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domingo, 31 de março de 2019

A alegria não pode coabitar com o pecado


São João Crisóstomo, Patriarca de Constantinopla e Doutor da Igreja, afirma: “Nenhum bem terreno é capaz de mitigar a sede de paz e a felicidade do coração humano: nem a abundância de ouro, nem o poder soberano, nem a sumtuosidade dos banquetes, nem o luxo dos vestidos. Só a boa consciência é capaz de nos dar esta paz tão desejada. Quem conserva a consciência limpa de pecado, ainda que ande vestido de farrapos e atormentado pela fome, é mais feliz do que aquele que participa em todos os divertimentos possíveis e imagináveis mas que tem uma consciência torturada de remorsos” (cf. Homilia sobre as calendas).


Isto não quer dizer que a satisfação dos sentidos e os divertimentos do mundo não possam, pelo menos por algum tempo, entreter a alma numa certa letargia e fazer calar a consciência. Mas, este estado de coisas dura muito pouco tempo. E por mais que o homem tente, as consolações e alegrias deste mundo não são capazes de sarar completamente a ferida do coração.


O exemplo do poeta alemão Clemente Brentano

Clemente Brentano, um poeta alemão, depois de ter passado muito tempo no deleite de todos os prazeres que o mundo pode oferecer, lastimava-se dos erros da sua vida e esperava encontrar algum alívio e consolo com pessoas amigas, bem intencionadas e de confiança. Com todos se queixava, mas a paz do coração não lhe era restituída. Vinha-lhe sempre à memória os horrores da sua vida passada e um descontentamento geral tirava-lhe todo o ânimo.

Encontrava-se Brentano nesta disposição, quando no fim do ano 1816, encontrou uma piedosa senhora, a poetiza Luiza Hensel, que na altura ainda era protestante e que viria a converter-se ao catolicismo em 1819. Luiza conquistou rapidamente a sua confiança, pela inocência e candura. Assim, Brentano não tardou muito a explicar-lhe a triste situação em que se encontrava, remoído de remorsos. Depois de ter ouvido a sua história, Luiza respondeu-lhe, gravemente:

--“De que lhe serve manifestar tudo isto a uma jovem, como eu? O senhor é católico e tem a felicidade de ter a confissão. Exponha os seus erros ao seu confessor!”

Ao ouvir estas palavras, Brentano chorou e fez questão de dizer em alta voz para que os outros também ouvissem:

--“É incrível! Quem me diz isto é a filha de um pastor protestante...”

Deve ter sido uma enorme humilhação para Brentano ouvir, da boca de uma senhora de outra religião, que ele deveria fazer a confissão dos seus pecados e misérias a um sacerdote.

Aceitando o conselho de Luiza, tomou a resolução de fazer uma confissão geral. Foi ter com o Cónego Tauber e pediu-lhe para que ouvisse a sua confissão, assim que estivesse devidamente preparado. Já nesta ocasião, recebeu palavras de ânimo e de conforto, começando a derreter o gelo do seu coração sob o calor da graça divina. Após uma longa preparação, em meio a combates terríveis, Brentano fez, finalmente, a sua confissão. Aquela era a primeira depois de dez anos...

No dia seguinte, recebeu também a Eucaristia e encontrava-se muito feliz por ter encontrado a paz com Deus e consigo mesmo.

A Confissão é fonte de paz e consolo para o coração atribulado

Como Brentano, sempre que precisarmos, devemos recorrer à Confissão. Ela é o meio mais fácil e mais simples para nos reconciliarmos com Deus. Ela é uma fonte de paz e consolo para o nosso coração atribulado. Por uma boa e digna confissão, fechamos as portas do inferno e as do Céu são abertas.

Quantas graças não devemos dar a Deus por ter instituído para a nossa salvação o santo Sacramento da Penitência, no qual o sacerdote perdoa em nome de Deus os pecados – se o pecador arrependido os confessa sinceramente e tem a vontade de cumprir a penitência imposta.

A Confissão, porém, não é somente para nós uma felicidade inestimável, mas também um dever rigoroso.

O Divino Salvador disse aos seus discípulos:

Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu.” (Mt 18, 18). E pouco antes da sua Ascensão conferiu solenemente aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, dizendo-lhes: “Assim como Pai me enviou, também Eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo.  Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos” (Jo 20, 21-23).

Portanto, para todos os católicos que, depois do batismo, cometem um pecado mortal, torna-se necessária a recepção do Sacramento da Penitência.

Felizes somos nós, católicos, por termos este grande sacramento, que não só nos purifica do pecado, mas também nos protege poderosamente contra ele, ajudando-nos eficazmente a recobrar a alegria do nosso coração e, sobretudo, a alcançar a perfeição cristã.

terça-feira, 12 de março de 2019

Uma maneira especial de rezar o Rosário


O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, numa reunião proferida no dia 6 de julho de 1985, comentava como era a sua devoção para com Nosso Senhor e Nossa Senhora. Nesta ocasião explicou como rezava o terço e sentia a proximidade de Maria Santíssima.

“Há pessoas que, ao rezarem, têm toda a impressão de que estão falando com um Santo, ou com Nossa Senhora, ou com Nosso Senhor Jesus Cristo, e que eles estão ouvindo e considerando, como um de nós, o que dizem. Outras têm a impressão de que há um vidro entre elas e os Santos, e que não se podem pôr propriamente na presença deles.

“Comigo dá-se uma coisa curiosa: sinto uma superioridade muito grande dos seres celestes. E com Nossa Senhora nem se fale! Sinto-A como no alto de uma ogiva a uma distância colossal de mim, e que assim mesmo existe certo atrevimento da minha parte em me aproximar. Aquilo que São Luís Maria Grignion diz: “petit vermisseau et misérable  pécheur”, [vermezinho e miserável pecador], é bem a impressão que tenho.

"Estou certo de que Ela me ouve, mas numa impassibilidade de ícone, e aquilo que eu digo chega lá por um eco amortecido, fraco, distante. Maria Santíssima toma conhecimento completo, mas da parte d’Ela não procede nada para mim porque não sou digno disso. É a impressão. Eu sei, teologicamente, que não é assim, e rezo com a certeza de que não é, mas a impressão é esta. Numa ou noutra rara ocasião tenho a sensação de que Nossa Senhora, daquela distância, sorri com uma afabilidade muito grande. Mas não sei bem se sou eu que subo ou Ela que baixa. Mas sinto que a distância diminui e é como se eu falasse muito de perto com Ela. Mas é de relance. Depois restabelece aquela distância… Não é uma distância in obliquo, mas como se houvesse um vidro grossíssimo entre a Santíssima Virgem e eu.

“Contudo, gosto muito dessa distância, porque satisfaz o meu desejo de admirar e contemplar.

