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domingo, 23 de outubro de 2022

Com o nascimento de Jesus Cristo, Deus quis elevar as mulheres

 


Porquê o Verbo de Deus quis humilhar-Se a ponto de nascer de uma Mulher, uma pobre Virgem, desconhecida do mundo, e que afinal era apenas uma mera criatura?

Os Padres da Igreja e inúmeros santos dissertaram sobre este tema e escreveram vários volumes para responder a esta pergunta e não a esgotaram. Com efeito, para o expor digna e completamente seria preciso conhecer as razões divinas, que são infinitas de bondade, poder e sabedoria. E isto é impossível! Contudo, levantemos alguns pontos de reflexão:

Teria Deus querido nascer de Maria Santíssima, para glorificar os dois sexos, para as mulheres não terem inveja dos homens e vice-versa?

Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, era homem, mas devia o seu nascimento a uma mulher. Maria comunicou-Lhe toda a natureza humana, dando-lhe a capacidade de ser homem. Assim, Cristo é Deus, mas Maria é sua mãe e este título, dá-lhe autoridade e até certa superioridade sobre o seu Filho.

Neste desígnio supremo da Providência, vemos como Deus quis elevar admiravelmente a mulher. Até então, as mulheres eram consideradas inferiores, brinquedos frágeis nas mãos dos homens, quando não eram as suas vítimas. Os Severianos, por exemplo, uma seita herética, chegaram a declarar que as mulheres não eram obra de Deus, mas de Satanás, e que não foram redimidas pelo sangue do Calvário.

Sem dúvida Eva, a primeira mulher, inoculou-nos a terrível doença do pecado original, mas que remédio admirável, infinitamente superior ao mal, Nossa Senhora deu-nos com a Encarnação!

O Filho de Deus feito homem, sem dúvida assumiu as enfermidades da natureza humana, mas também as grandezas, as prerrogativas que a honram. As mulheres têm um coração, impregnado de bondade. Por isso, na Encarnação, que é antes de tudo mistério de bondade, Deus quis fazer transparecer o melhor da mulher que é a ternura e misericórdia.

Leiamos os Evangelhos sob esta perspetiva: o Salvador, por exemplo, na parábola do filho pródigo, no julgamento da adúltera, quando se comove pelo filho do oficial de Cafarnaum, diante do caixão do filho da viúva de Naim, no túmulo de Lázaro, mostra-se como pai, com o rigor e dos homens? Não! Ele mostra-Se sobretudo como mãe. Em muitas outras partes da Sagrada Escritura vemos surgir em Nosso Senhor Jesus Cristo, além da sua divina mansidão, aquela bondade humana que herdou de Nossa Senhora, uma bondade mais terna, mais compassiva, mais delicadamente penetrante, sem qualquer traço de frieza ou impassibilidade, própria aos homens.

Além destes aspetos, o Seu nascimento de uma Virgem foi o único digno de Deus, a única "entrada verdadeiramente real no mundo", segundo as palavras de São Crisóstomo.

O Salvador não poderia vir ao mundo como um de nós! E a virgindade de Maria é uma das provas da sua divindade. A honra de Deus exigia este milagre único e incomparável, e na verdade não entenderíamos que Nosso Senhor Jesus Cristo pudesse ter nascido de outra forma, caso contrário ligaríamos sempre ao Seu nascimento uma ideia de impropriedade, desonra ou pelo menos desrespeito. Pelo contrário, sendo Maria Santíssima sua mãe e tendo permanecido virgem, tudo se explica e admiramos este meio maravilhoso, esta invenção divina que dá vida ao nosso Divino Salvador, sem que Ele carregue nenhuma das manchas ou vergonhas da carne.

Santo Agostinha perguntava-se no Sermão VI sobre a Natividade do Senhor: “Como poderia Cristo, em seu nascimento, violar a integridade virginal, Aquele que veio curar toda corrupção?”

Finalmente, a virgindade de Maria, continua Santo Agostinho, não era o símbolo da pureza virginal da Igreja? Como Jesus Cristo nasceu de uma Virgem, os seus membros deveriam nascer da Igreja virgem. Orgulhemo-nos de ser filhos da Igreja Católica, esta virgem ‘sem mancha, nem ruga´, esta mãe imaculada e fecunda, que em nossos dias está sendo impiedosamente atacada pelos seus inimigos internos e externos. Na nossa vida, acima de tudo, sejamos dignos d’Ela, dignos de Maria Santíssima, pela nossa pureza de costumes, conduta integra e piedade!

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Tomás de Canterbury, mártir da separação da Igreja e do Estado


Tomás de Canterbury foi um dos homens que mais brilhantemente lutou pela Igreja, na Inglaterra do século XII.

Bossuet, o famoso orador francês, no panegírico que fez deste santo, glorificou o Primaz da Inglaterra chamando-o de “heroico defensor das liberdades cristãs”: "A Igreja", disse ele, "precisava de sangue para fortalecer a sua autoridade, como o Sangue divino tinha sido derramado para o estabelecimento da sua doutrina". Foi para o triunfo desta nobre causa que Tomás Becket dedicou todos os seus esforços, tornando-se num modelo de coragem inflexível, intrépido até a morte.

A situação da Igreja da Inglaterra na segunda metade do século XII era aproximadamente aquela que muitos dos nossos legisladores gostariam de impor: a sujeição do poder religioso ao poder. civil. O homem que, então, sonhava em oprimir o catolicismo na Grã-Bretanha ou, pelo menos, substituí-lo por uma Igreja nacional, chamava-se Henrique Plantagenet: um príncipe traiçoeiro e violento, no qual, como bem assertivamente expressou o Beato Frederico Ozanam, "o espírito da tirania elevou-se ao poder supremo, mas encontrou na pessoa de Tomás Becket uma incalculável força de oposição”.

Depois de ter sido o primeiro dos ministros e dignitários da coroa, Tomás Becket ocupou a cátedra primacial de Canterbury. No dia da sua coroação, o bispo fez-lhe a seguinte pergunta: "Resta-me pedir-lhe que escolha entre duas coisas que não me parecem compatíveis e que declare o que prefere: os favores e obséquios do rei desta terra, ou a do Rei dos céus. — “Com a ajuda de Deus”, respondeu Tomás, “a minha escolha já está feita. Jamais, por amor de um rei desta terra e para preservar os seus favores, renunciarei à graça do Rei do Céu”.

Na sua nova morada, o Primaz, segundo as palavras de Ozanam, “não conservou outra pompa senão a da esmola e da hospitalidade”. Ali, levava a vida laboriosa e mortificada de um monge beneditino. Prevendo que, como sucessor, Santo Anselmo, teria de continuar os mesmos combates contra os poderes do mundo, escolheu-o como modelo: não deveria, aliás, a seu exemplo, fazer prevalecer sobre as exigências régias o non possimus da fé?

No primeiro debate, a questão polémica entre Henrique II e Tomás Becket foi uma questão da jurisdição. Um cônego de Canterbury insultou oficiais reais. De acordo com a disciplina da época, o tribunal do arcebispo, – o único autorizado, em tal caso – condenou o culpado a açoitamento e suspensão temporária do ministério e benefícios inerentes ao seu cargo. Mas Henrique II, considerando esta sentença muito leve, quis encaminhá-la ao tribunal civil. Tomás protestou em nome do direito da imunidade que os membros da Igreja tinham. Este foi o início de uma luta que seria tão longa, quanto dolorosa.

Henrique II, para atingir os seus objetivos, resolveu então restabelecer os chamados “costumes reais”, que tornavam qualquer dignitário eclesiástico sujeito à autoridade secular. A partir de então, desapareceu a hierarquia católica, cujos membros se renovavam e sucediam-se por transmissão legítima. Da mesma forma, o Papa e os Bispos perderam a sua jurisdição e não tinham mais poder coercitivo ou penal sobre os dissidentes em assuntos religiosos. Os “costumes reais” eram, portanto, uma verdadeira carta de servidão. Ao separar a Igreja da Inglaterra da grande sociedade cristã, ela foi despojada da sua liberdade primitiva para rebaixá-la aos pés do trono como uma aristocracia vassala. Basicamente, o que Henrique Plantagenet buscava era destruir a imunidade eclesiástica, colocar as duas espadas em suas mãos e fazer da Igreja um instrumento do reinado. A esta pretensão régia, Tomás opôs-se fortemente e respondeu que observaria os “costumes do reino”, "menos a honra e os direitos da sua ordem, salvo ‘ordine suo’" segundo a fórmula utilizada na ordenação episcopal.

No começo, o arcebispo de Canterbury expiará a sua coragem em opor-se ao poder usurpador, ficando seis meses exilado.

Obrigado a fugir da Inglaterra, o sucessor de Santo Anselmo de Cantuária desembarcou, após difícil travessia, a 2 de novembro de 1170, pouco antes do pôr-do-sol, nas praias do Boulonnais, a cerca de cinco quilómetros de Gravelines, para de lá, dirigir-se, imediatamente, a Soissons . Depois dali ter recebido a hospitalidade do rei da França que nele venerava um bispo perseguido injustamente, apressou-se a visitar o papa Alexandre III em Sens, ele próprio banido de Roma pelo imperador Frederico “Barba ruiva”, da Alemanha. Entre os dois ilustres exilados ­– um usando a coroa de espinhos do papado e representando o direito contra a força, e o outro que logo usaria a auréola do martírio – a entrevista foi tocante. Eles expuseram a tristeza mútua e fortaleceram-se na provação, pela troca de pensamentos mais corajosos.

