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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Santa Margarida de Cortona, uma santa penitente

 


Na igreja dos Frades Menores de Cortona, uma jovem, em lágrimas, encontrava-se ajoelhada. O seu olhar fixava um crucifixo. O seu rosto expressava vergonha, arrependimento e um desejo enorme de obter perdão, que ela não ousava sequer pedir. E eis que uma voz misericordiosa saiu dos lábios expirantes de Nosso Senhor Jesus Cristo e fizeram-se ouvir por esta alma desolada:

-- “O que queres, pobrezinha?”

E ela, sem hesitação, respondeu:

-- “Não procuro e não quero nada de Vós, Senhor Jesus!”

A “pobrezinha” merecia bem este nome. Ela não possuía nada, nem riquezas terrenas, nem celestes. Mas longe das primeiras, ela acumularia tesouros que não enferrujam, que os vermes não devoram, nem os ladrões não podem levar.

Ela chamava-se Margarida e tinha vinte e seis anos.

Seu pai, Tancredo era um modesto agricultor de Laviano, uma pequena cidade da Umbria, não longe do Lago Trasimeno.

Sua mãe, mulher piedosa, educou-a com verdadeiros sentimentos religiosos.

Aos sete anos, contudo, ficou órfã de mãe e seu pai voltou a casar-se com uma senhora mesquinha, de coração duro.

Assim, Margarida não tardou a procurar fora de casa uma diversão que lhe permitisse fugir dos seus aborrecimentos. Aos quinze anos, era uma jovem de grande beleza, mais amiga do prazer do que bela. Viva e abandonada a si mesmo, ela seria a presa do primeiro homem que soubesse tocar o seu coração.

Aos dezassete anos, conheceu Guilherme del Pecora, filho do senhor de Valiano que, prometendo casar com ela, conseguiu seduzi-la, levando-a para a villa Palazzi, pouco distante de Montepulciano.

O casamento não se deu, mas a infeliz consentiu em permanecer na casa do seu sedutor e tiveram um filho. Guilherme tratava-a bem com carinho e admiração, chegando até a formar uma espécie de pequena corte de amigos, na qual ela era uma rainha muito querida.

No meio desta alegria humana, eis que Margarida ouviu a voz da sua consciência falar mais alto: “Em Montepulciano, perdi tudo, afirmou mais tarde: honra, dignidade, paz, tudo, menos a Fé”. Foi a sua Fé, sempre viva, que lhe levou a pensar em certa ocasião em que se encontrava sozinha: “Como estaria bem aqui! Como seria bom se eu rezasse e fizesse penitência!”

Apesar destes problemas de consciência, do seu secreto desgosto e dos apelos da graça, Margarida continuou no seu pecado. Para a fazer sair, era preciso um raio estrondoso. E Deus, que queria muito esta alma, enviou-lhe.

Como acontecia com certa regularidade, Guilherme decidiu fazer uma curta viagem.

Passados dois dias, Margarida viu aproximar-se dela o cão que acompanhava sempre o senhor de Valiano. O animal puxou-lhe a saia e começou a ladrar de maneira estranha. Inquieta, seguiu-o. O animal levou-a à floresta de Patrignano, perto de um carvalho. Ali, sob um amontoado de folhas, a jovem descobre o cadáver, já em estado de decomposição, do seu sedutor. Assaltantes o tinham cravado de golpes de espada, roubado e escondido o corpo sob a folhagem. Diante deste cenário, toda a sua fé voltou a iluminar o seu coração e a sua cabeça. As suas lágrimas correram em abundância.

Voltou apressadamente para a cidade e tomou uma rápida e decisiva resolução: abandonaria as suas ricas vestes, voltaria a colocar a sua roupa de camponesa e, com o seu filho nos braços, dirigiu-se a Laviano, em direção à casa paterna.

Apesar de dezanove anos se terem passado, o rancor da madrasta mantinha-se intacto, a ponto de exigir de Tancredo que não abrisse a porta à filha. De cabeça baixa, Margarida afastou-se sem palavras e, no jardim, chorou de vergonha.

Eis que uma tentação lhe veio ao espírito:

-- “Já que foste rejeitada pelo teu próprio pai, porque tentar uma vida que não te trará senão dores? Jovem, bela, conhecida pelos teus charmes, graça e encanto, não demorarias em encontrar um protetor que te pudesse dar dinheiro, como forma de pagamento pela tua desonra”.

Neste assalto do demónio, a graça manifestou-se de maneira ainda mais forte. Convencida de que, com a ajuda de Deus, poderia viver, decidiu: “Prefiro mendigar meu pão, a retornar à minha vida passada. Se meu pai da terra me rejeita, meu Pai do Céu me acolherá!”. Levantou-se e ouviu uma voz interior que lhe disse: “Vai até Cortona e procura pelos Frades Menores!”

Rapidamente, apesar dos dezanove quilómetros que era preciso percorrer a pé, tomou a estrada montanhosa de Cortona.