“A tendência da minha piedade é de imaginar Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus, Nossa Senhora, todos os Anjos e Santos enormes, com distância extraordinária, por assim dizer fabulosa. E, sentindo--me muito pequeno, de algum modo nessa separação sinto uma união. É o prazer de me sentir insignificante. Aquilo me enche de contentamento, de uma alegria, de uma dedicação, de espírito filial que corresponde a um modo de ser.

“Sei, teologicamente, que não há essa distância. Ela é Mãe de misericórdia, e se eu tivesse uma dúvida neste ponto, desintegrava-me na hora; porque então nada é nada na terra de ninguém. Mas, enfim, é o modo de ser de cada um.

“Outro dia eu estava rezando o Rosário e isso sobreveio assim: pela primeira vez, ocorreu-me rezar os mistérios do Rosário como quem estivesse junto a Nossa Senhora, comentando com Ela o que eu pensava de cada um daqueles factos que se passaram.

“Um pouco como quem pergunta o que Ela teria sentido naquela ocasião. Mas achei que essa era uma situação diferente das habituais. Rezei até muito bem o Rosário assim. Digo isso para mostrar como é uma coisa individual, que não deve ser tomada como padrão.

“Desde então tenho rezado o Rosário assim, com proveito. Neste caso, vem certa impressão de proximidade d’Ela, fazendo contraste com o que acabo de dizer”.

Revista Dr. Plinio, nº 211, pp. 8 e 9

segunda-feira, 11 de março de 2019

O sinal da Cruz, sinal do cristão



Todas as obras de Deus têm um cunho de grandeza. O Céu, os esplendores do firmamento, a pequena flor, o menor grão de areia, se forem examinados cuidadosamente em cada uma das suas partes, revelam a omnipotência, a sabedoria e a grandeza infinita do seu Criador.

Assim é, também, a religião católica. Ela saiu das mãos de Deus e é a manifestação, a revelação que Deus fez de Si mesmo a seres racionais, que Se dignou criar.

Se analisarmos atentamente os menores detalhes da religião, descobriremos belezas e sublimidades não menos admiráveis do que as belezas da natureza. Tomemos, por exemplo, o sinal da Cruz, esta pequena prática de Religião, tão universal, tão frequente no decurso dos nossos dias.

Todos nós fazemos o sinal da Cruz. Mas será que pensamos nos mistérios que ele encerra?!  Por falta de reflexão, não lhe damos a importância que ele merece.

O sinal da Cruz é um sinal exterior, que distingue os cristãos dos outros homens, um movimento que os cristãos fazem sobre si mesmos, normalmente com a mão direita e que se faz traçando a figura de uma cruz sobre o peito, sobre a teste, ou sobre, a boca ou sobre qualquer objeto exterior.
Foram os apóstolos, revestidos da autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que o instituíram e ensinaram esta prática religiosa aos primeiros discípulos do Evangelho.

Jesus Cristo, crucificado, a regra viva dos seus discípulos

Por que deram preferência a este sinal e não a outro? A preferência a este sinal está no fato de que ele lembra àquele que o faz, e aos que o vêem fazer, que Jesus Cristo é o Deus dos cristãos e o Senhor único das almas. Também, porque lembra que Deus, tão grande e bom, nos amou tanto que se entregou por nós ao suplício da Cruz e que devemos amá-Lo com toda a nossa alma.

O sinal do Cruz põe-nos sempre diante dos olhos Nosso Senhor crucificado, nosso modelo, cujas virtudes devemos imitar, se quisermos ser salvos nEle e por Ele. Jesus Crucificado é a regra viva de todos os seus discípulos e a Sua Cruz é o código da Sua moral. O sinal da Cruz de Jesus Cristo resume, portanto, toda a moral cristã, e recorda àquele que o faz com atenção a obrigação de imitar, na vida de cada dia, a penitência, a mortificação, a humildade, a doçura, a paciência, o desapego, a castidade, a obediência do Seu Mestre, seu amor para com o Pai celeste, para com a sua Mãe Santíssima, para com todos os homens, sua misericórdia para com os seus inimigos, e o seu amor pelo sofrimento.

Por que é ele o sinal do Cristão? Porque faz lembrar aos cristãos a eterna bem-aventurança. Com efeito, Nosso Senhor ressuscitou depois da sua Paixão e Morte e foi pela Cruz que entrou na sua glória. Assim, sucederá, também, com os seus discípulos. A glória no paraíso deve ser o fruto da vida crucificada, à semelhança da vida do Salvador. É por isso que Ele nos declara no Evangelho que quando vier, no fim do mundo, para julgar todos os homens, aparecerá com o sinal sagrado da Cruz, para servir de reconhecimento aos seus escolhidos, e de condenação para os réprobos.

Lembra os pontos mais importantes da nossa religião

O sinal da Cruz é também o sinal distintivo dos cristãos, porque ele faz lembrar os pontos mais importantes da nossa religião:

1)      Recorda o mistério da Santa e Indivisível Trindade, pois que, ao fazê-lo, se diz: “Em nome do Padre (ou do Pai), do Filho e do Espírito Santo, três pessoas; O Pai, o Filho e o Espírito Santo; mas num só Deus; em nome, e não em nomes.

2)      O mistério da Encarnação e da Eucaristia, isto é, o Filho de Deus que desceu do Céu à terra por nós, no seio da Virgem Maria, e continua descer nos nossos altares. Porquanto, é ao dizer: em nome do Filho, que se desce a mão da testa ao peito, viva imagem do aniquilamento do Filho de Deus, que repousa no coração dos seus fiéis como outrora nas castas entranhas de Maria.

3)      O mistério da Redenção, isto é, Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, feito homem, morrendo numa Cruz para apagar os nossos pecados, para nos fazer merecer o perdão e a salvação eterna, e abrir-nos as portas do Céu, fechadas pelo pecado.

4)      O mistério da Igreja, isto é, da sociedade, una, santa e católica dos discípulos de Jesus Cristo, dos filhos da Cruz. Sendo o sinal da Cruz o mesmo para todos, é o sinal da sua união num só corpo, o sinal exterior da sua sociedade. O sinal da Igreja, recorda admiravelmente a sua unidade, formando um só corpo, fora do qual não se está com Jesus Cristo; a sua universalidade, que Ela é católica (ou universal) estendendo-se a todos os países, a todos os povos, e chamando-os a todos à luz da verdade; que Ela é santa, tendo por chefe e por modelo o Santo dos Santos, Jesus crucificado, cuja imitação é o caminho único e mais seguro da verdadeira santidade; apostólica, isto é, fundada pelos apóstolos, instituidores do sinal da Cruz, os quais a governam sempre pelos seus legítimos sucessores, os pastores da Igreja Católica.

