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sábado, 26 de dezembro de 2020

As relíquias dos três Reis Magos

O Evangelho narra a história dos Reis Magos, que “vieram do Oriente”, guiados pela Estrela e foram conduzidos à gruta de Belém, onde adoraram o Messias.

Estes ilustres personagens foram escolhidas por Deus entre os Gentis para serem os primeiros adoradores do Salvador.

Eles não eram magos ou adivinhos, como alguns autores afirmaram no passado, mas foram escolhidos por serem homens distinguidos pela sua dignidade, talentos, conhecimentos das coisas divinas e humanas e, especialmente, a astronomia. No Oriente, dava-se o título de Magos aos sábios e doutores.

A realeza dos três magos foi proclamada desde o século IV pelos padres da Igreja e vários escritores e é admitida pela maioria dos fiéis, que desde tempos imemoráveis, festejam a Adoração dos Reis Magos na festa da Epifania, conforme as palavras de Isaías, “A multidão de camelos te cobrirá, os dromedários de Madiã e Efá; todos virão de Sabá; ouro e incenso trarão, e publicarão os louvores do Senhor” (Is 60, 6).

Os Magos, iniciaram a sua viagem de forma separada e reuniram-se em Jerusalém. Depois continuaram juntos até Belém. Segundo antiga tradição, confirmada por autores eclesiásticos como São Leão e por pinturas conservadas nas Catacumbas de Roma, desde os primeiros séculos da Igreja, eles eram, sem contar com os seus séquitos, verdadeiramente três.

O nome dos Reis Magos, reconduzidos pela Providência às suas terras para não se encontrarem com Herodes que queria mandar matar o Menino Jesus, não aparece nos escritos grecos ou latinos antes do século XII, como afirma o historiador jesuíta belga Padre Jean Bolland do século XVII.  Contudo, posteriormente, foram-lhes dados muitos nomes, sendo os mais conhecidos os de Gaspar, Baltazar e Melchior, respetivamente da Caldeia, Pérsia e Índia, atualmente Irão e Iraque.

Ao chegarem às suas terras, os Magos contaram para os seus povos o que tinham visto e ouvido sobre o Verbo de Deus, encarnado para a salvação dos homens e muitos se converteram à Fé Cristã, antes mesmo da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo uma tradição, quando São Tomé passou por aquelas terras, muitos deles juntaram-se a ele, receberam o batismo das suas mãos e ajudaram-no na predicação do Evangelho.

Segundo uma outra tradição muito mais recente, os restos sagrados dos três Reis Magos foram, primeiro, levados para Constantinopla, onde foram colocados com pompa na Basílica de Santa Sofia, durante o reino de Constantino. Seis séculos mais tarde, o Imperador Maurício, transportou as relíquias para a Igreja que o Santo Bispo Eustórgio tinha mandado construir em honra deles na cidade italiana de Milão.

No ano de 1163, o Imperador Frederico Barba-ruiva, tendo saqueado a cidade de Milão, permitiu a Reinaldo, seu chanceler, então arcebispo de Colónia, levar as relíquias dos santos Reis Magos para esta cidade, onde desde então é possível venerar os Santos Reis Magos, na Catedral.


Em 1864, o relicário da Catedral de Colónia foi aberto e nele foram d
escobertos os esqueletos de três homens:  um jovem, um outro de meia-idade e um idoso, o que confirmaria a representação dos mesmos num mosaico do século VI na igreja de Santo Apolinário, o Novo, em Ravena, Itália, que representa os três magos, com estas características. 

Feliz e Santo Natal e Votos de um sereno 2021


 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Vencidos por um dia

No ano de 1893, Alphonse Chigot pintou o quadro “Os vencedores de um dia”, representando um soldado que volta ferido da guerra.

Com o braço esquerdo enfaixado, o guerreiro segura altivo, junto do peito, a haste e o estandarte, rasgado nas inúmeras batalhas travadas.

Ao longo do caminho que o leva para junto dos seus, ele encontra um Calvário. Diante de Nosso Senhor Jesus Cristo, o bravo militar tira a boina e saúda com respeito e veneração o Seu Protetor e Salvador.

Quem vê a cena pode pensar: “Nosso Senhor pregado numa Cruz e o soldado ferido, não parecem dois derrotados?"

Segundo São Paulo, somos todos soldados: às vezes, no campo de batalha que é a nossa vida, somos feridos por inúmeras provas. Nestes momentos, devemos ostentar com orgulho o nosso estandarte, ou o que resta dele, acreditar na vitória dos nossos ideais, agarrar o crucifixo junto do coração e ter a certeza de que o sofrimento, a dor, até mesmo a morte, serão de curta duração, pois como Jesus Crucificado, podemos parecer "vencidos por um dia", mas com Ele triunfaremos por toda a eternidade!

domingo, 22 de novembro de 2020

A origem da expressão Alea iacta est, “o dado está lançado”


Todos conhecemos e usamos a expressão: “o dado está lançado”, para exprimir a ideia de que algo foi feito e que já não se pode voltar atrás.

Mas, talvez, nem todos sabem a origem desta expressão, que remonta ao ano de 49 antes de Cristo.

Segundo o historiador Caio Svetonio Tranquilo, na sua obra De vita Casesarum, a frase “Alea iacta est”, ou “o dado está lançado”, foi pronunciada por Caio Júlio César no dia 10 de janeiro de 49 A.C..

Voltando da Campanha vitoriosa por terras gaulesas, que lhe deu grande prestígio e gloria, Júlio Cesar apresentou a sua candidatura ao Consulado, o cargo político mais alto da República Romana.

O Senado, temendo o seu poder, ordenou-lhe que dispensasse as suas legiões e voltasse a Roma como simples cidadão. Júlio César ainda tentou fazer um acordo, mas a decisão foi irremovível.

Diante da recusa de ser um dos dois Cônsules, eleitos naquele ano, Júlio César excogitou um plano para tomar o poder. Deu ordem às suas tropas de se dirigirem discretamente até às margens do Rio Rubicão, no Nordeste da Itália, fronteira da Província da Gália Cisalpina, lugar onde, segundo o direito romano, nenhum general poderia atravessar com as suas tropas, para evitar riscos à estabilidade do poder central.

No dia seguinte, Júlio César reuniu-se com as suas legiões, às margens do rio. Indeciso sobre a decisão que deveria tomar, viu um jovem de extrema beleza que tocava uma flauta. Vários dos seus soldados, aproximaram-se para o ouvir. E eis que o rapaz toma a trompa de um legionário, faz soar o toque de batalha e cruza o rio.

Júlio César impressionado pela aparição, voltou-se para as suas tropas e ordenou-lhes: “Andemos por aquela estrada que nos foi indicada pelo prodígio dos deuses: ‘Alea iacta est!’”

Depois de ter cruzado o rio, no mesmo dia Júlio César ocupou Rimini, uma guarnição estratégica das terras italianas e avançou para Roma.

O General Cneu Pompeu Magno, encarregado de o deter, respondeu com um movimento fatídico. Ele ordenou que toda a classe política deixasse a cidade e o seguisse, para contra-atacar do sul da península ou mesmo dos Balcãs.

Com isto, o pânico em Roma foi indizível. Nunca os romanos tinham enfrentado uma situação parecida. A cidade, na sua história secular, tido sido sempre defendida dos inimigos externos e internos. Desta vez, ela tinha sido abandonada a César.

