no Céu uma recompensa eterna”.
Estratonice interessou-se, e perguntou-lhe: “Quem me revelará esta vida bem-aventurada que me referiu?”
As suas amigas, que conheciam o seu temperamento altivo e seguro, espantaram-se ao vê-la falar com um desconhecido. Mas, qual não foi a estupefação delas ao ver que, de repente, levantando-se da sua cadeira, Estratonice fez o sinal da Cruz, pronunciando em alta voz : “Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus dos cristãos, abri os meus olhos para a vossa luz e dai-me um sinal da verdade!”
A graça que acabava de penetrar naquela alma, abriu-lhe os olhos. Ela viu uma coluna de luz descer do Céu sobre os pobres corpos despedaçados, enquanto as suas almas subiam nas alturas.
De seguida, ela deixou os seus servos, desceu em direção à porta mais próxima da cidade, passou pela multidão, sem se preocupar com o seu rango e a sua família e ajoelhou-se aos pés dos mártires. Ela osculou as suas chagas, e chorando, exclamou: “Senhor Jesus Cristo, dai-me a graça de morrer, eu também, por Vós!”
Rapidamente, correram até à casa de Apolónio para lhe contar o que estava sucedendo com a sua filha. Apavorado, ele correu para junto dela, viu-a debruçada sobre os corpos santos, manchada com o sangue deles e perguntou-lhe: “Minha filha, minha filha, o que fazes? Desonras assim a tua família aos olhos de todos os habitantes de Cízico?
Ao que, ela respondeu-lhe: “Não meu pai, não lha desonro. Se quiser e se abjurar os falsos deuses, como fiz, salvo-lha.”
Apolónio começou a derramar lágrimas e não lhe respondeu. O juiz, indeciso e inquieto, emocionado diante do comportamento de Apolónio, ordenou que jogassem os corpos no mar.   Por sua vez, levaram à força a jovem para a casa dos pais.
Ali passou Estratonice a noite, em oração. "Senhor Jesus, dizia, não me abandonai, pois acredito em Vós". Enquanto ela rezava e chorava, um anjo apareceu-lhe e pronunciou as seguintes palavras:" Coragem, Stratonice! Após os tormentos dos mártires, a glória dos santos!” E desapareceu.
No dia seguinte, depois de outra tentativa do seu pai, desta vez com muito mais ternura, ela saiu de casa e voltou para o lugar da sua conversão. No portão da cidade, encontrava-se Seleuco, seu marido, no meio de um grupo de amigos. Ela correu até ele e disse-lhe: "Seleuco, meu irmão, convido-te a começar uma nova vida. Andemos juntos ao Salvador do mundo, entremos juntos na felicidade eterna!”
Seleuco, que amava a jovem esposa com ternura, ouviu atentamente as suas palavras. E, já tocado pela graça, respondeu-lhe: "Quem é, querida Estratonice, esse novo Deus a quem adoras? Está acima dos nossos?”
E Estratonice explicou-lhe: Os nossos deuses são apenas ídolos ociosos. Jesus, que acaba de me deslumbrar com a Sua luz, é o verdadeiro Deus; Ele fez-Se homem, deixou-Se crucificar, salvando assim todo o género humano." E caindo de joelhos, prosseguiu: "Senhor Jesus, iluminai-o, tocai-o! Que ele também acredite em Vós! Que ele entenda que Vós sois o verdadeiro Deus!"
Levantando-se, tomou a mão de Seleuco, e colocou-a sobre o solo ainda húmido com o sangue dos mártires. Ambos prosternaram-se e rezaram a Deus, pedindo-Lhe que lhes fosse propício.
Esta mudança repentina indignou os amigos e servos de Seleuco, que se dirigiram à casa de Apolónio, que estava reunido com o juiz. Eles foram advertidos do comportamento de Estratonice e do novo prosélito. Apolónio pediu e obteve um atraso de sete dias para tentar convencê-la. Entretanto, todas as tentativas foram vãs: lágrimas, orações, apelo ao amor filial, ameaças; nada resultou.
Então ele trancou-a com Seleuco num quarto escuro. À noite, enquanto rezavam, um anjo visitou-os. Cobriu as portas da casa e da cidade, e levou o casal ao lugar onde os mártires foram mortos. Ali encontraram os dois, de joelhos, na manhã seguinte.
O juiz decidiu, então, intervir. Perguntou quem tinha libertado os dois jovens. Ao que Estratonice, respondeu-lhe: “Ninguém! Ninguém a não ser Jesus Cristo, Aquele que trancado e fechado num túmulo guardado pelos soldados, passou através da pedra."
E com um conhecimento que só podia ter recebido de Deus, ela expôs a fé católica, citou as Escrituras, para admiração de todos. Furioso, o juiz mandou deitarem-na sobre um cavalete, açoitando-a com uma correia sobre a qual haviam colocado vários espinhos. Depois, foi a vez de Seleuco. No começo, ao ser condenado a espancamentos cruéis, ele tremeu. Mas Estratonice pegou a sua mão e encorajou-o. E ele gritava: "Ajudai-me, Senhor Jesus!” E a coragem não mais lhe falhou.
No dia seguinte, ambos foram conduzidos ao tribunal. Em vão o juiz tentou sufocar os mártires no meio de vapores de enxofre. Eles se transformavam em perfumes. Também não deu resultado o suplício das lâminas de ferro em brasa nas quais seriam enrolados, pois elas perdiam o calor. Depois de os terem dilacerado o corpo com golpes, ordenou que fossem encarcerados novamente.
Três dias se passaram. No quarto, foram retirados da prisão e levados novamente ao juiz. Eles não tinham sido alimentados, nem tinham mudado de roupas. No entanto, eles reapareceram cheios de vigor, sem nenhum traço de ferimento. O carcereiro protestou, dizendo que não deixara ninguém entrar na prisão. Quando perguntados qual era o nome do médico que lhes tinha tratado, Estratonice gracejou, dizendo: "O que fará com este médico, se eu o nomear? E o juiz respondeu: “Pelos deuses! Vou submetê-lo aos tormentos mais terríveis.” Interrompendo-o, afirmou:  "Este médico é Cristo; Foi Ele que curou as feridas que a sua crueldade nos fez. Quem poderia ter sido, senão Ele? "
E os tormentos recomeçaram. Durante três horas os flancos dos mártires foram rasgados com pregos de ferro, chegando a expor os seus ossos. Mas diante da impassibilidade de Estratonice, o juiz exclamou: “Parece que você não sofre!”
"Não, respondeu-lhe. Dou assim testemunho de Jesus Cristo. Tenho algo em mim que me impede de sentir a dor: é a esperança de uma felicidade que será tanto maior quanto mais você me atormentar. "
O que fazer? O que poderia o juiz inventar para castigá-los ainda mais? Aceitando o parecer dos seus conselheiros mais experientes, decidiu coloca-los num porão apertado, onde permaneceriam junto ao corpo em decomposição de quinze miseráveis, deixando-os assim apodrecer. No meio das lágrimas dos seus pais, dos gritos de compaixão da multidão, Estratonice e Seleuco foram levados para sofrer esta estranha e ignóbil tortura.
Com grande pressa e com muito cuidado para não serem infectados, os coveiros jogaram os cônjuges na cova e selaram-na com uma pedra. Mas Deus, infinitamente bom, expulsou os odores pestilentos, substituindo-os por aromas deliciosos.
Quando ao fim de sete dias foram constatar a morte dos mártires, qual não foi o espanto geral ao encontra-los cheios de vida e sorrindo. A multidão, ao vê-los, começou a gritar que se tratava de um milagre. A prova já tinha durado o suficiente; a recompensa finalmente chegara. Os dois jovens foram sentenciados a serem decapitados por um golpe de espada. Quando o veredicto foi pronunciado, Estratonice, levantando os olhos para o céu, exclamou: "Senhor Jesus, se por vós desprezei esta vida frágil, dai-me agora a vida eterna”.
Pondo-se de joelhos e com os olhos voltados para o Céu bradou, enquanto o carrasco levantava a espada: "Senhor Jesus, ajudai-me"! E a sua cabeça rolou.
Seleuco, por sua vez, foi decapitado, pronunciando as mesmas palavras, tendo o seu corpo caído ao lado do da sua esposa.
Uma nobre dama, chamada Teotista, obteve autorização para recolher os santos corpos. Ela colocou-os no mesmo túmulo. E quando Constantino deu liberdade aos cristãos, ele construiu junto à campa de Santa Estratonice e de Santo Seleuco uma igreja.

