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sábado, 13 de junho de 2020

Cópia da imagem de Nossa Senhora de Paris colocada no átrio da Catedral Notre Dame

Milhões de católicos já tiveram a oportunidade e o privilégio de poderem ajoelhar-se e rezar diante da imagem de Nossa Senhora de Paris.

Esta imagem de Nossa Senhora encontrava-se no antigo claustro dos Cónegos, na Capela Saint-Aignan, na Île de la Cité e foi levada para a Catedral de Paris para substituir uma das imagens do Pórtico de Nossa Senhora, destruída pela sanha anticlerical durante o período conturbado da Revolução Francesa, em 1793.

Em 1855, o famoso arquiteto Viollet-le-Duc - o mesmo que desenhara a agulha que ardeu completamente e caiu no dia 15 de abril de 2019 -  transferiu-a do pórtico para o interior da Catedral, pois neste pilar sudoeste do transepto existia, desde a Idade Média, um altar dedicado à Mãe de Deus e nossa Mãe.

Conversão de Paul Claudel

Ali, diante de Nossa Senhora de Paris, Paul Claudel, um dos grandes poetas e dramaturgos do século XX, converteu-se no dia 25 de dezembro de 1886, como ele mesmo narra:

“Fui a Notre-Dame de Paris para assistir aos ofícios de Natal. Tinha começado a escrever, e parecia-me que nas cerimónias católicas, consideradas com um diletantismo superior, encontraria um excitante apropriado e a matéria de alguns exercícios decadentes.

“Foi com estas disposições que, conduzido e apertado pela multidão, assisti, com um prazer medíocre, à missa solene. Depois, não tendo nada melhor a fazer, voltei para assistir às vésperas. As crianças do coro, vestidos de branco, e os alunos do Seminário-menor de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, que os ajudavam, estavam se aprontando para iniciar o canto que mais tarde soube ser o Magnificat.
Estava misturado ao povo, junto do segundo pilar à entrada do coro, à direita da sacristia. E foi então que se produziu o acontecimento que domina toda a minha vida. Em um instante, o meu coração foi tocado e acreditei. Acreditei com tal força, com tal adesão de todo o meu ser, com tão poderosa convicção, com tal certeza sem deixar lugar a qualquer espécie de dúvida que, depois, todos os livros, todos os raciocínios, todos os acasos de uma vida agitada, não puderam abalar-me a fé, nem mesmo, para ser mais preciso, tocá-la de leve que fosse.

Tive de súbito o forte sentimento da inocência, da eterna juventude de Deus, uma revelação inefável. Tentando, como o fiz várias vezes, reconstituir os minutos que se seguiram a este instante extraordinário, encontro os elementos seguintes que, entretanto, não formam senão um clarão, uma única arma de que a Providência Divina se servia para atingir e abrir enfim o coração de uma pobre criança desesperada: “Como aqueles que creem são felizes! E se fosse verdade? É verdade! Deus existe, Ele está em toda parte, É alguém, é um Ser tão pessoal como eu. Ele me ama, Ele me chama.

As lágrimas e os soluços vieram… e o canto tão doce do Adeste fideles, um hino natalino, aumenta ainda mais a minha emoção. Emoção bem doce, mas a que se misturava um sentimento de espanto o quase de horror. Porque as minhas convicções filosóficas não estavam destruídas. Deus as havia deixado desdenhosamente onde estavam, e eu nada via a mudar nelas; a religião católica me parecia continuar o mesmo tesouro de anedotas absurdas, seus padres e fiéis me inspiravam a mesma aversão que ia até o ódio e o desgosto. O edifício das minhas opiniões e dos meus conhecimentos permanecia de pé e nada via de falho nele. Tinha apenas me retirado. Um novo e terrível ser, com exigências terríveis para o jovem e o artista que eu era, tinha se revelado e não sabia como conciliá-lo com coisa alguma que me cercava.

O estado de um homem que fosse arrancado de um golpe de seu corpo, para ser colocado em um corpo estranho, no meio de um mundo desconhecido, é a única comparação que posso encontrar para exprimir este estado de confusão completa. O que mais repugnava as minhas opiniões e os meus gostos, é que era a verdade e com o que seria necessário que, de bom ou de mau grado, eu me adaptasse. Ah! Isso não aconteceria sem que tentasse tudo que me fosse possível para resistir”. (Paul Claudel, Ma conversion, 1913)

Cópia da imagem no Átrio da Catedral

No 12 de junho de 2020, uma cópia da imagem de Nossa Senhora de Paris foi colocada no Átrio da Catedral, a fim de velar sobre a cidade, a catedral, os franceses e os católicos de todo o mundo, custodiada pela grande Imperador do Sacro Império Romano, Carlos Magno, e seus pares, cuja estátua se encontra a poucos metros.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Como nasceu a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo?

Nosso Senhor Jesus Cristo revelou, no ano de 1220, a uma santa religiosa, chamada Juliana de Mont Cornillon, que vivia no mosteiro de Mont Pelliers perto de Liège, Bélgica, o seu desejo de ver instituída uma festa para honrar solenemente o adorável Sacramento do seu Corpo e Sangue.

Aos 16 anos, a irmã Juliana teve a primeira visão, que se repetiu mais vezes nas suas Adorações Eucarísticas. Nelas, a religiosa via a lua no seu pleno esplendor, atravessada diametralmente por uma faixa escura.

Mais tarde conseguiu compreender o significado das aparições. A lua simbolizava a vida da Igreja sobre a terra e a linha opaca representava a ausência de uma festa litúrgica, na qual os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a Fé, avançar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.

