Na igreja dos Frades Menores de Cortona, uma jovem, em lágrimas,
encontrava-se ajoelhada. O seu olhar fixava um crucifixo. O seu rosto
expressava vergonha, arrependimento e um desejo enorme de obter perdão, que ela
não ousava sequer pedir. E eis que uma voz misericordiosa saiu dos lábios
expirantes de Nosso Senhor Jesus Cristo e fizeram-se ouvir por esta alma
desolada:
-- “O que queres, pobrezinha?”
E ela, sem hesitação, respondeu:
-- “Não procuro e não quero nada de Vós, Senhor Jesus!”
A “pobrezinha” merecia bem este nome. Ela não possuía nada,
nem riquezas terrenas, nem celestes. Mas longe das primeiras, ela acumularia tesouros
que não enferrujam, que os vermes não devoram, nem os ladrões não podem levar.
Ela chamava-se Margarida e tinha vinte e seis anos.
Seu pai, Tancredo era um modesto agricultor de Laviano, uma pequena
cidade da Umbria, não longe do Lago Trasimeno.
Sua mãe, mulher piedosa, educou-a com verdadeiros sentimentos
religiosos.
Aos sete anos, contudo, ficou órfã de mãe e seu pai voltou a
casar-se com uma senhora mesquinha, de coração duro.
Assim, Margarida não tardou a procurar fora de casa uma
diversão que lhe permitisse fugir dos seus aborrecimentos. Aos quinze anos, era
uma jovem de grande beleza, mais amiga do prazer do que bela. Viva e abandonada
a si mesmo, ela seria a presa do primeiro homem que soubesse tocar o seu
coração.
Aos dezassete anos, conheceu Guilherme del Pecora, filho do
senhor de Valiano que, prometendo casar com ela, conseguiu seduzi-la, levando-a
para a villa Palazzi, pouco distante de Montepulciano.
O casamento não se deu, mas a infeliz consentiu em permanecer na
casa do seu sedutor e tiveram um filho. Guilherme tratava-a bem com carinho e
admiração, chegando até a formar uma espécie de pequena corte de amigos, na
qual ela era uma rainha muito querida.
No meio desta alegria humana, eis que Margarida ouviu a voz da
sua consciência falar mais alto: “Em Montepulciano, perdi tudo, afirmou mais
tarde: honra, dignidade, paz, tudo, menos a Fé”. Foi a sua Fé, sempre viva, que
lhe levou a pensar em certa ocasião em que se encontrava sozinha: “Como estaria
bem aqui! Como seria bom se eu rezasse e fizesse penitência!”
Apesar destes problemas de consciência, do seu secreto
desgosto e dos apelos da graça, Margarida continuou no seu pecado. Para a fazer
sair, era preciso um raio estrondoso. E Deus, que queria muito esta alma,
enviou-lhe.
Como acontecia com certa regularidade, Guilherme decidiu fazer
uma curta viagem.
Passados dois dias, Margarida viu aproximar-se dela o cão que
acompanhava sempre o senhor de Valiano. O animal puxou-lhe a saia e começou a ladrar
de maneira estranha. Inquieta, seguiu-o. O animal levou-a à floresta de
Patrignano, perto de um carvalho. Ali, sob um amontoado de folhas, a jovem
descobre o cadáver, já em estado de decomposição, do seu sedutor. Assaltantes o
tinham cravado de golpes de espada, roubado e escondido o corpo sob a folhagem.
Diante deste cenário, toda a sua fé voltou a iluminar o seu coração e a sua
cabeça. As suas lágrimas correram em abundância.
Voltou apressadamente para a cidade e tomou uma rápida e
decisiva resolução: abandonaria as suas ricas vestes, voltaria a colocar a sua
roupa de camponesa e, com o seu filho nos braços, dirigiu-se a Laviano, em
direção à casa paterna.
Apesar de dezanove anos se terem passado, o rancor da madrasta
mantinha-se intacto, a ponto de exigir de Tancredo que não abrisse a porta à
filha. De cabeça baixa, Margarida afastou-se sem palavras e, no jardim, chorou
de vergonha.
Eis que uma tentação lhe veio ao espírito:
-- “Já que foste rejeitada pelo teu próprio pai, porque tentar
uma vida que não te trará senão dores? Jovem, bela, conhecida pelos teus
charmes, graça e encanto, não demorarias em encontrar um protetor que te
pudesse dar dinheiro, como forma de pagamento pela tua desonra”.
Neste assalto do demónio, a graça manifestou-se de maneira
ainda mais forte. Convencida de que, com a ajuda de Deus, poderia viver,
decidiu: “Prefiro mendigar meu pão, a retornar à minha vida passada. Se meu pai
da terra me rejeita, meu Pai do Céu me acolherá!”. Levantou-se e ouviu uma voz
interior que lhe disse: “Vai até Cortona e procura pelos Frades Menores!”
Rapidamente, apesar dos dezanove quilómetros que era preciso
percorrer a pé, tomou a estrada montanhosa de Cortona.
Enquanto Margarida, carregando o seu filho nos braços, subia
as ruas escarpadas da cidade, duas nobres senhoras, Marinaria e Raneria
Moscori, ficaram tocadas com as lágrimas e o ar de perdida da pobre infeliz.