5)      Finalmente, o sinal da Cruz recorda aos cristãos que a verdadeira e única Igreja de Jesus Cristo é a Igreja romana, isto é, a Igreja governada pelo Papa, Vigário de Cristo e sucessor de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, o qual sofreu por Jesus Cristo, em Roma, o martírio da Cruz.

Ou seja, o sinal da Cruz resume tudo o que há de grande e de mais fundamental no dogma e na moral do Cristianismo.

Afasta os demónios

O sinal da cruz é também uma arma vitoriosa contra o inferno. O demónio, dizia Santa Teresa de Ávila no capítulo XXX da sua vida, tentou-a muitas vezes, com muitas provações interiores e secretas. Às vezes, ele a tentava quase em público, por uma ação visível. “Encontrava-me um dia num oratório quando ele me apareceu, ao lado esquerdo, sob uma forma asquerosa. Prestei muita atenção na sua boca: ela era horrível. Do seu corpo saia uma grande chama, clara e sem mistura de sombras. Ele disse-me com uma voz horrorosa que eu lhe tinha escapado das mãos, mas que voltaria a tentar-me. Meu medo foi grande. Fiz o sinal da Cruz e ele desapareceu. Contudo, voltou a aparecer. Fiz novamente o sinal da Cruz, e ele pôs-se em fuga, não tardando a reaparecer. Então atirei água benta do lado onde ele estava e ele não mais voltou".

Façamo-lo do fundo do coração

É pois com toda a razão que os Apóstolos no-lo deram como nosso sinal distintivo. É também a razão por que a Igreja o emprega na administração das coisas santas, nos Sacramentos, nas bênçãos, no princípio e no fim de toda as suas orações.

Façamos de hoje em diante com respeito e com a devida atenção este sinal tão venerável. Façamo-lo, não por hábito, e com as pontas dos dedos como quem sacode o peito, mas com espírito religioso, pausada e lentamente, do fundo do coração.

Façamo-lo com muita frequência, principalmente nas nossas tentações e amargura, antes e depois das refeições, e ao fazê-lo tenhamos cuidado de nos lembrar das santas verdades, que ele encerra, e das obrigações, que nos impõe, o nosso título tão grande de cristãos.

sábado, 9 de março de 2019

Nossa Senhora e o arrependimento de Santa Maria Madalena


Maria, que tinha por sobrenome Madalena, por causa de uma das suas propriedades situada na aldeia de Magdala, sobre as margens do Lago de Tiberíades, ou mar da Galileia, era a irmã mais nova de Lázaro e de Marta, que se conservaram sempre fiéis à lei de Deus. A sua jovem irmã, seduzida pelas vaidades do mundo, deixara-se arrastar numa vida mais do que dissipada.

Maria Madalena, no meio das suas loucuras, ouviu um dia falar de Jesus, dos Seus milagres, da Sua bondade, da Sua divina santidade, da Sua misericórdia para com os pecadores. Levada pela curiosidade, e também por um vago sentimento de arrependimento, a pobre pecadora foi ter com o Salvador, ouviu as Suas palavras austeras e suaves e recebeu dEle a primeira bênção, que preparou a sua conversão.

A conversão

Algum tempo depois chegou Nosso Senhor a Cafarnaum, próximo de Magdala, e ai se demorou durante alguns dias, pregando ao povo as admiráveis e muito santas verdades, resumidas no Evangelho sob o nome de sermão da Montanha. A Santíssima Virgem, santa Marta e outras piedosas mulheres, que acompanhavam Nosso Senhor, provendo às suas necessidades, conduziram Maria Madalena pela segunda vez à fonte da vida. As primeiras palavras de Jesus já a tinham, de um lado, abalado e, por outro lado, consolado. Neste segundo encontro, os divinos ensinamentos venceram-na. Contudo, ela não se atreveu, ainda, a lançar-se-Lhe aos pés. Mas, quando voltou a casa, mandou sair todos os homens, que a procuravam, pegou no seu vaso de perfume mais precioso e, com o rosto banhado em lágrimas, insensível ao respeito humano, foi a toda a pressa à casa de um certo fariseu de Cafarnaum, chamado Simão, que tinha convidado o divino Mestre para uma ceia na sua rica habitação.

Quando Madalena entrou na sala do banquete, achou Jesus cercado de fariseus, que espreitavam todas as Suas ações e todas as Suas palavras, procurando com perfídia um pretexto para O acusarem perante o grande conselho dos judeus em Jerusalém. Maria Madalena, já superior a todas as considerações humanas, não deu atenção senão ao seu Salvador. Lançou-se-Lhe aos pés, beijou-lhos com amor, regou-os com as suas lágrimas e enxugou-os depois com os seus cabelos. Jesus estava silencioso, e parecia não dar pelo que Madalena lhe estava fazendo, enquanto Simão e os seus amigos olhavam com espanto cheio de ironia, e diziam uns para os outros: “se ele fosse o Profeta (isto é o Cristo), ele saberia quem é esta mulher!” E Madalena, pegando no seu vaso de alabastro derramou todo o perfume, que ele continha, sobre a cabeça do seu Salvador.

Pecados perdoados porque grande era o seu amor

Jesus quebrou, afinal, o silêncio e voltando-se para o hospedeiro, disse com doçura e gravidade:

--  “Simão, tenho alguma coisa para te dizer.

-- Senhor, replicou o fariseu, falai!

E Jesus prosseguiu:

-- Um homem tinha devedores. Um deles devia quinhentos denários e outro cinquenta. O credor perdoou-lhes a dívida a ambos. Qual dos dois, julgas tu, lhe deve mais amor?

-- Certamente aquele a quem foi perdoada a maior dívida, replicou Simão.

-- Dizes bem, acrescentou o Salvador.

Depois apontando-lhe para a pobre pecadora, disse-lhe:

-- Vês esta mulher? Quando entrei na tua casa, tu não me deste o beijo da paz. Ela desde que aqui está, ainda não deixou de me beijar os pés. Tu não me deste água para lavar os pés (costume de hospitalidade entre os judeus naquela época) e ela banhou-mos com as suas lágrimas. Tu não deitaste sobre a minha cabeça nem bálsamo nem perfume, e ela derramou sobre a minha cabeça todo o que tinha no seu vaso de alabastro.

Em verdade, eu te declaro: grandes pecados lhe serão perdoados porque grande foi o seu amor.

-- O que está Ele a dizer? Resmungaram entre si os fariseus perturbados. Está blasfemando. 
Quem pode perdoar os pecados, senão Deus, unicamente?

Jesus, porém, sem se dignar dar atenção às suas murmurações, olhou para a Madalena com uma bondade divina e disse-llhe: “Todos os teus pecados te são perdoados: vai na paz do Senhor e não peques mais!”