domingo, 13 de janeiro de 2019

13 de janeiro: Santo Hilário (Bispo)

Santos do Dia

13 de janeiro
Santo Hilário (Bispo), Doutor da Igreja

Com a subida ao trono imperial de Constâncio II, filho de Constantino, o Grande (337), o arianismo voltou a erguer a cabeça. Esta heresia - que minou o cristianismo na sua base, ao não reconhecer o Verbo, senão como uma criatura, a mais perfeita de todas, é verdade, mas recusando-se a admitir que Jesus Cristo é Deus encarnado - já tinha sido condenada pelo Concílio de Nicéia (325) e, no princípio, vigorosamente reprimida por Constantino. Mas a intriga de Ário e os seus seguidores, especialmente de Eusébio, bispo de Nicomédia, fez com que, no final da sua vida, o velho imperador se tornasse mais conciliador para com os hereges. Quando Constâncio II sucedeu a seu pai, a balança parecia, humanamente falando, pender igualmente para a Ortodoxia e para a heresia. Mas, esta última ira quebrar o equilíbrio a seu favor, graças ao apoio da Imperatriz Eusébia (352).


Foram anos dolorosos aqueles vividos pela Igreja entre 352 e 361. As subtilezas, prevaricações, intrigas, inveja dos Orientais levaram a uma pergunta de bom senso e de justiça que os Ocidentais teriam resolvido rapidamente. As partes foram conseguindo cada vez maior apoio, dividindo-se a favor ou contra a adoção de uma palavra, primeiramente apresentada pelos Padres de Nicéia, e depois transformada em expressão necessária da verdade dogmática - necessária, já que se ela fosse retirada, parecia dar razão ao erro. Dir-se-ia que o Pai e o Filho eram da mesma substância (homoousioi) ou simplesmente de substância similar (hornoiou-síoz)? Se o segundo termo cavava entre eles um abismo, o primeiro não identificava as duas pessoas divinas?

A linguagem dos antigos Padres gregos confundia, por usar, muitas vezes, uma ou outra palavra, através das quais traduzimos hoje os conceitos diferentes de substância e de pessoa. Era fácil subtilizar sobre as palavras, para encontrar a ocasião, valiosa para o espírito litigioso dos gregos, discussões intermináveis, ​​de persistir em brigas exercidas com o intuito de dominar, à custa da verdade.

A intrusão do despotismo em questões de fé fez com que a controvérsia de ideias se transformasse em perseguição. Uma vez que o imperador tomou parte em favor de alguns homens, sem atingir talvez a sua fé pessoal, usou e abusou da sua autoridade omnipotente para tentar dobrar diante dele a fé de todo o mundo.

Quando Constâncio II morreu, a fé, como uma boa espada que volta a ficar direita depois de ser dobrada, voltou à normalidade, íntegra. Se o mundo, de acordo com a palavra de São Jerónimo, gemeu ao ver-se de repente ariano, ele não demorou para rejeitar o veneno. Ele voltou a ser católico para resistir à perseguição pagã de Juliano, o Apóstata.

Mesmo diante de Constâncio II, não faltaram defensores da ortodoxia. Ao lado do valente Atanásio, a verdadeira fé teve os seus confessores e mártires. O mais ilustre destes foi Santo Hilário.

Embora saibamos muito pouco sobre os seus primeiros anos, parece que "ele não nasceu cristão, mas tornou-se "(Tillemont).  Os seus pais, nobres e ricos, viviam em Poitiers (ou talvez Clere, no Anjou), quando este filho lhes foi dado. Eles instruíram-no com grande cuidado nas ciências, especialmente, nas letras e casaram-no, antes dele conhecer a verdade católica. Ele mesmo conta, no começo de seu livro sobre a Trindade, como a preocupação com a fim do homem e a vida eterna abriram-lhe os olhos. O absurdo dos dogmas pagãos, horrorizavam-no. E, o encontro com a Sagrada Escritura, especialmente o Evangelho de São João, fez o resto. Batizado, ele começou por trazer à sua fé a sua esposa e a sua filha. Mas não foram apenas com estas duas queridas criaturas que ele limitou o seu apostolado; o seu zelo era tão grande para com todos, que logo depois da morte de Maxêncio, bispo de Poitiers, o clero e os fiéis insistiram com ele para que aceitasse o episcopado. E ele achou impossível escapar a este chamamento.

