Nascido a 2 de março de 1876, Eugénio Maria José
João Pacelli foi eleito Papa no dia 2 de março de 1939, quando o mundo já
antevia o início da Segunda Guerra Mundial, tomando o nome de Pio XII.
Ainda como colaborador de Pio XI, apontou o
paganismo e os erros da ideologia do nacional-socialismo e mais tarde não
hesitou em condenar o comunismo
No dia 9 de outubro de 1958, aos 82 anos,
entregou a sua alma a Deus.
Nos nossos dias, ainda existem pessoas que, por
desconhecimento ou razões ideológicas, ainda ousam pregar desavergonhadamente
os benefícios de uma doutrina e regime que fez mais de 94 milhões de vítimas em
todo o mundo, conforme o historiador Stéphane Courtois.
- 20 milhões na União Soviética
- 65 milhões na República Popular da China
- 1 milhão no Vietname
- 2 milhões na Coreia do Norte
- 2 milhões no Camboja
- 1 milhão nos Estados Comunistas do Leste
Europeu
- 150 mil na América Latina
- 1,7 milhões na África
- 1,5 milhões no Afeganistão
- 10 000 mortes "resultantes das ações do
movimento internacional comunista e de partidos comunistas fora do poder".
Este número impressionante de vítimas inocentes
é quatro vezes superior às 21 milhões do nazismo, segundo o historiador R. J.
Rummel, sendo quase 6 milhões de judeus.
Logo depois da Segunda Guerra Mundial, a
humanidade pedia uma condenação incontestável da ideologia Nazi. Depois do
Processo de Nuremberg ficou patente que a ideologia do nacional-socialismo é
criminosa e leva a crimes hediondos. Em pleno século XXI, com o recuo
histórico, já não temos todos os dados para fazermos um processo do comunismo?
Ou continuaremos a condenar vigorosamente o nazismo, com os seus campos de
concentração – e muito bem! – e a fecharmos os olhos para os Gulags soviéticos,
para a revolução cultural chinesa, o “paraíso cubano”, e tantas outras
desastrosas experiências do comunismo que não só matavam e oprimiram os seus
opositores, como levaram o povo à miséria?
Recordemos os ensinamentos, muito atuais e
esclarecedores, do Papa Pio XI, sobre os males do comunismo, contidos na
Encíclica Divinis Redemptoris de 19 de março de 1937, a condenação explícita de
Pio XII a este regime, a excomunhão aos que professam, defendem e divulgam a
doutrina materialista e anticristã dos comunistas, reafirmada por vários Papas.
Extratos da Divinis Redemptoris de
Pio XI
“Depois da miserável queda de Adão,
como consequência dessa mácula hereditária, começou a travar-se o duro combate
da virtude contra os estímulos dos vícios; e jamais cessou aquele antigo e
astuto tentador de enganar a sociedade com promessas falazes. É por isso que,
pelos séculos afora, as perturbações se têm sucedido umas às outras até à
revolução dos nossos dias, a qual ou já surge furiosa ou pavorosamente ameaçada
atear-se em todo o universo e parece ultrapassar em violência e amplitude todas
as perseguições que a Igreja tem padecido; a tal ponto que povos inteiros
correm perigo de recair em barbárie, muito mais horrorosa do que aquela em que
jazia a maior parte do mundo antes da vinda do Divino Redentor.
Vós, sem dúvida, Veneráveis Irmãos, já
percebestes de que perigo ameaçador falamos: é do comunismo, denominado
bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a
ordem social e subverter os próprios fundamentos da Civilização Cristã.
Mas diante destas ameaçadoras
tentativas, não podia calar-se nem de fato se calou a Igreja Católica. Não se
calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar
defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo
despreza e impugna. Já desde os tempos em que certas classes de eruditos
pretenderam libertar a civilização e cultura humanística dos laços da religião
e da moral, os Nossos Predecessores julgaram que era seu dever chamar a atenção
do mundo, em termos bem explícitos, para as consequências da descristianização
da sociedade humana. E pelo que diz respeito aos erros dos comunistas, já em
1846, o Nosso Predecessor de feliz memória, Pio IX, os condenou solenemente, e
confirmou depois essa condenação no Sílabo. São estas as palavras que emprega
na Encíclica Qui pluribus: “Para aqui (tende) essa doutrina nefanda do chamado
comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez
admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das
propriedades de todos e da própria sociedade humana” (Encíclica Qui pluribus, 9
de novembro de 1846: Acta Pii IX, vol. I, pág. 13. Cf. Sílabo, IV: A.A.S., vol.