E Maria Madalena, a pecadora escandalosa, a mulher mundana, frívola e dissoluta, levantou-se coroada com a graça de Deus, achando de novo na penitência e no amor de Jesus Cristo, um tesouro não menos precioso, do que o da sua inocência perdida.

Papel de Nossa Senhora na conversão de Maria Madalena

Qual terá sido o papel de Nossa Senhora na conversão de Santa Maria Madalena? O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, numa conferência do dia 22 de julho de 1965, comentou:
“Todos os que têm tratado deste particular dizem o seguinte: Judas com certeza não tinha devoção a Nossa Senhora. Se tivesse para com a Santíssima Virgem um mínimo de instinto filial, de simpatia, de amor, quando ele caiu inteiramente em si iria procurar por Ela; e ter-Lhe-ia pedido que arranjasse a situação dele. Mas Judas tinha antipatia por Nossa Senhora, e A detestava. O Evangelho diz, de modo taxativo, que o demónio tinha entrado nele. E o demónio afastava-o o quanto possível da Virgem Maria.

“Qual o resultado? Ele não se dirigiu Àquela que é o canal das graças, e isto ocasionou a sua perdição.

“São Pedro, depois de ter renegado Nosso Senhor, talvez tenha tido tentação de desespero. Mas é certo moralmente que ele procurou Nossa Senhora. Por isso, ele, que também tinha pecado muito, foi fiel, sendo o primeiro Papa da Santa Igreja Católica.

“Santa Maria Madalena sempre aparece fazendo parte do cortejo da Santíssima Virgem, intimamente unida a Ela em todos os momentos, sobretudo na hora régia da vida de Nossa Senhora, quando Nosso Senhor Jesus Cristo, com dores indizíveis, disse: “Consummatum est”, Tudo está consumado!

“Podemos imaginar Santa Maria Madalena junto a Nossa Senhora, na hora da piedade, quando a Mãe de Deus tinha Nosso Senhor Jesus Cristo sobre o seu colo.

“Naquele momento tremendo, Nossa Senhora ficou inteiramente abandonada: Nosso Senhor no sepulcro, o Colégio Apostólico vacilante, a cidade de Jerusalém entregue a terremotos, e os justos da Antiga Lei andando de um lado para o outro. A Santíssima Virgem, nessa situação tão pouco conhecida, estava completamente só.

“Tenho a impressão de que não Lhe faltou a assistência de Santa Maria Madalena, a qual estava junto d’Ela. E porque permaneceu junto à Mãe de Deus, ela recebeu um rosário de glórias, cada uma mais extraordinária do que outra.

“Quando vemos tudo isto, é impossível não estremecermos com a nossa própria fraqueza. Mas é impossível também que não nos sintamos concertados com este ponto: por mais fraco que o homem seja, desde que ele se apegue muito a Nossa Senhora, peça-Lhe muito pela própria perseverança e para que Ela o ampare, nunca o abandone, ele encontra aí um ponto de firmeza e de solidez.

A última das pecadoras aproximou-se de Nossa Senhora e tornou-se uma penitente gloriosíssima. Um apóstolo, que era distante de Nossa Senhora e frio para com Ela, tornou-se o filho da maldição e da perdição, que Dante coloca no Inferno dentro da boca de Satanás, com as pernas para fora, o eternamente triturado. Enquanto podemos imaginar, no Céu, Santa Maria Madalena posta bem perto do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, agradecendo os favores imerecidos de que ela foi repleta.

Bem-aventurados os penitentes sinceros

Bem-aventurados os pobres pecadores, que choram com confiança os seus pecados aos pés do Salvador e de Nossa Senhora! Bem-aventurados os penitentes sinceros e humildes, que vão ajoelhar-se no confessionário aos pés do sacerdote, que representa Nosso Senhor Jesus Cristo, continuador do Seu ministério pastoral, depositário do poder divino para perdoar os pecados!
Bem-aventurada a alma, que escuta, também, com atenção a celeste palavra do perdão, pronunciada sobre a sua cabeça: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”.

“Nunca fui tão feliz em minha na minha vida”, exclamava um dia, ao levantar-se perdoado, um senhor que acabava de confessar os seus graves pecados cometidos desde a sua adolescência.
As alegrias do mundo não podem ser comparadas a esta felicidade. Oxalá, que todos os que lerem estas linhas possam fazer esta experiência.

Estamos na Quaresma, aproveitemos este tempo de penitência para nos reconciliarmos com o nosso Pai celeste, que há de ser um dia o nosso Juiz!

sexta-feira, 8 de março de 2019

A Missa: o meio mais eficaz para aliviar as almas do Purgatório


O Padre Lacordaire, religioso dominicano e orador brilhante, numa das suas conferências sobre a imortalidade da alma, para estudantes da Faculdade de Sorèze, no Sul da França, contou o seguinte fato.

Um príncipe polaco, incrédulo e materialista professo, terminou de escrever um livro sobre a imortalidade da alma e estava pronto para o entregar à gráfica. Como precisava de tomar ar, foi caminhar para um dos belos parques da cidade. Inesperadamente, viu aparecer por detrás de uma árvore uma senhora que o reconheceu. Chorando, esta atirou-se a seus pés e disse-lhe com profunda tristeza:

-- Meu bom príncipe, meu marido acabou de morrer. Neste momento, a sua alma pode estar no purgatório, no sofrimento! Estou numa situação financeira tão apertada que não tenho a pequena soma necessária para pedir à Igreja que reze uma missa pelo falecido. Por favor! Que a sua bondade venha em meu auxílio, a fim de que possa ajudar o meu pobre marido!

Apesar do nobre cavalheiro não acreditar no que a senhora dizia sobre o Purgatório, ele não teve coragem de a repelir. Tirou do bolso uma moeda de ouro e entregou à mulher, que lhe agradeceu e correu para a igreja, em primeiro lugar, para rezar e agradecer a Deus por ter atendido o seu pedido e, logo depois, para solicitar ao sacerdote que celebrasse várias Missas em sufrágio da alma do seu marido.

Cinco dias depois, já era noite quando o príncipe se dirigiu ao escritório para ler o seu manuscrito e dar os últimos retoques. Qual não foi o seu espanto ao levantar os olhos e deparar-se com um homem, vestido com trajes muito simples, de camponês, e que lhe dirigiu as seguintes palavras:

-- Príncipe, venho agradecer-lhe. Eu sou o marido daquela pobre senhora que, há poucos dias, pediu-lhe esmolas para celebrar missas pelo repouso da minha alma. A sua caridade foi agradável a Deus e Ele permitiu que eu viesse aqui para lhe agradecer.