Alexandre III, depois de renovar a confiança em Tomás Becket, implorou-lhe que fosse para a abadia cisterciense de Pontigny, que era filha de Citeaux. E foi o que sucedeu. Lá viveu pacificamente sob o hábito monástico, dividindo os seus dias entre oração e estudo.

Henrique II, informado da nova residência do Primaz, ameaçou suprimir imediatamente nos seus Estados todos os conventos da Ordem, se os monges não o afastassem, o mais rapidamente possível. E os monges cederam. O próprio rei da França, temendo o seu rival inglês, desistiu da causa do Bispo proscrito.

Como Tomás Becket foi perguntado onde esperava refugiar-se, respondeu: “Ouvi que nas margens do Saône e até às terras da Provença, os homens são livres... Irei para lá, e talvez vendo a minha aflição, as pessoas tenham pena de mim».

Em Lyon, onde foi acolhido, aproximou-se do túmulo de Santo Irineu, onde meditou sobre a ciência dos mártires. Em cartas admiráveis, que são um monumento precioso para a história da época, expôs as suas cruéis desventuras e verteu lágrimas pela sua Igreja enlutada.

Finalmente, Henrique II, temendo a excomunhão com que Roma o ameaçava, consentiu numa reconciliação oficial, ocorrida em 1170, no dia em que se comemorava a memória de Santa Maria Madalena. O rei prometeu, na presença de um grande número de notáveis, devolver à Igreja da Inglaterra o uso das suas liberdades e os seus direitos. Infelizmente, tratou-se de um perjúrio!

Ansioso em rever os seus fiéis, Tomás deixou a França. Assim que o navio que o transportava tocou a costa britânica, uma multidão correu até ele, ovacionando-o durante todo o caminho até à sua cidade episcopal. Nada mais era preciso para renovar e envenenar o ódio do rei.

Certo dia, vários cavaleiros da sua comitiva ouviram Henrique II pronunciar as seguintes palavras: "Quem me livrará deste homem?"

O projeto do crime foi imediatamente concebido, e os assassinos chegaram a Cantuária no dia seguinte, 29 de dezembro, festa dos Santos Inocentes. Era a hora da recitação das Vésperas. O Primaz acabara de entrar na velha e imponente catedral para cantar o ofício com os monges, quando os assassinos avançaram, espada na mão, perguntando: “Onde está o arcebispo?” Este desceu imediatamente os degraus do presbitério e exclamou: "Aqui estou. Eu sou o arcebispo! Se é a minha cabeça que estão à procura, ofereço-a. Morro de bom grado pela paz e pela liberdade da Igreja”.


Sem mais delongas, um violento golpe de espada atingiu-o na cabeça, “no lugar da tonsura ou ‘coroa clerical’ e por onde escorreu os santos óleos, durante a sua sagração. Rapidamente, o Santo Bispo caiu e morreu como o bom Pastor no meio do seu rebanho". Nenhum traço de alteração apareceu nas suas feições", narra o seu último historiador. “Os olhos e lábios pareciam suavemente fechados, indicando uma paz celestial, e o sangue das suas feridas, coagulado, formou um círculo de rubis ao redor da sua cabeça».

Tal era a sua fama de santidade, que bastaram dois anos e dois meses para que Tomás fosse canonizado, no dia 21 de fevereiro de 1173. Toda a sua vida pode ser resumida nestas belas palavras, tiradas da Bula da sua canonização: “Pro iustitia Dei et Eclesiae libertate decertavit. Lutou pelos direitos de Deus e pela liberdade da Igreja”. Por outro lado, a mão da Providência foi visivelmente pesada com a casa real da Inglaterra: não apenas Henrique II foi odiosamente traído pelo seu próprio filho, mas logo veríamos a dinastia Plantageneta extinta com a Guerra das Duas Rosas. É assim que a Igreja triunfa!

A história de São Tomás Becket é parecida com a de muitas figuras eclesiásticas. Foi a de Santo Ambrósio diante de Teodósio, a do Papa Pio VII face a Napoleão I. O seu desenvolvimento constitui um dos episódios mais gloriosos da luta entre o sacerdócio e o império.

Ainda hoje, como no passado, muitos cristãos, ao venerarem as relíquias de São Tomás Becket, pedem-lhe coragem para defender a fé.

O'Connell, por exemplo, líder nacionalista irlandês da primeira metade do século XIX, conhecido como o “Libertador” ou “Emancipador”, ao visitar a Inglaterra e ao passar por Canterbury venerou "as lajes da incomparável catedral, manchada com o sangue de um mártir, cujo relicário está lindamente adornado de pedras preciosas e esmaltes".

Recordemos ainda a história do arcebispo Dom Georges Darboy que recebeu no dia em que tomou posse da Catedral de Paris, em 1863, a cruz que São Tomás de Cantuária carregava quando foi assassinado. "Aceitei o presságio", disse.  Pouco tempo depois, no dia 4 de abril de 1871, durante a Comuna de Paris, foi encarcerado e no dia 24 assassinado. A batina ensanguentada de Dom Darboy e a cruz de São Tomás encontram-se depositadas no tesouro de Notre-Dame, retiradas durante o incêndio de 15 de abril de 2019.

Que ensinamento podemos tirar da história de São Tomás Becket?

Em primeiro lugar, que a Igreja, cidadela sagrada da liberdade de consciência, foi sempre perseguida, no passado, como hoje continua a ser, fazendo com o sangue dos mártires seja derramado pela fidelidade aos ensinamentos de Cristo, à sua causa e às suas leis.

Em segundo lugar, ela convida-nos a permanecer sempre filhos devotados da Igreja; a não nos calarmos quando pretenderem retirar os seus direitos; a ouvi-la quando fala, ensinando o Evangelho; e a apoiá-la quando é atacada pelos seus inimigos internos e externos. 

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Ne jamais perdre l'espérance de son salut: l'exemple du Bon Larron

Normalement, la sainteté consiste à vivre en présence de Dieu, à obéir à ses commandements, à s'efforcer d'être parfait comme notre Père céleste est parfait. Cependant, avec Saint Dimas, le Bon Larron, la miséricorde de l’Homme Dieu a touché son cœur au dernier moment et son repentir a été parfait, ouvrant ainsi pour lui les portes du Ciel, avant même les Apôtres. Jésus a voulu nous laisser cet exemple pour que nous ne désespérions jamais de notre salut. C'est ce qu'explique saint Jean Chrysostome dans son septième Sermon sur la Genèse :

 « Le diable a chassé Adam du paradis, le Christ y a introduit le voleur. Examinez la différence. Le premier a chassé l'homme qui ne portait pas un péché mais une seule souillure de désobéissance, le Christ a introduit, comme cela, dans le paradis, un voleur qui traînait de lourdes fautes. La chose étonnante, est-ce donc seulement le fait qu'il ait introduit un voleur dans le paradis, et rien d'autre ?

« Il faut ajouter quelque chose d'encore plus grand. En effet, il n'a pas seulement introduit un voleur mais encore il l'a fait devant toute la terre et devant les apôtres, afin que personne, par la suite, ne désespère de sa possibilité d'entrer au paradis et ne perde l'espérance de son salut, en voyant séjourner dans les demeures royales un homme chargé de maux innombrables.

« Le voleur a-t-il mis en avant ses efforts et ses bonnes actions et leurs fruits ? Non, mais, par une simple parole, par la foi seule, il a fait, devant les apôtres, irruption dans le paradis – et cela afin que tu apprennes que ce n'est pas tant la noblesse de ses sentiments qui a prévalu que la bienveillance du Seigneur qui a tout fait.

« En effet, qu'a dit le voleur ? qu'a-t-il fait ? a-t-il jeûné ? pleuré ? déchiré ses vêtements ? a-t-il mis en avant une longue pénitence ? nullement ; mais c'est sur la croix elle-même qu'il a obtenu le salut, avec sa déclaration. Voyez la rapidité : de la croix au ciel, de la condamnation au salut.

« Quelles sont donc ces paroles ? quel pouvoir ont-elles qu'elles lui aient apporté de tels biens ? « Souviens-toi de moi, dit-il, dans ton royaume » (Lc 23,42). Qu'est-ce que cela signifie ? il demanda à recevoir des biens, il ne mit absolument pas en avant ses propres actes, mais, connaissant son cœur, il ne se préoccupa pas de ses actions, mais de ses dispositions intérieures.

« En effet, ceux qui avaient profité de l'enseignement des prophètes, vu les signes et contemplé les miracles, disaient du Christ : « Il est possédé d'un démon », et : « Il égare la foule » (Mt 11,18). Mais le voleur, qui n'avait pas écouté les prophètes ni vu les miracles, en le voyant cloué sur la croix, ne se préoccupa pas du mépris, et ne regarda pas le déshonneur mais regardant vers la nature divine elle-même, il dit : « Souviens-toi de moi dans ton royaume » (Lc 23,42). C'est ceci qui est inattendu et extraordinaire. Tu vois une croix : te souviens-tu du royaume ? Qu'as-tu vu qui ait la valeur du royaume ? un homme mis en croix, giflé, tourné en dérision, décrié, couvert de crachats, fouetté ; tout cela a-t-il la valeur du royaume, dis-moi ?