O procônsul, pacificador da Gália, patrício e máximo pontífice, depois de ter dito a frase “Alea iacta est!” e atravessado o Rubicão teria iniciado a marcha vitoriosa que em apenas 60 dias o tornou senhor de toda a península. Foi o primeiro ato vitorioso de uma longa guerra civil que logo depois teria garantido a ele o domínio indiscutível sobre Roma e o seu império mediterrânico.

sábado, 14 de novembro de 2020

A Eslováquia declara o partido comunista organização criminosa

 

O comunismo, uma ideologia que levou à morte de mais de 150 milhões de pessoas no mundo, ainda não foi julgada e criminalizada aos olhos da História, como foi a ideologia Nacional Socialista, mais conhecida como nazismo, depois da II Guerra Mundial.

Até hoje só oito países, Eslováquia, Estónia, Geórgia, Letónia, Lituânia, Polonia, República Checa, e Ucrânia, dominados pelo brutal e tirânico regime comunista por um certo tempo das suas histórias, tiveram a coragem de criminalizar a ideologia do partido comunista, comparando-o com o Nazifascista.

No dia 4 de novembro de 2020, o Parlamento da Eslováquia aprovou uma lei que considera o Partido Comunista Checo e o partido comunista da Eslováquia organizações criminais.

Os argumentos apresentados para justificar a lei foram os 42 anos, nos quais a ditadura comunista oprimiu a sociedade eslovaca. Oitenta e dois deputados votaram a favor, nove contra e dezassete se abstiveram. Segundo esta lei, todos os monumentos e placas comemorativas serão retiradas e demolidas, os nomes das ruas e dos prédios que tenham alguma relação com o comunismo serão rebatizados. A lei criminaliza o Partido comunista Eslovaco e o atual Partido comunista da Eslováquia.

As futuras gerações precisam conhecer como uma ideologia levou ao massacre de milhões de pessoas e deve ser proibida, como o nazismo. Para tal, nada melhor do que uma grande Nuremberg do Comunismo, um processo onde a humanidade passaria a conhecer a verdade sobre uma sombria época histórica vivida no século XX.

 

sábado, 26 de setembro de 2020

Santo Cura d’Ars modelo do sacerdote pobre, casto e obediente, exemplo para os nossos dias

Falar de São João Maria Vianney ‚ evocar a figura de um padre excecionalmente mortificado que, por amor de Deus e pela conversão dos pecadores, se privava de alimento e sono, se impunha rudes penitências e, sobretudo, levava a renúncia de si mesmo a um grau heroico. Se é certo que comumente não é pedido a todos os féis que sigam este caminho, a divina Providência dispôs que nunca faltem no mundo pastores de almas que, levados pelo Espírito Santo, não hesitem em encaminhar-se por estas vias, porque tais homens operam com este exemplo o regresso de muitos, que se convertem da sedução dos erros e dos vícios para o bom caminho e a prática da vida cristã! A todos, o exemplo admirável de renúncia do cura de Ars, "severo para consigo e bondoso para com os outros", [1] lembra de forma eloquente e urgente o lugar primordial da ascese na vida sacerdotal. O nosso predecessor Pio XII, de saudosa memória, no desejo de evitar certos equívocos, não hesitou em precisar que é falso afirmar "que o estado clerical - justamente enquanto tal e por proceder do direito divino - por sua natureza, ou pelo menos em virtude de um postulado da mesma, exige que os seus membros professem os conselhos evangélicos".[2] E o Papa conclui justamente: "O clérigo, portanto, não está ligado, por direito divino, aos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência".[3] Mas seria deformar o genuíno pensamento deste Pontífice, tão cioso da santidade dos padres, e o ensino constante da Igreja, acreditar que o padre secular é menos chamado à perfeição do que o religioso. A realidade é totalmente diversa, porque o exercício das funções sacerdotais "requer uma maior santidade interior, do que aquela exigida pelo estado religioso".[4] E se, para atingir esta santidade de vida, a prática dos conselhos evangélicos não é imposta ao padre em virtude do seu estado clerical, não obstante ela apresenta-se a ele e a todos os discípulos do Senhor, como o caminho mais seguro para alcançar a desejada meta da perfeição cristã. Aliás, para nossa grande consolação, quantos padres generosos o compreenderam no presente, não deixando por isso de continuar nas fileiras do clero secular e pedindo a pias associações aprovadas pela Igreja que os guiem e sustentem nos caminhos da perfeição!

Convencidos de que "a grandeza do sacerdócio está na imitação de Jesus Cristo",[5] os padres estarão, pois, mais do que nunca, atentos aos apelos do divino Mestre: "Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.…" (Mt 16, 24). O santo cura d'Ars, segundo se afirma, "tinha meditado muitas vezes estas palavras de nosso Senhor e esforçava-se por pô-las em prática".[6] Deus concedeu-lhe a graça de se conservar heroicamente fiel a elas; e o seu exemplo guia-nos ainda no caminho da ascese onde ele, resplandeceu brilhantemente pela pobreza, castidade e obediência.

São João Maria Vianney, exemplo de pobreza evangélica


Primeiramente tendes o exemplo de pobreza, virtude pela qual o humilde cura d'Ars, se tornou digno êmulo do patriarca de Assis, de quem foi, na Ordem Terceira, discípulo fiel. [7] Rico para dar aos outros, mas pobre para si mesmo, viveu num total desprendimento dos bens deste mundo, e o seu coração verdadeiramente livre abria-se com generosidade a todos os que, afligidos por misérias materiais ou espirituais vinham até ele de toda a parte em busca de remédio. "O meu segredo é bem simples, dizia ele, é dar tudo e nada guardar".[8] O seu desinteresse fazia-o atender a todos os pobres, sobretudo os da sua paróquia, aos quais testemunhava extrema delicadeza, tratando-os "com verdadeira ternura, com os maiores cuidados e até com respeito".[9] Recomendava que nunca deixassem de ter atenções para com os pobres, porque tal falta recai sobre Deus; e, quando um miserável batia à sua porta, sentia-se feliz, ao recebê-lo, com bondade, por lhe poder dizer: "Sou pobre como vós; hoje sou um dos vossos!".[10] No fim da sua vida, comprazia-se em repetir: "Estou muito satisfeito; já não tenho nada de meu; Deus pode chamar-me quando quiser".[11] Por isso, veneráveis irmãos, podereis compreender como, de todo o coração, exortamos nossos queridos filhos do sacerdócio católico, a meditar num tal exemplo de pobreza e caridade. "A experiência cotidiana atesta - escrevia Pio XI, ao pensar no cura d'Ars - que a ação dos sacerdotes de vida modesta, os quais, segundo a doutrina evangélica, não procuram absolutamente seus próprios interesses, redunda em extraordinários benefícios para o povo cristão".[12] E o mesmo Pontífice, considerando o estado da sociedade contemporânea, dirigia também aos padres este grave aviso: "Ao ver que os homens vendem e compram, tudo pelo dinheiro, os padres caminhem desinteressadamente pelos engodos do vício, e desprezando todo baixo desejo de ganhar, busquem almas e não dinheiro, a glória de Deus e não a sua!" [13]

Aplicações aos padres de hoje


Estas palavras devem estar inscritas no coração de todos os padres. Se há alguns que possuem legitimamente bens pessoais, que não se prendam a eles! Que se lembrem, antes, da obrigação que formula o Direito Canônico, a propósito dos benefícios eclesiásticos, "de dispender o supérfluo com os pobres ou com as obras pias".[14] E queira Deus que nenhum mereça a censura do santo pároco às suas ovelhas: "Quantos têm dinheiro guardado, e tantos pobres a morrer de fome!".[15] Mas nós sabemos que muitos padres vivem, de fato, em condições de verdadeira pobreza. A glorificação de um dos seus, que voluntariamente se despojou de tudo e se regozijava com o pensamento de ser o mais pobre da paróquia, [16] será para eles um providencial estímulo para se dedicarem à prática de uma pobreza evangélica. E se a nossa paternal solicitude pode servir-lhes de conforto, saibam quanto nos regozijamos pelo seu desinteresse no serviço de Cristo e da Igreja.