III, pág. 170). Mais tarde, outro Predecessor Nosso de imortal memória, Leão
XIII, na sua Encíclica Quod Apostolici muneris (28 de dezembro de 1878: Acta
Leonis XIII, vol. I, pág. 40), assim descreveu distinta e expressamente esses
mesmos erros: “Peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a
conduz a um perigo extremo”; e com a clarividência do seu espírito luminoso
demonstrou que o movimento precipitado das multidões para a impiedade do
ateísmo, numa época em que tanto se exaltavam os progressos da técnica, tivera
origem nos desvarios duma filosofia que de há muito porfia por separar a
ciência e a vida da fé da Igreja.
Nós também no decurso do Nosso
Pontificado, com insistente solicitude fomos várias vezes denunciando as
correntes desta impiedade que víamos crescendo e rugindo cada vez mais
ameaçadoras. Efetivamente, quando em 1924 voltava da Rússia a Nossa missão de
socorro, numa alocução especial dirigida ao universo católico (18 de dezembro
de 1924: A.A.S., vol. XVI (1924), págs. 494-495), condenamos os erros e
processos dos comunistas. E pelas Encíclicas Miserentissimus Redemptor (8 de
maio de 1928: A.A.S., vol. XX (1928), págs. 165-178), Quadragesimo anno (15 de
maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228), Caritate Christi (3 de
maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 177-194), Acerba animi (29 de
setembro de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 321-332), Dilectissima Nobis
(3 de junho de 1933: A.A.S., vol. XXV (1933), págs. 261-274), levantamos a voz
em solenes protestos contra as perseguições desencadeadas contra o nome
cristão, tanto na Rússia, como no México, como finalmente na Espanha. E estão
ainda bem frescas na memória as alocuções por Nós pronunciadas, o ano passado,
quer por ocasião da inauguração da Exposição mundial da Imprensa Católica, quer
na audiência concedida aos refugiados espanhóis, quer também em Nossa Mensagem
radiofônica pela festa do santo Natal. Até os mais encarniçados inimigos da
Igreja, que desde Moscou, sua capital, dirigem esta luta contra a civilização
cristã, até eles mesmos, com seus ataques ininterruptos, dão testemunho, não
tanto por palavras como por atos, que o Sumo Pontificado, ainda em nossos
tempos, não só não cessou de tutelar com toda a fidelidade o santuário da
religião cristã, mas tem dado voz de alarme contra o enorme perigo comunista,
com mais freqüência e maior força persuasiva que nenhum outro poder público
deste mundo.
Julgamos dever Nosso levantar de
novo a voz; e fá-lo-emos por meio deste documento de maior solenidade, como é
costume desta Sé Apostólica, mestra da verdade; e com tanto maior satisfação o
faremos, quando é certo que assim correspondemos aos desejos de todo o universo
católico. Confiamos até que o eco da nossa voz será acolhido de bom grado por
todos aqueles que, de espírito liberto de preconceitos, desejem sinceramente o
bem da humanidade. Esta nossa confiança vem em certo modo aumentá-la o fato de
vermos estas Nossas admoestações confirmadas pelos péssimos frutos, que Nós
prevíramos e anunciáramos haviam de brotar das ideias subversivas, e que de
fato se vão pavorosamente multiplicando nas regiões já dominadas pelo
comunismo, ou ameaçam invadir rapidamente os outros países do mundo.
A doutrina comunista que em nossos
dias se apregoa, de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes
do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um
pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho
de tal modo impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo
hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que
estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo
irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco
equitativa repartição dos bens deste mundo dá como consequência a miséria
anormal de muitos. Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como
se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma
parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a
intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada
disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com
imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da
coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhos
com um salário de miséria.
Ora, a doutrina que os comunistas em
nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências capciosas e
sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e
histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam
de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há
mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e
ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta,
em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra
coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando,
como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de
forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. É, pois,
evidente que neste sistema não há lugar sequer para a ideia de Deus; é evidente
que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a
alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso,
os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem
que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese
final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem
mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade,
porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de
ruínas, tome o aspeto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e
até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas
violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênero humano.
Além disso, o comunismo despoja o
homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida espiritual; e ao
mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo o freio na ordem
moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. E, como a pessoa
humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que, para assim
dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos naturais, que
dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos à
coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez que sustentam o
princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que
proceda de Deus, até mesmo a dos pais; porquanto, como asseveram, tudo quanto
existe de autoridade e subordinação, tudo isso, como de primeira e única fonte,
deriva da sociedade. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade
sobre bens naturais ou sobre meios de produção; porquanto, dando como dão
origem a outros bens, a sua posse introduz necessariamente o domínio de um
sobre os outros. E é precisamente por esse motivo que afirmam que qualquer
direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão
econômica, tem de ser radicalmente destruído.