A partir deste momento, de acordo com a lei já estabelecida de continência para os clérigos, ele pediu à sua esposa, e obteve o seu consentimento, para que ela o “visse no altar, transfigurado na chama do sacrifício, amando-o apenas como um irmão" (P. Largent).

Provavelmente por volta de 350, Hilário recebeu a unção episcopal. Pouco tempo depois, quando ele já era bispo, os hereges levantaram audaciosamente o estandarte de Ário. O Imperador, instigado por eles, declarou, primeiro, guerra a Atanásio, o patriarca de Alexandria e o defensor mais enérgico da Fé. Depois, pretendeu curvar o Ocidente e o Oriente às suas preferências dogmáticas. Ele baniu Lúcifer de Cagliari, Dionísio de Milão, Eusébio de Vercelli, que resistiam ao erro; logo depois, o velho e venerável Ósio, bispo de Córdoba e até o papa Libério tiveram que partir para o exílio. Clérigos e fiéis estavam aterrorizados. Hilário, atreveu-se a tomar então a palavra para defender a verdade. Primeiro, reuniu um Concílio de bispos, que condenou e rejeitou energicamente os principais fautores das medidas tirânicas. E ele não hesitou em apresentar ao imperador, em termos inteligentes e medidos, mas muito firme e muito explícito, a sua defesa à Igreja e aos bispos sancionados e exilados. Juliano, que seria posteriormente conhecido como o apóstata, governava a Gália. Diante da sua inércia e indiferença, Saturnino, Bispo de Arles, um dos excomungados do Concílio organizado por Hilário, convocou os seus partidários para uma reunião em Béziers. O bispo de Poitiers teve a ousadia de ir até lá. Mas o que fazer diante de oponentes que não quereriam ouvi-lo e que esperavam conseguir “enganar o próprio Cristo "?

A sua voz foi abafada pelo clamor e os seus opositores conseguiram de Juliano uma ordem de exílio. Em junho de 356, Hilário de Poitiers e Ródão, de Toulouse, tiveram que partir para a Frígia. Ródão morreria ali; Hilário, mais do que nunca se mostraria como soldado da verdade católica.

Assim que chegou ao exílio, preocupou-se em estabelecer, em face aos erros da heresia, a verdadeira doutrina tradicional. Esta é a origem do seu Tratado da Trindade, em doze volumes, onde a geração eterna do Verbo e a sua consubstancialidade com o Pai são, sucessivamente, estabelecidas. Hilário não foi o primeiro a tratar do assunto; mas o seu trabalho "excede o dos seus antecessores pela precisão da doutrina e pela extensão da execução. Ele é o primeiro dos latinos a lutar contra o arianismo e a criar uma linguagem, introduzindo num idioma até aquela altura rebelde as precisões da doutrina católica e das delicadezas do pensamento grego” (Largent).

Ao mesmo tempo, talvez, a pedido de alguns colegas do episcopado da Gália, enviou-lhes uma longa carta, onde, enquanto exortava-os a manterem-se firmes nas definições conciliares, pretendia esclarecer as suspeitas mútuas que separavam os bispos orientais, dos ocidentais; e deixando a linha de uma inflexibilidade intransigente e de uma indulgência comprometedora ou suspeita, estendeu uma mão compassiva àqueles que uma fraqueza humana retinha nas fileiras semi-arianas. Esta carta provocou muitas críticas da parte de alguns confessores da fé, como Lúcifer de Cagliari, que chegou ao ponto de cessar toda a comunicação com Hilário. Mas ele não acreditava ser necessário partir ainda mais a cana meio rachada, através de uma ortodoxia apresentada com ferocidade.

No entanto, no mesmo ano em que Hilário terminou o seu Tratado da Trindade, em 359, Constâncio II ainda estava tentando restaurar a unidade da fé, tal como sonhava o seu imperialismo. Ele, inicialmente, tinha pensado convocar um Concílio universal em Constantinopla; mas um terremoto assustador e, em seguida, um imenso incêndio, arruinaram a cidade e destruíram o seu plano. Os arianos, acreditando poder dominar mais facilmente qualquer resistência, aconselharam-no a convocar os bispos, simultaneamente em dois Concílios, um em Rimini, para o Ocidente e o outro em Selêucia da Isauria, para o Oriente.  Nenhum dos dois mereceriam o título de ecuménico. O de Rimini foi realizado, lamentavelmente, sob a violenta pressão dos bispos hereges Ursácia e Valens, diante de uma quase total deserção do episcopado. No outro de Selêucia, Hilário foi convocado e nele participou corajosamente. A sua bravura impediu os excessos de uma minoria de exaltados, comandados por Acácio, bispo de Cesaréia. Quando este, indignado, conseguiu fazer com que o Concílio fosse dissolvido pela partida irritada do representante de Constâncio II, Hilário seguiu Acácio até Constantinopla, provocando-o, desafiando-o a uma discussão, para a qual o herege, assim como seus seguidores, não queriam a qualquer preço. Para se livrar desse oponente intratável, pareceu-lhes não haver outra solução a não ser a de o mandar de volta para a Gália. Constâncio II concordou com o pedido, sem revogar, contudo, o decreto de exílio. Depois de defender a fé no Oriente, Deus permitiu que Hilário a levasse de volta ao Ocidente.

Mas ele não queria partir sem antes manifestar a sua oposição contra o perseguidor coroado, indignação que ele tinha conseguido conter até aquela altura, na esperança de ser ouvido. As suas invectivas contra Constâncio II estouraram como trovão e fulminaram o criminoso imperador que usava o seu poder para corromper os fiéis de Cristo. Entre os rumores desta raiva santa, ele caminhava em direção à sua terra natal. Diante desta notícia, Martinho, que acabara de deixar o exército e vivia numa ermida de uma ilha do golfo de Génova, apressou-se a encontrar com este mestre ilustre, com quem se afeiçoara. Mas, só conseguiu encontrá-lo em Poitiers. Colocando-se sob o seu cuidado e direção, não demorou em fundar, não longe da sua cidade, a ilustre abadia de Ligugé, onde nos últimos anos da sua vida, Hilário procurou hospedagem para seguir um regime de penitência monástica.

O bispo viajava lentamente em direção à Gália, acolhido e aclamado por todos como um vencedor, em todos os lugares reforçava a coragem, abafava as intrigas, pacificava os corações. Graças a ele, os líderes oficiais do arianismo francês, como Saturnino de Arles e Paterne de Périgueux, foram deposto das suas sedes episcopais, os outros, os fracos, os arrependidos, encontraram misericórdia.