Mas, ao recomendar esta heroica pobreza, não pretendemos, de forma nenhuma, veneráveis irmãos, aprovar a pobreza total a que, por vezes, são reduzidos os ministros do Senhor nas cidades e no campo. No seu comentário da exortação do Senhor ao desprendimento dos bens deste mundo, São Beda, o Venerável, previne-nos contra qualquer interpretação abusiva: "Não se deve crer que seja prescrito aos santos não conservar dinheiro para seu uso pessoal ou para dar aos pobres, visto ler-se que o próprio Senhor... tinha algum dinheiro para os gastos da Igreja nascente...; mas que não se sirva Deus por causa disso, nem se renuncie à justiça com receio da pobreza".[17] Pois o operário tem direito ao seu salário, (cf. Lc 10, 7) e, fazendo nossas as preocupações do nosso predecessor imediato, pedimos instantemente a todos os fiéis que correspondam com generosidade ao louvável apelo dos bispos, desejosos de assegurar aos seus colaboradores recursos convenientes.[18]

Sua castidade angélica

São João Maria Vianney, pobre de bens materiais, foi igualmente exemplo de voluntária mortificação da carne. "Não há senão uma maneira de se dar a Deus no exercício da renúncia e do sacrifício - dizia ele - isto é, dar-se totalmente".[19] E, em toda a sua vida, praticou, em grau heróico, a ascese da castidade.

O seu exemplo sobre este ponto parece, particularmente oportuno, porque, em bastantes regiões, infelizmente, os padres são obrigados a viver, em virtude do seu cargo, num mundo onde reina uma atmosfera de excessiva liberdade e sensualidade. E a palavra de s. Tomás‚ para eles cheia de verdade: "É por vezes mais difícil viver virtuosamente tendo cura de almas, por causa dos perigos exteriores".[20] Além disso, muitas vezes, estão moralmente sós, pouco compreendidos, pouco amparados pelos fiéis a quem se dedicam. A todos, e, sobretudo, aos mais isolados e mais expostos, nós dirigimos um apelo premente, para que toda a sua vida seja um puro testemunho dessa virtude a que s. Pio X chamava "o mais belo ornamento da nossa ordem".[21] E recomendamo-vos, insistentemente, veneráveis irmãos, que procureis para os vossos padres, na medida do possível, condições de existência e trabalho que estimulem a sua boa vontade. É preciso, a todo o custo, combater os perigos do isolamento, denunciar as imprudências, afastar as tentações da ociosidade ou os riscos do excesso de trabalho. Lembremo-nos igualmente, a este respeito, dos magníficos ensinamentos do nosso predecessor na Encíclica Sacra Virginitas. [22]

Foi dito do cura d'Ars: "A castidade brilhava no seu olhar".[23] Na verdade, quem estuda a sua personalidade fica surpreendido, não só pelo heroísmo com que este padre subjugava seu corpo (cf. 1 Cor 9,27), mas ainda pela força da convicção com que conseguia que a multidão dos seus penitentes o seguisse. É que ele sabia, por uma longa prática do confessionário, os males causados pelos pecados da carne. Por isso de seu peito saíam estes gemidos: "Se não houvesse almas puras que aplacassem a Deus ofendido pelos nossos pecados, quantos e quão terríveis castigos teríamos nós que suportar!". E, falando com experiência, juntava ao seu apelo um estímulo fraterno: "A mortificação tem um bálsamo e um sabor de que não podem prescindir os que alguma vez os conheceram... Neste caminho, o que custa‚ o primeiro passo".[24]

Esta ascese necessária da castidade, longe de fechar o padre num estéril egoísmo, torna o seu coração mais aberto e mais acessível a todas as necessidades dos seus irmãos. Dizia otimamente o cura d'Ars: "Quando o coração é puro não pode deixar de amar, porque encontrou a fonte do amor, que é Deus".


Que benefício para a sociedade humana ter assim, no seu seio, homens que, livres das solicitações temporais, se consagram inteiramente ao serviço de Deus e dão aos seus irmãos a sua vida, os seus pensamentos e as suas forças! Que graça para a Igreja ter padres empenhados em guardar integralmente esta virtude! Com Pio XI, consideramo-la a glória mais pura do sacerdócio católico, ela que nos parece "a melhor resposta aos desejos do Coração de Jesus e aos seus desígnios sobre as almas sacerdotais". [25] Não estaria também conforme com os desígnios da divina caridade a mente do santo cura d'Ars, quando exclamava: "O sacerdócio ‚ o amor do Coração de Jesus!"[26]

Seu espírito de obediência

São numerosos os testemunhos sobre o espírito de obediência do santo, podendo afirmar-se que para ele a exata fidelidade ao "prometo" da ordenação foi motivo para uma permanente renúncia de quarenta anos. Durante toda a sua vida, com efeito, aspirou à solidão de um santo retiro, e as responsabilidades pastorais foram para ele pesado fardo, do qual por várias vezes tentou libertar-se. Mas sua obediência total ao Bispo foi mais admirável. Por isso, veneráveis irmãos, temos o prazer de relatar algumas testemunhas da sua vida: "Desde a idade de quinze anos este desejo (da solidão) estava no seu coração para o atormentar e tirar-lhe a felicidade de que poderia gozar na sua posição".[27] Mas "Deus não permitiu que pudesse realizar tal desígnio. A divina Providência queria sem dúvida que, sacrificando o seu gosto à obediência, o prazer ao dever, João M. Vianney tivesse constantemente ocasião de se vencer".[28] "Vianney continuou cura d'Ars com obediência cega e assim ficou até à morte".[29]

Esta total adesão à vontade dos superiores era, convém afirmá-lo, inteiramente sobrenatural no seu motivo: era um ato de fé na palavra de Cristo que dizia aos seus apóstolos: "Quem vos ouve, ouve a mim" (Lc 10,16), e, para ser-lhe fiel costumava habitualmente renunciar à sua própria vontade na aceitação do seu pesado encargo do confessionário e em todas as tarefas cotidianas onde a colaboração entre confrades torna o apostolado mais frutuoso.

Se, um dia, os sacerdotes sentissem a tentação de duvidar da importância desta virtude capital, hoje tão facilmente esquecida, convençam-se de que têm contra si as afirmações claras e nítidas de Pio XII, que atesta que "a santidade da vida pessoal e a eficácia do apostolado têm por base e sustentáculo a obediência constante e exata à sagrada hierarquia".[30] Deveis também recordar-vos, veneráveis irmãos, com quanta força os nossos últimos predecessores denunciaram os graves perigos do espírito de independência no clero, tanto para o ensino da doutrina como para os métodos de apostolado e para a disciplina eclesiástica.

[1] Cf. Archiv. Secr, Vat., Congr. SS. Rituum, Processus, t. 227, p.196.

[2] Alloc. Annus sacer; AAS 43(1951), p. 29.

[3] Ibid.

[4] S. Tomás, Sum. Th. II-II, q.184, a. 8, in c.

[5] Cf. Pio XII, Discurso de 16 abril de 1953: AAS 45 (1953), p. 288.

[6] Cf. Arch. Secret. Vat., t. 227, p. 42.