Durante cerca de quatro anos, Juliana conservou em segredo as visões, que trazidas à memória, aumentavam o seu já grande desejo de adorar Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiramente presente na Eucaristia com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Já priora do Convento, confiou o seu segredo a duas outras irmãs, fervorosas adoradoras da Eucaristia, a beata Eva, que levava uma vida eremítica, e Isabella. As três fizeram uma espécie de "aliança espiritual", com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento.

Duras provações de Santa Juliana

Esta santa irmã, apesar das contínuas solicitações de Deus, antevendo as enormes dificuldades que encontraria pela frente e julgando-se incapaz de as superar, só começou a mover-se vinte anos depois das revelações, quanto contou tudo a seu confessor, Padre Giovanni di Losanna, cónego da igreja de São Martinho de Liège, homem estudioso e piedoso. Este por sua vez, começou por indagar os teólogos e as autoridades eclesiásticas sobre instituição de uma festa ao Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus. Todos aprovaram e julgaram ser o pedido uma verdadeira inspiração divina.

Entretanto, mal os habitantes da cidade souberam da instituição de uma festa proposta por uma religiosa local, várias vozes contrárias levantaram-se, fazendo com que todo o Capítulo da Catedral e quase todo o clero se manifestasse contrário a tal devoção.

A santa religiosa, que garantia ter recebido a revelação do Céu, passou a ser tratada como uma visionária, que provocava confusão na Igreja e foi, por isso, violentamente expulsa do seu convento.

Mas, Deus não lhe tinha inspirado uma prática tão santa para depois a deixar sucumbir às maquinações infernais contra ela.  

O bispo de Liège, Dom Roberto di Thourotte, examinou profundamente a questão e após hesitações iniciais, só encontrou aspectos bons e santos na proposta da Irmã Juliana. Assim, aprovou no ano de 1246 que esta festa fosse instituída na sua diocese. Pouco tempo depois da aprovação deste prelado, vários outros bispos das regiões vizinhas adotaram-na e aos poucos foi sendo introduzida em toda a Igreja.

A bula Transiturus de Hoc Mundo

O Papa Urbano IV autorizou-a com bula “Transiturus de Hoc Mundo” de 11 de agosto de 1264, na qual afirmava:

“Cristo, nosso salvador, deixando este mundo para ascender ao Pai, pouco antes da sua Paixão, na Última Ceia, instituiu, em memória da sua morte, o Sacramento supremo e magnífico do Seu Corpo e Sangue, dando-nos o Corpo como comida e o sangue como bebida.

Sempre que comemos este pão e bebemos deste cálice, anunciamos a morte do Senhor, porque Ele disse aos Apóstolos durante a instituição deste Sacramento: "Faça isso em memória de Mim", para que este Sacramento excelso e venerável seja para nós a principal e mais insigne recordação do grande amor com que Ele nos amou. Memorial admirável e maravilhoso, doce e suave, caro e precioso, em que se renovam os prodígios e maravilhas; nele se encontram todas as delícias e os sabores mais delicados. Experimenta-se nele a mesma doçura do Senhor e, acima de tudo, obtém-se força para a vida e para a salvação.

É um memorial dulcíssimo, sacrossanto e salutar, no qual renovamos a nossa gratidão pela nossa Redenção, afastamo-nos do mal, fortalecemo-nos no bem e progredimos na aquisição das virtudes e da graça, confortamo-nos pela presença corporal do nosso Salvador, pois nesta comemoração sacramental de Cristo, Ele está presente no meio de nós, com uma forma distinta, mas na sua verdadeira substância.

Pois antes de subir ao céu, Ele disse aos Apóstolos e aos seus sucessores: "Estou sempre convosco, até à consumação do mundo", e consolou-os com a salutar promessa de que permaneceria também com eles, através da sua presença corporal.

Monumento verdadeiramente digno de não ser esquecido, com o qual lembramos que a morte foi vencida, que a nossa ruína foi destruída pela morte d’Aquele que é a própria vida, que uma árvore cheia de vida foi enxertada numa árvore de morte para produzir frutos de salvação!

É um memorial glorioso que enche de alegria as almas dos fiéis, infunde alegria e faz brotar lágrimas de devoção. Enchemo-nos de gozo ao pensar na Paixão do Senhor, pela qual fomos salvos, mas não podemos conter o choro. Diante desta recordação sacrossanta, sentimos em nós uma alegria e um entusiasmo crescentes, alegres no choro cheio de amor, emocionados pelo gozo devoto; nossa dor é temperada pela alegria; nossa alegria mistura-se com o choro e o nosso coração transborda de alegria, desfazendo-se em lágrimas.

Grandeza infinita de amor divino, imensa e divina piedade, copiosa efusão celestial! Deus deu-nos tudo no momento em que Se submeteu aos nossos pés e confiou-nos o domínio supremo de todas as criaturas na terra. Enobrece e sublima a dignidade dos homens através do ministério dos espíritos mais selecionados. Pois todos eles foram destinados a exercer o ministério a serviço daqueles que receberam a herança da salvação.

E tendo sido tão vasta a magnificência do Senhor para connosco, querendo mostrar-nos ainda mais o Seu amor infinito, numa efusão, ofereceu-Se a si mesmo e superando as maiores generosidades e toda a medida de caridade, entregou-Se como alimento sobrenatural.