Além disto, como esta doutrina
rejeita e repudia todo o caráter sagrado da vida humana, segue-se por natural
consequência que para ela o matrimônio e a família é apenas uma instituição
civil e artificial, fruto de um determinado sistema econômico: por conseguinte,
assim como repudia os contratos matrimoniais formados por vínculos de natureza
jurídico-moral, que não dependam da vontade dos indivíduos ou da coletividade,
assim rejeita a sua indissolúvel perpetuidade. Em particular, para o comunismo
não existe laço algum da mulher com a família e com o lar. De facto,
proclamando o princípio da emancipação completa da mulher, de tal modo a retira
da vida doméstica e do cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública
e da produção coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do
lar e dos filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito
que lhes compete de educar os filhos, o qual se considera como direito
exclusivo da comunidade, e, por conseguinte, só em nome e por delegação dela se
pode exercer.
Que viria a ser, então, a sociedade
humana, baseada em tais fundamentos materialistas? Viria a ser uma
coletividade, sem outra hierarquia mais do que a derivada do sistema econômico.
Teria por missão única a produção de riqueza por meio do trabalho coletivo, e
único fim o gozo dos bens da terra num paraíso ameníssimo de delícias onde cada
qual “produziria conforme as suas forças e receberia conforme as suas
necessidades”. É também de notar que o comunismo reconhece igualmente à
coletividade o direito, ou antes a arbitrariedade quase ilimitada, de sujeitar
os indivíduos ao jugo do trabalho coletivo, sem a menor consideração do seu
bem-estar pessoal; mais ainda, o direito de os forçar contra a sua vontade e
até pela violência. E nesta sociedade comunista proclamam que tanto a moral
como a ordem jurídica não brotam de outra fonte mais do que do sistema
econômico do tempo o que, por conseguinte, de sua natureza são valores
terrestres transitórios e mudáveis. Em suma, para resumirmos tudo em poucas
palavras, pretendem introduzir uma nova ordem de coisas e inaugurar uma era
nova de mais alta civilização, produto unicamente duma cega evolução da
natureza: “uma humanidade que tenha expulsado a Deus da terra”.
E, quando as qualidades e
disposições de espírito, que se requerem para realizar semelhante sociedade,
tiverem sido alcançadas por todos em tal grau, que por fim tenha surgido aquele
ideal utópico de sociedade, que eles sonham, sem distinção de classes então o
Estado político, que ao presente unicamente se organiza como instrumento de
domínio dos capitalistas sobre os proletários, perderá totalmente a razão de
ser e, por necessidade natural, se dissolverá! Todavia, enquanto se não tiver
chegado a essa idade de ouro, os comunistas empregam o governo e o poder
público como o mais eficaz e universal instrumento, para atingirem o seu fim.
Aqui tendes, Veneráveis Irmãos,
diante dos olhos do espírito, a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus
pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção!
Sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à
razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a
ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado;
que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa
humana.
Mas donde vem que tal sistema, que a
ciência já há muito ultrapassou e a realidade dos fatos vai cada dia refutando,
possa difundir-se tão rapidamente por todas as partes do mundo? Facilmente
poderemos compreender esse fenômeno, se refletirmos que são muito poucas as
pessoas que têm penetrado a fundo a verdadeira natureza e fim do comunismo; ao
passo que são muitíssimos os que cedem facilmente à tentação, habilmente
apresentada sob as promessas mais deslumbrantes. É que os propagandistas deste
sistema afivelam esta máscara de verdade, a saber: que não querem outra coisa
mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras; que pretendem não somente
dar remédio oportuno aos abusos provocados pela economia liberal, mas também
conseguir uma distribuição mais equitativa dos bens terrenos: objetivos estes
que certamente ninguém nega se possam atingir por meios legítimos. Contudo os
comunistas, por esses processos, explorando sobretudo a crise econômica, que em
toda a parte se sente, conseguem atrair ao seu partido aqueles mesmos que, em
virtude da doutrina que professam, abominam os princípios do materialismo e os
monstruosos crimes que não raro se perpetram. E, como em qualquer erro há
sempre qualquer centelha de verdade, como acima vimos que sucedia até mesmo
nesta questão, este aspeto de verdade põem-no em relevo com requintada
habilidade, com o fim de dissimularem e ocultarem, quanto convém, aquela odiosa
e desumana brutalidade dos princípios e dos métodos de comunismo; e desse modo
conseguem seduzir até espíritos nada vulgares, os quais muitas vezes a tal
ponto se deixam entusiasmar que eles próprios se tornam uma espécie de
apóstolos, que vão extraviar com esses erros sobretudo os jovens, facilmente
expostos a se deixarem enredar por esses sofismas. Além disso, os arautos do
comunismo não ignoram que podem tirar partido, tanto dos antagonismos de raça
como das dissensões e lutas em que se entrechocam as diferentes facões
políticas, como enfim daquela desorientação que lavra no campo da ciência, onde
a própria ideia de Deus emudece, para se infiltrarem nas Universidades e
corroborarem os princípios da sua doutrina com argumentos pseudocientíficos.