Assim que estas palavras foram pronunciadas, o camponês desapareceu, como se de uma assombração se tivesse tratado. A emoção do príncipe foi indescritível! Depois de pensar por alguns minutos, aproximou-se do seu livro, folheou algumas páginas e deitou-o ao fogo. Agora, ele acreditava na imortalidade da alma!

No dia seguinte, procurou um sacerdote, confessou-se e perseverou na amizade de Deus até ao fim dos seus dias.


quinta-feira, 7 de março de 2019

Aprendei com Maria a adorar Jesus que vive na Eucaristia


Invocai Maria sob o título de "Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento", porque Maria é a Mãe do Salvador, que vive na Eucaristia.

Maria é a soberana dispensadora deste Sacramento e das graças que Ele contém.

Maria, tendo sido a primeira a praticar os deveres da vida eucarística, ensina-nos eximiamente, pelo seu exemplo, a assistir à Missa, a receber a Comunhão e a visitar o Santíssimo Sacramento com muita frequência e com piedade.

Adorai Nosso Senhor em companhia da Santíssima Virgem. Eu não vos digo: ficai nEla. Não! Jesus está diante de vós para que possais dirigir-vos diretamente a Ele; mas fazei-o com Maria.

Assim, descobrireis a união perfeita destes dois corações, o de Jesus e o de Maria, perdidos num só amor e numa só vida.

São Pedro Julião Eymard

quarta-feira, 6 de março de 2019

Esperança na misericórdia de Deus


Senhor, eis-me aqui para exercer a vossa admirável misericórdia e para a fazer brilhar na presença do Céu e da Terra. Os outros glorificam-Vos fazendo ver qual é a força da vossa graça pela sua fidelidade e constância.

Quanto sois afável e generoso para com aqueles que vos são fiéis!

Quanto a mim, glorificar-Vos-ei dando a conhecer como sois bom para com os pecadores e como a vossa misericórdia está muito acima de toda malicia, que nada é capaz de a esgotar. Não há queda, por mais vergonhosa e atroz, que deva levar o pecador ao desespero do perdão.

Ofendi-Vos gravemente, ó meu adorável Redentor! 

Mas seria ainda pior, se Vos fizesse o horrível ultraje de pensar que Vós não sois suficientemente bom para me perdoar.

Em vão, todos os dias, o vosso e o meu inimigo me arma novas armadilhas. Ele poderá fazer com que eu perca tudo, mas não a esperança que tenho na vossa misericórdia.

Ainda que eu caia cem vezes, e ainda que os meus crimes forem cem vezes mais horríveis, ainda assim eu esperarei em Vós! 


(São Cláudio de la Colombière)