[7] Cf. Ibid. t. 227, p.137.

[8] Cf. Ibid, t. 227, p. 92.

[9] Cf. Ibid. t. 3897, p. 510.

[10] Cf. Ibid, t. 227, p. 334.

[11] Cf. Ibid. t. 227, p. 305.

[12] Carta Enc. Divini Redemptoris; AAS 29 (1937), p. 99.

[13] Carta Enc. Ad Catholici Sacerdotii; AAS 28 (193), p. 28.

[14] CIC., can.1473.

[15] Cf. Sermons du B. Jean B. M. Vianney,1909, t, l, p. 364.

[16] Cf. Arch. Secret. Vat., t. 227, p. 91.

[17] In Lucae Evangelium Expositio, IV, in c.12; PL, 92, col. 494-495.

[18] Cf. Exort. Apost. Menti Nostrae; AAS 42(1950), pp. 697-699.

[19] Cf. Archiv. Secret. Vat., t. 227, p. 91.

[10] Summa theol. II-II, q.184, a. 8, c.

[21] Exort.  Haerent animo: Acta Pii X, IV, p. 260.

[22] AAS 46 (1954), pp.161-191.

[23] Cf. Arch. Secret. Vat. t. 3897, p. 536.

[24] Cf. Arch. Secr. Vat. t. 3897, p. 304.

[25] Carta Enc. Ad Catholici Sacerdotii; AAS 28 (1936), p. 28.

[26] Cf. Arch. Secr. Vat, t. 227, p. 29.

[27] Cf. Ibid. t. 227, p. 74.

[28] Cf. Ibid. t. 227, p. 39.

[29] Cf. Ibid, t. 3895, p.153.

[30] Exort. In auspicando: AAS 40 (1948), p. 375.

Carta Encíclica “Sacerdotii Nostri Primordia”, Papa João XXIII , 1 de agosto de 1959, centenário da morte de São João Maria Vianney, o Cura de Ars.


quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Conselhos de Santa Clara de Assis para alcançar a felicidade


Muito poucas mulheres da Idade Média deixaram escritos para a posteridade.

Não obstante, de Santa Clara de Assis, fundadora do ramo feminino da Ordem dos Franciscanos, que viveu do ano 1193 a 1253, conservam-se vários documentos: “A Regra”, “o Testamento”, “a Bênção”, “Quatro cartas endereçadas a Inês de Praga” e uma breves linhas de encorajamento enviadas a Ermentrudes de Bruges. 

Reproduzimos abaixo esta última, que apresenta vários conselhos para ser feliz nesta terra e, depois, chegar ao Céu.

A Ermentrudes, sua querida irmã, Clara de Assis, humilde serva de Jesus Cristo, deseja saúde e paz.

Soube, querida irmã, que, com o auxílio da graça de Deus, abandonaste o lodo deste mundo. Para mim isso é causa de grande alegria e felicidade. Também me alegro ao saber que entraste corajosamente, com as tuas filhas, no caminho da santidade.

Sê fiel, querida irmã, Àquele a quem prometeste fidelidade até à morte, porque um dia receberás a coroa da vida.

O tempo da fadiga neste mundo é breve, mas a recompensa é eterna.

Não te seduzam os esplendores deste mundo, que desaparecem como sombra. Não te surpreendas com os esplendores deste mundo enganador. Não dês ouvidos aos ruídos do maligno e resiste energicamente às suas tentações.

Suporta com alegria as adversidades, e não te envaideças na prosperidade.

A fé faz-nos humildes nos sucessos e impassíveis nas adversidades; Sê fiel no que a Deus prometeste, e Ele mesmo te dará a recompensa.

Caríssima, levanta os olhos para o Céu que nos espera, toma a tua cruz e segue a Cristo que nos precedeu. Porque depois de muitas tribulações, Ele introduzir-nos-á na glória.

Ama de todo o coração a Deus e a Jesus Cristo, seu Filho crucificado por causa dos nossos pecados, e que a sua memória jamais se apague no teu espírito. Medita sempre no mistério do Calvário e nos sofrimentos da Mãe ao pé da Cruz.

Esteja sempre atenta e vigilante na oração. Leva a cabo com persistência a obra começada e cumpre, em santa pobreza e sincera humildade, o ministério que assumiste. Nada temas, querida filha, pois Deus é fiel em todas as suas palavras e obras e derramará as suas bênçãos sobre ti e as tuas filhas.

Ele será o teu auxílio, o teu insuperável conforto. Ele é o nosso Redentor e a nossa recompensa.

Rezemos a Deus uma pela outra e assim, levando o fardo da caridade recíproca, mais fielmente cumpriremos a lei de Cristo. Amém.

sábado, 13 de junho de 2020

Cópia da imagem de Nossa Senhora de Paris colocada no átrio da Catedral Notre Dame

Milhões de católicos já tiveram a oportunidade e o privilégio de poderem ajoelhar-se e rezar diante da imagem de Nossa Senhora de Paris.

Esta imagem de Nossa Senhora encontrava-se no antigo claustro dos Cónegos, na Capela Saint-Aignan, na Île de la Cité e foi levada para a Catedral de Paris para substituir uma das imagens do Pórtico de Nossa Senhora, destruída pela sanha anticlerical durante o período conturbado da Revolução Francesa, em 1793.

Em 1855, o famoso arquiteto Viollet-le-Duc - o mesmo que desenhara a agulha que ardeu completamente e caiu no dia 15 de abril de 2019 -  transferiu-a do pórtico para o interior da Catedral, pois neste pilar sudoeste do transepto existia, desde a Idade Média, um altar dedicado à Mãe de Deus e nossa Mãe.

Conversão de Paul Claudel

Ali, diante de Nossa Senhora de Paris, Paul Claudel, um dos grandes poetas e dramaturgos do século XX, converteu-se no dia 25 de dezembro de 1886, como ele mesmo narra:

“Fui a Notre-Dame de Paris para assistir aos ofícios de Natal. Tinha começado a escrever, e parecia-me que nas cerimónias católicas, consideradas com um diletantismo superior, encontraria um excitante apropriado e a matéria de alguns exercícios decadentes.

“Foi com estas disposições que, conduzido e apertado pela multidão, assisti, com um prazer medíocre, à missa solene. Depois, não tendo nada melhor a fazer, voltei para assistir às vésperas. As crianças do coro, vestidos de branco, e os alunos do Seminário-menor de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, que os ajudavam, estavam se aprontando para iniciar o canto que mais tarde soube ser o Magnificat.
Estava misturado ao povo, junto do segundo pilar à entrada do coro, à direita da sacristia. E foi então que se produziu o acontecimento que domina toda a minha vida. Em um instante, o meu coração foi tocado e acreditei. Acreditei com tal força, com tal adesão de todo o meu ser, com tão poderosa convicção, com tal certeza sem deixar lugar a qualquer espécie de dúvida que, depois, todos os livros, todos os raciocínios, todos os acasos de uma vida agitada, não puderam abalar-me a fé, nem mesmo, para ser mais preciso, tocá-la de leve que fosse.

Tive de súbito o forte sentimento da inocência, da eterna juventude de Deus, uma revelação inefável. Tentando, como o fiz várias vezes, reconstituir os minutos que se seguiram a este instante extraordinário, encontro os elementos seguintes que, entretanto, não formam senão um clarão, uma única arma de que a Providência Divina se servia para atingir e abrir enfim o coração de uma pobre criança desesperada: “Como aqueles que creem são felizes! E se fosse verdade? É verdade! Deus existe, Ele está em toda parte, É alguém, é um Ser tão pessoal como eu. Ele me ama, Ele me chama.