A difusão tão rápida das ideias
comunistas que se vão sorrateiramente infiltrando por países grandes ou
pequenos, cultos ou menos civilizados, e até nas partes mais remotas do globo,
tem sem dúvida por causa esse fanatismo de propaganda encarniçada, como talvez
nunca se viu no mundo. E essa propaganda, emanada duma fonte única, adapta-se
astutamente às condições particulares dos povos; dispõe de grandes meios
financeiros, de inúmeras organizações, de congressos internacionais
concorridíssimos, de forças compactas e bem disciplinadas; propaganda quer por
jornais, revistas e folhas volantes, pelo cinema, pelo teatro, pela radiofonia,
pelas escolas enfim e pelas Universidades, pouco a pouco vai invadindo todos os
meios ainda os melhores, sem darem talvez pelo veneno, que cada vez mais vai
infecionando os espíritos e os corações.
Outro auxiliar poderoso, que
contribui para a avançada do comunismo, é sem dúvida a conspiração do silêncio
na maior parte da imprensa mundial, que não se conforma com os princípios
católicos. Conspiração dizemos: porque aliás, não se explica facilmente como é
que uma imprensa, tão ávida de esquadrinhar e publicar até os mínimos
incidentes da vida cotidiana, sobre os horrores perpetrados na Rússia, no
México e numa grande parte de Espanha pode guardar, há tanto tempo, absoluto
silêncio; e da seita comunista, que domina em Moscou e tão largamente se
estende pelo universo em poderosas organizações, fala tão pouco. Mas todos
sabem que esse silêncio é em grande parte devido a exigências duma política,
que não segue inteiramente os ditames da prudência civil; e é aconselhável e
favorecido por diversas forças ocultas que já há muito porfiam por destruir a
ordem social-cristã.
Entretanto, aí estão à vista os
deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os
comunistas conseguiram radicar-se e dominar, - e aqui pensamos com particular
afeto paterno nos povos da Rússia e do México, - aí, como eles próprios
abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir
radicalmente os fundamentos da religião e da civilização cristãs, e extinguir
completamente a sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude.
Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados,
fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos
por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados
aos tribunais e às prisões.
Até em países, onde - como sucede na
Nossa amadíssima Espanha - não conseguiu ainda a peste e o flagelo comunista
produzir todas as calamidades dos seus erros, desencadeou, contudo,
infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados.
Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas,
onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros
religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem
monumentos insignes de arte e de ciência, tudo foi destruído até os
fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos
milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular
aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número
muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo
imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou
ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante
mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e
selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século.
Ninguém de são critério, quer seja
simples particular, quer homem de Estado, cônscio da sua responsabilidade,
ninguém absolutamente, repetimos, pode deixar de estremecer de sumo horror, se
refletir que tudo quanto hoje está sucedendo na Espanha, pode amanhã repetir-se
também em outras nações civilizadas.
Nem se pode asseverar que
semelhantes atrocidades são consequências fatais de todas as grandes
revoluções, como excessos esporádicos de exasperação, comuns a qualquer guerra:
não, são frutos naturais do sistema, cuja estrutura não obedece a freio algum
interno. Um freio é necessário ao homem, tanto individualmente como socialmente
considerado; e é por isso que até os povos bárbaros reconheceram o vínculo da
lei natural, esculpida por Deus na alma de cada homem. E, quando a observância
dessa lei foi tida por todos como um dever sagrado, viram-se nações antigas
atingir um tal esplendor de grandeza, que espanta, ainda mais até do que é
razão, aqueles que só superficialmente compunham os documentos da história
humana. Mas quando se arranca das mentes dos cidadãos a própria ideia de Deus,
necessariamente os veremos precipitar-se na crueldade mais selvagem, e na
ferocidade dos costumes. Luta contra tudo o que é divino
É este o espetáculo que atualmente
com suma dor contemplamos: pela primeira vez na história estamos assistindo a
uma insurreição, cuidadosamente preparada e calculadamente dirigida contra
“tudo o que se chama Deus” (cfr. 2 Tess 1, 4). Efetivamente, o comunismo por
sua natureza opõe-se a qualquer religião, e a razão por que a considera como o
“ópio do povo”, é porque os seus dogmas e preceitos, pregando a vida eterna
depois desta vida mortal, apartam os homens da realização daquele futuro
paraíso, que são obrigados a conseguir na terra.