Singular e admirável liberalidade, na qual o doador vem à nossa casa, e o dom e Quem dá são a mesma coisa! Na verdade, é uma generosidade sem fim d’Aquele que se dá a Si mesmo e de tal maneira aumenta a sua disposição afetuosa que, distribuída numa grande quantidade de dons, transborda e retorna ao doador, tanto maior quanto mais amplamente se tenha difuso.

Assim, o Salvador foi dado como alimento; Ele quis que, da mesma maneira que o homem foi sepultado na ruína pelo alimento proibido, voltasse a viver por um alimento bendito; o homem caiu pelos frutos de uma árvore da morte e ressuscita por um pão da vida. Daquela árvore pendia um alimento mortal, nesta encontra um alimento de vida; aquele fruto trouxe o mal, este cura; um apetite mau fez o mal, e uma fome diferente gera o bem; chegou o remédio onde a doença tinha invadido; de onde veio a morte, chega a vida.

Daquele primeiro alimento, dizia-se: "No dia em que dele comerdes, morrerás"; do segundo, está escrito: "Quem come este pão viverá para sempre".

É um alimento que verdadeiramente restaura e nutre, sacia no mais alto grau não o corpo, mas o coração; não a carne, mas o espírito; não as vísceras, mas a alma. O homem tinha necessidade de um alimento espiritual, e o misericordioso Salvador proveu, com piedosa atenção, o alimento da alma com o melhor e mais nobre manjar.

A generosa liberalidade elevou-se à altura da necessidade, e a caridade igualou-se a conveniência, de modo que o Verbo de Deus feito carne, que é um manjar e alimento das criaturas racionais, deu-Se como alimento à mesmas criaturas, isto é, para a carne e o corpo do homem. O homem, então, come o Pão dos Anjos do qual o Salvador disse: "Minha carne é verdadeira comida e Meu sangue é verdadeira bebida". Este manjar toma-se, mas não se consume; come-se, mas não se modifica, pois não se transforma naquele que o come, mas recebe-se dignamente, fazendo quem o consome semelhante a Ele. Excelso e venerável Sacramento, amável e adorado, sois digno de ser celebrado, exaltado com os mais emotivos louvores, pelos cânticos inspirados, pelas mais íntimas fibras da alma, pelos mais devotos obséquios, sois digno de ser recebido pelas almas mais puras!

Glorioso memorial, deverias ser mantido entre os batimentos cardíacos mais profundos, impresso indelevelmente na alma, trancado nas intimidades do espírito, honrado com a piedade mais assídua e dedicada!

Dirijamo-nos sempre a tão grande sacramento para nos lembrarmos em todos os momentos d’Aquele de quem deveríamos ter a perfeita recordação, e foi (sabemo-lo). Pois, recordamos mais daquela pessoa, cuja casa e presentes constantemente contemplamos.

Embora este Sacramento Sagrado seja celebrado todos os dias no rito solene da Missa, acreditamos, contudo, ser útil e digno que se celebre, pelo menos uma vez por ano, uma festa mais solene, especialmente para confundir e contrariar a hostilidade dos hereges.

Pois na Quinta-feira santa, o dia em que Cristo o instituiu, a Igreja universal, ocupada com a confissão dos fiéis, como mandato do lava-pés e em muitas outras cerimónias sagradas, não pode dar total atenção à celebração deste grande Sacramento.

Do mesmo modo que a Igreja comemora os santos, que são venerados durante o ano nas ladainhas, nas Missas e nas outras funções, e a sua memória é renovada com grande frequência, recordando também o seu nascimento, em certos dias, com mais solenidade e celebrações especiais. E como nestas festas, os fiéis as vezes omitem alguns dos seus deveres por negligência ou ocupações mundanas, ou também por fragilidade humana, a Santa Madre Igreja estabelece um dia específico para a comemoração de Todos os Santos, provendo nesta celebração comum o que foi negligenciado nas particulares.

Tanto mais, é necessário cumprir esse dever para com o admirável Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo que é a glória e a coroa de todos os Santos, para que brilhe numa festividade e solenidade especiais. (…) Também ouvimos dizer, quando estávamos desempenhando um cargo mais modesto, que Deus havia revelado a alguns católicos que era necessário celebrar essa festa em toda a Igreja (referindo-se a Santa Juliano de Cornillon). Portanto, acreditamos ser apropriado estabelecê-la para que, de maneira digna e razoável, a Fé Católica seja vitalizada e exaltada.

Que todo ano, então, seja celebrada uma festa especial e solene de um Sacramento tão grande, além da comemoração diária que a Igreja faz dela, e estabelecemos um dia fixo para ela, a primeira quinta-feira após a oitava de Pentecostes. Estabelecemos também que, no mesmo dia, multidões de fiéis devem reunir-se nas igrejas devotas, com generosidade de afeto, e todo o clero e o povo, alegres, cantem louvores, para que os lábios e os corações encham-se de santidade e alegria; cante a Fé, traga a Esperança, exulte a Caridade; a devoção palpite, exale pureza; Que os corações sejam sinceros.”

Milagres eucarísticos

O Pontífice quis dar o exemplo e celebrou a solenidade de Corpus Domini em Orvieto, cidade onde morava. Foi também por ordem de Urbano IV que, na Catedral da Cidade, conservou-se – e conserva-se ainda – o célebre corporal com os traços do milagre eucarístico ocorrido um ano antes, em 1263, em Bolsena. Um sacerdote, enquanto consagrava o pão e o vinho, foi tomado por fortes dúvidas sobre a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia. Milagrosamente, algumas gotas de sangue começaram a fluir da Hóstia consagrada, confirmando, desse modo, aquilo que a nossa fé professa.