As lágrimas e os soluços vieram… e o canto tão doce do Adeste fideles, um hino natalino, aumenta ainda mais a minha emoção. Emoção bem doce, mas a que se misturava um sentimento de espanto o quase de horror. Porque as minhas convicções filosóficas não estavam destruídas. Deus as havia deixado desdenhosamente onde estavam, e eu nada via a mudar nelas; a religião católica me parecia continuar o mesmo tesouro de anedotas absurdas, seus padres e fiéis me inspiravam a mesma aversão que ia até o ódio e o desgosto. O edifício das minhas opiniões e dos meus conhecimentos permanecia de pé e nada via de falho nele. Tinha apenas me retirado. Um novo e terrível ser, com exigências terríveis para o jovem e o artista que eu era, tinha se revelado e não sabia como conciliá-lo com coisa alguma que me cercava.

O estado de um homem que fosse arrancado de um golpe de seu corpo, para ser colocado em um corpo estranho, no meio de um mundo desconhecido, é a única comparação que posso encontrar para exprimir este estado de confusão completa. O que mais repugnava as minhas opiniões e os meus gostos, é que era a verdade e com o que seria necessário que, de bom ou de mau grado, eu me adaptasse. Ah! Isso não aconteceria sem que tentasse tudo que me fosse possível para resistir”. (Paul Claudel, Ma conversion, 1913)

Cópia da imagem no Átrio da Catedral

No 12 de junho de 2020, uma cópia da imagem de Nossa Senhora de Paris foi colocada no Átrio da Catedral, a fim de velar sobre a cidade, a catedral, os franceses e os católicos de todo o mundo, custodiada pela grande Imperador do Sacro Império Romano, Carlos Magno, e seus pares, cuja estátua se encontra a poucos metros.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Como nasceu a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo?

Nosso Senhor Jesus Cristo revelou, no ano de 1220, a uma santa religiosa, chamada Juliana de Mont Cornillon, que vivia no mosteiro de Mont Pelliers perto de Liège, Bélgica, o seu desejo de ver instituída uma festa para honrar solenemente o adorável Sacramento do seu Corpo e Sangue.

Aos 16 anos, a irmã Juliana teve a primeira visão, que se repetiu mais vezes nas suas Adorações Eucarísticas. Nelas, a religiosa via a lua no seu pleno esplendor, atravessada diametralmente por uma faixa escura.

Mais tarde conseguiu compreender o significado das aparições. A lua simbolizava a vida da Igreja sobre a terra e a linha opaca representava a ausência de uma festa litúrgica, na qual os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a Fé, avançar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.

Durante cerca de quatro anos, Juliana conservou em segredo as visões, que trazidas à memória, aumentavam o seu já grande desejo de adorar Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiramente presente na Eucaristia com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Já priora do Convento, confiou o seu segredo a duas outras irmãs, fervorosas adoradoras da Eucaristia, a beata Eva, que levava uma vida eremítica, e Isabella. As três fizeram uma espécie de "aliança espiritual", com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento.

Duras provações de Santa Juliana

Esta santa irmã, apesar das contínuas solicitações de Deus, antevendo as enormes dificuldades que encontraria pela frente e julgando-se incapaz de as superar, só começou a mover-se vinte anos depois das revelações, quanto contou tudo a seu confessor, Padre Giovanni di Losanna, cónego da igreja de São Martinho de Liège, homem estudioso e piedoso. Este por sua vez, começou por indagar os teólogos e as autoridades eclesiásticas sobre instituição de uma festa ao Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus. Todos aprovaram e julgaram ser o pedido uma verdadeira inspiração divina.

Entretanto, mal os habitantes da cidade souberam da instituição de uma festa proposta por uma religiosa local, várias vozes contrárias levantaram-se, fazendo com que todo o Capítulo da Catedral e quase todo o clero se manifestasse contrário a tal devoção.

A santa religiosa, que garantia ter recebido a revelação do Céu, passou a ser tratada como uma visionária, que provocava confusão na Igreja e foi, por isso, violentamente expulsa do seu convento.

Mas, Deus não lhe tinha inspirado uma prática tão santa para depois a deixar sucumbir às maquinações infernais contra ela.  

O bispo de Liège, Dom Roberto di Thourotte, examinou profundamente a questão e após hesitações iniciais, só encontrou aspectos bons e santos na proposta da Irmã Juliana. Assim, aprovou no ano de 1246 que esta festa fosse instituída na sua diocese. Pouco tempo depois da aprovação deste prelado, vários outros bispos das regiões vizinhas adotaram-na e aos poucos foi sendo introduzida em toda a Igreja.

A bula Transiturus de Hoc Mundo

O Papa Urbano IV autorizou-a com bula “Transiturus de Hoc Mundo” de 11 de agosto de 1264, na qual afirmava:

“Cristo, nosso salvador, deixando este mundo para ascender ao Pai, pouco antes da sua Paixão, na Última Ceia, instituiu, em memória da sua morte, o Sacramento supremo e magnífico do Seu Corpo e Sangue, dando-nos o Corpo como comida e o sangue como bebida.

Sempre que comemos este pão e bebemos deste cálice, anunciamos a morte do Senhor, porque Ele disse aos Apóstolos durante a instituição deste Sacramento: "Faça isso em memória de Mim", para que este Sacramento excelso e venerável seja para nós a principal e mais insigne recordação do grande amor com que Ele nos amou. Memorial admirável e maravilhoso, doce e suave, caro e precioso, em que se renovam os prodígios e maravilhas; nele se encontram todas as delícias e os sabores mais delicados. Experimenta-se nele a mesma doçura do Senhor e, acima de tudo, obtém-se força para a vida e para a salvação.

É um memorial dulcíssimo, sacrossanto e salutar, no qual renovamos a nossa gratidão pela nossa Redenção, afastamo-nos do mal, fortalecemo-nos no bem e progredimos na aquisição das virtudes e da graça, confortamo-nos pela presença corporal do nosso Salvador, pois nesta comemoração sacramental de Cristo, Ele está presente no meio de nós, com uma forma distinta, mas na sua verdadeira substância.

Pois antes de subir ao céu, Ele disse aos Apóstolos e aos seus sucessores: "Estou sempre convosco, até à consumação do mundo", e consolou-os com a salutar promessa de que permaneceria também com eles, através da sua presença corporal.

Monumento verdadeiramente digno de não ser esquecido, com o qual lembramos que a morte foi vencida, que a nossa ruína foi destruída pela morte d’Aquele que é a própria vida, que uma árvore cheia de vida foi enxertada numa árvore de morte para produzir frutos de salvação!

É um memorial glorioso que enche de alegria as almas dos fiéis, infunde alegria e faz brotar lágrimas de devoção. Enchemo-nos de gozo ao pensar na Paixão do Senhor, pela qual fomos salvos, mas não podemos conter o choro. Diante desta recordação sacrossanta, sentimos em nós uma alegria e um entusiasmo crescentes, alegres no choro cheio de amor, emocionados pelo gozo devoto; nossa dor é temperada pela alegria; nossa alegria mistura-se com o choro e o nosso coração transborda de alegria, desfazendo-se em lágrimas.

Grandeza infinita de amor divino, imensa e divina piedade, copiosa efusão celestial! Deus deu-nos tudo no momento em que Se submeteu aos nossos pés e confiou-nos o domínio supremo de todas as criaturas na terra. Enobrece e sublima a dignidade dos homens através do ministério dos espíritos mais selecionados. Pois todos eles foram destinados a exercer o ministério a serviço daqueles que receberam a herança da salvação.