terça-feira, 5 de março de 2019

Quaresma: luta do espírito contra a carne


Desde o sábado, o mundo agita-se nos seus prazeres, enquanto os próprios filhos da promessa entregam-se a alegrias inocentes.
A partir das 24 horas desta “Terça-feira gorda”, começará a Quarta-feira de cinzas e a trombeta sagrada da qual o Profeta Joel fala soará (Jl 2,15). Ela anunciará a abertura solene do jejum quaresmal, o tempo de expiação, a aproximação cada vez mais iminente do Tríduo Pascal, dos grandes acontecimentos da nossa salvação. Levantemo-nos e preparemo-nos para combater os combates do Senhor.
Nesta luta do espírito contra a carne, devemos estar armados. E para tal, a Santa Igreja convoca-nos nas igrejas, para nos prepararmos aos exercícios da milícia espiritual. Já São Paulo nos deu a conhecer em detalhe as nossas defesas: Que a verdade seja a vossa cintura, a justiça a vossa couraça e a docilidade ao Evangelho o vosso calçado, a vossa fé escudo, a esperança da salvação o capacete que protegerá a vossa cabeça (cfr. Ef 2, 10-14). O Príncipe dos Apóstolos adverte: "Cristo sofreu na sua carne; armai-vos com este pensamento ". Estes ensinamentos apostólicos, a Igreja recorda-nos na Quarta-feira de cinzas; mas acrescenta um outro não menos eloquente, forçando-nos a voltar para o dia de prevaricação, que tornam necessários os combates que vamos livrar, as expiações pelas quais é preciso passar.
Dois tipos de inimigos são desencadeados contra nós: as paixões no nosso coração e os demónios; o orgulho fez toda esta desordem. O homem recusou-se a obedecer a Deus; no entanto, Deus poupou-o, mas com a dura condição de sofrer a morte. Ele disse: "Homem, tu és pó e ao pó retornarás". Por que nos esquecemos deste aviso? Só ele teria sido suficiente para nos proteger contra nós mesmos. Compenetrados com o nosso nada, nunca teríamos ousado quebrar a lei de Deus. Se agora queremos perseverar no bem, onde a graça do Senhor nos restaurou, humilhemo-nos; aceitemos a sentença e consideremos a vida apenas como um caminho mais ou menos curto para o túmulo. Deste ponto de vista, tudo se renova, tudo se ilumina. A imensa bondade de Deus, que se dignou vincular o seu amor a seres devotados à morte, nos parece ainda mais admirável; a nossa arrogância e a nossa ingratidão para com Aquele que afrontamos, durante estes momentos da nossa existência, parece-nos cada vez mais digno de arrependimento, e a reparação que podemos fazer, e que Deus possa aceitar, mais legítima e mais salutar. (Dom Prosper Guéranger, Ano Litúrgico)
*                       *                         *                   *                   *                   *                  *                   *
Abaixo é transcrito o texto, não revisto pelo autor, de uma conferência do Prof. Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, com pequenas adaptações.
A seriedade da Quaresma e o horror ao pecado
A cerimónia da Quarta-feira de Cinzas, abrirá a Quaresma. E qual será a atmosfera da cidade? A mesma de todos os outros dias do ano... E não diferirá, sensivelmente, da miserável atmosfera dos dias de carnaval. Os pecadores serão menos numerosos do que na Idade Média, na antiguidade, épocas felizes em que essa cerimónia se foi constituindo até tomar o seu aspecto definitivo? De modo nenhum. Pelo contrário! O número de pecadores cresceu imensamente. Tornou-se a imensa maioria da população; a maioria ufana, a maioria dominadora, a maioria depreciativa da população que olha com desdém, que persegue o homem que vive segundo a lei de Deus.
Em tantas e tantíssimas igrejas, o que se passa? Qual é a atmosfera? Como é tratado o pecado? Como é incriminado o pecado? O que se diz nessas igrejas de modo a ajudar o pecador para que ele caia em si mesmo e se arrependa do mal que ele fez? Nada!
Pelo contrário, tudo o que se passa parece intencionado na direção de dar ao pecador a ideia de que ele pode continuar no pecado, porque este não tem importância. Vê-se isso habitualmente aos domingos: a igreja está com senhoras vestidas contra as leis do pudor, e de homens vestidos contra toda lei da dignidade e da gravidade. Muitos deles são conhecidos e sabe-se como vivem. Toca a campainha para Comunhão, e vai ser distribuído o Pão dos Anjos. A maioria dos que se encontram na igreja aproximam-se para comungar. Serão Anjos? É o caso de perguntar: a serem anjos, que anjos?
Comungam e voltam depois para casa, para reencetar a sua vida de pecado. Este mundo, das enormes cidades babilónicas, está constituído diretamente sobre a negação da gravidade do pecado, a negação do próprio conceito de pecado.
Se fosse só a negação, ainda seria pouco; é a inversão. A virtude é desprezada, é ridicularizada, é perseguida; o pecado não é apenas admitido, ele é glorificado. Isso é que sucede ao pecado.
Nestas miseráveis condições, como se pode imaginar uma população à qual seja adequada a cerimónia magnífica [da Quarta-feira de cinzas]?
Essa liturgia constituiu-se, provavelmente, de modo definitivo, como grande parte da liturgia, na Idade Média. Alguma coisa ainda se acrescentou nos primeiros séculos dos tempos modernos e depois quase nada se acrescentou.
O centro da vida é a Igreja
Como eram as cidades nesse tempo? Pensemos numa cidade medieval. Pensemos nas pinturas das cidades medievais, nas iluminuras, nos pergaminhos que nos representam estas cidades. Cidades pequeninas, com as ruas estreitas, tendo que caber dentro de muralhas necessariamente circunscritas, para defender os habitantes contra o ataque noturno. Em que as casas se agrupavam umas às outras. Estas cidades pequenas vivem de uma vida, toda ela, em torno da Igreja. A gente olha a pintura, e vê o principal edifício, uma seta enorme: é uma torre, são duas torres, é o campanário da igreja. Em torno está a cidade.
Às vezes vários campanários são várias igrejas, várias abadias são vários conventos. Em torno desses conventos agrupa-se a população. Os grandes edifícios não são os prédios de 80, de cento e tantos andares, feitos em honra de Mamon (dinheiro), para que o homem possa gozar depois os favores de Bios (vida). Não! São os prédios feitos para o culto de Deus. Tudo se agrupa em torno deles.
O que se passa portanto dentro da igreja é fato central na vida da cidade. E uma cerimónia religiosa não é uma coisa que se passa assim: aqui tem uma cerimónia religiosa, ao lado tem um leilão; mais adiante tem um pronto-socorro que está recebendo feridos; mais adiante tem uma casa imoral com diversões péssimas. Não, não é isso não. O centro da vida é a igreja, a paróquia. E o que se passa dentro da igreja - para a qual aflui toda a população compacta - é o centro da vida da cidade. E o que se passa dentro da igreja? São pecadores públicos – eu daqui a pouco explicarei o que é o pecador público – são pecadores públicos que vem sabendo o que é a quarta-feira de Cinzas, e que começou a Quaresma, a "Quadragésima", quer dizer os 40 dias de penitência e de jejum, e de arrependimento para preparar os homens para participar com compunção das cerimónias que comemoram a morte sagrada de Nosso Senhor Jesus Cristo e depois a sua gloriosa Ressurreição!
Convite aos pecadores públicos
Então, nestes 40 dias de cerimónias, que lembram os 40 dias de jejum de Nosso Senhor no deserto, são convidados a participar toda a população e vão também os pecadores públicos.
O que a população pensa desses pecadores públicos? O que é o pecador público? É o homem que comete pecados que são notórios diante da cidade.