Urbano IV pediu a um dos maiores teólogos da história, São Tomás de Aquino – que naquele tempo acompanhava o Papa e encontrava-se em Orvieto –, para compor os textos do ofício litúrgico dessa grande festa, usados ainda hoje, constituindo uma obra-prima, fundada na teologia e na poesia.

Mais tarde Clemente V, em 1311, confirmou a festa do Corpo e Sangue de Cristo, no segundo Concílio de Vienne. Em todos os lugares onde ela começou a ser celebrada, houve grande contestação, o que tornou o seu triunfo infinitamente mais belo!


domingo, 24 de maio de 2020

Nossa Senhora, Mãe, Padroeira e Imperatriz dos chineses

A devoção dos chineses a Nossa Senhora remonta aos anos 1900, quando o país viveu um período conturbado, denominado o Levante dos Boxers. Em junho deste ano, os boxers, anticatólicos, contrários à presença estrangeira no país e à influência do Papa, decidiram invadir Dong Lu, onde estava sediada uma importante missão lazarista, e matar os cerca de nove mil católicos que ali viviam.

A proteção de Maria Santíssima

Milhares de boxers cercaram a aldeia e quando estavam prestes a invadi-la, viram uma Senhora com um Menino que pairava sobre o povoado. A primeira reação que tiveram foi a de disparar para o Céu. Mas, vendo que o efeito era nulo, ficaram com medo e fugiram em debandada. Contemporaneamente, os anciãos e as mulheres, que tinham permanecido recolhidos no interior da igreja para pedir a vitória sobre os inimigos, viram a imagem desaparecer e a tela ficar, literalmente, branca. Quando a batalha terminou a imagem de Nossa Senhora voltou à pintura, dando a entender que tinha saído para ajudar a afugentar os inimigos dos seus filhos e devotos.

O primeiro Santuário

Para agradecer à Virgem Maria por tê-los salvo da invasão e do massacre, os habitantes construíram um santuário mariano, onde passou a ser venerada uma pintura representando a Virgem Maria com os trajes de imperatriz chinesa.

Em 1924, no primeiro Sínodo dos bispos chineses realizado em Xangai, o bispo jesuíta Henri Lecroart defendeu a ideia de que a China, a Mongólia, o Tibete e a Manchúria fossem consagrados à Virgem Maria, sob a invocação de "Nossa Senhora Imperatriz da China". A sua ideia foi aceite e a consagração foi feita em junho desse mesmo ano por 150 bispos, encabeçados pelo arcebispo Celso Constantini, que era na altura o delegado apostólico na China.

Em 1932, o Papa Pio XI elevou o santuário de Dong Lu à categoria de Santuário. Em 1941, o Papa Pio XII estabeleceu uma festa litúrgica em honra de Maria Medianeira de todas as graças, sob a invocação de "Santa Mãe, Imperatriz da China".

Infelizmente, o Santuário de Dong Lu foi bombardeado e destruído pelos japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os católicos chineses reconstruiram um novo, ainda maior do que o anterior, situado no meio de uma floresta de bambu em Shangai. 

Em 1973, após o Concílio Vaticano II, a conferência episcopal chinesa, com a aprovação da Santa Sé, decidiu que a festa da Santa Mãe e Imperatriz da China seria celebrada no sábado anterior ao segundo domingo de maio, no qual se celebra o Dia da Mãe.

Nova aparição de Nossa Senhora em She Shan

No dia 23 de maio de 1995, Nossa Senhora voltou a aparecer e o acontecimento foi certificado pelo bispo de Baoding. Cerca de trinta mil peregrinos viram o sol girar da esquerda para a direita e colorindo o céu com várias cores, num acontecimento que durou cerca de vinte minutos.

Ainda como manifestação do apreço da Igreja Universal pelos católicos chineses, desde o ano de 2007, Bento XVI instituiu o dia 24 de maio memória litúrgica da Virgem Maria, Auxílio dos Cristãos, como Nossa Senhora de She Shan, venerada com grande devoção no imponente Santuário que traz o mesmo nome, único local de peregrinação para os católicos chineses, autorizado pelo governo comunista.

Oração a Nossa Senhora, Auxílio dos Cristãos

Nesta ocasião, o Papa Bento XVI escreveu a seguinte oração:

“Virgem Santíssima, Mãe do Verbo encarnado e Mãe nossa, venerada com o título de «Auxílio dos cristãos» no Santuário de Sheshan, para o qual, com devoto afecto,  levanta os olhos toda a Igreja que está na China, vimos hoje junto de Vós implorar a vossa protecção.

Lançai o vosso olhar sobre o Povo de Deus e guiai-o com solicitude materna pelos caminhos da verdade e do amor, para que, em todas as circunstâncias, seja fermento de harmoniosa convivência entre todos os cidadãos.

Com o «sim» dócil pronunciado em Nazaré, Vós consentistes que o Filho eterno de Deus encarnasse no vosso seio virginal e assim desse início na história à obra da Redenção, na qual cooperastes depois com solícita dedicação, aceitando que a espada da dor trespassasse a vossa alma, até à hora suprema da Cruz, quando no Calvário permanecestes de pé junto do vosso Filho, que morria para que o homem vivesse.

Desde então tornastes-Vos, de forma nova, Mãe de todos aqueles que acolhem na fé o vosso Filho Jesus e aceitam segui-Lo carregando a própria Cruz sobre os ombros.

Mãe da esperança, que na escuridão do Sábado Santo caminhastes, com inabalável confiança, ao encontro da manhã de Páscoa, concedei aos vossos filhos a capacidade de discernirem em cada situação, mesmo na mais escura, os sinais da presença  amorosa de Deus.