Mas não é impunemente que se
despreza a lei natural e o seu autor, Deus; a consequência é que os esforços
dos comunistas, assim como nem sequer no campo econômico puderam até hoje
realizar o seu desígnio, assim também no futuro jamais o poderão conseguir. Não
negamos que esses esforços na Rússia contribuíram não pouco para sacudir os
homens e as suas instituições, daquela longa e secular inércia em que jaziam, e
que puderam, empregando todos os meios e processos; ainda mesmo ilegitimamente,
fazer alguma coisa para promover o progresso material; mas sabemos por
testemunhos absolutamente insuspeitos, e alguns bem recentes ainda, que de fato
nem sequer neste ponto se conseguiu o que tanto se prometera. E não se esqueça,
que aquela ditadura, toda terrorismo e crueldade, impôs a inumeráveis cidadãos
o jugo da escravidão. Porque é de notar que também no terreno econômico é imprescindível
alguma norma de probidade a que se conforme, por dever de consciência, quem
exerce algum cargo; ora isso é indiscutível que o não podem dar os princípios
comunistas, nascidos dos sofismas do materialismo. Por conseguinte, nada mais
resta do que aquele pavoroso terrorismo que se está vendo na Rússia, onde os
antigos camaradas de conspiração e de luta se vão dando a morte uns aos outros;
mas esse terrorismo criminoso, longe de conseguir pôr um dique à corrupção dos
costumes, nem sequer pode evitar a dissolução da estrutura social. Um
pensamento paternal para os povos oprimidos da Rússia
Com isto, porém, não é nossa
intenção condenar em massa os povos da União Soviética, aos quais, pelo
contrário, consagramos o mais vivo afeto paterno. É que, de facto, sabemos que
muitos deles gemem sob o jugo da mais iníqua escravidão, que lhes foi imposta
por homens, pela maior parte estranhos aos verdadeiros interesses daquele povo;
e que muitos outros foram enganados por promessas e esperanças falazes. O que
Nós condenamos é o sistema e seus autores e fautores que consideraram aquela
nação como o terreno mais apto para lançarem a semente do seu sistema, há muito
tempo preparada, e de lá a disseminarem por todas as regiões do globo.
Queremos, pois, mais uma vez expor,
como em breve síntese, os sofismas teóricos e práticos do comunismo, como eles
se manifestam principalmente nos princípios e métodos da ação do bolchevismo: a
esses sofismas, todos falsidade e ilusão, contrapor a luminosa doutrina da
Igreja; e de novo exortar a todos insistentemente a lançar mãos dos meios, com
que é possível não somente livrar e salvaguardar deste horrendo flagelo a
civilização cristã, a única em que pode subsistir uma sociedade verdadeiramente
humana, mas ainda fazê-la avançar, a passo cada dia mais acelerado, para o
genuíno progresso da humanidade.
Como em todos os períodos mais
tormentosos da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é
uma sincera renovação da vida privada e pública, segundo os princípios do
Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo, a
fim de serem verdadeiramente o sal da terra, que preserve a sociedade humana de
tal corrupção.
Com sentimentos de profunda gratidão
para com o Pai das luzes, de quem desce “toda a dádiva excelente e todo o dom
perfeito” (Tg 1, 17), vemos por toda a parte sinais consoladores dessa
renovação espiritual, não só em tantas almas singularmente escolhidas, que
nestes últimos anos se têm elevado ao cume da mais sublime santidade, e em
tantas outras, cada vez mais numerosa, que generosamente caminham para a mesma
luminosa meta, mas também no reflorescimento de uma piedade sentida e vivida,
em todas as classes da sociedade, até nas mais cultas, como pusemos em relevo
no Nosso recente Motu proprio In multis solaciis, de 28 do passado outubro, por
ocasião da reorganização da Pontifícia Academia das Ciências (A.A.S., vol.
XXVIII (1936), págs. 421-424).
Não podemos, contudo, negar que
muito resta ainda por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em
países católicos, demasiados são os que são católicos quase só de nome;
demasiados, aqueles que, seguindo embora mais ou menos fielmente as práticas
mais essenciais da religião que se ufanam de professar, não se preocupam de
melhor a conhecer, nem de adquirir convicções, mais íntimas e profundas, e
menos ainda de fazer que ao verniz exterior corresponda o interno esplendor de
uma consciência reta e pura, que sente e cumpre todos os seus deveres sob o
olhar de Deus. Sabemos quanto o Divino Salvador aborrece esta vã e falaz
exterioridade, Ele que queria que todos adorassem o Pai “em espírito e verdade”
(Jo 4, 23). Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa,
não poderá hoje, que tão violento sopra o vento da luta e da perseguição,
resistir por muito tempo, mas será miseravelmente submerso por este novo
dilúvio que ameaça o mundo; e assim, enquanto se prepara por si mesmo a própria
ruína, exporá também ao ludibrio o nome cristão.