Esta sabedoria restaurou a paz, arruinando a heresia, e o seu sucesso fez com que Hilário fosse chamado a resolver na Itália as mesmas questões de divisão provocadas pelo arianismo. Constâncio II tinha acabado de morrer em Mopsuestia (361). Juliano, o Apóstata, sucedeu-o e, com o desejo de perturbar a Igreja e não com intuitos de justiça, permitiu a todos os exilados, ortodoxos ou hereges, retornarem às suas igrejas. Assim, Eusébio de Vercelli retornou do exílio. Passando por Alexandria, consultou Atanásio e os dois santos concordaram em prosseguir uma política de conciliação, posição concorde com a de Hilário. Ele esforçou-se por unir os seus esforços aos do bispo de Poitiers. A ação deles foi coroada de sucesso, quase que universalmente, tendo sido abençoada pelo Papa Libério, apesar da oposição irredutível de Lúcifer de Cagliari. Apesar disto, a heresia tinha fortificado a sua posição em Milão, governada pelo bispo Auxêncio. Em vão, Hilário dirigiu-se à consciência reta e cristã do Imperador Valentiniano (364). Auxêncio conseguiu enganar Valentiniano que era melhor político que teólogo, ordenando a saída de Hilário de Milão. O santo obedeceu; mas não sem antes proferir palavras muito duras contra o imperador, como tinha feito contra Constâncio. Doce e misericordioso para os fracos, Hilário guardava toda a sua energia vingativa contra aqueles que ao erro juntavam a trapaça ou a violência.

Depois disto, ele viveu inteiramente para o seu rebanho. Provavelmente, durante este período escreveu os seus comentários sobre os Salmos, onde "Ele adopta uma medida certa entre os que, fixando-se no sentido literal e puramente histórico, acreditam não dever procurar outro significado, e os que, referindo tudo a Jesus Cristo, imaginam que os salmos não têm nenhum sentido literal "(Dom Ceillier).

A sua caridade foi exercida não só por palavras e esmolas, mas por milagres. Ele fez muitos e a sua reputação como taumaturgo aumentou consideravelmente depois da sua morte, ocorrida no dia 13 de janeiro de 368.

Ele foi enterrado ao lado da sua esposa e da sua filha Abra, na basílica São João e São Paulo, que hoje traz o seu nome. Ele é venerado por grandes estudiosos e multidões.

Santo Hilário recebeu o título Hilário foi enterrado ao lado da sua
de Doutor da Igreja concedido pelo Beato Papa Pio IX em 13 de maio de 1851.



sábado, 12 de janeiro de 2019

12 de janveiro: Santo Arcádio – Mártire

Santo do dia
12 de janeiro 
Santo Arcádio


Se a existência e o suplício de Santo Arcádio não podem ser colocados em dúvida, os historiadores, de acordo com a autenticidade dos Atos do seu martírio, hesitam quando se trata de precisar a persecução durante a qual ele morreu e o lugar onde ele confessou a fé. Parece que ele deve ser contado entre as vítimas feitas pelo cruel imperador romano Valeriano. Pode ser, também, que ele tenha sido espanhol, nascido na cidade de Osuna, que o tem como patrono. Mas, é bem provável que tenha sido em Cesareia da Mauritânia, hoje Cherchel (Algéria)l, o lugar onde ele tenha recebido a coroa do martírio. Pouco importa que os documentos antigos não façam menção sobre este ponto. O exemplo da sua coragem heróica não deixa de ter menos força; e ele tem mais valor do que a determinação exata de uma data ou de um lugar.

É certo, contudo, que no país onde ele habitava os inimigos da Santa Igreja reprimiam com furor. "Em todos os lugares onde se suspeitava estar presente um servo de Cristo, a perseguição começava. O tirano forçava o povo cristão a comparecer em sacrifícios idólatras para fazer libações sacrílegas, a apresentar vítimas coroadas com flores, a unir-se a cantos impuros em meio à fumaça do incenso.»

Agora um cristão, conhecido por sua grande fortuna, - Arcádio era o seu nome, - detestava estas assembleias; resolvido a não tomar parte nelas, pensando, no entanto, não dever enfrentar a morte reservada a todos aqueles que se recusavam a nelas participar, sem ser especialmente chamado por Deus. Além disso, de acordo com o conselho do próprio Senhor, mais de um devoto fugiu da perseguição. Longe de culpá-los, os bispos davam o mesmo conselho. Não era covardia, certamente; muitos mostraram isto morrendo mais tarde heroicamente. Era prudência, desconfiança da falta das próprias forças e medo de tentar a Deus. Para os chefes, tratava-se de manter vivos pastores e guias para os fiéis. Arcádio fez o mesmo. Deixou a sua casa e escondeu-se num local retirado, onde passava os dias em oração e penitência. Mas, por causa da sua situação social, a sua ausência não podia deixar de ser notada. E ela a foi. Começaram a procurar por ele e revistaram a sua habitação. Mas, ela estava vazia. Conseguiram apenas prender e interrogar um parente que tinha passado por ali para fazer uma visita a Arcádio. Ele tentou justificar o ausente, mas em vão. Furioso com o insucesso, o governador da província, mandou prender o parente até que ele indicasse com precisão o lugar onde se escondia Arcádio.

A notícia da prisão não tardou a chegar aos ouvidos do escondido, que não podia suportar a ideia de ver outra pessoa sofrer torturas horríveis e morrer no seu lugar. Além disto, a sua vida de oração inflamara o seu coração do desejo do martírio; ele sentiu que Deus consentia, e até mesmo pedia-lhe para confessar corajosamente a sua fé, dando assim exemplo aos covardes e fortificando os cristãos. Assim, deixando o seu esconderijo, Arcádio foi até à cidade, apresentou-se diante do governador e disse-lhe: "Você tem o meu parente na prisão por minha causa. Solte-o, pois estou aqui, pronto para lhe ensinar o que ele não pôde dizer-lhe e para prestar contas de todas as minhas ações."

O governador tentou primeiro mostrar clemência, dizendo-lhe: "Consinto em fechar os olhos sobre a sua fuga. Você não tem nada a temer, se aceitar apresentar sacrifícios aos deuses, mais tarde. O que me diz?”