Nossa Senhora de She Shan, sustentai o empenho de quantos na China continuam, no meio das canseiras diárias, a crer, a esperar, a amar, para que nunca temam falar de Jesus ao mundo e do mundo a Jesus.

Na imagem que encima o Santuário, levantais ao alto o vosso Filho, apresentando-O ao mundo com os braços abertos em gesto de amor. Ajudai os católicos a serem sempre testemunhas credíveis deste amor, mantendo-se unidos à rocha de Pedro sobre a qual está construída a Igreja. Mãe da China e da Ásia, rogai por nós agora e sempre. Amen.”


domingo, 3 de maio de 2020

Nunca se detenha!




No entardecer da nossa vida, quando o sol começar a se por, a neblina impedir ver mais do que alguns metros à nossa frente, a estrada parecer mais íngreme, não desanimemos e não queiramos voltar atrás. 

Pelo contrário, este é o momento de retomar as forças e de continuarmos a nossa caminhada, porque por detrás das dificuldades está a luz, a clareza e o sublime dos ideais que nunca morrem, das esperanças que nunca desiludem e daquelas “vozes interiores” que nos acompanham desde a infância e nos garantem a realização de todos os nossos sonhos e da nossa vocação.

Santa Teresa de Calcutá - que para além da sua dedicação aos pobres tinha um notável dom para a escrita - sobre a luta e o desânimo deixou-nos estas belas palavras:

"Tenha sempre presente que a pele enruga, o cabelo embranquece, os dias convertem-se em anos, mas o que é importante não muda. A sua força e a sua convicção não têm idade. O seu espírito é como o de uma teia de aranha qualquer. Atrás de cada conquista vem um novo desafio.

Enquanto estiver vivo, sinta-se vivo. Se sentir saudades do que fazia, volte a fazê-lo. Não viva de fotografias amareladas...

Continue, quando todos esperam que desista. Não deixe enferrujar o ferro que existe em si. Faça com que, em vez de pena, lhe tenham respeito.

Quando não conseguir correr atrás dos anos, trote. Quando não conseguir trotar, caminhe. 

Quando não conseguir caminhar, use uma bengala. Mas nunca se detenha!"


Existe uma mulher que tem algo de Deus… descrição de uma mãe




Durante muitos anos, o dia da Mãe foi celebrado em Portugal a 8 de dezembro. Contudo, porque Maio é o mês dedicado a Maria Santíssima, Mãe de Jesus Cristo e nossa Mãe, a festa passou a ser comemorada no primeiro domingo do mês de Maio.

Todos nós facilmente nos recordamos da solicitude, generosidade e bondade da nossa mãe. Contudo, a melhor descrição de uma mãe foi escrita por Dom Ramón Ángel Jara, bispo de La Serena, no Chile, distinto e renomado orador, chamado de “Cisne da eloquência sagrada”, ou o “Crisóstomo chilena”, que assim a descreve:

Retrato de uma mãe

“Existe uma mulher que tem algo de Deus, pela imensidade do seu amor, e muito de anjo, pela incansável solicitude dos seus cuidados.

Existe uma mulher, que sendo jovem, tem a ponderação de uma anciã, e na velhice, trabalha com o vigor da juventude.

Uma mulher que, se é ignorante, descobre os segredos da vida com mais acerto do que um sábio, e se é instruída, acomoda-se à simplicidade das crianças.

Uma mulher que, sendo pobre, se satisfaz com a felicidade dos que ama e, sendo rica, daria com gosto o seu tesouro para não sofrer no seu coração a ferida da ingratidão.

Uma mulher que, sendo vigorosa, se estremece com o choro de uma criança e, sendo débil, reveste-se por vezes com a bravura de um leão.

Uma mulher que, enquanto vive, não sabemos estimar, porque ao seu lado todas as dores ficam esquecidas, mas depois de mortas, daríamos tudo o que somos, ou tudo o que possuímos, para poder olhá-la de novo, ainda que por um só instante, para receber dela um único abraço, para escutar só uma palavra saída dos seus lábios.

Desta mulher, não me exijais o nome se não queirais que humedeça com lágrimas o vosso álbum, porque já a vi passar no caminho.

Quando os vossos filhos crescerem, lede-lhes esta página e eles, cobrindo de beijos a vossa fronte, dir-vos-ão que um humilde viajante, como paga da suntuosa hospedagem recebida, deixou aqui para vós e para eles este esboço do retrato da sua mãe.”

quinta-feira, 23 de abril de 2020

O que é a confiança?



Conta uma lenda francesa que Deus, ao criar a primeira mulher, confiou-lhe uma arca misteriosa e ordenou-lhe que não a abrisse. Ao ser expulsa do Paraíso Terrestre, por ter desobedecido às ordens expressas de Deus de não comer o fruto da árvore do bem e do mal, Eva levou consigo a bela arca. Um dia, levada pela curiosidade, abriu-a. Todos os bens imediatamente desapareceram, ficando apenas todos os males que deviam afligir a raça decaída. Contudo, a primeira mulher viu no fundo uma luz resplandecente e pensou: “Deus deixou-nos um dom precioso. O que será?” Tratava-se da esperança. Uma virtude que faz com que os homens vivam com os olhos postos no Céu, desejando ver a beleza de Deus, de Maria Santíssima, dos Anjos, dos Santos, conscientes de que a sua Divina Misericórdia pode perdoar e conceder a cada um o lugar que reservou no Céu para se poder repousar na Luz e na Paz, ver a reparação de todas as injustiças, a glorificação de todos os méritos escondidos e a recompensa de todos os sacrifícios cristãmente suportados.