« Comprenez-vous qu'il regardait par les yeux de la foi et qu'il ne s'attachait pas aux apparences ? C'est pourquoi Dieu non plus ne s'attacha pas à ses actions seules mais, comme cet homme avait regardé à la nature divine, de même Dieu regarda au cœur du voleur et dit : « Aujourd'hui tu seras avec moi dans le paradis » (Lc 23,43) ».


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A oração é um medicamento e fortificante para a fé


“É preciso que nos convençamos de que da oração depende todo o nosso bem. Da oração depende a nossa mudança de vida, o vencer das tentações; dela depende conseguirmos o amor de Deus, a perfeição, a perseverança e a salvação eterna”, afirmava Santo Afonso de Ligório.

No Angelus do dia 16 de outubro, o Papa Francisco comparou a oração a um medicamento que deve ser tomado sempre para que a nossa fé não fique tíbia e não seque. Através dela, Deus derrama amor, paz, alegria, força, esperança em nós todos os dias.

Para quem não tem muito tempo para rezar, Francisco aconselha a recitação de jaculatórias, orações muito curtas, fáceis de memorizar, que podem ser repetidas frequentemente durante o dia, no decorrer de várias atividades, para ficar “sintonizado” com o Senhor.

“Muitas vezes, concentramo-nos em tantas coisas urgentes, mas desnecessárias, ocupamo-nos e preocupamo-nos com muitas realidades secundárias; e talvez, sem nos darmos conta, negligenciamos o que mais importa e permitimos que o nosso amor por Deus arrefeça, arrefeça pouco a pouco. Hoje, Jesus oferece-nos o remédio para aquecer uma fé tíbia. E qual é o remédio? Oração. A oração é o remédio da fé, a restauradora da alma. Deve, no entanto, ser uma oração constante. Se tivermos de seguir uma cura para melhorar, é importante segui-la bem, tomar os medicamentos de forma correta e no momento estabelecido, com constância e regularidade. Em tudo na vida há uma necessidade disto. Pensemos numa planta que temos em casa: devemos nutri-la com constância todos os dias, não a podemos encharcar e depois deixá-la sem água durante semanas! Isto é válido para oração: não podemos viver apenas de momentos fortes ou de encontros intensos de vez em quando e depois “entrar em hibernação”. A nossa fé secará. Precisamos da água diária da oração, precisamos de tempo dedicado a Deus, para que Ele possa entrar no nosso tempo, na nossa história; momentos constantes em que abrimos o nosso coração a Ele, para que Ele possa derramar amor, paz, alegria, força, esperança em nós todos os dias; isto é, alimentar a nossa fé.

“Por isso Jesus fala hoje aos seus discípulos - a todos, não apenas a alguns! - «sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer». Mas pode-se objetar: “Mas como faço? Não vivo num convento, não tenho muito tempo para rezar”. Talvez uma prática espiritual sábia possa vir em auxílio desta dificuldade, que é verdadeira, que hoje está um pouco esquecida, que os nossos idosos, especialmente as nossas avós, conhecem bem: a das chamadas orações jaculatórias. O nome está um pouco desatualizado, mas a substância é boa. Do que se trata? Orações muito curtas, fáceis de memorizar, que podemos repetir frequentemente durante o dia, no decorrer de várias atividades, para ficarmos “sintonizados” com o Senhor. Tomemos alguns exemplos. Assim que acordamos, podemos dizer: “Senhor, agradeço-te e ofereço-te este dia”: esta é uma breve oração; depois, antes de uma atividade, podemos repetir: “Vem, Espírito Santo”; e entre uma coisa e outra podemos rezar assim: “Jesus, confio em ti, Jesus, amo-te”. Pequenas orações, mas que nos mantêm em contacto com o Senhor. Quantas vezes enviamos “pequenas mensagens” a pessoas que amamos! Façamo-lo também com o Senhor, para que o coração permaneça ligado a Ele. E não nos esqueçamos de ler as suas respostas. O Senhor responde, sempre. Onde as encontramos? No Evangelho, que   deve sempre estar à mão para ser aberto algumas vezes durante o dia, para receber uma Palavra de vida dirigida a nós.

“E voltemos àquele conselho que tantas vezes dei: tende convosco um pequeno Evangelho, no bolso, na bolsa, e assim, quando tiverdes um minuto, abri-o e lede algo, e o Senhor responderá.

“Que a Virgem Maria, fiel na escuta, nos ensine a arte de rezar sempre, sem nos cansar”.


Após sessenta anos, a constatação do fracasso do Concílio Vaticano II


Para celebrar os sessenta anos do Concílio Vaticano II, o prestigiado jornal New York Times publicou um comentário de Ross Douthat, católico convertido, que não pretende fazer uma análise enigmática ou reacionária, mas aponta o fracasso do Concílio Vaticano II.

“O Concílio Vaticano II falhou nos termos estabelecidos pelos seus próprios partidários. Ele pretendia tornar a Igreja mais dinâmica, mais atraente para os tempos modernos, mais evangelizadora, menos fechada, obsoleta e autorreferencial. Nada disto aconteceu. A Igreja entrou em declínio em todo o mundo desenvolvido após o Vaticano II, sob papas conservadores e liberais, mas o declínio foi mais rápido, onde a influência do Concílio foi maior.

“A nova liturgia deveria envolver mais os fiéis na Missa; em vez disso, os fiéis começaram a passar as manhãs de domingo na cama e renunciaram às práticas quaresmais. A Igreja perdeu grande parte da Europa para o secularismo e grande parte da América Latina para o pentecostalismo: contextos e desafios muito diferentes, mas resultados surpreendentemente semelhantes”.

Em política, quando não se consegue o objetivo pretendido, analisa-se, constata-se o fracasso e traça-se um novo caminho.  

Veremos, portanto, as autoridades eclesiásticas proporem um caminho verdadeiramente espiritual para a Igreja, voltada para a Evangelização, para a salvação das almas, muito mais do que para a salvação dos corpos e da Natureza?

Quando deixaremos de ser prisoneiros de uma experiência fracassada e permitiremos que o Espírito Santo renove a face da Terra, concedendo um sopro de graças, qual nova Pentecostes, capaz de atrair os homens e conduzi-los ao Reino de Cristo, que é também o Reino de Maria, profetizado por Nossa Senhora de Fátima e, insistentemente, pedido por nós no Pai Nosso?

Segue abaixo o texto completo do artigo publicado no dia 12 de outubro de 2022. 


How Catholics Became Prisoners of Vatican II

The New York Times, Oct. 12, 2022, By Ross Douthat

Opinion Columnist

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The Second Vatican Council, the great revolution in the life of the modern Catholic Church, opened 60 years ago this week in Rome. So much of that 1960s-era world has passed away, but the council is still with us; indeed for a divided church its still-unfolding consequences cannot be escaped.

For a long time this would have been a liberal claim. In the wars within Catholicism that followed the council, the conservatives interpreted Vatican II as a discrete and limited event — a particular set of documents that contained various shifts and evolutions (on religious liberty and Catholic-Jewish relations especially) and opened the door to a revised, vernacular version of the Mass. For the liberals, though, these specifics were just the starting place: There was also a “spirit” of the council, similar to the Holy Spirit in its operation, that was supposed to guide the church into further transformations, perpetual reform.

The liberal interpretation dominated Catholic life in the 1960s and 1970s, when Vatican II was invoked to justify an ever-wider array of changes — to the church’s liturgy and calendar and prayers, to lay customs and clerical dress, to church architecture and sacred music, to Catholic moral discipline. Then the conservative interpretation took hold in Rome with the election of John Paul II, who issued a flotilla of documents intended to establish an authoritative reading of Vatican II, to rein in the more radical experiments and alterations, to prove that Catholicism before the 1960s and Catholicism afterward were still the same tradition.

Now in the years of Pope Francis, the liberal interpretation has returned — not just in the reopening of moral and theological debates, the establishment of a permanent listening-session style of church governance, but also in the attempt to once again suppress the older Catholic rites, the traditional Latin liturgy as it existed before Vatican II.

The Francis era has not restored the youthful vigor that progressive Catholicism once enjoyed, but it has vindicated part of the liberal vision. Through his governance and indeed through his mere existence, this liberal pope has proved that the Second Vatican Council cannot be simply reduced to a single settled interpretation, or have its work somehow deemed finished, the period of experimentation ended and synthesis restored.

Instead, the council poses a continuing challenge, it creates intractable-seeming divisions, and it leaves contemporary Catholicism facing a set of problems and dilemmas that Providence has not yet seen fit to resolve.

Here are three statements to encapsulate the problems and dilemmas. First, the council was necessary. Maybe not in the exact form it took, an ecumenical council summoning all the bishops from around the world, but in the sense that the church of 1962 needed significant adaptations, significant rethinking and reform. These adaptations needed to be backward-looking: The death of throne-and-altar politics, the rise of modern liberalism and the horror of the Holocaust all required fuller responses from the church. And they also needed to be forward-looking, in the sense that Catholicism in the early 1960s had only just begun to reckon with globalization and decolonization, with the information age and the social revolutions touched off by the invention of the contraceptive pill.