“Ó mais inútil dos juízes”, exclamou o mártir. “Você acha que pode assustar os servos de Deus pelo medo de perder uma vida fugaz ou de ver a morte próxima? Para eles, a vida é Cristo, e morrer é um ganho”. E com a força da graça, acrescentou: “Invente todas as torturas que quiser; você não nos separará de Deus."

Esta provocação feriu profundamente o juiz. Cheio de ódio, ele achou que o cavalete, as unhas de ferro ou os chicotes de chumbo eram muito leves. Rapidamente a sua cruel imaginação encontrou um novo e rebuscado tormento que, em sua lenta atrocidade, faria sofrer mil mortes ao valente cristão. Ele deu uma ordem; os lictores entenderam; eles apanharam Arcádio e levaram-no para o local das execuções. Ele caminhava, recomendando-se a Deus; Ajoelhou-se e esticou o pescoço, pensando que iria receber rapidamente a coroa do martírio. Mas ele deveria sofrer mais. O carrasco fez com que ele estendesse a mão; Com golpes sucessivos e medidos, ele cortou os dedos, talhou os pulsos e deslocou os cotovelos e os ombros. Arcádio, no entanto, ofereceu os seus sofrimentos a Deus: "As Vossas mãos, ó Senhor, me fizeram, moldaram-me; dai-me  inteligência!”

O tirano não tinha pensado cortar-lhe a língua. Assim, todo o tempo da sua longa agonia, ele usou-a para louvar o seu Criador.

Depois das mãos, braços, o carrasco virou-se para os dedos dos pés, pés e pernas; procedendo lentamente a esta horrível dissecação. Tudo o que restou do santo foi um tronco inundado de sangue. E ele, no entanto, continuava a felicitar os seus membros pelo sacrifício feito: "Bem-aventurado sois vós! Nunca foste mais querido para mim do que quando vos vejo separado do meu corpo e oferecidos à glória de Deus!”

E como as últimas gotas de sangue ainda não se tinham esvaído, reunindo as suas forças, corajosamente, disse aos assistentes em voz agonizante: "Não é nada, não é nada! Tudo isto é fácil de se suportar quando se tem o hábito de pensar no céu. Pensem nisto. Deixem os falsos deuses, adorem o único verdadeiro Mestre, aquele que me apoiou com a sua graça, aquele que me receberá como vencedor e me protegerá para sempre!"

Assim faleceu Santo Arcádio, em paz. Os pagãos ficaram maravilhados com tanta paciência, e os cristãos animaram-se com este exemplo de sofrimento por Cristo.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

11 de janeiro: Santo Teodósio, o Cenobiarca


Santo do dia
11 de janeiro

Santo Teodósio, o Cenobiarca


Não foram apenas as areias da Tebaida que ilustraram e santificaram a penitência nos primeiros séculos da era cristã. Se o Egipto teve os seus Paulo, António, Macário, etc., a Síria, a Palestina tiveram, também, os seus; a vida monástica ou cenobita seduziu, nesses países, inúmeros pessoas que deram aos fiéis o exemplo das mais altas virtudes, e durante a perseguição dos emperadores pagãos ou heréticos, o socorro, através das suas exortações e inabalável ortodoxia. Foi este o duplo serviço prestado admiravelmente à Igreja do seu tempo por São Teodósio, apelidado de cenobiarca, isto é o chefe dos cenobitas.

Ele era da cidade de Gariso, na Capadócia (atual Turquia), onde nasceu por volta do ano 423. A situação financeira confortável dos seus pais, muito piedosos, permitiu que ele se dedicasse ao estudo das Sagradas Escrituras. E foi tão bem sucedido, que começou a explicá-las ao povo. Até aos vinte e oito anos, exerceu esta função. Mas o desejo ardente de sair do seu país para encontrar e servir da Deus, como Abraão, levou-o a partir para Jerusalém. Passando pela Antioquia, quis conhecer e consultar São Simão Estilista, cuja fama era universal. Mal, ele entrou no pátio, no centro do qual se elevava a coluna do Santo, que este, advertido por inspiração divina, exclamou: "Bem-vindo, Teodósio, homem de Deus!". Simão convidou-o a subir, a vir até ele, abraçou-o afectuosamente e previu o seu futuro. Era o ano 451, tendo, o Quarto Concílio de Calcedónia, que condenaria Eutiques, acabado de começar.

Confortado por esta visita, o jovem retomou o seu caminho. E começou por colocar-se sob a orientação de um santo eremita chamado Longino, que o iniciou  na vida anacoreta. Pouco tempo depois, devido às insistentes orações de uma piedosa mulher chamada Icélia, Longino aconselhou-o a dirigir-se à capela que ela tinha construído em honra de Nossa Senhora. Ali começaram a chegar muitos peregrinos, atraídos pela sua fama de santidade, que não parava de aumentar. São Teodósio que tinha vindo de tão longe para encontrar Deus na solidão ficou assustado. E fugiu para o topo de uma montanha próxima, onde havia uma caverna, que segundo a tradição, teria albergado, por uma noite, os Reis Magos, quando retornaram de Belém. A vida que ele começou a levar ali era de grande austeridade. Só se alimentava do indispensável para viver: tâmaras, comendo até o caroço amolecido na água, vagens e ervas. Durante trinta anos, não comeu sequer um pedaço de pão. Todo o seu tempo, dia e noite, era dedicado à meditação e à oração, mantendo assim intacta, pela contínua mortificação, a pureza perfeita de alma e de corpo. Ao mesmo tempo, a alegria interior em que vivia transparecia nos seus traços fisionómicos e nos seus atos: uma felicidade contagiante, uma trato afabilíssimo, uma caridade sempre pronta para ajudar.

Numa altura, tão diversa da nossa, em que tantos corações estavam apaixonados pela perfeição, onde tantos aspirantes à santidade procuraram um guia, um pai, Teodósio não pôde passar despercebido. Os discípulos abundaram rapidamente ao redor dele; ele achou que, para os receber, deveria procurar um lugar mais espaçoso e para tal começou a caminhar em direção ao Leste. Nas suas mãos levava um turíbulo apagado, rezando e pedindo a Deus que o acendesse no lugar onde eles deveriam estabelecer-se.

