Como no passado, temos medo de sermos contagiados pela epidemia mortífera. Como a enfrentamos? Com fé? Com confiança na proteção do Céu?
Em 1480, no Convento da Rainha Santa Isabel em Coimbra, São
Bartolomeu entregou à Abadessa uma oração, ou um hino dedicado à Virgem
Maria, intitulada “Stella Caeli exstirparvit”, em português “A Estrela do Céu
extirpou”.
A sua recitação com fé e constância, preservou as religiosas clarissas
da peste.
Também hoje, elevemos as nossas súplicas com as mesmas palavras
desta oração, pedindo a proteção de Deus para as nossas famílias e pelo fim da
pandemia.
Na igreja do Convento de Santa Clara a Nova, ou Convento da Rainha
Santa Isabel, em Coimbra, existe o painel de um retábulo alusivo à entrega feita
por São Bartolomeu de um papel às religiosas, onde se lê: “Stella
Caeli exstirparvit”.
No Inventário Artístico de Portugal, António Nogueira
Gonçalves identifica esta representação como sendo a entrega da oração na
portaria de Santa Clara.
Recordemos, em primeiro lugar, quem foi o Apóstolo São Bartolomeu,
um dos doze Apóstolos de Cristo.
Segundo as Escrituras Sagradas, depois do Pentecostes, os
apóstolos espalharam-se pelo mundo para pregar a Palavra de Deus. São
Bartolomeu deslocou-se até à India, passando pela Arábia, Mesopotâmia e Arménia.
A Legenda Áurea fala-nos em diversos milagres operados na Índia, lugar
onde o santo liberta do demónio uma filha do Rei Polímio e os templos daquela
região, convertendo e baptizando os seus habitantes após a purificação daquele
local. Existem várias versões em relação à sua morte, contudo a narração mais
aceita do seu martírio é a de que o santo tenha sido esfolado vivo e depois
decapitado.
A história da intercessão de São Bartolomeu no combate à peste no
convento de Coimbra foi narrada pelo Frei Manoel da Esperança em 1666. Quando o
surto de peste que se alastrava pela Europa chegou a Coimbra, as clarissas
dirigiram as suas orações aos apóstolos no sentido de identificar a qual santo deveriam
recorrer para se livrarem do mal que assolava a cidade. Acendendo círios com os
doze nomes, fora o de São Bartolomeu o último a se apagar, elegendo-o como seu advogado.
Assim narra Frei Manoel, na história da Ordem dos
Frades Menores: “De repente viu-se, que
entrava em casa o mesmo fogo da peste, que já tinha abrasado a cidade. Morreram algumas freiras,
outras ficaram feridas; e todas intimidadas pediam com muitas lágrimas à
Majestade divina, que embainhasse logo a espada da sua indignação. Para isso,
buscaram muitos remédios através de devoções e penitências, que lhes saiam em
vão, até virem a concordar entre si, que tomassem por advogado a um dos Santos Apóstolos
o qual seria aquele, cujo círio ardia no altar e durasse mais do que os outros.
Com esta resolução, acenderam doze círios iguais, de mesmo peso, nos quais
estavam escritos os nomes dos doze Apóstolos; e prostradas de joelhos, em
quanto eles ardiam, derreteram as suas almas em ferventes orações. Foram-se
todos gastando, e somente o de São Bartolomeu durou ainda mais tempo. Quando
viram o sucedido, ficaram alegres porque a Rainha Santa fora singular devota
deste sagrado Apóstolo por ter sido recebida na sua Igreja em Vila de Trancoso
com El Rei seu marido Dom Dinis. Para além disto, o mosteiro estava edificado
nos limites da paróquia, que leva o seu nome em Coimbra e onde se guarda uma
relíquia sua. E alentadas por todas estas razões, com grande contentamento
entregaram a saúde e a vida na sua intercessão (Esperança,
F. M. d., 1666. História seráfica da Ordem dos Frades Menores de São Francisco
na Província de Portugal. Segunda Parte, que conta os seus progressos no Estado
de três Custódias, princípio da Província e Reforma Observante. Lisboa:
Oficina de Antonio Craesbeeck de Mello, p. 62).
Contudo, por volta de 1480, as freiras insistiam em sair do
mosteiro com medo da peste que prevalecia: “(…) Mas o Senhor, que nesta grande mercê queria dar muita parte à
sua Mãe Clementíssima, permitiu que o mal fosse lavrando e as freiras
assombradas das muitas mortes, que viam, tratassem de fugir para a casa de seus
pais. Resistiu em quanto pode a zelosa Abadessa, mas vencida pela necessidade e
importuna instâncias, chegou à grade para ordenar a ida pelo modo mais
acertado. Neste tempo, apareceu-lhe um pobre na mesma casa da grade, que era de
gracioso aspecto, como que a representar um Mensageiro do Céu. Consolou-a na
sua tribulação e ficou confortada muito na confiança de Deus e disse-lhe estas
palavras: ‘Mandai rezar todos os dias no coro esta santa devoção à Virgem
Senhora nossa que vos dou escrita neste pergaminho e logo vereis as suas
misericórdias’.