A confiança, segundo Santo Tomás de Aquino, é uma esperança fortificada por uma sólida convicção, ou seja, ela é uma “super-esperança”.

Na nossa vida, a principal confiança que devemos ter em Deus Todo-poderoso e misericordioso é a de podermos realizar a nossa missão única, pessoal e insubstituível e alcançarmos a salvação e a glória eterna.

A “super-esperança” de Santa Teresinha

Santa Teresa do Menino Jesus num oferecimento feito do dia 9 de junho de 1895 manifestava o seu ardente desejo com estas palavras:  “Quero cumprir a Vossa vontade com perfeição e chegar ao grau de glória que preparastes para mim no vosso Reino. Numa palavra, desejo ser Santa. Sentindo a minha impotência, peço-Vos, ó meu Deus, que sejais Vós mesmo a minha santidade”. Um pouco mais tarde, nos seus manuscritos, reafirmava a sua “super-esperança”:  “Continuo a sentir a mesma confiança audaciosa de ser uma grande Santa. (…) Espero n’Aquele que é a Virtude e a própria Santidade. Só Ele, contentando-Se com os meus pequenos esforços, elevar-me-á até Ele, cobrindo-me com os seus méritos infinitos, e fará de mim uma Santa”.

Conscientes da nossa fraqueza nesta vida diária, que é um caminho sinuoso e difícil, rumo à eternidade, da qual ninguém escapa, durante o nosso peregrinar nesta Terra, olhamos à nossa volta, na esperança de encontrarmos pessoas que, com o seu testemunho de vida reta e virtuosa, nos indiquem atalhos ou simplesmente a direção correta a ser seguida.

É claro que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida e que bastaríamos segui-Lo. Contudo, por desígnios do próprio Deus, como afirmava Bento XVI, “precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia. E quem mais do que Maria poderia ser para nós Estrela de Esperança?”

“Este terço só lhe será útil se tiver confiança em Maria Santíssima”

Um fato ocorrido no ano de 1545 em São Tomé de Meliapor, com um mercador indiano, mostra como São Francisco Xavier, o Grande Apóstolo do Oriente foi para este comerciante uma verdadeira luz, a indicar o caminho da confiança em Nossa Senhora.

O negociante estava prestes a embarcar para Malaca. Conhecedor do perigo das viagens em embarcações precárias como as daquela época, quis receber a bênção de São Francisco Xavier, cuja fama de santidade já era muito difundida.

Com muita devoção, recebeu-a e, antes de partir, pediu a São Francisco Xavier um objeto que lhe recordasse aquela bênção dada em nome do único Deus verdadeiro, Uno e Trino.

Como o santo era muito pobre e não tinha nada para lhe oferecer, retirou o terço que trazia ao pescoço, osculou-o e deu-lho, dizendo: “Este terço só lhe será útil se tiver confiança em Maria Santíssima”.

O mercador ficou muito contente com a preciosa relíquia e partiu muito seguro da proteção do Céu, não temendo nem piratas, nem ventos, nem recifes, nem doenças que poderiam propagar-se a bordo.

Contudo, Deus quis provar a sua fé e a sua confiança.

Quando tinha atravessado quase inteiramente a Baía de Bengala e ia entrar no Mar de Andamão, que separa São Tomé de Meliapor de Malaca, uma furiosa tempestade partiu as velas e os mastros do navio que embateu contra as rochas, ficando inteiramente despedaçado.

Muitos marinheiros e passageiros morreram afogados. O comerciante, apesar de ter o terço nas mãos, conseguiu agarrar-se às rochas.

Ora, como se encontrava em alto mar e não tinha nada para comer, nem água doce para beber, tomou uma decisão, que só o desespero de situações semelhantes levam a tomá-la.

Recolheu algumas tábuas dos destroços do navio, juntou-as, da melhor maneira que podia, e colocou-se por cima delas, ficando à mercê das ondas, sem outra esperança, que a de encontrar correntes que o levassem para terra.

O mercador, cheio de confiança na Santíssima Virgem, segurava devotamente o rosário oferecido por São Francisco Xavier e sentia uma enorme força e a certeza de que não morreria, enquanto o tivesse nas mãos.

Assim, naquela improvisada e fragilíssima embarcação, sentiu-se como que fora de si mesmo, imaginando-se em São Tomé de Meliapor, diante do Padre Francisco Xavier, rezando o terço e pedindo proteção a Nossa Senhora.

Quando voltou a si, ficou vivamente espantado, pois encontrava-se numa costa desconhecida e já não via as tábuas da embarcação.

Sem compreender muito bem o que tinha sucedido, viu que algumas pessoas se aproximavam a correr para o socorrer. Perguntou-lhes onde estava. Ao ouvir as palavras “costa de Negapatão”, chorou de alegria e de admiração.

Com a voz emocionada, deu-se conta do milagre e da proteção de Nossa Senhora. 

Contou-lhes como Deus o tinha poupado da morte, por meio de Sua Mãe Santíssima, de maneira extraordinária. Falou-lhes da tempestade, do medo, das mortes que presenciou e mostrou-lhes o terço que tinha recebido de São Francisco Xavier e a promessa de que Nossa Senhora o ajudaria, caso tivesse confiança n’Ela.