Em vão caminhou até ao Mar Morto. Deu meia volta e eis que o turíbulo se acendeu quando entraram na gruta dos Reis Magos, de onde tinham saído, pois era ali que Deus queria que eles permanecessem. Teodósio começou a construir um mosteiro, com muitas lauras ou celas para seus filhos. Parecia uma pequena aldeia, onde habitações separadas se sucediam, reunindo um grupo mais ou menos numeroso de cenobitas, ou seja de religiosos reunidos para uma vida comunitária. Como o número de discípulos não parava de aumentar, Teodósio teve de construir várias igrejas, segundo as diferentes origens e ritos: uma para os gregos, uma para os arménios, uma para os árabes, uma para os Bessos, povo do Norte que falava a língua esclavónia (da região da atual Croácia). Uma estava reservada para os penitentes, para aqueles a quem uma vida solitária no deserto serviria para reparar as enormes ofensas cometidas contra Deus e até para aqueles que tinham sido possessos ou que tivessem oferecido as suas vidas ao demónio, mas que se tinham arrependido.

O mosteiro, pela grande caridade de Teodósio, estava aberto a todas as misérias: não se recebia pior os pobres, do que os penitentes ou aspirantes à vida perfeita. Muitos faziam a viagem só para ver, consultar, admirar o santo, desfrutar das suas conversas, aprender com ele os segredos de Deus. Teodósio recebia a todos com muita bondade, oferecendo sempre um conselho para atingir um grau superior de perfeição e repartindo com largueza os bens do mosteiro. Muitas vezes, a dispensa se esvaziava, antes mesmo que as mãos pedintes estivessem cheias. Mas a caridade divina vinha rapidamente em auxílio à caridade humana e os recursos eram milagrosamente multiplicados.

Contudo, estes não são, nem de longe, os únicos milagres concedidos pela poderosa intercessão de Teodósio. Perto dele viveu outro Santo, Sabas, cujo nome venerado manteve e ainda mantém as ruínas do seu Êremo.

Uma estreita amizade não tardou a ligar Sabas a Teodósio. Eles gostavam de se encontrar, conversar sobre os mistérios do Céu; juntos procuravam outros meios de dilatar a glória de Deus pela fé.

O bispo e patriarca de Jerusalém, Salusto, tinha para com ambos a mais profunda admiração. Para estender a sua influência, resolveu dar-lhe maior autoridade. A Teodósio, confiou o título de cenobiarca e o governo supremo de todos os mosteiros que se tinham formado na região. A Sabas, atribuiu a direção de todos aqueles que por aquelas terras se tinham reunido para levar uma vida eremita. Era um verdadeiro exército que iria apoiá-los nas lutas futuras. Porque a Igreja, tendo desfrutado de uma longa paz graças à ortodoxia dos imperadores, iria ver levantar-se contra ela, novamente, dias difíceis.

Cenas da vida de São Teodósio
Entretanto, Anastácio, que subiu ao trono em 491 após o reinado de Zenão, começara dando grandes esperanças. Mas, rapidamente, deixou-se vencer pela heresia eutiquiana, que negava que a natureza humana de Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria tivesse subsistido depois da sua união com a natureza divina. O Concílio de Calcedónia já tinha condenado esta teoria em 451. Mas heresia não tinha morrido! Ela esperava triunfar graças ao apoio do imperador. Este, que conhecia a grande influência de Teodósio, tentou conquistá-lo, enviando-lhe uma grande soma dinheiro para o ajudar nas suas esmolas. O santo adivinhou a intenção secreta de Anastácio. Mais hábil do que ele, aceitou dinheiro e agradeceu a oferta. Então, o imperador desmascarando o seu jogo, pediu ao venerável cenobiarca para fazer a sua confissão de fé, no que dizia respeito ao ponto controverso. Teodósio não hesitou, reuniu todos os seus discípulos e afirmou: "É agora que devemos preparar-nos para sofrer e para morrer pela Fé verdadeira."

Em seguida, respondeu claramente, afirmando a sua adesão aos quatro Concílios de Nicéia, Constantinopla, Éfeso e Calcedónia.

Apesar da sua avançada idade, quis fazer mais: percorreu cidade por cidade, mosteiro por mosteiro, encorajando, fortalecendo os espíritos, lutando contra os subtis argumentos através dos quais os emissários de Anastácio pretendiam apoiar o erro.

O imperador, furioso contra os bispos fiéis, expulsou João, bispo de Jerusalém, substituindo-o pelo chefe dos acéfalos (este era o novo nome da seita dos hereges). Contudo, nem Sabas nem Teodósio o deixaram. Eles o advertiram contra todas as medidas que pudessem ser desfavoráveis à fé ortodoxa.

E como Olimpios, o enviado do imperador, pediu-lhes para atender os pedidos do seu chefe, segurando nas mãos dos dois santos, levou-os para diante do ambão. Mas ele não esperava que fossem anatematizar Eutiquio, Nestório e Severo. Depois de João, Teodósio, tremendo, gritou para o povo reunido: "Que aquele que não aceita os quatro Concílios, como os quatro Evangelhos, seja anátema!” E depois destas palavras fortes, todos os três, passando pela multidão emocionada, saíram da igreja. Olimpios, apavorado fugiu para Cesareia. Anastácio, sob a condenação de heresia, respondeu com uma sentença de exílio contra os três defensores da Fé.

Mas o exílio foi curto. Anastácio morreu na Quinta-feira Santa do ano de 518, atingido por um raio.

Teodósio retomou então a sua vida de oração, de humildade e de caridade incansável. Ao mesmo tempo, ele multiplicou os milagres que aliviavam a vida dos desgraçados. Ele curou, por exemplo, um canceroso que tocou na sua roupa; apareceu a uma criança caída num poço, segurando-a sobre as águas até que ela fosse removida; deu a vitória a um general que o invocou; obteve pelas suas orações a fertilidade para mulheres previamente estéreis; previu o terremoto que derrubou a cidade de Antioquia em 29 de maio de 526, como também uma invasão de gafanhotos que ameaçava a Palestina. Sobre este último prodígio, o santo, cuja velhice tinha levado todas as suas forças, foi carregado para enfrentar os enxames formidáveis. Ele apanhou um gafanhoto e, falando com ele, como se ele o entendesse, ordenou: "É preceito do nosso Mestre comum respeitar o trabalho dos pobres”. E os gafanhotos respeitaram.
 
Deus às vezes permitiu-lhe exercer poderes divinos com uma familiaridade doce e alegre a seus amigos, mostrando assim a amizade que tinha o Santo para com Ele.