Um homem que matou alguém durante o ano, e que não se arrependeu do seu pecado, não foi visto confessando-se, não foi visto recebendo os sacramentos, e que foi visto - pelo contrário – locupletando-se com o dinheiro da vítima que ele roubou. Depois, é outro homem que blasfemou em público contra Deus e contra a Igreja, que foi repreendido por uma ordenação do Bispo, que não se arrependeu e continua a blasfemar o ano inteiro. Ou então um outro homem ou uma outra família que publicamente - à vista de todos - deixou de comparecer às Missas. Aqueles que estão pública e notoriamente em estado de pecado, estes são pecadores públicos.
O que pensa deles a opinião pública dessa cidade? Na Idade Média, pensava-se o seguinte: são pecadores, e portanto são miseráveis! São altamente censuráveis, e deve-se viver afastado deles. O homem reto não convive com o pecador. E se tem que tratar com o pecador, será de modo distante, frio, porque ele está em estado de pecado. Ele é inimigo de Deus, logo, é inimigo do género humano! Ele é inimigo de cada homem, e como inimigo cada homem deve tratá-lo assim, enquanto não fizer penitência.
Estes pecadores comparecem à cerimónia, porque todo mundo vai. Mas estes mesmos pecadores, em via de regra, consideram que andam mal pecando; reconhecem que eles andam mal. Pesa-lhes pecar, porém não lhes pesa tanto ao ponto que abandonem o pecado. Mas, pesa-lhes pecar, e tem vergonha do pecado que cometem.
Há outros pecadores que também se denunciam como tais nessas cerimónias. São homens às vezes tidos como muito virtuosos, mas que aparecem de repente e declaram de público: cometi um pecado! Como o virtuoso tal, a virtuosa tal, está lá entre os pecadores, acusando-se de um pecado que cometeu. E porque foi objeto de uma honraria à qual não tinha direito, agora está arrependido ou arrependida, quer receber o desprezo que merecia e que roubou pela sua hipocrisia, fingindo-se de boa pessoa quando não o era! Ele, ou ela, está lá entre os pecadores públicos. 
São só pecadores públicos que lá se acham? Quanto pecador privado, que cometeu pecados durante o ano, que os confessou, que os confessou bem, que os confessou mal, que de todo em todo não se confessou, cujo pecado ninguém conhece, mas Deus sabe que ele é pecador, e que está ali também, na hora em que começa a penitência, mas ao mesmo tempo o perdão para todos os pecados.
Os senhores devem imaginar o estado de espírito de um destes, quando é pecador público, que vai se declarar como tal. Estão andando pela rua, junto com a população inocente. Estão vendo de longe a fachada imponente da Igreja, com os seus santos, com os seus anjos, uma imagem do Crucificado ou de Nosso Senhor Jesus Cristo em atitude de bênção; ou com a imagem da Virgem das virgens, concebida sem pecado original, etc., os vitrais.
Os sinos estão tocando, eles olham para a fachada da igreja que se ergue, imponente como é a severidade, e entretanto acolhedora, e que lhes diz: "Vinde filhos! Vós pecastes, mas vinde para onde o perdão vos vem. Começai por confessar-vos, começai por arrepender-vos".
Noção profunda da gravidade do pecado
Entram, e os pecadores públicos podem ir para um determinado lugar, aonde vão fazer penitência. Começa então a cerimónia. Mas sobre isso preciso dizer mais uma palavra. É o seguinte: o homem da antiguidade, como o da Idade Média, como depois todos os que tiveram verdadeira Fé, possuíam uma noção profunda da gravidade do pecado.
Qual é o modo pelo qual, em duas palavras rápidas, podemos avivar em nós esta noção que tantas e tantas circunstâncias desbotam continuamente em nós? Qual é a gravidade do pecado?
Para compreendermos isso, farei uma pergunta estranha. O que os senhores dizem de um homem ao qual se afirme o seguinte: "Você é um tipo leviano, que não se toma a sério a si próprio". Diz-se uma coisa tal que a resposta normal é uma bofetada! Porque se um homem não se toma a sério a si próprio, ele não é nada, não vale nada. O próprio do homem é tomar-se a sério a si próprio. O primeiro passo para ser alguma coisa, é tomar-se a sério a si mesmo.
Daí figurar como asnática - se não fosse blasfema - a seguinte pergunta: Deus se toma a sério a Si próprio? Deus evidentemente Se toma infinitamente a sério, porque em Deus tudo é infinito. E se Ele Se ama infinitamente a Si próprio, também Se toma infinitamente a sério a Si próprio.
E o resultado é que quando Ele diz aos homens: "Tal atitude é pecado, e praticando-a tu rompes Comigo, tu te tornas meu inimigo, e eu Me torno teu inimigo!" O resultado é que Ele toma isso infinitamente a sério!
Pois então Ele diz uma coisa e isso não produz efeito? Ele proclama uma inimizade, e essa inimizade não é autêntica? Ele é um moleirão que acha - no fundo - que não tem importância o outro Lhe ter escarrado no rosto (se se pudesse dizer isso) por meio do pecado que cometeu? Então, quem é Deus?! Se Deus não é sério, é o caso de perguntar: Existe Deus?
Tudo é imensamente sério na presença de Deus
Deus se toma a Si próprio infinitamente a sério. E é com essa seriedade que Ele acompanha as ações dos homens. É com essa seriedade infinita - irradiação ou lumen de Sua própria Sabedoria, elemento constitutivo de Sua própria Sabedoria e de Sua Santidade - que Ele está nos contemplando neste auditório, a mim que vos fala, e a vós que me ouvis! E que Ele está olhando, a ver com que seriedade eu estou falando e com que seriedade os senhores estão me ouvindo.
Tudo é imensamente sério na presença de Deus. E o pecado portanto é profundamente sério. É execrável, é gravíssimo! Quem o comete rompe com Deus, está na mais miserável das situações. Um ricaço que cometeu um só pecado, esse ricaço está numa situação incomparavelmente pior do que Jó no seu monturo. Porque ele tem tudo o que a terra dá, mas não tem nada do que o Céu dá!
Mais ainda, mais ainda. O pecador deve saber que ele pode ser punido por Deus de uma hora para outra, com penas nesta vida, e que desgraças inopinadas podem desabar sobre si sucessivamente. É alguém de sua família que morre; é um património seu que desaparece; é uma calúnia que o agarra e que o acompanha como um vampiro até o momento da sua morte. É qualquer outra desgraça que lhe pode acontecer: uma doença, de um momento para outro, virá para punir nesta terra - tantas vezes - os pecados que ele cometeu.
Purgatório ou inferno
Como tudo isso é trágico! Que bagatela! Que insignificância em confronto com a pior das punições: o inferno!
Uma mentira, um pecado leve: o indivíduo comete, morre logo depois. Ele vai para o purgatório onde, conforme as circunstâncias, poderá ficar 100 anos queimando. A expressão 100 anos é antropomórfica, pois no purgatório não há tempo. Mas devemos entender que equivale a 100 anos de penitência na terra. Os senhores já pensaram o que são 100 anos de penitência? Isso pode acontecer com uma alma que vai para o purgatório, de um momento para outro.
E o inferno? As trevas exteriores, eternas, onde o fogo queima e não ilumina, onde os piores tormentos atazanam continuamente a criatura, e ela sabe que para si não existe mais remédio, está tudo perdido! Nada é mais nada.
Então o pecador tem a noção viva do mal que praticou, de que não deveria ofender a Deus, porque Deus é infinitamente Santo, Verdadeiro, Bom, tem o direito de não ser ofendido por nós; porque Deus é infinitamente Justo, e descarrega a sua cólera em certo momento sobre o pecador! E o pecador teme, e por causa disso está ele na igreja, e pede perdão, quer fazer penitência.
Tu, filho meu, mau, sê bom!