Não fez mais a Abadessa que receber o escrito, quando o portador
se escondeu dos seus olhos, sem haver uma pessoa que, ou dantes ou depois, o
visse nem conhecesse. Por onde se entendeu que era São Bartolomeu, Advogado do
mosteiro e seu Padroeiro santo, o qual da parte da Imperatriz dos Anjos lhe
trouxera a receita milagrosa contra os males da peste” (ESPERANÇA,
F. M. d., 1666. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.Francisco,
pp. 62-65.).
Ainda segundo os anais da Ordem, o pergaminho
está guardado entre as outras relíquias, em custódia de prata, com duas figuras
de joelhos feitas do mesmo metal: uma do Santo Apóstolo e a outra desta
Abadessa. Ela tem um pouco mais de três dedos de largura e meio palmo de
comprimento e contém a Antífona e a oração seguintes, escritas em boa letra:
Stella coeli exstirpavit, quæ lactavit Dominum, mortis pestem, quam
plantavit primus parens hóminum. Ipsa stella nunc dignetur sidera compescere,
quorum bella plebem cædunt diræ mortis ulcere. O piissima Stella maris, a peste succurre nobis. Audi nos, Domina,
nam Filius tuus nihil negans, te honorat. Salva nos, Jesu, pro quibus Virgo
Mater te orat.
In omni tribulatione et angustia nostra.
Succurre nobis, piissima Virgo Maria.
Oremus.
Deus misericordiæ, Deus pietatis, Deus indulgentiæ, qui misertus
es super afflictionem populi tui, et dixisti Angelo percutienti populum tuum : Contine
manum tuam, ob amorem illius Stellæ gloriosæ, cujus ubera pretiosa contra venenum
nostrorum delictorum dulciter suxisti ; præsta auxílium gratiæ tuæ, ut intercedente
beata Vírgine Maria Matre tua et beato Bartholomaeo Apostolo tuo dilecto, ab
omni peste et improvisa morte secure liberemur, et a totius perditionis incursu misericorditer salvemur. Per te Jesu Christe, Rex gloriæ, qui
cum Patre et Spiritu Sancto vivis et regnas,
Deus, in saecula sæculorum. Amen.
Em português, a oração poderia ser assim traduzida:
A Estrela do Céu, que aleitou o Senhor, extirpou a peste da morte,
plantada nos homens pelos primeiros pais. Possa esta mesma Estrela Brilhante
conter este mal, cujos efeitos atingem o povo com uma morte
avassaladora. Ó piíssima Estrela do mar, protegei-nos da peste! Escutai-nos, ó Senhora,
pois o Vosso Filho Vos honra e nada Vos recusa. Salvai-nos, Jesus, a nós por
quem a Virgem Mãe vos implora.
Em todas as nossas tribulações e angústias,
Socorrei-nos, ó piíssima Virgem Maria.
Oremos
Deus de Misericórdia, Deus do amor, Deus do perdão, que Vos
compadecestes com a aflição do Vosso povo e que dissestes ao Anjo devastador do
Vosso povo: “Parai a vossa mão”, pelo amor desta Estrela gloriosa, cujos seios preciosos
Vos lactaram com doçura, contra o veneno dos nossos pecados. Concedei-nos o
socorro da Vossa graça, a fim de que, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem
Maria, Vossa Mãe, e do bem-aventurado São Bartolomeu, Vosso apóstolo bem-amado,
sejamos preservados com segurança de toda peste, bem como da morte súbita, e sejamos
misericordiosamente salvos de toda perdição. Por Vós, Jesus Cristo, Rei da
glória, que com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais por todos os séculos
dos séculos. Amém.
Através desta oração a peste foi milagrosamente contida, no ano de
1480.
Conta-se que, mais tarde, em 1598, uma nova epidemia cessou com o
entoar do cântico, sem chegar a afectar o mosteiro.
Foi a partir deste episódio que as clarissas de Coimbra
reconheceram São Bartolomeu como seu protector, dando destaque à sua imagem em
dois altares (um na igreja e outro no coro) onde entoavam diariamente a
Antífona e a oração mariana; mensalmente uma missa é cantada; e anualmente
celebravam no dia da sua festa uma procissão e um jantar era oferecido aos pobres, em honra do
Apóstolo (ESPERANÇA, F. M. d., 1666. Historia
Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.Francisco, pp. 65-66.).
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