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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

As heresias e as loucuras das inovações

No tempo de Donato, de quem tomaram o nome os donatistas, uma parte considerável da África seguiu as delirantes aberrações deste homem (que sustentava que a Igreja não devia perdoar e admitir pecadores e que o batismo administrados pelos que negaram a fé durante a perseguição de Dioclesiano e que foram posteriormente perdoados e readmitidos na Igreja, eram inválidos). Esquecendo-se do seu nome, sua religião e a sua profissão de fé, antepuseram à Igreja, a sacrílega temeridade de um só indivíduo. 

Os que se opuseram então ao ímpio cisma permaneceram unidos às Igrejas do mundo inteiro e só eles entre todos os africanos puderam permanecer a salvo no santuário da Fé católica. Agindo assim, deixaram àqueles que viriam o exemplo egrégio de como se deve preferir sempre o equilíbrio de todos os demais à loucura de uns poucos.

Ário de Alexandria
Um caso semelhante aconteceu quando o veneno da heresia ariana contaminou não apenas uma pequena região, mas o mundo inteiro, até o ponto de que quase todos os bispos latinos cederam ante a heresia, alguns obrigados com violência, outros sacerdotes diminuídos e enganados. Uma espécie de névoa ofuscou então as suas mentes, e já não podiam distinguir, no meio de tanta confusão de ideias, qual era o caminho seguro que deviam seguir. Somente o verdadeiro e fiel discípulo de Cristo que preferiu a antiga Fé à nova perfídia não foi contaminado por aquela peste contagiosa. 

O que se sucedeu, então, mostra suficientemente os graves males a que podem dar lugar um dogma inventado. Tudo se revolucionou: não só relações, parentescos, amizades, famílias, mas também cidades, povos, regiões. Até mesmo o Império Romano foi sacudido até aos seus fundamentos e transtornado, de cima a baixo, quando a sacrílega inovação ariana, como nova Bellona ou Fúria, seduziu inclusive o Imperador, o primeiro de todos os homens.

Depois de ter submetido as suas novas leis inclusive aos mais insignes dignatários da corte, a heresia começou a perturbar, transtornar, ultrajar todas as coisas, privada e pública, profana e religiosa. 

Sem fazer distinção entre o bom e o mau, entre o verdadeiro e o falso, atacava a mão livre todos que estivessem à sua frente. As esposas foram desonradas, as viúvas ultrajadas, as virgens profanadas. Se demoliram mosteiros, se dispersaram os clérigos; os diáconos foram açoitados com varas e os sacerdotes foram mandados ao exílio. Cárceres e minas encheram-se de santos. Muitos, expulsos das cidades, andavam errantes sem pousada até que nos desertos, nas covas, entre as rochas abruptas pereceram miseravelmente, vítimas das feras selvagens e da desnudez, fome e sede. 

E qual foi a causa de tudo isto? 

Uma só: a introdução de crenças humanas em lugar do dogma vindo do céu. Isto ocorre quando, pela introdução de uma inovação vazia, a antiguidade fundamentada nos mais seguros embasamentos é demolida, velhas doutrinas são pisoteadas, os decretos dos Padres são desgarrados, as definições de nossos maiores são anuladas; e isto, sem que a desenfreada concupiscência de novidades profanas consiga manter-se nos nítidos limites de uma tradição sagrada e incontaminada.

(São Vicente de Lerins, Commonitorio, Regras para conhecer a Verdadeira Fé)


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Não se deve considerar alguém como irremediavelmente perdido


Imitemos o exemplo do Bom Pastor! 

Porque o modelo, à imagem do qual fostes criados, é Deus, procurai imitar o Seu exemplo. Sois cristãos, e com o vosso nome declarais a vossa dignidade humana, portanto, sejais imitadores de Cristo que Se fez homem.

Considerai as riquezas da sua bondade. Ele, quando estava para vir entre os homens, através da Encarnação, enviou à sua frente João, como arauto e mestre de penitência; e antes de João, tinha enviado todos os profetas para ensinarem aos homens o arrependimento, o retorno ao bom caminho e a conversão para uma vida melhor.

Pouco depois, quando Ele mesmo veio, proclamou diretamente com a sua voz: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt 11,28). Portanto, aos que ouviram as suas palavras, concedeu um perdão completo dos pecados e libertou-os de tudo o que os angustiava. O Verbo santificou-os, o Espírito fortificou-os, o homem velho foi sepultado na água e foi gerado o homem novo, que floresceu na graça.
E depois, o que seguiu? Aquele que era inimigo fez-se amigo, o estrangeiro passou a ser filho, o ímpio tornou-se santo e pio.
Imitemos o exemplo que nos deu Nosso Senhor, o Bom Pastor. Contemplemos os Evangelhos e admirando o modelo de solicitude e bondade neles espelhado, procuremos assimilá-los bem.

Nas parábolas, encontramos um pastor que tem cem ovelhas. Tendo uma delas se afastado do rebanho e, vagando sem rumo, não permaneceu com as outras que pastavam ordenadamente. O pastor sai à sua procura, atravessa vales e florestas, escala altos e escarpados montes, percorrendo desertos com grande esforço, procura-a por todo o lado, até a encontrar.

Tendo-a encontrado, não a castiga nem a obriga com violência a voltar para o rebanho; pelo contrário, coloca-a sobre os ombros, trata-a com doçura, leva-a para o aprisco, alegrando-se mais por esta única ovelha recuperada do que por todas as outras.

Consideremos a realidade velada desta parábola. Aquela ovelha não é uma ovelha, nem este pastor é um pastor, mas significam outra coisa. São figuras que contêm um grande significado religioso e ensinam-nos que não é justo considerar os homens como condenados e sem esperança; e que não devemos desinteressar-nos daqueles que estão em perigo; nem sermos preguiçosos em lhes ajudar, sendo o nosso dever reconduzir ao bom caminho aqueles que dele se afastaram ou se perderam. Devemos alegrar-nos com o regresso deles e reconduzi-los ao aprisco seguro, junto dos que vivem bem e na piedade.

Astério de Amaseia, Homelia 13; PG 40, 355-358. 362