E neste passo queremos, Veneráveis
Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que
têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos
bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito”
foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da
Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de
materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou
pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui
cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não
devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses
bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como
administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se
deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não
deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico
(cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa
sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por
causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os
vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata
enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as
vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os
últimos dias...” (Tg 5, 1-3).
Mas os pobres, por sua vez,
esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se
proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também
permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens
espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais
se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a
que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E
assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o
coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes,
irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o
lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o
(fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os
vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim
se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E
não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas;
mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se
verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade,
quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando
já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma
felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e
sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.
E neste passo queremos, Veneráveis
Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que
têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos
bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito”
foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da
Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de
materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou
pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui
cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não
devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses
bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como
administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se
deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não
deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico
(cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa
sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por
causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os
vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata
enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as
vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os
últimos dias...” (Tg 5, 1-3).
Mas os pobres, por sua vez,
esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se
proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também
permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens
espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais
se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a
que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E
assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o
coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes,
irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o
lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o
(fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os
vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim
se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E
não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas;
mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se
verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade,
quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando
já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma
felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e
sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.
Ao princípio, o comunismo mostrou-se
tal qual era em toda a sua perversidade; mas bem depressa se capacitou de que
desse modo afastava de si os povos; e por isso mudou de tática e procura atrair
as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de
ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes
do comunismo fingem ser os mais zelosos fautores e propagandistas do movimento
a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que
faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz,
recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes que nem por sombras
aludem ao comunismo, fundam associações e periódicos que servem depois
unicamente para fazerem penetrar as suas ideias em meios, que doutra forma lhe
não seriam facilmente acessíveis, procuram até com perfídia infiltrar-se em
associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, sem renunciarem um
ponto a seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles
no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas
completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras
partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé
e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto
religioso e respeitará a liberdade das consciências. Há até quem, reportando-se
a certas alterações recentemente introduzidas na legislação soviética, deduz
que o comunismo está em vésperas de abandonar o seu programa de luta contra Deus.
Procurai, Veneráveis Irmãos, que os
fiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se
pode admitir em campo nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que
deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro,
cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair
como vítimas do seu erro; e quanto mais se distinguem pela antiguidade e
grandeza da sua civilização cristã as regiões aonde o comunismo consegue
penetrar, tanto mais devastador lá se manifesta o ódio dos “sem-Deus”.
Não podemos pôr termo a esta Carta
Encíclica, sem dirigir uma palavra àqueles mesmos filhos Nossos que estão já
contagiados ou tocados do mal comunista. Exortamo-los vivamente a que ouçam a
voz do Pai que os ama; e rogamos ao Senhor que os ilumine, para que deixem o
caminho que os despenha a todos numa imensa e catastrófica ruína, e reconheçam
também eles que o único Salvador é Jesus Cristo Senhor Nosso: “porque não há
sob o céu nenhum outro nome dado aos homens, pelo qual possamos esperar ser
salvos” (At 4, 12)”.
Pio XII: Excomunhão para os que
professam, defendem e divulgam o comunismo
Em 15 de julho de 1948, L'Osservatore Romano
publicou um decreto emanado pelo Santo Ofício, no qual afirmava que estavam excomungados
os que propagavam "os ensinamentos materialistas e anti-cristãos do
comunismo".
A 1 de julho de 1949, o Santo Ofício publicou
mais um decreto condenatório, no qual proibia os católicos de favorecerem,
votarem ou se filiarem em partidos comunistas; e de ler, publicar ou escrever
qualquer material que defendesse o comunismo (citando o cânone 1399 do Código
de Direito Canónico de 1917, atualmente revogado). Este decreto voltou também a
confirmar a excomunhão automática, ipso facto (ou latae sententiae).
Pio XII ordenou a publicação do Decreto no dia 1
de julho de 1949 na Acta Apostolicae Sedis, que levou à excomunhão de católicos
que defendiam abertamente o comunismo. Também condenou o comunismo em outras
ocasiões, como por exemplo na Carta Apostólica Dum maerenti animo — A Igreja
perseguida na Europa do Leste (29 de junho de 1956)[28] e na Carta Apostólica
"Sacro vergente anno" – A Consagração da Rússia ao Coração Imaculado
de Maria (7 de julho de 1952).
O texto completo do decreto de 1949, escrito em
latim e foi traduzido da seguinte maneira:
Recordamos que “a Suprema Sagrada Congregação do
Santo Ofício, por mandato e com a autoridade do Sumo Pontífice Pio XII,
promulgou um decreto no dia 1o. de julho de 1949, no qual proscreve
categoricamente o comunismo e toda colaboração com ele. (A.A.S., voL XLI, pág.
334).
I – É lícito aos católicos dar seu nome e
prestar sua ajuda aos partidos comunistas?