Tradition has always depended on reinvention, changing to remain the same, but Vatican II was called at a moment when the need for such change was about to become particularly acute.

This isn’t a truculent or reactionary analysis. The Second Vatican Council failed on the terms its own supporters set. It was supposed to make the church more dynamic, more attractive to modern people, more evangelistic, less closed off and stale and self-referential. It did none of these things. The church declined everywhere in the developed world after Vatican II, under conservative and liberal popes alike — but the decline was swiftest where the council’s influence was strongest.

The new liturgy was supposed to make the faithful more engaged with the Mass; instead, the faithful began sleeping in on Sunday and giving up Catholicism for Lent. The church lost much of Europe to secularism and much of Latin America to Pentecostalism — very different contexts and challengers, yet strikingly similar results.

And if anything, post-1960s Catholicism became more inward-looking than before, more consumed with its endless right-versus-left battles, and to the extent it engaged with the secular world, it was in paltry imitation — via middling guitar music or political theories that were just dressed-up versions of left-wing or right-wing partisanship or ugly modern churches that were outdated 10 years after they were built and empty soon thereafter.

There is no clever rationalization, no intellectual schematic, no sententious Vatican propaganda — a typical recent document refers to “the life-giving sustenance provided by the council,” as though it were the eucharist itself — that can evade this cold reality.

But neither can anyone evade the third reality: The council cannot be undone.

By this I don’t mean that the Mass can never return to Latin or that various manifestations of post-conciliar Catholicism are inevitable and eternal or that cardinals in the 23rd century will still be issuing Soviet-style praise for the council and its works.

I just mean that there is no simple path back. Not back to the style of papal authority that both John Paul II and Francis have tried to exercise — the former to restore tradition, the latter to suppress it — only to find themselves frustrated by the ungovernability of the modern church. Not to the kind of thick inherited Catholic cultures that still existed down to the middle of the 20th century, and whose subsequent unraveling, while inevitable to some extent, was clearly accelerated by the church’s own internal iconoclasm. Not to the moral and doctrinal synthesis, stamped with the promise of infallibility and consistency, that the church’s conservatives have spent the last two generations insisting still exists, but that in the Francis era has proved so unstable that those same conservatives have ended up feuding with the pope himself.

The work of the French historian Guillaume Cuchet, who has studied Vatican II’s impact on his once deeply Catholic nation, suggests that it was the scale and speed of the council’s reforms, as much as any particular substance, that shattered Catholic loyalty and hastened the church’s decline. Even if the council’s changes did not officially alter doctrine, to rewrite and renovate so many prayers and practices inevitably made ordinary Catholics wonder why an authority that suddenly declared itself to have been misguided across so many different fronts could still be trusted to speak on behalf of Jesus Christ himself.

After such a shock, what kind of synthesis or restoration is possible? Today all Catholics find themselves living with this question, because every one of the church’s factions is in tension with some version of church authority. Traditionalists are in tension with the Vatican’s official policies, progressives with its traditional teachings, conservatives with the liberalizing style of Pope Francis, the pope himself with the conservative emphasis of his immediate predecessors. In this sense, all of us are the children of Vatican II, even if we critique or lament the council — or perhaps never more so than when we do.

Here, again, the liberals have a point. The most traditionalist Catholics are stamped by what began in 1962 as surely as this anti-traditionalist pope, and the merely conservative — such as, well, myself — are often in the position described by Peter Hitchens, writing about the European high culture shattered by World War I: We may admire the lost world’s intensity and rigors, but “none of us, now, could bear to return to it even if we were offered the chance.”

But this point does not vindicate the council, let alone the ever-evolving liberal interpretation of its spirit. The church has to live with Vatican II, wrestle with it, somehow resolve the contradictions it bequeathed us, not because it was a triumph but precisely because it wasn’t: Failure casts a longer and more enduring shadow, sometimes, than success.

You begin from where you are. The lines of healing run along the lines of fracture, the wounds remain after the resurrection, and even the Catholicism that arrives, not today but someday, at a true After Vatican II will still be marked by the unnecessary breakages created by its attempt at a necessary reform.


quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A caridade feita às almas prevalece sobre a atenção dada aos corpos

 


Em todas as circunstâncias, até mesmo nos detalhes, a caridade deve ser exercida de maneira respeitosa e delicada.

Quando Nossa Senhora foi visitar a sua prima Santa Isabel, o seu primeiro gesto foi o de cumprimentar o casal. Na multiplicação dos pães, Nosso Senhor Jesus Cristo fez com que a multidão se sentasse e, só depois, ofereceu os alimentos. Muitos santos ajoelhavam-se diante dos pobres, como o Salvador na noite da Quinta-feira Santa, diante dos seus discípulos, para lavar-lhes os pés e até as chagas. Para eles, servir aos pobres era servir a Jesus na pessoa do infeliz. Era a Ele que davam comida, enquanto saciavam os famintos; era a Ele que refrescavam, quando davam de beber aos sedentos; era a Ele que acolhiam, quando recebiam nas suas casas os que viviam nas ruas ou quando lhes ofereciam roupas; era a Ele que visitavam quando regularmente se dirigiam aos hospitais e prisões.

Quando a pessoa do doente, do pobre, do indigente é vista sob este prisma, ela fica engrandecida e até enobrecida. Muitas vezes, Deus quis encorajar os santos a revelarem aos que os cercavam qual era o verdadeiro motivo da sua caridade, operando milagres. Às portas de Amiens, em França, São Martinho cortou a sua capa em dois para vestir um pobre que tremia de frio. Pouco depois, Jesus apareceu-lhe, vestindo o manto dado ao infeliz. Santa Isabel da Hungria cuidou de um leproso e chegou a oferecer o seu leito, deitando-o sobre a sua cama. Como o gesto foi praticado por caridade, seu marido não viu o leproso, mas um crucifixo. São Francisco de Assis cavalgava por uma planície, quando avistou na estrada um leproso. Normalmente, um jovem elegante, como era o Pobre de Assis, tapava o nariz para não sentir o cheiro forte das partes do corpo apodrecidas pela doença. Naquele dia, a graça de Deus tocou o seu coração. Ele desmonta, deposita a sua esmola na mão enfaixada e beija-a com respeito. Antes de retomar a viagem, feliz pela sua boa ação, volta-se e vê que o pobre homem desaparecera misteriosamente, sugerindo-lhe que era o próprio Cristo que tinha aparecido ao seu servo na forma de leproso.

Talvez hoje, com a diminuição da fé, tenhamos perdido algo desse respeito pelos pobres, pelos doentes, pelos sofredores. A nossa atenção vai mais para os excelentes avanços científicos, para os remédios que devem tomar, do que com a suavidade, o respeito e carinho que merecem. Por vezes, esses infelizes não pedem caridade, mas justiça e chegam, eles mesmos, a ajudar quem é ainda mais miserável ​​do que eles, porque sabem que há mais alegria no dar, do que no receber.

Tomando novamente o exemplo de Nossa Senhora, durante a visitação, consideremos que Ela ficou com Santa Isabel por aproximadamente três meses. Não se tratava de fazer uma visita rápida: cumprimentar, felicitar e sair. Ela quis ensinar-nos que o sucesso de todas as obras de caridade está na perseverança. O demónio leva tempo, dez, vinte, quarenta anos para levar uma alma à sua perdição, e nós, para levarmos uma alma a Deus, para a trazer de volta a Ele pelo exercício da caridade, devemos ter paciência, sermos perseverantes, pois só assim os nossos esforços não serão em vão.

É claro que para se chegar à alma, é preciso primeiro ajudar os corpos, dar pão aos famintos, antes de lhes consolar com belas palavras, contar-lhes um fato edificante, um exemplo de vida e convidar-lhes a voltarem-se para Deus e Nossa Senhora. Ninguém, a menos que não tenha coração, recusaria alimento a um miserável exausto e fraco. Contudo, não devemos esquecer-nos de que o fim último da nossa caridade deve ser sempre chegar, para além do corpo, ao coração.

Quando ocorre um acidente, uma guerra, como foi o caso da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, a Europa inteira emocionou-se e foram organizados envios de bens, que aliviavam o sofrimento material, o que é excelente num primeiro momento. Mas qual foi a ajuda para o aplacar a dor dos corações? Já o grande São Bernardo de Claraval afirmava que a angústia das almas, move-nos menos do que a do corpo. E ele dava o exemplo, adaptado à sua época onde os animais substituíam os tratores, etc: “Um animal cai e muitos braços são oferecidos para o levantar. Uma alma afunda-se no pecado, ninguém vem em seu auxílio”. No entanto, concluía o Santo, a caridade feita às almas prevalece sobre a atenção dada aos corpos.

E isto, porque devemos amar o nosso próximo como Jesus o ama. O Bom Pastor veio para dar a vida às suas ovelhas, não a do corpo, mas a vida sobrenatural da alma, abrindo-lhes as portas do Céu. É para garantir esta salvação das almas que Jesus pregou, viveu e morreu na cruz. À beira do poço de Jacó, Ele esperou a mulher samaritana. Ele ansiava por essa alma, pelo seu retorno a Deus. Ele via a angústia moral dela e teve pena, porque conhecia a sua fraqueza.

