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domingo, 5 de abril de 2020

Contra as epidemias: “Stella Caeli extirpavit”, uma oração mariana nascida no Convento das Clarissas de Coimbra


Como no passado, temos medo de sermos contagiados pela epidemia mortífera. Como a enfrentamos? Com fé? Com confiança na proteção do Céu?

Em 1480, no Convento da Rainha Santa Isabel em Coimbra, São Bartolomeu entregou à Abadessa uma oração, ou um hino dedicado à Virgem Maria, intitulada “Stella Caeli exstirparvit”, em português “A Estrela do Céu extirpou”.

A sua recitação com fé e constância, preservou as religiosas clarissas da peste.

Também hoje, elevemos as nossas súplicas com as mesmas palavras desta oração, pedindo a proteção de Deus para as nossas famílias e pelo fim da pandemia.


Na igreja do Convento de Santa Clara a Nova, ou Convento da Rainha Santa Isabel, em Coimbra, existe o painel de um retábulo alusivo à entrega feita por São Bartolomeu de um papel às religiosas, onde se lê: “Stella Caeli exstirparvit”.

No Inventário Artístico de Portugal, António Nogueira Gonçalves identifica esta representação como sendo a entrega da oração na portaria de Santa Clara.

Recordemos, em primeiro lugar, quem foi o Apóstolo São Bartolomeu, um dos doze Apóstolos de Cristo.

Segundo as Escrituras Sagradas, depois do Pentecostes, os apóstolos espalharam-se pelo mundo para pregar a Palavra de Deus. São Bartolomeu deslocou-se até à India, passando pela Arábia, Mesopotâmia e Arménia. A Legenda Áurea fala-nos em diversos milagres operados na Índia, lugar onde o santo liberta do demónio uma filha do Rei Polímio e os templos daquela região, convertendo e baptizando os seus habitantes após a purificação daquele local. Existem várias versões em relação à sua morte, contudo a narração mais aceita do seu martírio é a de que o santo tenha sido esfolado vivo e depois decapitado.

A história da intercessão de São Bartolomeu no combate à peste no convento de Coimbra foi narrada pelo Frei Manoel da Esperança em 1666. Quando o surto de peste que se alastrava pela Europa chegou a Coimbra, as clarissas dirigiram as suas orações aos apóstolos no sentido de identificar a qual santo deveriam recorrer para se livrarem do mal que assolava a cidade. Acendendo círios com os doze nomes, fora o de São Bartolomeu o último a se apagar, elegendo-o como seu advogado.

Assim narra Frei Manoel, na história da Ordem dos Frades Menores:  “De repente viu-se, que entrava em casa o mesmo fogo da peste, que  já tinha abrasado a cidade. Morreram algumas freiras, outras ficaram feridas; e todas intimidadas pediam com muitas lágrimas à Majestade divina, que embainhasse logo a espada da sua indignação. Para isso, buscaram muitos remédios através de devoções e penitências, que lhes saiam em vão, até virem a concordar entre si, que tomassem por advogado a um dos Santos Apóstolos o qual seria aquele, cujo círio ardia no altar e durasse mais do que os outros. Com esta resolução, acenderam doze círios iguais, de mesmo peso, nos quais estavam escritos os nomes dos doze Apóstolos; e prostradas de joelhos, em quanto eles ardiam, derreteram as suas almas em ferventes orações. Foram-se todos gastando, e somente o de São Bartolomeu durou ainda mais tempo. Quando viram o sucedido, ficaram alegres porque a Rainha Santa fora singular devota deste sagrado Apóstolo por ter sido recebida na sua Igreja em Vila de Trancoso com El Rei seu marido Dom Dinis. Para além disto, o mosteiro estava edificado nos limites da paróquia, que leva o seu nome em Coimbra e onde se guarda uma relíquia sua. E alentadas por todas estas razões, com grande contentamento entregaram a saúde e a vida na sua intercessão (Esperança, F. M. d., 1666. História seráfica da Ordem dos Frades Menores de São Francisco na Província de Portugal. Segunda Parte, que conta os seus progressos no Estado de três Custódias, princípio da Província e Reforma Observante. Lisboa: Oficina de Antonio Craesbeeck de Mello, p. 62).

Contudo, por volta de 1480, as freiras insistiam em sair do mosteiro com medo da peste que prevalecia: “(…) Mas o Senhor, que nesta grande mercê queria dar muita parte à sua Mãe Clementíssima, permitiu que o mal fosse lavrando e as freiras assombradas das muitas mortes, que viam, tratassem de fugir para a casa de seus pais. Resistiu em quanto pode a zelosa Abadessa, mas vencida pela necessidade e importuna instâncias, chegou à grade para ordenar a ida pelo modo mais acertado. Neste tempo, apareceu-lhe um pobre na mesma casa da grade, que era de gracioso aspecto, como que a representar um Mensageiro do Céu. Consolou-a na sua tribulação e ficou confortada muito na confiança de Deus e disse-lhe estas palavras: ‘Mandai rezar todos os dias no coro esta santa devoção à Virgem Senhora nossa que vos dou escrita neste pergaminho e logo vereis as suas misericórdias’.