E tendo sido tão vasta a magnificência do Senhor para connosco, querendo mostrar-nos ainda mais o Seu amor infinito, numa efusão, ofereceu-Se a si mesmo e superando as maiores generosidades e toda a medida de caridade, entregou-Se como alimento sobrenatural.

Singular e admirável liberalidade, na qual o doador vem à nossa casa, e o dom e Quem dá são a mesma coisa! Na verdade, é uma generosidade sem fim d’Aquele que se dá a Si mesmo e de tal maneira aumenta a sua disposição afetuosa que, distribuída numa grande quantidade de dons, transborda e retorna ao doador, tanto maior quanto mais amplamente se tenha difuso.

Assim, o Salvador foi dado como alimento; Ele quis que, da mesma maneira que o homem foi sepultado na ruína pelo alimento proibido, voltasse a viver por um alimento bendito; o homem caiu pelos frutos de uma árvore da morte e ressuscita por um pão da vida. Daquela árvore pendia um alimento mortal, nesta encontra um alimento de vida; aquele fruto trouxe o mal, este cura; um apetite mau fez o mal, e uma fome diferente gera o bem; chegou o remédio onde a doença tinha invadido; de onde veio a morte, chega a vida.

Daquele primeiro alimento, dizia-se: "No dia em que dele comerdes, morrerás"; do segundo, está escrito: "Quem come este pão viverá para sempre".

É um alimento que verdadeiramente restaura e nutre, sacia no mais alto grau não o corpo, mas o coração; não a carne, mas o espírito; não as vísceras, mas a alma. O homem tinha necessidade de um alimento espiritual, e o misericordioso Salvador proveu, com piedosa atenção, o alimento da alma com o melhor e mais nobre manjar.

A generosa liberalidade elevou-se à altura da necessidade, e a caridade igualou-se a conveniência, de modo que o Verbo de Deus feito carne, que é um manjar e alimento das criaturas racionais, deu-Se como alimento à mesmas criaturas, isto é, para a carne e o corpo do homem. O homem, então, come o Pão dos Anjos do qual o Salvador disse: "Minha carne é verdadeira comida e Meu sangue é verdadeira bebida". Este manjar toma-se, mas não se consume; come-se, mas não se modifica, pois não se transforma naquele que o come, mas recebe-se dignamente, fazendo quem o consome semelhante a Ele. Excelso e venerável Sacramento, amável e adorado, sois digno de ser celebrado, exaltado com os mais emotivos louvores, pelos cânticos inspirados, pelas mais íntimas fibras da alma, pelos mais devotos obséquios, sois digno de ser recebido pelas almas mais puras!

Glorioso memorial, deverias ser mantido entre os batimentos cardíacos mais profundos, impresso indelevelmente na alma, trancado nas intimidades do espírito, honrado com a piedade mais assídua e dedicada!

Dirijamo-nos sempre a tão grande sacramento para nos lembrarmos em todos os momentos d’Aquele de quem deveríamos ter a perfeita recordação, e foi (sabemo-lo). Pois, recordamos mais daquela pessoa, cuja casa e presentes constantemente contemplamos.

Embora este Sacramento Sagrado seja celebrado todos os dias no rito solene da Missa, acreditamos, contudo, ser útil e digno que se celebre, pelo menos uma vez por ano, uma festa mais solene, especialmente para confundir e contrariar a hostilidade dos hereges.

Pois na Quinta-feira santa, o dia em que Cristo o instituiu, a Igreja universal, ocupada com a confissão dos fiéis, como mandato do lava-pés e em muitas outras cerimónias sagradas, não pode dar total atenção à celebração deste grande Sacramento.

Do mesmo modo que a Igreja comemora os santos, que são venerados durante o ano nas ladainhas, nas Missas e nas outras funções, e a sua memória é renovada com grande frequência, recordando também o seu nascimento, em certos dias, com mais solenidade e celebrações especiais. E como nestas festas, os fiéis as vezes omitem alguns dos seus deveres por negligência ou ocupações mundanas, ou também por fragilidade humana, a Santa Madre Igreja estabelece um dia específico para a comemoração de Todos os Santos, provendo nesta celebração comum o que foi negligenciado nas particulares.

Tanto mais, é necessário cumprir esse dever para com o admirável Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo que é a glória e a coroa de todos os Santos, para que brilhe numa festividade e solenidade especiais. (…) Também ouvimos dizer, quando estávamos desempenhando um cargo mais modesto, que Deus havia revelado a alguns católicos que era necessário celebrar essa festa em toda a Igreja (referindo-se a Santa Juliano de Cornillon). Portanto, acreditamos ser apropriado estabelecê-la para que, de maneira digna e razoável, a Fé Católica seja vitalizada e exaltada.

Que todo ano, então, seja celebrada uma festa especial e solene de um Sacramento tão grande, além da comemoração diária que a Igreja faz dela, e estabelecemos um dia fixo para ela, a primeira quinta-feira após a oitava de Pentecostes. Estabelecemos também que, no mesmo dia, multidões de fiéis devem reunir-se nas igrejas devotas, com generosidade de afeto, e todo o clero e o povo, alegres, cantem louvores, para que os lábios e os corações encham-se de santidade e alegria; cante a Fé, traga a Esperança, exulte a Caridade; a devoção palpite, exale pureza; Que os corações sejam sinceros.”

Milagres eucarísticos

O Pontífice quis dar o exemplo e celebrou a solenidade de Corpus Domini em Orvieto, cidade onde morava. Foi também por ordem de Urbano IV que, na Catedral da Cidade, conservou-se – e conserva-se ainda – o célebre corporal com os traços do milagre eucarístico ocorrido um ano antes, em 1263, em Bolsena. Um sacerdote, enquanto consagrava o pão e o vinho, foi tomado por fortes dúvidas sobre a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia. Milagrosamente, algumas gotas de sangue começaram a fluir da Hóstia consagrada, confirmando, desse modo, aquilo que a nossa fé professa.

Urbano IV pediu a um dos maiores teólogos da história, São Tomás de Aquino – que naquele tempo acompanhava o Papa e encontrava-se em Orvieto –, para compor os textos do ofício litúrgico dessa grande festa, usados ainda hoje, constituindo uma obra-prima, fundada na teologia e na poesia.

Mais tarde Clemente V, em 1311, confirmou a festa do Corpo e Sangue de Cristo, no segundo Concílio de Vienne. Em todos os lugares onde ela começou a ser celebrada, houve grande contestação, o que tornou o seu triunfo infinitamente mais belo!


domingo, 24 de maio de 2020

Nossa Senhora, Mãe, Padroeira e Imperatriz dos chineses

A devoção dos chineses a Nossa Senhora remonta aos anos 1900, quando o país viveu um período conturbado, denominado o Levante dos Boxers. Em junho deste ano, os boxers, anticatólicos, contrários à presença estrangeira no país e à influência do Papa, decidiram invadir Dong Lu, onde estava sediada uma importante missão lazarista, e matar os cerca de nove mil católicos que ali viviam.

A proteção de Maria Santíssima

Milhares de boxers cercaram a aldeia e quando estavam prestes a invadi-la, viram uma Senhora com um Menino que pairava sobre o povoado. A primeira reação que tiveram foi a de disparar para o Céu. Mas, vendo que o efeito era nulo, ficaram com medo e fugiram em debandada. Contemporaneamente, os anciãos e as mulheres, que tinham permanecido recolhidos no interior da igreja para pedir a vitória sobre os inimigos, viram a imagem desaparecer e a tela ficar, literalmente, branca. Quando a batalha terminou a imagem de Nossa Senhora voltou à pintura, dando a entender que tinha saído para ajudar a afugentar os inimigos dos seus filhos e devotos.

