Aos 16 anos, a irmã
Juliana teve a primeira visão, que se repetiu mais vezes nas suas Adorações Eucarísticas.
Nelas, a religiosa via a lua no seu pleno esplendor, atravessada diametralmente
por uma faixa escura.
Mais tarde conseguiu
compreender o significado das aparições. A lua simbolizava a vida da Igreja
sobre a terra e a linha opaca representava a ausência de uma festa litúrgica,
na qual os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a Fé, avançar na
prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento.
Durante cerca de quatro
anos, Juliana conservou em segredo as visões, que trazidas à memória, aumentavam
o seu já grande desejo de adorar Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiramente
presente na Eucaristia com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Já priora do
Convento, confiou o seu segredo a duas outras irmãs, fervorosas adoradoras da
Eucaristia, a beata Eva, que levava uma vida eremítica, e Isabella. As três
fizeram uma espécie de "aliança espiritual", com o propósito de
glorificar o Santíssimo Sacramento.
Duras
provações de Santa Juliana
Esta santa irmã, apesar
das contínuas solicitações de Deus, antevendo as enormes dificuldades que
encontraria pela frente e julgando-se incapaz de as superar, só começou a
mover-se vinte anos depois das revelações, quanto contou tudo a seu confessor, Padre
Giovanni di Losanna, cónego da igreja de São Martinho de Liège, homem estudioso
e piedoso. Este por sua vez, começou por indagar os teólogos e as autoridades
eclesiásticas sobre instituição de uma festa ao Santíssimo Corpo e Sangue de
Jesus. Todos aprovaram e julgaram ser o pedido uma verdadeira inspiração
divina.
Entretanto, mal os
habitantes da cidade souberam da instituição de uma festa proposta por uma
religiosa local, várias vozes contrárias levantaram-se, fazendo com que todo o
Capítulo da Catedral e quase todo o clero se manifestasse contrário a tal
devoção.
A santa religiosa, que
garantia ter recebido a revelação do Céu, passou a ser tratada como uma
visionária, que provocava confusão na Igreja e foi, por isso, violentamente
expulsa do seu convento.
Mas, Deus não lhe tinha inspirado
uma prática tão santa para depois a deixar sucumbir às maquinações infernais
contra ela.
O bispo de Liège, Dom Roberto
di Thourotte, examinou profundamente a questão e após hesitações iniciais, só
encontrou aspectos bons e santos na proposta da Irmã Juliana. Assim, aprovou no
ano de 1246 que esta festa fosse instituída na sua diocese. Pouco tempo depois
da aprovação deste prelado, vários outros bispos das regiões vizinhas adotaram-na
e aos poucos foi sendo introduzida em toda a Igreja.
O Papa Urbano IV autorizou-a
com bula “Transiturus de Hoc Mundo” de 11 de agosto de 1264, na qual afirmava:
“Cristo,
nosso salvador, deixando este mundo para ascender ao Pai, pouco antes da sua
Paixão, na Última Ceia, instituiu, em memória da sua morte, o Sacramento
supremo e magnífico do Seu Corpo e Sangue, dando-nos o Corpo como comida e o
sangue como bebida.
Sempre
que comemos este pão e bebemos deste cálice, anunciamos a morte do Senhor,
porque Ele disse aos Apóstolos durante a instituição deste Sacramento:
"Faça isso em memória de Mim", para que este Sacramento excelso e
venerável seja para nós a principal e mais insigne recordação do grande amor
com que Ele nos amou. Memorial admirável e maravilhoso, doce e suave, caro e
precioso, em que se renovam os prodígios e maravilhas; nele se encontram todas
as delícias e os sabores mais delicados. Experimenta-se nele a mesma doçura do
Senhor e, acima de tudo, obtém-se força para a vida e para a salvação.
É um
memorial dulcíssimo, sacrossanto e salutar, no qual renovamos a nossa gratidão
pela nossa Redenção, afastamo-nos do mal, fortalecemo-nos no bem e progredimos
na aquisição das virtudes e da graça, confortamo-nos pela presença corporal do
nosso Salvador, pois nesta comemoração sacramental de Cristo, Ele está presente
no meio de nós, com uma forma distinta, mas na sua verdadeira substância.