Também hoje Nosso Senhor tem pena das nossas fraquezas! Para que não caiamos pelo caminho, fez-Se alimento, esconde-Se, sob as espécies de pão, na Eucaristia. Fortalecidos por este alimento celestial, temos mais coragem para escalar o árduo caminho do dever e sermos fiéis à nossa vocação específica, como pais de família, solteiros, sacerdotes ou religiosos.

No Horto das Oliveiras, Nosso Senhor pensou nas almas e especialmente naquelas que não iriam querer saber da sua Paixão e Morte, e sofreu ainda mais no seu coração. Ainda na cruz, esquecendo-Se das enormes torturas pelas quais passou, continuou a pensar nelas e bradou: “Tenho sede!” Não era um pouco de água que os seus lábios ressecados pediam. O seu Divino Coração queria almas, é delas que Ele tinha sede.

Seguindo o exemplo do Divino Mestre, a Igreja continua a sua missão evangelizadora de salvar almas. O missionário deixa os seus pais, os seus entes queridos, o seu país e parte para terras longínquas, não para fazer fortuna, mas para conquistar almas para Cristo. A religiosa que deixa o mundo e trabalha infatigavelmente num hospital ou numa enfermaria, também espera ganhar almas para Deus. E é, justamente, por temerem que essa caridade abra os corações para Deus e Nossa Senhora que uma corrente moderna e alguns políticos querem expulsá-los e não os querem à junto do leito dos moribundos, aceitando, no máximo, que tratem do corpo, mas nunca da alma.

Salvar almas também deve ser o objetivo de todo o cristão. À nossa volta, na nossa família, no nosso local de trabalho, há almas mortas que precisam de ser ressuscitadas, almas doentes que requerem cuidados delicados, almas perdidas que procuram o seu caminho. Conviver com essas angústias sem ajudá-las é indigno de um discípulo de Jesus.

Este apostolado é um esforço enorme, especialmente nos nossos dias! Mas recordemos de que seremos julgados pela nossa fé, nossas orações, por termos sido bons samaritanos, por termos cumprido os mandamentos e estejamos confiantes de que, com a ajuda de Nossa Senhora, um dia ouviremos o doce convite dirigido àqueles que praticaram a caridade: "Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (Mt 25, 34).

domingo, 9 de outubro de 2022

9 de outubro: a morte de Pio XII, o Papa que condenou o nazismo e o comunismo


Nascido a 2 de março de 1876, Eugénio Maria José João Pacelli foi eleito Papa no dia 2 de março de 1939, quando o mundo já antevia o início da Segunda Guerra Mundial, tomando o nome de Pio XII.

Ainda como colaborador de Pio XI, apontou o paganismo e os erros da ideologia do nacional-socialismo e mais tarde não hesitou em condenar o comunismo

No dia 9 de outubro de 1958, aos 82 anos, entregou a sua alma a Deus.

Nos nossos dias, ainda existem pessoas que, por desconhecimento ou razões ideológicas, ainda ousam pregar desavergonhadamente os benefícios de uma doutrina e regime que fez mais de 94 milhões de vítimas em todo o mundo, conforme o historiador Stéphane Courtois.

- 20 milhões na União Soviética

- 65 milhões na República Popular da China

- 1 milhão no Vietname

- 2 milhões na Coreia do Norte

- 2 milhões no Camboja

- 1 milhão nos Estados Comunistas do Leste Europeu

- 150 mil na América Latina

- 1,7 milhões na África

- 1,5 milhões no Afeganistão

- 10 000 mortes "resultantes das ações do movimento internacional comunista e de partidos comunistas fora do poder".

Este número impressionante de vítimas inocentes é quatro vezes superior às 21 milhões do nazismo, segundo o historiador R. J. Rummel, sendo quase 6 milhões de judeus.

Logo depois da Segunda Guerra Mundial, a humanidade pedia uma condenação incontestável da ideologia Nazi. Depois do Processo de Nuremberg ficou patente que a ideologia do nacional-socialismo é criminosa e leva a crimes hediondos. Em pleno século XXI, com o recuo histórico, já não temos todos os dados para fazermos um processo do comunismo? Ou continuaremos a condenar vigorosamente o nazismo, com os seus campos de concentração – e muito bem! – e a fecharmos os olhos para os Gulags soviéticos, para a revolução cultural chinesa, o “paraíso cubano”, e tantas outras desastrosas experiências do comunismo que não só matavam e oprimiram os seus opositores, como levaram o povo à miséria?

Recordemos os ensinamentos, muito atuais e esclarecedores, do Papa Pio XI, sobre os males do comunismo, contidos na Encíclica Divinis Redemptoris de 19 de março de 1937, a condenação explícita de Pio XII a este regime, a excomunhão aos que professam, defendem e divulgam a doutrina materialista e anticristã dos comunistas, reafirmada por vários Papas.

Extratos da Divinis Redemptoris de Pio XI

“Depois da miserável queda de Adão, como consequência dessa mácula hereditária, começou a travar-se o duro combate da virtude contra os estímulos dos vícios; e jamais cessou aquele antigo e astuto tentador de enganar a sociedade com promessas falazes. É por isso que, pelos séculos afora, as perturbações se têm sucedido umas às outras até à revolução dos nossos dias, a qual ou já surge furiosa ou pavorosamente ameaçada atear-se em todo o universo e parece ultrapassar em violência e amplitude todas as perseguições que a Igreja tem padecido; a tal ponto que povos inteiros correm perigo de recair em barbárie, muito mais horrorosa do que aquela em que jazia a maior parte do mundo antes da vinda do Divino Redentor.

Vós, sem dúvida, Veneráveis Irmãos, já percebestes de que perigo ameaçador falamos: é do comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da Civilização Cristã.

Mas diante destas ameaçadoras tentativas, não podia calar-se nem de fato se calou a Igreja Católica. Não se calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo despreza e impugna. Já desde os tempos em que certas classes de eruditos pretenderam libertar a civilização e cultura humanística dos laços da religião e da moral, os Nossos Predecessores julgaram que era seu dever chamar a atenção do mundo, em termos bem explícitos, para as consequências da descristianização da sociedade humana. E pelo que diz respeito aos erros dos comunistas, já em 1846, o Nosso Predecessor de feliz memória, Pio IX, os condenou solenemente, e confirmou depois essa condenação no Sílabo. São estas as palavras que emprega na Encíclica Qui pluribus: “Para aqui (tende) essa doutrina nefanda do chamado comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana” (Encíclica Qui pluribus, 9 de novembro de 1846: Acta Pii IX, vol. I, pág. 13. Cf. Sílabo, IV: A.A.S., vol. III, pág. 170). Mais tarde, outro Predecessor Nosso de imortal memória, Leão XIII, na sua Encíclica Quod Apostolici muneris (28 de dezembro de 1878: Acta Leonis XIII, vol. I, pág. 40), assim descreveu distinta e expressamente esses mesmos erros: “Peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo”; e com a clarividência do seu espírito luminoso demonstrou que o movimento precipitado das multidões para a impiedade do ateísmo, numa época em que tanto se exaltavam os progressos da técnica, tivera origem nos desvarios duma filosofia que de há muito porfia por separar a ciência e a vida da fé da Igreja.

Nós também no decurso do Nosso Pontificado, com insistente solicitude fomos várias vezes denunciando as correntes desta impiedade que víamos crescendo e rugindo cada vez mais ameaçadoras. Efetivamente, quando em 1924 voltava da Rússia a Nossa missão de socorro, numa alocução especial dirigida ao universo católico (18 de dezembro de 1924: A.A.S., vol. XVI (1924), págs. 494-495), condenamos os erros e processos dos comunistas. E pelas Encíclicas Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928: A.A.S., vol. XX (1928), págs. 165-178), Quadragesimo anno (15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228), Caritate Christi (3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 177-194), Acerba animi (29 de setembro de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 321-332), Dilectissima Nobis (3 de junho de 1933: A.A.S., vol. XXV (1933), págs. 261-274), levantamos a voz em solenes protestos contra as perseguições desencadeadas contra o nome cristão, tanto na Rússia, como no México, como finalmente na Espanha. E estão ainda bem frescas na memória as alocuções por Nós pronunciadas, o ano passado, quer por ocasião da inauguração da Exposição mundial da Imprensa Católica, quer na audiência concedida aos refugiados espanhóis, quer também em Nossa Mensagem radiofônica pela festa do santo Natal. Até os mais encarniçados inimigos da Igreja, que desde Moscou, sua capital, dirigem esta luta contra a civilização cristã, até eles mesmos, com seus ataques ininterruptos, dão testemunho, não tanto por palavras como por atos, que o Sumo Pontificado, ainda em nossos tempos, não só não cessou de tutelar com toda a fidelidade o santuário da religião cristã, mas tem dado voz de alarme contra o enorme perigo comunista, com mais freqüência e maior força persuasiva que nenhum outro poder público deste mundo.