O primeiro Santuário

Para agradecer à Virgem Maria por tê-los salvo da invasão e do massacre, os habitantes construíram um santuário mariano, onde passou a ser venerada uma pintura representando a Virgem Maria com os trajes de imperatriz chinesa.

Em 1924, no primeiro Sínodo dos bispos chineses realizado em Xangai, o bispo jesuíta Henri Lecroart defendeu a ideia de que a China, a Mongólia, o Tibete e a Manchúria fossem consagrados à Virgem Maria, sob a invocação de "Nossa Senhora Imperatriz da China". A sua ideia foi aceite e a consagração foi feita em junho desse mesmo ano por 150 bispos, encabeçados pelo arcebispo Celso Constantini, que era na altura o delegado apostólico na China.

Em 1932, o Papa Pio XI elevou o santuário de Dong Lu à categoria de Santuário. Em 1941, o Papa Pio XII estabeleceu uma festa litúrgica em honra de Maria Medianeira de todas as graças, sob a invocação de "Santa Mãe, Imperatriz da China".

Infelizmente, o Santuário de Dong Lu foi bombardeado e destruído pelos japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os católicos chineses reconstruiram um novo, ainda maior do que o anterior, situado no meio de uma floresta de bambu em Shangai. 

Em 1973, após o Concílio Vaticano II, a conferência episcopal chinesa, com a aprovação da Santa Sé, decidiu que a festa da Santa Mãe e Imperatriz da China seria celebrada no sábado anterior ao segundo domingo de maio, no qual se celebra o Dia da Mãe.

Nova aparição de Nossa Senhora em She Shan

No dia 23 de maio de 1995, Nossa Senhora voltou a aparecer e o acontecimento foi certificado pelo bispo de Baoding. Cerca de trinta mil peregrinos viram o sol girar da esquerda para a direita e colorindo o céu com várias cores, num acontecimento que durou cerca de vinte minutos.

Ainda como manifestação do apreço da Igreja Universal pelos católicos chineses, desde o ano de 2007, Bento XVI instituiu o dia 24 de maio memória litúrgica da Virgem Maria, Auxílio dos Cristãos, como Nossa Senhora de She Shan, venerada com grande devoção no imponente Santuário que traz o mesmo nome, único local de peregrinação para os católicos chineses, autorizado pelo governo comunista.

Oração a Nossa Senhora, Auxílio dos Cristãos

Nesta ocasião, o Papa Bento XVI escreveu a seguinte oração:

“Virgem Santíssima, Mãe do Verbo encarnado e Mãe nossa, venerada com o título de «Auxílio dos cristãos» no Santuário de Sheshan, para o qual, com devoto afecto,  levanta os olhos toda a Igreja que está na China, vimos hoje junto de Vós implorar a vossa protecção.

Lançai o vosso olhar sobre o Povo de Deus e guiai-o com solicitude materna pelos caminhos da verdade e do amor, para que, em todas as circunstâncias, seja fermento de harmoniosa convivência entre todos os cidadãos.

Com o «sim» dócil pronunciado em Nazaré, Vós consentistes que o Filho eterno de Deus encarnasse no vosso seio virginal e assim desse início na história à obra da Redenção, na qual cooperastes depois com solícita dedicação, aceitando que a espada da dor trespassasse a vossa alma, até à hora suprema da Cruz, quando no Calvário permanecestes de pé junto do vosso Filho, que morria para que o homem vivesse.

Desde então tornastes-Vos, de forma nova, Mãe de todos aqueles que acolhem na fé o vosso Filho Jesus e aceitam segui-Lo carregando a própria Cruz sobre os ombros.

Mãe da esperança, que na escuridão do Sábado Santo caminhastes, com inabalável confiança, ao encontro da manhã de Páscoa, concedei aos vossos filhos a capacidade de discernirem em cada situação, mesmo na mais escura, os sinais da presença  amorosa de Deus.

Nossa Senhora de She Shan, sustentai o empenho de quantos na China continuam, no meio das canseiras diárias, a crer, a esperar, a amar, para que nunca temam falar de Jesus ao mundo e do mundo a Jesus.

Na imagem que encima o Santuário, levantais ao alto o vosso Filho, apresentando-O ao mundo com os braços abertos em gesto de amor. Ajudai os católicos a serem sempre testemunhas credíveis deste amor, mantendo-se unidos à rocha de Pedro sobre a qual está construída a Igreja. Mãe da China e da Ásia, rogai por nós agora e sempre. Amen.”


domingo, 3 de maio de 2020

Nunca se detenha!




No entardecer da nossa vida, quando o sol começar a se por, a neblina impedir ver mais do que alguns metros à nossa frente, a estrada parecer mais íngreme, não desanimemos e não queiramos voltar atrás. 

Pelo contrário, este é o momento de retomar as forças e de continuarmos a nossa caminhada, porque por detrás das dificuldades está a luz, a clareza e o sublime dos ideais que nunca morrem, das esperanças que nunca desiludem e daquelas “vozes interiores” que nos acompanham desde a infância e nos garantem a realização de todos os nossos sonhos e da nossa vocação.

Santa Teresa de Calcutá - que para além da sua dedicação aos pobres tinha um notável dom para a escrita - sobre a luta e o desânimo deixou-nos estas belas palavras:

"Tenha sempre presente que a pele enruga, o cabelo embranquece, os dias convertem-se em anos, mas o que é importante não muda. A sua força e a sua convicção não têm idade. O seu espírito é como o de uma teia de aranha qualquer. Atrás de cada conquista vem um novo desafio.

Enquanto estiver vivo, sinta-se vivo. Se sentir saudades do que fazia, volte a fazê-lo. Não viva de fotografias amareladas...

Continue, quando todos esperam que desista. Não deixe enferrujar o ferro que existe em si. Faça com que, em vez de pena, lhe tenham respeito.

Quando não conseguir correr atrás dos anos, trote. Quando não conseguir trotar, caminhe. 

Quando não conseguir caminhar, use uma bengala. Mas nunca se detenha!"


Existe uma mulher que tem algo de Deus… descrição de uma mãe




Durante muitos anos, o dia da Mãe foi celebrado em Portugal a 8 de dezembro. Contudo, porque Maio é o mês dedicado a Maria Santíssima, Mãe de Jesus Cristo e nossa Mãe, a festa passou a ser comemorada no primeiro domingo do mês de Maio.

Todos nós facilmente nos recordamos da solicitude, generosidade e bondade da nossa mãe. Contudo, a melhor descrição de uma mãe foi escrita por Dom Ramón Ángel Jara, bispo de La Serena, no Chile, distinto e renomado orador, chamado de “Cisne da eloquência sagrada”, ou o “Crisóstomo chilena”, que assim a descreve:

Retrato de uma mãe

“Existe uma mulher que tem algo de Deus, pela imensidade do seu amor, e muito de anjo, pela incansável solicitude dos seus cuidados.

Existe uma mulher, que sendo jovem, tem a ponderação de uma anciã, e na velhice, trabalha com o vigor da juventude.

Uma mulher que, se é ignorante, descobre os segredos da vida com mais acerto do que um sábio, e se é instruída, acomoda-se à simplicidade das crianças.

Uma mulher que, sendo pobre, se satisfaz com a felicidade dos que ama e, sendo rica, daria com gosto o seu tesouro para não sofrer no seu coração a ferida da ingratidão.