Pois
antes de subir ao céu, Ele disse aos Apóstolos e aos seus sucessores:
"Estou sempre convosco, até à consumação do mundo", e consolou-os com
a salutar promessa de que permaneceria também com eles, através da sua presença
corporal.
Monumento
verdadeiramente digno de não ser esquecido, com o qual lembramos que a morte
foi vencida, que a nossa ruína foi destruída pela morte d’Aquele que é a própria
vida, que uma árvore cheia de vida foi enxertada numa árvore de morte para
produzir frutos de salvação!
É um
memorial glorioso que enche de alegria as almas dos fiéis, infunde alegria e faz
brotar lágrimas de devoção. Enchemo-nos de gozo ao pensar na Paixão do Senhor,
pela qual fomos salvos, mas não podemos conter o choro. Diante desta recordação
sacrossanta, sentimos em nós uma alegria e um entusiasmo crescentes, alegres no
choro cheio de amor, emocionados pelo gozo devoto; nossa dor é temperada pela
alegria; nossa alegria mistura-se com o choro e o nosso coração transborda de
alegria, desfazendo-se em lágrimas.
Grandeza
infinita de amor divino, imensa e divina piedade, copiosa efusão celestial!
Deus deu-nos tudo no momento em que Se submeteu aos nossos pés e confiou-nos o
domínio supremo de todas as criaturas na terra. Enobrece e sublima a dignidade
dos homens através do ministério dos espíritos mais selecionados. Pois todos
eles foram destinados a exercer o ministério a serviço daqueles que receberam a
herança da salvação.
E tendo
sido tão vasta a magnificência do Senhor para connosco, querendo mostrar-nos
ainda mais o Seu amor infinito, numa efusão, ofereceu-Se a si mesmo e superando
as maiores generosidades e toda a medida de caridade, entregou-Se como alimento
sobrenatural.
Singular
e admirável liberalidade, na qual o doador vem à nossa casa, e o dom e Quem dá
são a mesma coisa! Na verdade, é uma generosidade sem fim d’Aquele que se dá a
Si mesmo e de tal maneira aumenta a sua disposição afetuosa que, distribuída numa
grande quantidade de dons, transborda e retorna ao doador, tanto maior quanto
mais amplamente se tenha difuso.
Assim, o
Salvador foi dado como alimento; Ele quis que, da mesma maneira que o homem foi
sepultado na ruína pelo alimento proibido, voltasse a viver por um alimento bendito;
o homem caiu pelos frutos de uma árvore da morte e ressuscita por um pão da
vida. Daquela árvore pendia um alimento mortal, nesta encontra um alimento de
vida; aquele fruto trouxe o mal, este cura; um apetite mau fez o mal, e uma
fome diferente gera o bem; chegou o remédio onde a doença tinha invadido; de
onde veio a morte, chega a vida.
Daquele
primeiro alimento, dizia-se: "No dia em que dele comerdes, morrerás";
do segundo, está escrito: "Quem come este pão viverá para sempre".
É um
alimento que verdadeiramente restaura e nutre, sacia no mais alto grau não o
corpo, mas o coração; não a carne, mas o espírito; não as vísceras, mas a alma.
O homem tinha necessidade de um alimento espiritual, e o misericordioso
Salvador proveu, com piedosa atenção, o alimento da alma com o melhor e mais
nobre manjar.
A
generosa liberalidade elevou-se à altura da necessidade, e a caridade igualou-se
a conveniência, de modo que o Verbo de Deus feito carne, que é um manjar e
alimento das criaturas racionais, deu-Se como alimento à mesmas criaturas, isto
é, para a carne e o corpo do homem. O homem, então, come o Pão dos Anjos do
qual o Salvador disse: "Minha carne é verdadeira comida e Meu sangue é verdadeira
bebida". Este manjar toma-se, mas não se consume; come-se, mas não se
modifica, pois não se transforma naquele que o come, mas recebe-se dignamente,
fazendo quem o consome semelhante a Ele. Excelso e venerável Sacramento, amável
e adorado, sois digno de ser celebrado, exaltado com os mais emotivos louvores,
pelos cânticos inspirados, pelas mais íntimas fibras da alma, pelos mais
devotos obséquios, sois digno de ser recebido pelas almas mais puras!