Não fez mais a Abadessa que receber o escrito, quando o portador se escondeu dos seus olhos, sem haver uma pessoa que, ou dantes ou depois, o visse nem conhecesse. Por onde se entendeu que era São Bartolomeu, Advogado do mosteiro e seu Padroeiro santo, o qual da parte da Imperatriz dos Anjos lhe trouxera a receita milagrosa contra os males da peste” (ESPERANÇA, F. M. d., 1666. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.Francisco, pp. 62-65.).

Ainda segundo os anais da Ordem, o pergaminho está guardado entre as outras relíquias, em custódia de prata, com duas figuras de joelhos feitas do mesmo metal: uma do Santo Apóstolo e a outra desta Abadessa. Ela tem um pouco mais de três dedos de largura e meio palmo de comprimento e contém a Antífona e a oração seguintes, escritas em boa letra:

Stella coeli exstirpavit, quæ lactavit Dominum, mortis pestem, quam plantavit primus parens hóminum. Ipsa stella nunc dignetur sidera compescere, quorum bella plebem cædunt diræ mortis ulcere. O piissima Stella maris, a peste succurre nobis. Audi nos, Domina, nam Filius tuus nihil negans, te honorat. Salva nos, Jesu, pro quibus Virgo Mater te orat.

In omni tribulatione et angustia nostra.
Succurre nobis, piissima Virgo Maria.

Oremus.

Deus misericordiæ, Deus pietatis, Deus indulgentiæ, qui misertus es super afflictionem populi tui, et dixisti Angelo percutienti populum tuum : Contine manum tuam, ob amorem illius Stellæ gloriosæ, cujus ubera pretiosa contra venenum nostrorum delictorum dulciter suxisti ; præsta auxílium gratiæ tuæ, ut intercedente beata Vírgine Maria Matre tua et beato Bartholomaeo Apostolo tuo dilecto, ab omni peste et improvisa morte secure liberemur, et a totius  perditionis incursu misericorditer salvemur. Per te Jesu Christe, Rex gloriæ, qui
cum Patre et Spiritu Sancto vivis et regnas, Deus, in saecula sæculorum. Amen.

Em português, a oração poderia ser assim traduzida:

A Estrela do Céu, que aleitou o Senhor, extirpou a peste da morte, plantada nos homens pelos primeiros pais. Possa esta mesma Estrela Brilhante conter este mal, cujos efeitos atingem o povo com uma morte avassaladora. Ó piíssima Estrela do mar, protegei-nos da peste! Escutai-nos, ó Senhora, pois o Vosso Filho Vos honra e nada Vos recusa. Salvai-nos, Jesus, a nós por quem a Virgem Mãe vos implora.

Em todas as nossas tribulações e angústias,
Socorrei-nos, ó piíssima Virgem Maria.

Oremos

Deus de Misericórdia, Deus do amor, Deus do perdão, que Vos compadecestes com a aflição do Vosso povo e que dissestes ao Anjo devastador do Vosso povo: “Parai a vossa mão”, pelo amor desta Estrela gloriosa, cujos seios preciosos Vos lactaram com doçura, contra o veneno dos nossos pecados. Concedei-nos o socorro da Vossa graça, a fim de que, pela intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, Vossa Mãe, e do bem-aventurado São Bartolomeu, Vosso apóstolo bem-amado, sejamos preservados com segurança de toda peste, bem como da morte súbita, e sejamos misericordiosamente salvos de toda perdição. Por Vós, Jesus Cristo, Rei da glória, que com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais por todos os séculos dos séculos. Amém.



Através desta oração a peste foi milagrosamente contida, no ano de 1480.

Conta-se que, mais tarde, em 1598, uma nova epidemia cessou com o entoar do cântico, sem chegar a afectar o mosteiro.


Foi a partir deste episódio que as clarissas de Coimbra reconheceram São Bartolomeu como seu protector, dando destaque à sua imagem em dois altares (um na igreja e outro no coro) onde entoavam diariamente a Antífona e a oração mariana; mensalmente uma missa é cantada; e anualmente celebravam no dia da sua festa uma procissão e um jantar era oferecido aos pobres, em honra do Apóstolo (ESPERANÇA, F. M. d., 1666. Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S.Francisco, pp. 65-66.).