Ora, a frase de São Francisco Xavier para o piedoso comerciante poderia muito bem ser aplicada aos nossos dias. Se tivermos fé e confiança na Mãe de Deus, que é também nossa Mãe, seremos preservados dos enormes perigos que nos circundam e sairemos vivos e vitoriosos nas adversidades, por maiores que sejam.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Quem eram os monges guerreiros da Idade Média?


Os monges-soldados “sabiam mostrar-se ao mesmo tempo mais mansos que os cordeiros e mais terríveis que os leões, a ponto de não se saber se deviam ser chamados religiosos ou soldados, ou melhor, a quem não cabia melhor designação do que a dos dois nomes juntos, monges e cavaleiros, porque sabiam combinar a doçura de uns e o valor de outros” como afirmava São Bernardo de Claraval na obra “De Laude novae militiae ad milites templi” (Em louvor da nova milícia guardiã do Templo).  

Com as cruzadas - que tinham como principal objetivo libertar o Santo Sepulcro das mãos do Sultanato de Rum, garantindo a peregrinação dos cristãos ao lugar santíssimo onde Nosso Senhor Jesus Cristo tinha sido sepultado e ressuscitado - a vida das três principais Ordens de Cavalaria - a “Ordem de São João de Jerusalém”, ou Hospitalários,  a “Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão”, ou Templários e a “Ordem dos Cavaleiros Teutónicos”, ou Teotónicos - começou a atrair milhares de intrépidos cavaleiros e piedosos católicos, que sentiam um chamamento para servir a Deus de todo o coração, com espírito religioso e militar.

Conta Joseph-François Michaud, na História das Cruzadas no, tomo II –pp. 180-181, que retirados do mundo, os monges-guerreiros não tinham outra família senão a de Jesus Cristo e uma única pátria: Jerusalém.

As alegrias, os infortúnios, os perigos, tudo era partilhado entre eles. Um só espírito dirigia todas as suas ações e todos os seus pensamentos, pois viviam com um único objetivo: libertar o Santo Sepulcro. Todos estavam reunidos numa mesma casa, que parecia habitada por um só homem. Viviam em grande austeridade. Quanto mais a disciplina era severa, mais os corações pareciam unidos. As armas eram o seu adorno. Não se encontravam ornamentos preciosos nas suas habitações, nem nas suas igrejas, porque nelas só estavam presentes lanças, escudos e estandartes tomados dos inimigos.

À aproximação do combate, diz São Bernardo, armavam-se, interiormente, com a Fé e exteriormente com o ferro. Não temiam nem o número, nem o furor dos adversários. Sentiam-se altivos quando venciam, pois sabiam que toda a vitória vem de Deus. Mas se morressem não ficavam tristes, pois confiavam na misericórdia divina.

Para os monges-guerreiros, a religião tinha santificado os perigos e as violências da guerra. Quem passasse por algum dos seus mosteiros na Palestina sentia-se numa fortaleza, onde o ruído das armas se misturava com o cântico do Ofício divino, das Missas e das orações.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

O significado das representações de um homem, uma águia, um touro e um leão nas igrejas



Como interpretar as imagens de um homem, uma águia, um touro ou novilho e um leão, presentes nos pórticos de várias catedrais e em várias pinturas?

De acordo com vários escritos do século XII, eles tinham três significados. Eles representavam os Evangelistas, o próprio Salvador do mundo, Nosso Senhor Jesus Cristo e as virtudes necessárias para se alcançar a felicidade eterna.

Representam os evangelistas

Inicialmente, estas imagens simbolizavam apenas os Evangelistas.

*São Mateus tem por atributo o homem, porque começou o seu Evangelho pela lista genealógica dos antepassados de Jesus Cristo, segundo a carne.

*O leão designa São Marcos, que desde as suas primeiras linhas, fala da voz que clama no deserto.

*O touro ou novilho, animal do sacrifício, designa São Lucas, que inicia o seu Evangelho com o sacrifício de Zacarias.

*A águia, enfim, é a figura de São João, porque desde o início, ele transporta-nos ao seio da divindade, semelhante à águia que, única entre todos os animais, ousa contemplar o sol face à face.

Representam Jesus Cristo

Contudo a teologia começou a interpreta-los também como um símbolo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem meditar sobre a vida do Redentor nela encontrará quatro grandes momentos, correspondendo a quatro grandes mistérios.

Sigamos a mesma ordem estabelecida na explicação anterior para os Evangelistas.

+ O homem lembra a Encarnação do Verbo pela qual Jesus Cristo Se fez realmente carne.

+O touro ou novilho, vítima da antiga Lei, faz pensar na Paixão, no sacrifício que o Senhor do Céu e da Terra fez da sua vida para resgatar a humanidade pecadora.

+O leão, símbolo da Ressurreição – acreditava-se no mundo antigo que o leão dormia com os olhos abertos, porque ele rugia sobretudo à noite – ou ainda figura Nosso Senhor na sepultura, onde parecia estar adormecido na morte, mas a sua Divindade velava.

+E, por fim, a águia que é a figura da Ascensão, quando Jesus Se elevou ao Céu, como a águia sobre até às nuvens.

Ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo foi homem quando nasceu, touro quando foi sacrificado na Cruz e morreu, leão quando ressuscitou e águia quando subiu aos Céus.

Indicam as virtudes necessárias para a salvação eterna

Ainda no ramo da teologia, as quatro imagens têm um outro significado. Elas exprimem as virtudes necessárias para a salvação. O bom católico, trilhando o caminho da santidade e da perfeição, deve ser ao mesmo tempo homem, touro, leão e águia.