Glorioso
memorial, deverias ser mantido entre os batimentos cardíacos mais profundos,
impresso indelevelmente na alma, trancado nas intimidades do espírito, honrado
com a piedade mais assídua e dedicada!
Dirijamo-nos
sempre a tão grande sacramento para nos lembrarmos em todos os momentos d’Aquele
de quem deveríamos ter a perfeita recordação, e foi (sabemo-lo). Pois,
recordamos mais daquela pessoa, cuja casa e presentes constantemente
contemplamos.
Embora este
Sacramento Sagrado seja celebrado todos os dias no rito solene da Missa,
acreditamos, contudo, ser útil e digno que se celebre, pelo menos uma vez por
ano, uma festa mais solene, especialmente para confundir e contrariar a
hostilidade dos hereges.
Pois na Quinta-feira
santa, o dia em que Cristo o instituiu, a Igreja universal, ocupada com a confissão
dos fiéis, como mandato do lava-pés e em muitas outras cerimónias sagradas, não
pode dar total atenção à celebração deste grande Sacramento.
Do mesmo
modo que a Igreja comemora os santos, que são venerados durante o ano nas ladainhas,
nas Missas e nas outras funções, e a sua memória é renovada com grande
frequência, recordando também o seu nascimento, em certos dias, com mais
solenidade e celebrações especiais. E como nestas festas, os fiéis as vezes omitem
alguns dos seus deveres por negligência ou ocupações mundanas, ou também por
fragilidade humana, a Santa Madre Igreja estabelece um dia específico para a
comemoração de Todos os Santos, provendo nesta celebração comum o que foi
negligenciado nas particulares.
Tanto
mais, é necessário cumprir esse dever para com o admirável Sacramento do Corpo
e Sangue de Cristo que é a glória e a coroa de todos os Santos, para que brilhe
numa festividade e solenidade especiais. (…) Também ouvimos dizer, quando
estávamos desempenhando um cargo mais modesto, que Deus havia revelado a alguns
católicos que era necessário celebrar essa festa em toda a Igreja (referindo-se
a Santa Juliano de Cornillon). Portanto, acreditamos ser apropriado
estabelecê-la para que, de maneira digna e razoável, a Fé Católica seja
vitalizada e exaltada.
Que todo
ano, então, seja celebrada uma festa especial e solene de um Sacramento tão
grande, além da comemoração diária que a Igreja faz dela, e estabelecemos um
dia fixo para ela, a primeira quinta-feira após a oitava de Pentecostes.
Estabelecemos também que, no mesmo dia, multidões de fiéis devem reunir-se nas
igrejas devotas, com generosidade de afeto, e todo o clero e o povo, alegres,
cantem louvores, para que os lábios e os corações encham-se de santidade e
alegria; cante a Fé, traga a Esperança, exulte a Caridade; a devoção palpite,
exale pureza; Que os corações sejam sinceros.”
Milagres eucarísticos
O Pontífice quis dar o
exemplo e celebrou a solenidade de Corpus Domini em Orvieto, cidade onde
morava. Foi também por ordem de Urbano IV que, na Catedral da Cidade,
conservou-se – e conserva-se ainda – o célebre corporal com os traços do
milagre eucarístico ocorrido um ano antes, em 1263, em Bolsena. Um sacerdote,
enquanto consagrava o pão e o vinho, foi tomado por fortes dúvidas sobre a
presença real do Corpo e do Sangue de Cristo no Sacramento da Eucaristia.
Milagrosamente, algumas gotas de sangue começaram a fluir da Hóstia consagrada,
confirmando, desse modo, aquilo que a nossa fé professa.
Urbano IV pediu a um dos
maiores teólogos da história, São Tomás de Aquino – que naquele tempo
acompanhava o Papa e encontrava-se em Orvieto –, para compor os textos do
ofício litúrgico dessa grande festa, usados ainda hoje, constituindo uma
obra-prima, fundada na teologia e na poesia.
Mais tarde Clemente V, em
1311, confirmou a festa do Corpo e Sangue de Cristo, no segundo Concílio de
Vienne. Em todos os lugares onde ela começou a ser celebrada, houve grande
contestação, o que tornou o seu triunfo infinitamente mais belo!
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