Uma mulher que, sendo vigorosa, se estremece com o choro de uma criança e, sendo débil, reveste-se por vezes com a bravura de um leão.

Uma mulher que, enquanto vive, não sabemos estimar, porque ao seu lado todas as dores ficam esquecidas, mas depois de mortas, daríamos tudo o que somos, ou tudo o que possuímos, para poder olhá-la de novo, ainda que por um só instante, para receber dela um único abraço, para escutar só uma palavra saída dos seus lábios.

Desta mulher, não me exijais o nome se não queirais que humedeça com lágrimas o vosso álbum, porque já a vi passar no caminho.

Quando os vossos filhos crescerem, lede-lhes esta página e eles, cobrindo de beijos a vossa fronte, dir-vos-ão que um humilde viajante, como paga da suntuosa hospedagem recebida, deixou aqui para vós e para eles este esboço do retrato da sua mãe.”

quinta-feira, 23 de abril de 2020

O que é a confiança?



Conta uma lenda francesa que Deus, ao criar a primeira mulher, confiou-lhe uma arca misteriosa e ordenou-lhe que não a abrisse. Ao ser expulsa do Paraíso Terrestre, por ter desobedecido às ordens expressas de Deus de não comer o fruto da árvore do bem e do mal, Eva levou consigo a bela arca. Um dia, levada pela curiosidade, abriu-a. Todos os bens imediatamente desapareceram, ficando apenas todos os males que deviam afligir a raça decaída. Contudo, a primeira mulher viu no fundo uma luz resplandecente e pensou: “Deus deixou-nos um dom precioso. O que será?” Tratava-se da esperança. Uma virtude que faz com que os homens vivam com os olhos postos no Céu, desejando ver a beleza de Deus, de Maria Santíssima, dos Anjos, dos Santos, conscientes de que a sua Divina Misericórdia pode perdoar e conceder a cada um o lugar que reservou no Céu para se poder repousar na Luz e na Paz, ver a reparação de todas as injustiças, a glorificação de todos os méritos escondidos e a recompensa de todos os sacrifícios cristãmente suportados.

A confiança, segundo Santo Tomás de Aquino, é uma esperança fortificada por uma sólida convicção, ou seja, ela é uma “super-esperança”.

Na nossa vida, a principal confiança que devemos ter em Deus Todo-poderoso e misericordioso é a de podermos realizar a nossa missão única, pessoal e insubstituível e alcançarmos a salvação e a glória eterna.

A “super-esperança” de Santa Teresinha

Santa Teresa do Menino Jesus num oferecimento feito do dia 9 de junho de 1895 manifestava o seu ardente desejo com estas palavras:  “Quero cumprir a Vossa vontade com perfeição e chegar ao grau de glória que preparastes para mim no vosso Reino. Numa palavra, desejo ser Santa. Sentindo a minha impotência, peço-Vos, ó meu Deus, que sejais Vós mesmo a minha santidade”. Um pouco mais tarde, nos seus manuscritos, reafirmava a sua “super-esperança”:  “Continuo a sentir a mesma confiança audaciosa de ser uma grande Santa. (…) Espero n’Aquele que é a Virtude e a própria Santidade. Só Ele, contentando-Se com os meus pequenos esforços, elevar-me-á até Ele, cobrindo-me com os seus méritos infinitos, e fará de mim uma Santa”.

Conscientes da nossa fraqueza nesta vida diária, que é um caminho sinuoso e difícil, rumo à eternidade, da qual ninguém escapa, durante o nosso peregrinar nesta Terra, olhamos à nossa volta, na esperança de encontrarmos pessoas que, com o seu testemunho de vida reta e virtuosa, nos indiquem atalhos ou simplesmente a direção correta a ser seguida.

É claro que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida e que bastaríamos segui-Lo. Contudo, por desígnios do próprio Deus, como afirmava Bento XVI, “precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia. E quem mais do que Maria poderia ser para nós Estrela de Esperança?”

“Este terço só lhe será útil se tiver confiança em Maria Santíssima”

Um fato ocorrido no ano de 1545 em São Tomé de Meliapor, com um mercador indiano, mostra como São Francisco Xavier, o Grande Apóstolo do Oriente foi para este comerciante uma verdadeira luz, a indicar o caminho da confiança em Nossa Senhora.

O negociante estava prestes a embarcar para Malaca. Conhecedor do perigo das viagens em embarcações precárias como as daquela época, quis receber a bênção de São Francisco Xavier, cuja fama de santidade já era muito difundida.

Com muita devoção, recebeu-a e, antes de partir, pediu a São Francisco Xavier um objeto que lhe recordasse aquela bênção dada em nome do único Deus verdadeiro, Uno e Trino.

Como o santo era muito pobre e não tinha nada para lhe oferecer, retirou o terço que trazia ao pescoço, osculou-o e deu-lho, dizendo: “Este terço só lhe será útil se tiver confiança em Maria Santíssima”.

O mercador ficou muito contente com a preciosa relíquia e partiu muito seguro da proteção do Céu, não temendo nem piratas, nem ventos, nem recifes, nem doenças que poderiam propagar-se a bordo.

Contudo, Deus quis provar a sua fé e a sua confiança.

Quando tinha atravessado quase inteiramente a Baía de Bengala e ia entrar no Mar de Andamão, que separa São Tomé de Meliapor de Malaca, uma furiosa tempestade partiu as velas e os mastros do navio que embateu contra as rochas, ficando inteiramente despedaçado.

Muitos marinheiros e passageiros morreram afogados. O comerciante, apesar de ter o terço nas mãos, conseguiu agarrar-se às rochas.

Ora, como se encontrava em alto mar e não tinha nada para comer, nem água doce para beber, tomou uma decisão, que só o desespero de situações semelhantes levam a tomá-la.

Recolheu algumas tábuas dos destroços do navio, juntou-as, da melhor maneira que podia, e colocou-se por cima delas, ficando à mercê das ondas, sem outra esperança, que a de encontrar correntes que o levassem para terra.

O mercador, cheio de confiança na Santíssima Virgem, segurava devotamente o rosário oferecido por São Francisco Xavier e sentia uma enorme força e a certeza de que não morreria, enquanto o tivesse nas mãos.

Assim, naquela improvisada e fragilíssima embarcação, sentiu-se como que fora de si mesmo, imaginando-se em São Tomé de Meliapor, diante do Padre Francisco Xavier, rezando o terço e pedindo proteção a Nossa Senhora.

Quando voltou a si, ficou vivamente espantado, pois encontrava-se numa costa desconhecida e já não via as tábuas da embarcação.

Sem compreender muito bem o que tinha sucedido, viu que algumas pessoas se aproximavam a correr para o socorrer. Perguntou-lhes onde estava. Ao ouvir as palavras “costa de Negapatão”, chorou de alegria e de admiração.

Com a voz emocionada, deu-se conta do milagre e da proteção de Nossa Senhora. 

Contou-lhes como Deus o tinha poupado da morte, por meio de Sua Mãe Santíssima, de maneira extraordinária. Falou-lhes da tempestade, do medo, das mortes que presenciou e mostrou-lhes o terço que tinha recebido de São Francisco Xavier e a promessa de que Nossa Senhora o ajudaria, caso tivesse confiança n’Ela.

Ora, a frase de São Francisco Xavier para o piedoso comerciante poderia muito bem ser aplicada aos nossos dias. Se tivermos fé e confiança na Mãe de Deus, que é também nossa Mãe, seremos preservados dos enormes perigos que nos circundam e sairemos vivos e vitoriosos nas adversidades, por maiores que sejam.