Julgamos dever Nosso levantar de novo a voz; e fá-lo-emos por meio deste documento de maior solenidade, como é costume desta Sé Apostólica, mestra da verdade; e com tanto maior satisfação o faremos, quando é certo que assim correspondemos aos desejos de todo o universo católico. Confiamos até que o eco da nossa voz será acolhido de bom grado por todos aqueles que, de espírito liberto de preconceitos, desejem sinceramente o bem da humanidade. Esta nossa confiança vem em certo modo aumentá-la o fato de vermos estas Nossas admoestações confirmadas pelos péssimos frutos, que Nós prevíramos e anunciáramos haviam de brotar das ideias subversivas, e que de fato se vão pavorosamente multiplicando nas regiões já dominadas pelo comunismo, ou ameaçam invadir rapidamente os outros países do mundo.

A doutrina comunista que em nossos dias se apregoa, de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho de tal modo impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco equitativa repartição dos bens deste mundo dá como consequência a miséria anormal de muitos. Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhos com um salário de miséria.

Ora, a doutrina que os comunistas em nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências capciosas e sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a ideia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade, porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de ruínas, tome o aspeto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênero humano.


Além disso, o comunismo despoja o homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida espiritual; e ao mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. E, como a pessoa humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que, para assim dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos naturais, que dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos à coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez que sustentam o princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que proceda de Deus, até mesmo a dos pais; porquanto, como asseveram, tudo quanto existe de autoridade e subordinação, tudo isso, como de primeira e única fonte, deriva da sociedade. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade sobre bens naturais ou sobre meios de produção; porquanto, dando como dão origem a outros bens, a sua posse introduz necessariamente o domínio de um sobre os outros. E é precisamente por esse motivo que afirmam que qualquer direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão econômica, tem de ser radicalmente destruído.

Além disto, como esta doutrina rejeita e repudia todo o caráter sagrado da vida humana, segue-se por natural consequência que para ela o matrimônio e a família é apenas uma instituição civil e artificial, fruto de um determinado sistema econômico: por conseguinte, assim como repudia os contratos matrimoniais formados por vínculos de natureza jurídico-moral, que não dependam da vontade dos indivíduos ou da coletividade, assim rejeita a sua indissolúvel perpetuidade. Em particular, para o comunismo não existe laço algum da mulher com a família e com o lar. De facto, proclamando o princípio da emancipação completa da mulher, de tal modo a retira da vida doméstica e do cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública e da produção coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do lar e dos filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito que lhes compete de educar os filhos, o qual se considera como direito exclusivo da comunidade, e, por conseguinte, só em nome e por delegação dela se pode exercer.

Que viria a ser, então, a sociedade humana, baseada em tais fundamentos materialistas? Viria a ser uma coletividade, sem outra hierarquia mais do que a derivada do sistema econômico. Teria por missão única a produção de riqueza por meio do trabalho coletivo, e único fim o gozo dos bens da terra num paraíso ameníssimo de delícias onde cada qual “produziria conforme as suas forças e receberia conforme as suas necessidades”. É também de notar que o comunismo reconhece igualmente à coletividade o direito, ou antes a arbitrariedade quase ilimitada, de sujeitar os indivíduos ao jugo do trabalho coletivo, sem a menor consideração do seu bem-estar pessoal; mais ainda, o direito de os forçar contra a sua vontade e até pela violência. E nesta sociedade comunista proclamam que tanto a moral como a ordem jurídica não brotam de outra fonte mais do que do sistema econômico do tempo o que, por conseguinte, de sua natureza são valores terrestres transitórios e mudáveis. Em suma, para resumirmos tudo em poucas palavras, pretendem introduzir uma nova ordem de coisas e inaugurar uma era nova de mais alta civilização, produto unicamente duma cega evolução da natureza: “uma humanidade que tenha expulsado a Deus da terra”.

E, quando as qualidades e disposições de espírito, que se requerem para realizar semelhante sociedade, tiverem sido alcançadas por todos em tal grau, que por fim tenha surgido aquele ideal utópico de sociedade, que eles sonham, sem distinção de classes então o Estado político, que ao presente unicamente se organiza como instrumento de domínio dos capitalistas sobre os proletários, perderá totalmente a razão de ser e, por necessidade natural, se dissolverá! Todavia, enquanto se não tiver chegado a essa idade de ouro, os comunistas empregam o governo e o poder público como o mais eficaz e universal instrumento, para atingirem o seu fim.

Aqui tendes, Veneráveis Irmãos, diante dos olhos do espírito, a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção! Sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa humana.

Mas donde vem que tal sistema, que a ciência já há muito ultrapassou e a realidade dos fatos vai cada dia refutando, possa difundir-se tão rapidamente por todas as partes do mundo? Facilmente poderemos compreender esse fenômeno, se refletirmos que são muito poucas as pessoas que têm penetrado a fundo a verdadeira natureza e fim do comunismo; ao passo que são muitíssimos os que cedem facilmente à tentação, habilmente apresentada sob as promessas mais deslumbrantes. É que os propagandistas deste sistema afivelam esta máscara de verdade, a saber: que não querem outra coisa mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras; que pretendem não somente dar remédio oportuno aos abusos provocados pela economia liberal, mas também conseguir uma distribuição mais equitativa dos bens terrenos: objetivos estes que certamente ninguém nega se possam atingir por meios legítimos. Contudo os comunistas, por esses processos, explorando sobretudo a crise econômica, que em toda a parte se sente, conseguem atrair ao seu partido aqueles mesmos que, em virtude da doutrina que professam, abominam os princípios do materialismo e os monstruosos crimes que não raro se perpetram. E, como em qualquer erro há sempre qualquer centelha de verdade, como acima vimos que sucedia até mesmo nesta questão, este aspeto de verdade põem-no em relevo com requintada habilidade, com o fim de dissimularem e ocultarem, quanto convém, aquela odiosa e desumana brutalidade dos princípios e dos métodos de comunismo; e desse modo conseguem seduzir até espíritos nada vulgares, os quais muitas vezes a tal ponto se deixam entusiasmar que eles próprios se tornam uma espécie de apóstolos, que vão extraviar com esses erros sobretudo os jovens, facilmente expostos a se deixarem enredar por esses sofismas. Além disso, os arautos do comunismo não ignoram que podem tirar partido, tanto dos antagonismos de raça como das dissensões e lutas em que se entrechocam as diferentes facões políticas, como enfim daquela desorientação que lavra no campo da ciência, onde a própria ideia de Deus emudece, para se infiltrarem nas Universidades e corroborarem os princípios da sua doutrina com argumentos pseudocientíficos.

A difusão tão rápida das ideias comunistas que se vão sorrateiramente infiltrando por países grandes ou pequenos, cultos ou menos civilizados, e até nas partes mais remotas do globo, tem sem dúvida por causa esse fanatismo de propaganda encarniçada, como talvez nunca se viu no mundo. E essa propaganda, emanada duma fonte única, adapta-se astutamente às condições particulares dos povos; dispõe de grandes meios financeiros, de inúmeras organizações, de congressos internacionais concorridíssimos, de forças compactas e bem disciplinadas; propaganda quer por jornais, revistas e folhas volantes, pelo cinema, pelo teatro, pela radiofonia, pelas escolas enfim e pelas Universidades, pouco a pouco vai invadindo todos os meios ainda os melhores, sem darem talvez pelo veneno, que cada vez mais vai infecionando os espíritos e os corações.

Outro auxiliar poderoso, que contribui para a avançada do comunismo, é sem dúvida a conspiração do silêncio na maior parte da imprensa mundial, que não se conforma com os princípios católicos. Conspiração dizemos: porque aliás, não se explica facilmente como é que uma imprensa, tão ávida de esquadrinhar e publicar até os mínimos incidentes da vida cotidiana, sobre os horrores perpetrados na Rússia, no México e numa grande parte de Espanha pode guardar, há tanto tempo, absoluto silêncio; e da seita comunista, que domina em Moscou e tão largamente se estende pelo universo em poderosas organizações, fala tão pouco. Mas todos sabem que esse silêncio é em grande parte devido a exigências duma política, que não segue inteiramente os ditames da prudência civil; e é aconselhável e favorecido por diversas forças ocultas que já há muito porfiam por destruir a ordem social-cristã.

Entretanto, aí estão à vista os deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram radicar-se e dominar, - e aqui pensamos com particular afeto paterno nos povos da Rússia e do México, - aí, como eles próprios abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir radicalmente os fundamentos da religião e da civilização cristãs, e extinguir completamente a sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude. Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões.

Até em países, onde - como sucede na Nossa amadíssima Espanha - não conseguiu ainda a peste e o flagelo comunista produzir todas as calamidades dos seus erros, desencadeou, contudo, infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem monumentos insignes de arte e de ciência, tudo foi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século.

Ninguém de são critério, quer seja simples particular, quer homem de Estado, cônscio da sua responsabilidade, ninguém absolutamente, repetimos, pode deixar de estremecer de sumo horror, se refletir que tudo quanto hoje está sucedendo na Espanha, pode amanhã repetir-se também em outras nações civilizadas.