O que é essa penitência, o que é esse perdão? São coisas distintas. Em primeiro lugar ele deve reconhecer todo o mal que fez. A Igreja não pratica confissão pública. O fiel não vai dizer diante dos outros o mal que praticou. Mas a Igreja o estimula a que tenha noção da gravidade do seu pecado. E isto, nós veremos repetido nesses salmos, de um modo verdadeiramente magnífico. Salmos ditados pelo Espírito Santo. É Deus tão insondavelmente bom que Ele cria o homem e dá-lhe a glória de ser criado em estado de prova, de maneira que o homem possa adquirir méritos e por estes ser premiado. O homem usa mal essa prova, e peca. Deus, em lugar de o exterminar logo, "cochicha" em seu ouvido aquilo que deveria considerar para medir o mal que praticou. E lhe ensina como pedir perdão!
É como um juiz que recebe o réu, com uma majestade infinita, com aparato de força e de severidade tremendos, mas ao mesmo tempo manda alguém entregar ao réu um bilhete que diz: "Se pedires ao juiz assim na sinceridade de tua alma, o juiz manda-te este recado: ele te atenderá!" E o réu caminha para Deus, para Deus Juiz, com uma oração ditada por Deus Juiz!...
Quer dizer, maior misericórdia não se pode imaginar. Deus fala por meio dos profetas, dos homens inspirados do Antigo Testamento, aos que dEle receberam Seus ensinamentos no Novo Testamento, Ele dá palavras por onde o homem reconhece o seu pecado, e por onde pede perdão.
Então, do fundo da igreja, arrastando-se, vem o mísero cortejo dos pecadores oficiais: "Miserere mei Deus, secundum magnam misericordiam tuam, et secundum multitudinem miserationem tuarum, dele iniquitatem meam... "Tende compaixão de mim ó Deus, segundo a Vossa grande misericórdia; e segundo a multitude de Vossas bondades, apagai a minha falta. Porque eu conheço o mal que eu fiz, o meu pecado está de pé continuamente contra mim…".
Mas ele reza pedindo perdão, por assim dizer, esmagado pela grandeza do seu Juiz, e pela infâmia da sua culpa. Mas ao mesmo tempo alentado pela promessa do Juiz, e pela oração que o Juiz lhe ensinou. "Reze assim! Meu filho, sinta isto, que Eu me tornarei teu amigo!"
Julgo que os senhores sentem aí o equilíbrio magnífico que há na atitude de Deus. Próprio a esmagar, e de vez em quando esmaga! Mas que preferiria não esmagar. E que diz ao homem, seu inimigo: "Tu, filho meu, mau, sê bom. Aqui estão as palavras que deves dizer. A Minha graça opera na tua alma, dize ´sim`, e tu te tornarás mais alvo do que a neve!"
Senhor, perdoai-me!
Mas isso não cabe numa mera jaculatória. Os senhores vêem que o pecador pede muitas vezes, com muitas palavras, com muitas fórmulas diferentes. Ele pede, pede, pede o que Deus lhe ensinou; as disposições de alma pelas quais pode obter perdão, e lhe ensinou as palavras pelas quais pode enunciar tais disposições de alma do modo próprio, correto, belíssimo, de maneira a obter o agrado de Deus. Mas por que Deus não concede logo?
Ele deixa a alma na dúvida. Deus perdoou ou não perdoou? Ele pede de novo, ele pede de novo. Ele argumenta com Deus, pela bondade de Deus, e acaba argumentando com a glória de Deus: "Meu Deus, é da Vossa glória, perdoai-me!" Como quem diz: "Em mim nada há que mereça o Vosso perdão. Mas como será belo para Vós que me perdoeis. Por mim eu não mereço. Mas, Senhor, Vós amais a Vossa glória, e por amor a Ela eu Vos peço: dai-me aquilo que por amor a mim eu não mereço que Vós me concedeis. Senhor perdoai-me!"
Os senhores compreendem então cada uma dessas palavras como vem adequada, e preparando o espírito do homem ao mesmo tempo para uma profunda compenetração de seu pecado, mas também para uma confiança enorme de que Deus o perdoará. Os primeiros salmos não falam tão diretamente de confiança. Tem-se a impressão de que o sol da confiança vai se levantando à medida que os salmos se sucedem. E a última palavra é uma explosão de confiança: "Vós me salvareis, ó Deus!" É que a graça falou no interior da alma dele e acabou lhe dando certeza de que foi salvo. Então ele canta de alegria: “eu estou salvo”!
Não facilite, a morte ronda em torno de ti!
Mas, que alegria maravilhosa! É o começo da Quaresma. Porque ele está salvo, ele quer fazer penitência; porque está salvo, quer sofrer para expiar o pecado que cometeu. E por isso ele se aproxima do padre, e curvado, genuflexo diante do sacerdote, este lhe coloca cinzas sobre a testa, faz uma cruz e diz: "Lembra-te homem que tu és pó, e que voltarás a ser pó". Quer dizer: cuidado! Não facilite, a morte ronda em terno de ti! Deus é infinitamente bom, é verdade; Ele é infinitamente justo também. Abra os olhos, vá e faça penitência.
E a penitência como é? É jejuar, é para alguns passar a pão e água, fazer também coisas duras. E aí os senhores vêem a índole da Igreja. Uma das primeiras cerimónias que está mencionada aqui é a bênção dos cilícios. Como eram os cilícios? O mais das vezes eram cinturas todas com pequenos ganchos de ferro, que arranhavam a carne de fato, e que a pessoa usava, por exemplo, durante a Quaresma — alguns santos a vida inteira — usavam em torno do tronco, sangrando, sangrando continuamente.
Vejam agora a atitude da Igreja, no fundo, como quem diz: penitencia-te até ao sangue... mas tu és meu filho. Vem cá, o instrumento da tua tortura, eu vou deitar sobre ele a minha bênção!
O homem não foi feito para se entusiasmar apenas com a misericórdia, mas também com a justiça de Deus
Os senhores fizeram como fazem todos os auditórios: quando se fala da misericórdia, há exclamações de encantamento! Eu quisera que quando se falasse da justiça, os senhores tivessem exclamações não menores. O homem não foi feito para se entusiasmar apenas diante da misericórdia de Deus. O homem foi feito para se entusiasmar também diante da justiça de Deus. O homem deve achar bela a justiça. Ele deve ficar penetrado de admiração pela justiça. Transido de admiração pela justiça. E isso lhe deve dar entusiasmo.
Por que? Porque quando o pecador compreende o mal de seu pecado, e vê quanto Deus odeia o seu pecado, percebe a pureza divina. E percebendo a pureza infinita de Deus, como pode ele não se entusiasmar?! Aquele que tem horror ao pecado, ama a virtude que o pecado nega, que o pecado transgride. E, portanto, é preciso, é gravemente necessário, que nós nos entusiasmemos diante da severidade de Deus.
"Ó meu Senhor, como Vós odiais meus pecados! Eu Vos peço: dai-me uma centelha de Vosso ódio sagrado aos meus próprios pecados!" Que bela oração! Quão pouca gente a faz. Logo depois, é claro, nós devemos pedir a misericórdia. Quem pode subsistir sem a misericórdia de Deus? Não é pensável! Mas amemos a Sua justiça também.
Maria, Mãe de Misericórdia
Nós vamos transpor na quarta-feira, se Deus quiser, os umbrais da Quaresma. Vamos entrar na Quaresma. Devemos pedir o horror aos nossos pecados; devemos pedir o amor reverente e transido a essa execração que Deus tem aos nossos pecados. Devemos pedir a Deus o ódio ao nosso pecado, como ao pecado dos outros. Devemos pedir a Deus que nos conceda a misericórdia, sem a qual nós na presença dEle não somos capazes de nos manter.
Eu acabo de falar da palavra "misericórdia". É porque eu quero preparar o fecho do que estou dizendo, e este possui um nome: Maria!
Tudo quanto eu disse até agora, o homem não obtém se Maria Santíssima não pedir por ele. Nada. Ela é a Medianeira necessária. Por vontade de Deus, Ela é a Medianeira necessária de todas as nossas orações até Ele, e de todas as graças que baixam dEle para nós. Se nós temos arrependimento de nossos pecados, foi Ela que pediu, foi assim que nós obtivemos.
Se temos vontade de fazer penitência, foi Ela que pediu. Se tivermos força para executar a penitência que devemos, é Ela que nos pedirá essa força. E no fim, feita a penitência, e sentindo-nos reconciliados com Deus, Ela é o sorriso de Deus para nós. De maneira que, como filhos de Nossa Senhora que somos, devemos terminar essa reflexão com a Salve Rainha, Mãe de Misericórdia!
(Plinio Corrêa de Oliveira, Santo do Dia, 2 de março de 1984)