Aproximaram-se, interrogaram-na, deram-se conta do que se estava a passar e,
associando-se à obra divina, não apenas guiaram Margarida até ao convento dos
Frades Menores, como impuseram como condição que passasse a morar na casa delas.
Sem dúvida, foram as irmãs Moscori que escolheram o Padre Bevegnati para se
ocupar da sua alma. Ele confessou, dirigiu espiritualmente, assistiu-a na morte
e, finalmente foi o primeiro a contar a sua conversão e a história da sua vida
santa.
Sob a sua forte e misericordiosa direção, Margarida fez enormes
progressos. Se o Frade Menor, no começo, pensou dever exaltar a sua penitente à
humildade, contrição, ao sofrimento, apercebeu-se rapidamente que deveria suspender
o seu apetite de reparação. O verdadeiro mestre da sua alma, comentava o sacerdote,
foi seu Deus Crucificado. A Cruz foi desde o começo onde mais aprendia. A pobre
senhora que só O queria entregar-se inteiramente ao abandono absoluto e só
tinha um desejo: chorar as suas faltas e repará-las, perdendo-se na humilhação
e na dor.
Margarida cortou o seu cabelo e, se a obediência não a tivesse
impedido, teria desfigurado a sua face com uma navalha. Passou a vestir-se como
uma mendiga e na casa de Marinaria Moscari onde viveu, só comia pão, legumes e
bebia água, infligindo-se múltiplas práticas de penitência corporal. Mais
ainda, preferia que lhe chamassem de “grande ou pobre pecadora”, mantendo os
seus olhos sempre baixos.
De tal maneira queria reparar os seus pecados que pediu ao
Padre Bevegnati a autorização para ser conduzida pelas ruas de Montepulciano, que
a tinham visto elegantemente vestida e triunfante, com a cabeça raspada,
vestida com trapos e corda ao pescoço, enquanto uma mulher, que a acompanhasse,
gritasse: “Eis aqui a infame pecadora que pelo seu orgulho e os seus escândalos
perdeu tantas almas nesta cidade!”.
O sacerdote não permitiu, mas aceitou que fizesse as pazes com
as pessoas da sua cidade natal. Um domingo, na igreja de Laviano, em pranto,
confessou publicamente os seus pecados, pedindo perdão pelas suas loucas
vaidades. A assembleia emocionou-se e prometeu não recordar o seu passado, mas
de guardar a memória de um impressionante arrependimento.
Enquanto se penitenciava, Margarida assistiu os doentes e os
pobres. Ela mesma pedia esmola na rua para aliviar as suas dores e conseguiu criar
um Hospital da Misericórdia e abrir uma casa de acolhimento aos peregrinos, que
abundavam naquela época. Com a ajuda dos Frades Menores, conseguiu fundar até
uma congregação de mulheres que assistiam as necessidades dos hospitalizados.
Mesmo nos dias de grande atividade caritativa, permanecia
longas horas em oração, prosternada na igreja dos Frades Menores, diante de um Crucifixo
que lhe falhou milagrosamente. Os seus êxtases multiplicaram-se: Deus revelou-lhe
que os seus pecados tinham sido perdoados e dizia-lhe que a destinava a ser “uma
prova de que estava sempre pronto para abrir os braços da sua misericórdia para
o filho pródigo que regressava à casa com a sinceridade do seu coração”.
Finalmente, Deus manifestou-lhe a sua vontade de vê-la numa
solidão mais profunda, designando-lhe um lugar: uma cabana contruída numa das
inclinações que permitem o escoamento das águas da cidade de Cortona, contigua
a um santuário beneditino, dedicado a São Basílio, o Grande. Foi para ali,
seguindo as ordens de Deus, que no ano de 1288, rompendo todas as relações que
tinha com o mundo, instalou-se. Desde então, viveu na contemplação, passando
por várias provas, que Deus nunca deixa de enviar às almas chamadas a uma elevada
santidade, como também por muitas consolações.
Ela ouviu, certo dia, o Divino Mestre perguntar-lhe, como a
Pedro:
-- Margarida, amas-me?
-- Ah! Senhor, respondeu-lhe, não somente amo-Vos, como
gostaria de habitar no Vosso Coração.
-- Penetrai nele, então, respondeu-lhe Jesus, e que Ele seja o
teu refúgio!
Numa outra ocasião, ordenou-lhe, como ao Apóstolo São Tomé, de
colocar o seu dedo nas chagas das suas Divinas Mãos e, de repente, brilhantes e
resplandecentes de luz, viu as chagas do Costado e o seu Coração, ferido de
amor por ela.
Margarida viveu no recolhimento e isolamento durante oito anos
inteiros, até que no dia 3 de janeiro de 1297, um Anjo anunciou-lhe que no dia
22 de fevereiro, depois do inverno, começaria para ela a primavera eterna do
Paraíso. A doença tomou conta do seu corpo, tão mortificado. Desde o dia 5 de
fevereiro, já não conseguiu tomar outro alimento que a Sagrada Eucaristia. E no
dia 22, pela manhã, tendo recebido os sacramentos, rendeu o último suspiro,
enquanto um Santo contemplativo de Città del Castello, viu-a elevar-se ao Céu,
sob a forma de um globo de fogo, acompanhada por uma escolta de almas saídas do
Purgatório, por causa das suas penitências e os seus méritos.
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