- Deve ser homem, porque é um animal racional. Só quem caminha na via da reta razão, merece o nome de homem.

- Deve ser touro, porque o touro é a vítima imolada nos sacrifícios. E o verdadeiro católico, renunciando aos prazeres deste mundo, imola-se a si mesmo.

- Deve ser leão, porque o leão é o animal corajoso por excelência. E o justo, que renunciou a tudo, nada teme neste mundo.

- Finalmente, deve ser águia, porque a águia voa nas alturas e olha o sol sem baixar os olhos, exatamente como o católico deve contemplar as coisas eternas, sem se preocupar com as coisas materiais deste mundo.

Estes significados do homem, do touro, do leão e da águia correspondem ao ensinamento da Igreja Católica sobre a representação dos Evangelistas. A aplicação das figuras a Nosso Senhor Jesus Cristo e às virtudes necessárias para se entrar no Céu foi pregada até o período da Revolução protestante, quando muitos ensinamentos da teologia mística foram relegados ao mais profundo esquecimento.

(Cfr. L’art religieux du XIIe siècle en France, Emile Mâle, pp. 86-89)

domingo, 19 de abril de 2020

Idade Média: A procura de Deus, invisível, através das coisas visíveis


Na Idade Média, como viam os homens a natureza e o mundo?

Para os medievais, o universo, composto por uma infinidade de seres, cada um com vários significados, podia ser comparado a um livro imenso, escrito e ilustrado pelo próprio Deus.

O ignorante fita-o e é instruído pelas suas imagens e figuras.

O sábio, contudo, consegue perceber nas coisas visíveis o invisível, lendo assim o pensamento de Deus.

A ciência, por sua vez, não consiste em estudar as coisas em si mesmas, mas em penetrar os ensinamentos que Deus pôs em cada uma delas para instruir os homens.

A rosa

Encontramos um exemplo desta ligação entre o natural e o sobrenatural em Pedro de Mora, Bispo de Cápua. Ao contemplar as rosas do seu jardim, o prelado enterneceu-se, não com a beleza simples e pagã, mas com o seguinte pensamento: “ A rosa representa a legião dos mártires, ou ainda, o coro das virgens. Quando são vermelhas, assumem a cor do sangue daqueles que morreram pela Fé e quando são brancas, reproduzem a pureza virginal. A rosa nasce no meio dos espinhos, como os mártires se elevam no meio dos hereges e perseguidores, ou como uma virgem pura resplandece no meio da iniquidade”.

A pomba

Passando do reino vegetal ao animal, vejamos o que diz Hugo de Saint-Victor, que compara a pomba à Santa Igreja. “A pomba, afirmava, tem duas asas. Também os homens têm dois estilos de vida: ativo e a contemplativo. As suas penas brancas e azuis indicam o pensamento do Céu. As diferentes variações de cores do resto do corpo fazem pensar num mar agitado, simbolizando o oceano de paixões humanas em que navega a Igreja”.

Continuando ainda com a metáfora da pomba, o filósofo medieval perguntava-se: “Porquê os olhos da pomba são de um belo amarelo-dourado? Porque o amarelo é a cor dos frutos maduros, a cor da experiência e da maturidade. Os olhos da pomba significam o olhar cheio de sabedoria que a Igreja lança sobre o futuro.  Finalmente, a pomba tem patas avermelhadas, porque a Igreja caminha no mundo com os pés embebidos no sangue dos seus mártires”.

As pedras preciosas

No campo do reino mineral, Dom Marbode, bispo de Rennes, considerava a existência de misteriosas consonâncias entre as cores das pedras preciosas com a alma humana. “O berilo, por exemplo, brilha como a água que reflete o sol e aquece a mão que o segura. Ora, não é esta a imagem exata do cristão iluminado e aquecido até às suas profundezas pelo Sol, que é Jesus Cristo?" 

"O vermelho do rubi, afirma o prelado, parece refletir chispas de fogo. Ele não é a imagem dos mártires, que derramam o seu sangue e rezam pelos seus algozes?”

As estações do ano

Para os medievais, o sol, a lua, as constelações, a luz, as estações do ano, enfim, tudo no mundo tinha um símbolo, como já afirmamos.

Como interpretavam, por exemplo, o inverno, quando os dias diminuem tristemente e  quando luz parece ter sido vencida e a noite resolvida a triunfar para sempre?

Para eles, o inverno simbolizava os longos séculos de trevas que precederam a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, cujo nascimento deu-se exatamente no solstício de inverno, no momento em que a Luz reapareceu no mundo.

Como a vida natural está ligada à vida espiritual, o ano é todo ele feito à imagem do homem.

Assim, a primavera, que renova o mundo, é a imagem do Batismo que renova o homem no alvorecer da vida. O verão, com o calor e a luz resplandecente, leva-nos a imaginar a luz do Céu, o brilho do amor de Deus na vida eterna. O outono, estação das colheitas e das vindimas, simboliza o temível Juízo final, o grande dia em que colheremos o que tivermos semeado durante a nossa vida. Por fim, o inverno que é a figura da morte, o futuro do homem e do mundo visível.

Apenas pelos pequeníssimos exemplos acima descritos, podemos ter uma noção de como era diferente, por exemplo, um momento de lazer ou o passeio de um medieval, com o pensamento em Deus e no Céu, e as nossas caminhadas, durante as quais sonhamos com prazeres terrenos que não nos satisfazem inteiramente e que não nos ajudam a progredir no amor de Deus e do próximo …

Cfr. Emile Mâle, L’art religieux du XIII siècle en France, pp. 78-81