Nem se pode asseverar que semelhantes atrocidades são consequências fatais de todas as grandes revoluções, como excessos esporádicos de exasperação, comuns a qualquer guerra: não, são frutos naturais do sistema, cuja estrutura não obedece a freio algum interno. Um freio é necessário ao homem, tanto individualmente como socialmente considerado; e é por isso que até os povos bárbaros reconheceram o vínculo da lei natural, esculpida por Deus na alma de cada homem. E, quando a observância dessa lei foi tida por todos como um dever sagrado, viram-se nações antigas atingir um tal esplendor de grandeza, que espanta, ainda mais até do que é razão, aqueles que só superficialmente compunham os documentos da história humana. Mas quando se arranca das mentes dos cidadãos a própria ideia de Deus, necessariamente os veremos precipitar-se na crueldade mais selvagem, e na ferocidade dos costumes. Luta contra tudo o que é divino

É este o espetáculo que atualmente com suma dor contemplamos: pela primeira vez na história estamos assistindo a uma insurreição, cuidadosamente preparada e calculadamente dirigida contra “tudo o que se chama Deus” (cfr. 2 Tess 1, 4). Efetivamente, o comunismo por sua natureza opõe-se a qualquer religião, e a razão por que a considera como o “ópio do povo”, é porque os seus dogmas e preceitos, pregando a vida eterna depois desta vida mortal, apartam os homens da realização daquele futuro paraíso, que são obrigados a conseguir na terra.

Mas não é impunemente que se despreza a lei natural e o seu autor, Deus; a consequência é que os esforços dos comunistas, assim como nem sequer no campo econômico puderam até hoje realizar o seu desígnio, assim também no futuro jamais o poderão conseguir. Não negamos que esses esforços na Rússia contribuíram não pouco para sacudir os homens e as suas instituições, daquela longa e secular inércia em que jaziam, e que puderam, empregando todos os meios e processos; ainda mesmo ilegitimamente, fazer alguma coisa para promover o progresso material; mas sabemos por testemunhos absolutamente insuspeitos, e alguns bem recentes ainda, que de fato nem sequer neste ponto se conseguiu o que tanto se prometera. E não se esqueça, que aquela ditadura, toda terrorismo e crueldade, impôs a inumeráveis cidadãos o jugo da escravidão. Porque é de notar que também no terreno econômico é imprescindível alguma norma de probidade a que se conforme, por dever de consciência, quem exerce algum cargo; ora isso é indiscutível que o não podem dar os princípios comunistas, nascidos dos sofismas do materialismo. Por conseguinte, nada mais resta do que aquele pavoroso terrorismo que se está vendo na Rússia, onde os antigos camaradas de conspiração e de luta se vão dando a morte uns aos outros; mas esse terrorismo criminoso, longe de conseguir pôr um dique à corrupção dos costumes, nem sequer pode evitar a dissolução da estrutura social. Um pensamento paternal para os povos oprimidos da Rússia

Com isto, porém, não é nossa intenção condenar em massa os povos da União Soviética, aos quais, pelo contrário, consagramos o mais vivo afeto paterno. É que, de facto, sabemos que muitos deles gemem sob o jugo da mais iníqua escravidão, que lhes foi imposta por homens, pela maior parte estranhos aos verdadeiros interesses daquele povo; e que muitos outros foram enganados por promessas e esperanças falazes. O que Nós condenamos é o sistema e seus autores e fautores que consideraram aquela nação como o terreno mais apto para lançarem a semente do seu sistema, há muito tempo preparada, e de lá a disseminarem por todas as regiões do globo.

Queremos, pois, mais uma vez expor, como em breve síntese, os sofismas teóricos e práticos do comunismo, como eles se manifestam principalmente nos princípios e métodos da ação do bolchevismo: a esses sofismas, todos falsidade e ilusão, contrapor a luminosa doutrina da Igreja; e de novo exortar a todos insistentemente a lançar mãos dos meios, com que é possível não somente livrar e salvaguardar deste horrendo flagelo a civilização cristã, a única em que pode subsistir uma sociedade verdadeiramente humana, mas ainda fazê-la avançar, a passo cada dia mais acelerado, para o genuíno progresso da humanidade.

Como em todos os períodos mais tormentosos da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é uma sincera renovação da vida privada e pública, segundo os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo, a fim de serem verdadeiramente o sal da terra, que preserve a sociedade humana de tal corrupção.

Com sentimentos de profunda gratidão para com o Pai das luzes, de quem desce “toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito” (Tg 1, 17), vemos por toda a parte sinais consoladores dessa renovação espiritual, não só em tantas almas singularmente escolhidas, que nestes últimos anos se têm elevado ao cume da mais sublime santidade, e em tantas outras, cada vez mais numerosa, que generosamente caminham para a mesma luminosa meta, mas também no reflorescimento de uma piedade sentida e vivida, em todas as classes da sociedade, até nas mais cultas, como pusemos em relevo no Nosso recente Motu proprio In multis solaciis, de 28 do passado outubro, por ocasião da reorganização da Pontifícia Academia das Ciências (A.A.S., vol. XXVIII (1936), págs. 421-424).

Não podemos, contudo, negar que muito resta ainda por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em países católicos, demasiados são os que são católicos quase só de nome; demasiados, aqueles que, seguindo embora mais ou menos fielmente as práticas mais essenciais da religião que se ufanam de professar, não se preocupam de melhor a conhecer, nem de adquirir convicções, mais íntimas e profundas, e menos ainda de fazer que ao verniz exterior corresponda o interno esplendor de uma consciência reta e pura, que sente e cumpre todos os seus deveres sob o olhar de Deus. Sabemos quanto o Divino Salvador aborrece esta vã e falaz exterioridade, Ele que queria que todos adorassem o Pai “em espírito e verdade” (Jo 4, 23). Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa, não poderá hoje, que tão violento sopra o vento da luta e da perseguição, resistir por muito tempo, mas será miseravelmente submerso por este novo dilúvio que ameaça o mundo; e assim, enquanto se prepara por si mesmo a própria ruína, exporá também ao ludibrio o nome cristão.

E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias...” (Tg 5, 1-3).

Mas os pobres, por sua vez, esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.


E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias...” (Tg 5, 1-3).

Mas os pobres, por sua vez, esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.

Ao princípio, o comunismo mostrou-se tal qual era em toda a sua perversidade; mas bem depressa se capacitou de que desse modo afastava de si os povos; e por isso mudou de tática e procura atrair as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes do comunismo fingem ser os mais zelosos fautores e propagandistas do movimento a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz, recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes que nem por sombras aludem ao comunismo, fundam associações e periódicos que servem depois unicamente para fazerem penetrar as suas ideias em meios, que doutra forma lhe não seriam facilmente acessíveis, procuram até com perfídia infiltrar-se em associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, sem renunciarem um ponto a seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade das consciências. Há até quem, reportando-se a certas alterações recentemente introduzidas na legislação soviética, deduz que o comunismo está em vésperas de abandonar o seu programa de luta contra Deus.

Procurai, Veneráveis Irmãos, que os fiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair como vítimas do seu erro; e quanto mais se distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã as regiões aonde o comunismo consegue penetrar, tanto mais devastador lá se manifesta o ódio dos “sem-Deus”.

Não podemos pôr termo a esta Carta Encíclica, sem dirigir uma palavra àqueles mesmos filhos Nossos que estão já contagiados ou tocados do mal comunista. Exortamo-los vivamente a que ouçam a voz do Pai que os ama; e rogamos ao Senhor que os ilumine, para que deixem o caminho que os despenha a todos numa imensa e catastrófica ruína, e reconheçam também eles que o único Salvador é Jesus Cristo Senhor Nosso: “porque não há sob o céu nenhum outro nome dado aos homens, pelo qual possamos esperar ser salvos” (At 4, 12)”.

Pio XII: Excomunhão para os que professam, defendem e divulgam o comunismo

Em 15 de julho de 1948, L'Osservatore Romano publicou um decreto emanado pelo Santo Ofício, no qual afirmava que estavam excomungados os que propagavam "os ensinamentos materialistas e anti-cristãos do comunismo".

A 1 de julho de 1949, o Santo Ofício publicou mais um decreto condenatório, no qual proibia os católicos de favorecerem, votarem ou se filiarem em partidos comunistas; e de ler, publicar ou escrever qualquer material que defendesse o comunismo (citando o cânone 1399 do Código de Direito Canónico de 1917, atualmente revogado). Este decreto voltou também a confirmar a excomunhão automática, ipso facto (ou latae sententiae).

Pio XII ordenou a publicação do Decreto no dia 1 de julho de 1949 na Acta Apostolicae Sedis, que levou à excomunhão de católicos que defendiam abertamente o comunismo. Também condenou o comunismo em outras ocasiões, como por exemplo na Carta Apostólica Dum maerenti animo — A Igreja perseguida na Europa do Leste (29 de junho de 1956)[28] e na Carta Apostólica "Sacro vergente anno" – A Consagração da Rússia ao Coração Imaculado de Maria (7 de julho de 1952).

O texto completo do decreto de 1949, escrito em latim e foi traduzido da seguinte maneira:

Recordamos que “a Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício, por mandato e com a autoridade do Sumo Pontífice Pio XII, promulgou um decreto no dia 1o. de julho de 1949, no qual proscreve categoricamente o comunismo e toda colaboração com ele. (A.A.S., voL XLI, pág. 334).