Enquanto Margarida, carregando o seu filho nos braços, subia as ruas escarpadas da cidade, duas nobres senhoras, Marinaria e Raneria Moscori, ficaram tocadas com as lágrimas e o ar de perdida da pobre infeliz. Aproximaram-se, interrogaram-na, deram-se conta do que se estava a passar e, associando-se à obra divina, não apenas guiaram Margarida até ao convento dos Frades Menores, como impuseram como condição que passasse a morar na casa delas. Sem dúvida, foram as irmãs Moscori que escolheram o Padre Bevegnati para se ocupar da sua alma. Ele confessou, dirigiu espiritualmente, assistiu-a na morte e, finalmente foi o primeiro a contar a sua conversão e a história da sua vida santa.

Sob a sua forte e misericordiosa direção, Margarida fez enormes progressos. Se o Frade Menor, no começo, pensou dever exaltar a sua penitente à humildade, contrição, ao sofrimento, apercebeu-se rapidamente que deveria suspender o seu apetite de reparação. O verdadeiro mestre da sua alma, comentava o sacerdote, foi seu Deus Crucificado. A Cruz foi desde o começo onde mais aprendia. A pobre senhora que só O queria entregar-se inteiramente ao abandono absoluto e só tinha um desejo: chorar as suas faltas e repará-las, perdendo-se na humilhação e na dor.

Margarida cortou o seu cabelo e, se a obediência não a tivesse impedido, teria desfigurado a sua face com uma navalha. Passou a vestir-se como uma mendiga e na casa de Marinaria Moscari onde viveu, só comia pão, legumes e bebia água, infligindo-se múltiplas práticas de penitência corporal. Mais ainda, preferia que lhe chamassem de “grande ou pobre pecadora”, mantendo os seus olhos sempre baixos.

De tal maneira queria reparar os seus pecados que pediu ao Padre Bevegnati a autorização para ser conduzida pelas ruas de Montepulciano, que a tinham visto elegantemente vestida e triunfante, com a cabeça raspada, vestida com trapos e corda ao pescoço, enquanto uma mulher, que a acompanhasse, gritasse: “Eis aqui a infame pecadora que pelo seu orgulho e os seus escândalos perdeu tantas almas nesta cidade!”.

O sacerdote não permitiu, mas aceitou que fizesse as pazes com as pessoas da sua cidade natal. Um domingo, na igreja de Laviano, em pranto, confessou publicamente os seus pecados, pedindo perdão pelas suas loucas vaidades. A assembleia emocionou-se e prometeu não recordar o seu passado, mas de guardar a memória de um impressionante arrependimento.

Enquanto se penitenciava, Margarida assistiu os doentes e os pobres. Ela mesma pedia esmola na rua para aliviar as suas dores e conseguiu criar um Hospital da Misericórdia e abrir uma casa de acolhimento aos peregrinos, que abundavam naquela época. Com a ajuda dos Frades Menores, conseguiu fundar até uma congregação de mulheres que assistiam as necessidades dos hospitalizados.

Mesmo nos dias de grande atividade caritativa, permanecia longas horas em oração, prosternada na igreja dos Frades Menores, diante de um Crucifixo que lhe falhou milagrosamente. Os seus êxtases multiplicaram-se: Deus revelou-lhe que os seus pecados tinham sido perdoados e dizia-lhe que a destinava a ser “uma prova de que estava sempre pronto para abrir os braços da sua misericórdia para o filho pródigo que regressava à casa com a sinceridade do seu coração”.

Finalmente, Deus manifestou-lhe a sua vontade de vê-la numa solidão mais profunda, designando-lhe um lugar: uma cabana contruída numa das inclinações que permitem o escoamento das águas da cidade de Cortona, contigua a um santuário beneditino, dedicado a São Basílio, o Grande. Foi para ali, seguindo as ordens de Deus, que no ano de 1288, rompendo todas as relações que tinha com o mundo, instalou-se. Desde então, viveu na contemplação, passando por várias provas, que Deus nunca deixa de enviar às almas chamadas a uma elevada santidade, como também por muitas consolações.

Ela ouviu, certo dia, o Divino Mestre perguntar-lhe, como a Pedro:

-- Margarida, amas-me?

-- Ah! Senhor, respondeu-lhe, não somente amo-Vos, como gostaria de habitar no Vosso Coração.

-- Penetrai nele, então, respondeu-lhe Jesus, e que Ele seja o teu refúgio!

Numa outra ocasião, ordenou-lhe, como ao Apóstolo São Tomé, de colocar o seu dedo nas chagas das suas Divinas Mãos e, de repente, brilhantes e resplandecentes de luz, viu as chagas do Costado e o seu Coração, ferido de amor por ela.

Margarida viveu no recolhimento e isolamento durante oito anos inteiros, até que no dia 3 de janeiro de 1297, um Anjo anunciou-lhe que no dia 22 de fevereiro, depois do inverno, começaria para ela a primavera eterna do Paraíso. A doença tomou conta do seu corpo, tão mortificado. Desde o dia 5 de fevereiro, já não conseguiu tomar outro alimento que a Sagrada Eucaristia. E no dia 22, pela manhã, tendo recebido os sacramentos, rendeu o último suspiro, enquanto um Santo contemplativo de Città del Castello, viu-a elevar-se ao Céu, sob a forma de um globo de fogo, acompanhada por uma escolta de almas saídas do Purgatório, por causa das suas penitências e os seus méritos.


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