Um dia, Teodósio quis fazer uma peregrinação a Belém, No caminho parou na ermida de um amigo, muito caro, chamado Marciano. Este último, chegada a hora da refeição, ofereceu ao visitante um prato de lentilhas, mas pediu desculpas por não poder dar-lhe um pedaço de pão, pois não tinha de trigo. Terminada a refeição, Marciano desculpou-se, novamente: "Não repare na tão parca refeição. O trigo faz-nos muita falta!”. Enquanto ele falava, Teodósio percebeu que na barba do seu hospedeiro havia um grão de trigo, caído não se sabe donde. Ele apanhou-o e, com um leve sorriso disse: "Aqui está. Falava-me em escassez?! ". Marciano recolheu o grão, como uma preciosidade. No dia seguinte, quando foi ao sótão, encontrou-o repleto de trigo, tão cheio que escorria pela porta fora.

No exercício destas virtudes e da caridade, Teodósio atravessou a velhice até aos seus limites extremos. Deus permitiu que ela não passasse sem sofrimentos, para que a recompensa fosse ainda maior.

Apesar do corpo devastado por uma doença, com muitas chagas, o santo não pediu a Deus que o aliviasse das suas dores. Diante da morte que se aproximava, a sua oração foi contínua. Nem o seu sono a interrompia, vendo-se os seus lábios murmurar as palavras dos Salmos.

Finalmente, cercado por três Bispos que choravam a perda do pai. Com cento e cinco anos, São Teodósio adormeceu para acordar no seio de Deus. Era o dia 11 de janeiro de 528.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