I – É lícito aos católicos dar seu nome e prestar sua ajuda aos partidos comunistas?

Resposta: Não é lícito, o comunismo é materialista e anticristão; com efeito, os chefes comunistas, inclusive quando dizem por palavras que não combatem a religião, na realidade, contudo, tanto pela doutrina como pela ação, mostram-se inimigos de Deus, da verdadeira Religião e da Igreja de Cristo,

II – É lícito editar, difundir ou ler livros, revistas, jornais e folhetos que defendem a doutrina ou atividades comunistas, ou neles escrever?

Resposta: Não é lícito; está proibido ipso jure (cânon 1399 do Código de Direito Canônico).

III – Os fiéis que, consciente e livremente, tenham incorrido nos atos de que tratam os números I e II, podem ser admitidos aos Sacramentos?

Resposta: Não podem ser admitidos, em conformidade com o princípio geral de que se deve negar os Sacramentos àqueles que não estão nas devidas disposições para recebê-los.

lV – Os fiéis que professam a doutrina materialista e anticristã dos comunistas e principalmente aqueles que a defendem e divulgam, incorrem, ipso facto, na excomunhão reservada de modo especial à Sé Apostólica, como apóstatas da Fé católica?

Resposta: Sim, incorrem.

(A.A.S., voL XLI, pág. 334. – Colocamos cada resposta logo em seguida à respetiva pergunta para maior facilidade de compreensão).

Nos anos seguintes, o Santo Ofício continuou a emitir condenações, como a excomunhão do padre Jan Dechet, que foi nomeado bispo pelo governo comunista checoslovaco, a 18 de fevereiro de 1950, a da filiação a organizações da juventude comunista, a 28 de setembro de 1950, a usurpação de funções da Igreja pelo Estado, a 29 de junho de 1950, a ilegitimação de bispos ordenados pelo Estado, a 9 de abril de 1951 e publicações que favoreciam o comunismo totalitário, a 28 de junho e 22 julho de 1955.

João XXIII confirma condenação aos candidatos comunistas

A 4 de abril de 1959, o Papa João XXIII autorizou a publicação do Dubium, um documento do Santo Ofício de 25 de março, que confirmava o decreto contra o Comunismo de 1949, escrito em latim e que pode ser traduzido nos seguintes termos:

Foi perguntado no dia 25 de março de 1959 à Suprema Sagrada Congregação se é permitido aos cidadãos católicos ao elegerem os representantes do povo, darem o seu voto a partidos ou a candidatos que, mesmo se não proclamam princípios contrários à doutrina católica e até reivindicam o nome de cristãos, apesar disto se unem de facto aos comunistas e os apoiam por sua ação.

Os Eminentíssimos e Reverendíssimos Padres, responsáveis pela proteção da fé e da moral, responderam com seguinte decreto:

Não, segundo a diretiva do Decreto do Santo Ofício de 1 de julho de 1949, n. 1 (A.A.S., vol. XLI, 1949, p. 334).

No dia 2 de abril do mesmo ano, o Papa João XXIII, na audiência ao Cardeal Pró-secretário do Santo Ofício, aprovou a decisão dos Padres e ordenou a sua publicação, no dia 4 de Abril de 1959.

O novo Código de Direito canónico de São João Paulo II e a rejeição ao socialismo e comunismo no Catecismo da Igreja Católica

Em 1983, o Código de Direito Canónico de 1917, no qual se baseou os decretos contra o comunismo, foi abrogado pelo novo Código de Direito Canónico, publicado pelo Papa São João Paulo II, em 1983.

No cânon 6 do novo Código, está explicitado que, "com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados: o Código de Direito Canónico promulgado no ano de 1917; as outras leis, quer universais quer particulares, contrárias às prescrições deste Código, a não ser que acerca das particulares se determine outra coisa; quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código; as outras leis disciplinares universais respeitantes a matéria integralmente ordenada neste Código. Os cânones deste Código, na medida em que reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em consideração também a tradição canónica."

Contudo, o novo Código reserva aos apóstatas da fé, aos hereges e aos cismáticos a pena da excomunhão latae sententiae (cânon 1364), de forma mais abrangente e geral do que no Código anterior.

Por fim, o Catecismo da Igreja Católica (1992) afirma que a Igreja rejeita as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo", e por outro lado, recusa, na prática do "capitalismo", o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano.

Papa Francisco: Críticas ao capitalismo e apoio indireto ao comunismo?

A condenação dos Papas ao comunismo foi clara e evidente. Contudo, muitos católicos ficaram perplexos quando, em 2013, o Papa Francisco criticou o capitalismo e a ineficiência das políticas pró-mercado na sua primeira Exortação Apostólica (Evangelii Gaudium). Na ocasião, o Pontífice chegou a afirmar que a política pró-mercado é apenas uma opinião "que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante", e desde então várias características de seus discursos têm sido comparadas à retórica socialista, condenada por Pio XI. Em junho de 2014, o Papa respondeu que os comunistas é que se teriam apropriado da bandeira de defesa aos pobres, que está no centro do Evangelho cristão, declarando em tom descontraído que na verdade seriam os comunistas que apresentam similaridades com os princípios cristãos, e não o contrário.

Em 2015, numa entrevista na Bolívia, o Papa Francisco adotou novamente um discurso anticapitalista, sem afirmar com clareza a sua oposição à utopia comunista. O Papa pregou “mudança de estruturas” e disse que mesmo entre a elite económica que se beneficia do sistema “muitos esperam uma mudança que os libere dessa tristeza individualista que os escraviza”. Além disso, propôs que a economia deveria trabalhar ao serviço dos povos, ao invés de ser um mecanismo para acumulação de capital, defendendo que a verdadeira função da economia seria "a administração correta da casa comum".

De tal maneira as palavras do Papa foram compreendidas como um apoio ao comunismo que, no mesmo encontro, recebeu de presente do presidente boliviano Evo Morales um crucifixo estilizado na forma da foice e martelo (um dos símbolos do bolchevismo), uma reprodução da escultura do sacerdote jesuíta Luis Espinal, que tinha ligação com movimentos sociais bolivianos e foi assassinado por paramilitares em 1980.

Na ocasião, percebendo a instrumentalização que seria feita do presente, o Santo Padre manifestou visível desconforto com a peça, a princípio hesitando em recebê-la, para logo após devolvê-la. Durante entrevista ao jornal italiano La Repubblica do dia 11 de novembro de 2016, Francisco afirmou que “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam”. Ao ser questionado se uma sociedade mais marxista era necessário, respondeu que “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não, mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade.”

Francisco já havia expressado a mesma opinião em 2014, em uma entrevista ao jornal italiano Il Messaggero. “Eu só posso dizer que os comunistas têm roubado a nossa bandeira. A bandeira dos pobres é cristã. A pobreza está no centro do Evangelho, os pobres estão no centro do Evangelho”, disse o papa na ocasião, citando o capítulo 25 do Evangelho de Mateus, que retrata que o critério do julgamento divino será a ajuda ao necessitado. “Os comunistas dizem que tudo isso é comunismo. Sim, como não: vinte séculos depois!”, ironizou Francisco.

Audiência do Sr. Dr. Plinio Correa de Oliveira com Pio XII


Antes de encerrar este artigo, já muito longo, recordemos a audiência do Sr. Dr. Plinio Correa de Oliveira com o Papa Pio XII, contada numa carta dirigida a sua mãe, Senhora Dona Lucilia:

“Roma, 13.VI.50.

Mãezinha queridíssima do coração

Querido Papai

Escrevo-lhes a 1:30 da manhã, depois de ter tomado apontamentos desde 11 horas da noite até agora. Estou com todas as minhas orações para fazer. Tenho um mundo de contatos, tipo marquês Pallavicino, Príncipe Lancelotti, Príncipe Ruffo, Príncipe Chigi, Embaixador da Espanha junto ao Vaticano, etc. Mas, o mais formidável foi o Papa.

Íamos telegrafar para aí pedindo orações, quando veio — com uma rapidez inusitada — a notícia de que o Papa nos receberia em audiência especial no dia seguinte. Corre-corre tremendo para aprontar o relatório, que ficou concluído à ultimíssima hora. (…)

Atravessamos salões e salões. Na passagem, os Suíços e os “gendarmes” pontifícios apresentavam armas. Os salões cheios de diplomatas e de peregrinos. Afinal chegamos ao salão do Papa. Este foi muito amável comigo. Quando lhe disse que era o autor de Em Defesa da Ação Católica, disse apertando-me a mão com afeto: “Então uma bênção especial”.

Pedi bênção especial para a Senhora e Papai, pelo que, traduzindo mal, disse “mes parents”, o que quer dizer propriamente só os pais. Pedi também bênção especial para meus companheiros de trabalho. O Papa concedeu tudo muito afetuosamente, e benzeu os objetos de piedade que lhe levei.

Outros pormenores, só de viva voz poderei contar…

Para Papai, um longo e afetuoso abraço. Para Mamãe, milhões e milhões de beijos. A ambos peço a bênção, Plinio”.

(Revista Dr. Plinio, Junho/2005, n. 87, p. 5)