Resposta: Não é lícito, o comunismo é
materialista e anticristão; com efeito, os chefes comunistas, inclusive quando
dizem por palavras que não combatem a religião, na realidade, contudo, tanto
pela doutrina como pela ação, mostram-se inimigos de Deus, da verdadeira
Religião e da Igreja de Cristo,
II – É lícito editar, difundir ou ler livros,
revistas, jornais e folhetos que defendem a doutrina ou atividades comunistas,
ou neles escrever?
Resposta: Não é lícito; está proibido ipso jure
(cânon 1399 do Código de Direito Canônico).
III – Os fiéis que, consciente e livremente,
tenham incorrido nos atos de que tratam os números I e II, podem ser admitidos
aos Sacramentos?
Resposta: Não podem ser admitidos, em
conformidade com o princípio geral de que se deve negar os Sacramentos àqueles
que não estão nas devidas disposições para recebê-los.
lV – Os fiéis que professam a doutrina
materialista e anticristã dos comunistas e principalmente aqueles que a
defendem e divulgam, incorrem, ipso facto, na excomunhão reservada de modo
especial à Sé Apostólica, como apóstatas da Fé católica?
Resposta: Sim, incorrem.
(A.A.S., voL XLI, pág. 334. – Colocamos cada
resposta logo em seguida à respetiva pergunta para maior facilidade de
compreensão).
Nos anos seguintes, o Santo Ofício continuou a
emitir condenações, como a excomunhão do padre Jan Dechet, que foi nomeado
bispo pelo governo comunista checoslovaco, a 18 de fevereiro de 1950, a da
filiação a organizações da juventude comunista, a 28 de setembro de 1950, a
usurpação de funções da Igreja pelo Estado, a 29 de junho de 1950, a
ilegitimação de bispos ordenados pelo Estado, a 9 de abril de 1951 e
publicações que favoreciam o comunismo totalitário, a 28 de junho e 22 julho de
1955.
João XXIII confirma condenação aos
candidatos comunistas
A 4 de abril de 1959, o Papa João XXIII
autorizou a publicação do Dubium, um documento do Santo Ofício de 25 de março,
que confirmava o decreto contra o Comunismo de 1949, escrito em latim e que
pode ser traduzido nos seguintes termos:
Foi perguntado no dia 25 de março de 1959 à
Suprema Sagrada Congregação se é permitido aos cidadãos católicos ao elegerem
os representantes do povo, darem o seu voto a partidos ou a candidatos que,
mesmo se não proclamam princípios contrários à doutrina católica e até
reivindicam o nome de cristãos, apesar disto se unem de facto aos comunistas e
os apoiam por sua ação.
Os Eminentíssimos e Reverendíssimos Padres,
responsáveis pela proteção da fé e da moral, responderam com seguinte decreto:
Não, segundo a diretiva do Decreto do Santo
Ofício de 1 de julho de 1949, n. 1 (A.A.S., vol. XLI, 1949, p. 334).
No dia 2 de abril do mesmo ano, o Papa João
XXIII, na audiência ao Cardeal Pró-secretário do Santo Ofício, aprovou a
decisão dos Padres e ordenou a sua publicação, no dia 4 de Abril de 1959.
O novo Código de Direito canónico de
São João Paulo II e a rejeição ao socialismo e comunismo no Catecismo da Igreja
Católica
Em 1983, o Código de Direito Canónico de 1917,
no qual se baseou os decretos contra o comunismo, foi abrogado pelo novo Código
de Direito Canónico, publicado pelo Papa São João Paulo II, em 1983.
No cânon 6 do novo Código, está explicitado que,
"com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados: o Código de Direito
Canónico promulgado no ano de 1917; as outras leis, quer universais quer
particulares, contrárias às prescrições deste Código, a não ser que acerca das
particulares se determine outra coisa; quaisquer leis penais, quer universais
quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas
neste Código; as outras leis disciplinares universais respeitantes a matéria
integralmente ordenada neste Código. Os cânones deste Código, na medida em que
reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em consideração também a
tradição canónica."
Contudo, o novo Código reserva aos apóstatas da
fé, aos hereges e aos cismáticos a pena da excomunhão latae sententiae (cânon
1364), de forma mais abrangente e geral do que no Código anterior.
Por fim, o Catecismo da Igreja Católica (1992)
afirma que a Igreja rejeita as ideologias totalitárias e ateias, associadas,
nos tempos modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo", e
por outro lado, recusa, na prática do "capitalismo", o individualismo
e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano.
Papa Francisco: Críticas ao
capitalismo e apoio indireto ao comunismo?