10 JANVIER : SAINT GUILLAUME, ARCHEVÊQUE DE BOURGES (1120-1209)


SAINT GUILLAUME, ARCHEVÊQUE DE BOURGES


Saint Guillaume appartenait à la famille des comtes de Nivernais, alliée aux rois de France et aux seigneurs de Courtenay, qui donnèrent trois empereurs à Constantinople et un roi à Jérusalem. Par sa mère, Maëntia, il semble encore se rattacher au prédicateur de la première croisade, Pierre l'Ermite. Celui-ci, avant d'embrasser la vie monastique, avait en effet été marié. Ses enfants héritèrent de son nom et fondèrent la famille de l'Hermite ; c'est aussi le nom que portait le frère de Maëntia, archidiacre de Soissons.
Né vers 1120, le petit Guillaume montra dès son enfance une grande inclination aux choses de la piété; c'est pourquoi ses parents le confièrent de fort bonne heure à son oncle Pierre l'Hermite, qui le fit élever avec grand soin et lui transmit même son nom. Sous cette direction, il se forma à une pureté d'âme et de corps dont ont témoigné ses confesseurs et qui le prédestinait à la haute et sainte fonction qu'il devait un jour remplir.
Bientôt, selon l'usage du temps, il fut pourvu d'un canonicat dans l'église de Soissons, puis dans celle de Paris. Mais il aspirait à une union plus étroite avec Dieu. Aussi ne tarda-t-il pas à s'enfermer dans le monastère de Grandmont, au diocèse de Limoges. Malheureusement de fâcheuses discordes s'élevèrent parmi les religieux, de Grandmont et troublèrent la paix que Guillaume était venu chercher. Il profita donc de la permission accordée à tous par le pape de passer dans un autre Ordre, et, choisissant celui des Cisterciens, entra à l'abbaye de Pontigny. Ses mérites ne tardèrent pas à le faire distinguer. D'abord prieur de cette abbaye, il fut ensuite appelé à diriger, comme abbé, deux monastères issus d'elle : Fontaine-Jean, au diocèse de Sens, et Charlis, près de Senlis.
Il exerça ces charges en y montrant particulièrement une mansuétude, une humilité, une mortification qui, bien plus que ses paroles, étaient une prédication pour tous. Depuis qu'il quitta le monde, jamais il ne mangea de viande, même pour raison de santé. Il se gardait de toute attaque d'amour-propre par une simplicité telle, qu'il jugeait meilleure une modeste obscurité qu'un acte de vertu qui eût attiré les regards.
Or, en 1199, l'archevêque de Bourges, Henri de Sully, mourut. Les chanoines, réunis pour lui désigner un successeur, ne pouvant se mettre d'accord, firent appel aux lumières de Tévêque de Paris, Eudes, qui jadis avait eu la charge de chantre dans' leur chapitre et jouissait d'une grande réputation de prudence et de sainteté. En sa présence, ils résolurent de limiter leur choix à l'un des chefs de trois abbayes de l'ordre de Cîteaux, parmi lesquels celui de Charlis. A lui de dé^der entre eux. L'évêque voulut prendre le temps de la prière et de la réflexion. Il y consacra la nuit entière dans l'église de Notre-Dame ; le lendemain matin, en présence de deux hommes de haute vertu, qui plus tard devaient gouverner, l'un l'église de Tours, l'autre celle de Meaux, il déposa sous la nappe de l'autel où il allait célébrer la sainte messe trois billets portant le nom des trois abbés. Le sacrifice achevé, et après une longue prière qui demandait à Dieu de se prononcer lui-même en faveur du plus digne, sa main saisit un billet : il portait le nom de Guillaume de Charlis. Alors, avec ses deux compagnons, il allait trouver les chanoines qui, réunis, l'attendaient. Mais à sa rencontre il vit soudain venir la majorité d'entre eux. D'une seule voix ils acclamaient Guillaume, demandant qu'on leur donnât pour évêque celui qui, par ses mœurs, par sa science, par sa haute naissance, méritait d'être préféré à tous. Dans cet hommage spontané, Eudes vit la confirmation de la réponse qu'il avait demandée à Dieu. Et tous, se rendant à la cathédrale de Saint-Étienne, rendirent grâce au Maître du sort et des cœurs et proclamèrent à l'envi Guillaume archevêque de Bourges et primat d'Aquitaine.
Mais ce ne fut pas sans peine que l'humilité du saint abbé se soumit à l'élection. Il fallut que l'abbé de Cîteaux, chef de son ordre, lui fit une obligation d'accepter l'honneur où il ne voyait qu'un fardeau ; ce fut aussi le commandement que lui donna le légat du Saint-Père. Il ne lui restait qu'à courber la tête ; il le fit en pleurant ; la chère abbaye qui lui avait donné la paix, les frères qu'il dirigeait avec une paternelle douceur, il les quitta dans les larmes et en se recommandant aux prières des plus petits.
Archevêque, Guillaume ne modifia ni ses habitudes ni son caractère. Au milieu des richesses et des honneurs qu'il subissait, il garda son lourd et simple vêtement de moine, qui recouvrait toujours un cilice. Sa tablé devait être somptueusement servie, ouverte aux hôtes les plus nobles ; mais lui-même ne consentit jamais à toucher aux viandes qui la couvraient. Son humilité, sa patience, son constant souci du bien de ses ouailles, ne furent pas une fois en défaut. Il se souvenait d'être le disciple de Celui qui était venu, non pour être servi, mais pour servir. Et son indulgence allait si loin, qu'à quelques-uns elle semblait de la faiblesse. De fait, il souffrait vraiment lorsqu'il entendait une voix amère, bien que juste, relever les fautes les plus évidentes du prochain. Avec douceur alors il disait : « Frère, si vous repreniez durement un homme pour le frisson que lui donne la fièvre, pensez-vous que vos reproches l'empêcheraient de frissonner? Prions pour les pécheurs, compatissons à leur faiblesse, plutôt que de les réprimander avec aigreur. » Mais cette suavité évangélique, quand il était nécessaire, savait faire retraite devant la juste sévérité, ou plutôt s'accommodait avec elle. Aussi leur alliance emportait la victoire, bien plus encore sur les cœurs que dans les faits. Il eut à lutter quelque temps contre les prétentions injustes des clercs de sa cathédrale ; ceux-ci s'emportèrent jusqu'à se répandre contre lui en de graves outrages. Sans céder sur ce qu'il considérait comme ses droits d'évêque, il montra pourtant une telle mansuétude que les plus endurcis s'avouèrent vaincus. Le repentir des coupables alla si loin qu'ils décidèrent de lui abandonner, à lui et à ses successeurs, le droit de nommer aux prébendes, droit qui jusqu'alors leur appartenait. Mais sa modération, cette fois encore, s'opposa à ce sacrifice; il se crut suffisamment récompensé par la paix, qui dès lors ne cessa de régner dans son église.
La fermeté apostolique du Saint se montra mieux encore lorsque le divorce scandaleux de Philippe-Auguste contraignit le pape à jeter l'interdit sur tout le royaume. C'est en 1196 que le roi, qui depuis trois ans avait répudié Ingeburge de Danemark, osa s'unir à Agnès de Méranie ; deux ans plus tard, Innocent III, ne pouvant vaincre l'obstination des coupables, se résigna à une mesure de rigueur seule capable de les réduire. L'interdit prononcé, la vie religieuse s'éteignit en France. Le roi, irrité, s'efforça d'empêcher les évêques d'obéir aux prescriptions du pape. S'il y en eut qui furent assez faibles pour céder à ses injonctions, Guillaume de Bourges leur opposa une résistance, respectueuse sans doute, mais inébranlable. Ni exhortations, ni promesses de faveurs, ni menaces de déchéance, de confiscation, même d'exil, ne purent rien sur l'âme doucement énergique du saint prélat. Du reste Philippe-Auguste comprit et estima une conduite si vraiment ecclésiastique. Quand, revenu à son devoir, il eut fait sa paix avec l'Église, il montra au Saint qu'elle lui avait inspiré de la confiance et de la vénération.
En 1208, Guillaume avait quatre-vingt-huit ans et soupirait vers le repos de la vie éternelle. Néanmoins quand, cette année même, se décida la croisade contre les Albigeois, il fut des premiers à la prêcher, à s'y enrôler. Son diocèse avait beaucoup souffert des entreprises hérétiques, et du reste il était prêt toujours à se donner au service et au bien de l'Église. Ses exhortations entraînèrent l'adhésion de son peuple ; mais lui-même n'eut pas le temps de se mettre à leur tête. La mort de deux chers amis dans le Christ, Eudes, évêque de Paris, et Godefroy, évêque de Tours, en l'affligeant grandement, lui avait semblé marquer le terme prochain de sa propre vie. Il devait la donner au service des âmes. Rien n'est plus touchant que le récit de ses derniers jours.
Il avait célébré solennellement avec son peuple les fêtes de Noël. La veille de l'Epiphanie, malgré la fièvre qui déjà le tenait, il le réunit encore dans l'église cathédrale, et ses paroles qui l'exhortèrent à ne pas se laisser surprendre par la traîtrise de la mort, étaient comme son dernier adieu. Sa bénédiction donnée, il revint seul, tête nue à son habitude et sans aide, vers sa demeure. Mais le froid du vaste vaisseau de l'église, la rigueur extrême de la température ne pouvaient qu'aggraver son mal. Le 9 janvier, la fièvre l'amenait à l'extrémité. Il fit convoquer les frères qu'il avait toujours près de lui et reçut l'extrême-onction, humblement et dévotement. Puis il supplia qu'on lui donnât la sainte Eucharistie. Quand Notre-Seigneur entra dans sa chambre, il ramassa toutes ses forces : il se lève, se vêt et, à la stupeur des assistants qui l'avaient vu presque inanimé, va au-devant de son divin Maître, se prosterne devant lui à plusieurs reprises. Depuis deux jours il ne pouvait presque plus parler. Pourtant, à ce moment suprême, il prolonge sa prière d'une voix éteinte, mais courageuse toujours ; il recommande à son Sauveur son dernier combat, lui demande d'achever de purifier son âme. Puis les mains étendues en croix, les yeux au ciel, il reçoit le Corps divin avec des larmes de foi.
Il vécut quelques heures encore, recueilli dans une prière que l'on voyait agiter doucement ses lèvres. La nuit était venue ; il se fit apporter ses vêtements épiscopaux, choisit entre eux les plus modestes, les moins riches, ceux qu'il portait à sa consécration et réservait pour sa sépulture. Et puis, pensant qu'il ne verrait pas le jour, il voulut anticiper là récitation de l'office : il fit signe aux assistants et, marquant de la croix ses lèvres et son cœur, il commença de sa voix mourante : « Domine, labia mea aperies... » Il ne put en dire plus. A sa place, un religieux, son ami préféré, continua la prière, que tous poursuivirent jusqu'à la fin des heures canoniales.
Alors l'évêque fait signe de le déposer à terre. « Il ne convient pas que le chrétien meurt sinon sur la cendre et sous le cilice. » On répand donc de la cendre sur le sol; on y couche le Saint, qui, à l'insu presque de tous, était encore revêtu du cilice qu'il ne quittait point. Au bout de quelques instants, en donnant une dernière bénédiction à ses frères, il exhale son âme entre les mains de Dieu.