A condenação dos Papas ao comunismo foi clara e
evidente. Contudo, muitos católicos ficaram perplexos quando, em 2013, o Papa
Francisco criticou o capitalismo e a ineficiência das políticas pró-mercado na
sua primeira Exortação Apostólica (Evangelii Gaudium). Na ocasião, o Pontífice
chegou a afirmar que a política pró-mercado é apenas uma opinião "que
nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na
bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do
sistema económico reinante", e desde então várias características de seus
discursos têm sido comparadas à retórica socialista, condenada por Pio XI. Em
junho de 2014, o Papa respondeu que os comunistas é que se teriam apropriado da
bandeira de defesa aos pobres, que está no centro do Evangelho cristão,
declarando em tom descontraído que na verdade seriam os comunistas que
apresentam similaridades com os princípios cristãos, e não o contrário.
Em 2015, numa entrevista na Bolívia, o Papa
Francisco adotou novamente um discurso anticapitalista, sem afirmar com clareza
a sua oposição à utopia comunista. O Papa pregou “mudança de estruturas” e
disse que mesmo entre a elite económica que se beneficia do sistema “muitos
esperam uma mudança que os libere dessa tristeza individualista que os
escraviza”. Além disso, propôs que a economia deveria trabalhar ao serviço dos
povos, ao invés de ser um mecanismo para acumulação de capital, defendendo que
a verdadeira função da economia seria "a administração correta da casa
comum".
De tal maneira as palavras do Papa foram
compreendidas como um apoio ao comunismo que, no mesmo encontro, recebeu de
presente do presidente boliviano Evo Morales um crucifixo estilizado na forma
da foice e martelo (um dos símbolos do bolchevismo), uma reprodução da
escultura do sacerdote jesuíta Luis Espinal, que tinha ligação com movimentos
sociais bolivianos e foi assassinado por paramilitares em 1980.
Na ocasião, percebendo a instrumentalização que
seria feita do presente, o Santo Padre manifestou visível desconforto com a
peça, a princípio hesitando em recebê-la, para logo após devolvê-la. Durante
entrevista ao jornal italiano La Repubblica do dia 11 de novembro de 2016,
Francisco afirmou que “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo
falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que
decidam”. Ao ser questionado se uma sociedade mais marxista era necessário,
respondeu que “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou
de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que
decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não,
mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade.”
Francisco já havia expressado a mesma opinião em
2014, em uma entrevista ao jornal italiano Il Messaggero. “Eu só posso dizer
que os comunistas têm roubado a nossa bandeira. A bandeira dos pobres é cristã.
A pobreza está no centro do Evangelho, os pobres estão no centro do Evangelho”,
disse o papa na ocasião, citando o capítulo 25 do Evangelho de Mateus, que
retrata que o critério do julgamento divino será a ajuda ao necessitado. “Os
comunistas dizem que tudo isso é comunismo. Sim, como não: vinte séculos
depois!”, ironizou Francisco.
Audiência do Sr. Dr. Plinio Correa
de Oliveira com Pio XII
Antes de encerrar este artigo, já muito longo,
recordemos a audiência do Sr. Dr. Plinio Correa de Oliveira com o Papa Pio XII,
contada numa carta dirigida a sua mãe, Senhora Dona Lucilia:
“Roma, 13.VI.50.
Mãezinha queridíssima do coração
Querido Papai
Escrevo-lhes a 1:30 da manhã, depois de ter
tomado apontamentos desde 11 horas da noite até agora. Estou com todas as
minhas orações para fazer. Tenho um mundo de contatos, tipo marquês
Pallavicino, Príncipe Lancelotti, Príncipe Ruffo, Príncipe Chigi, Embaixador da
Espanha junto ao Vaticano, etc. Mas, o mais formidável foi o Papa.
Íamos telegrafar para aí pedindo orações, quando
veio — com uma rapidez inusitada — a notícia de que o Papa nos receberia em
audiência especial no dia seguinte. Corre-corre tremendo para aprontar o
relatório, que ficou concluído à ultimíssima hora. (…)
Atravessamos salões e salões. Na passagem, os
Suíços e os “gendarmes” pontifícios apresentavam armas. Os salões cheios de
diplomatas e de peregrinos. Afinal chegamos ao salão do Papa. Este foi muito
amável comigo. Quando lhe disse que era o autor de Em Defesa da Ação Católica,
disse apertando-me a mão com afeto: “Então uma bênção especial”.
Pedi bênção especial para a Senhora e Papai,
pelo que, traduzindo mal, disse “mes parents”, o que quer dizer propriamente só
os pais. Pedi também bênção especial para meus companheiros de trabalho. O Papa
concedeu tudo muito afetuosamente, e benzeu os objetos de piedade que lhe
levei.
Outros pormenores, só de viva voz poderei
contar…
Para Papai, um longo e afetuoso abraço. Para
Mamãe, milhões e milhões de beijos. A ambos peço a bênção, Plinio”.
(Revista Dr. Plinio, Junho/2005, n. 87, p. 5)