Em todas as circunstâncias, até
mesmo nos detalhes, a caridade deve ser exercida de maneira respeitosa e
delicada.
Quando Nossa Senhora foi
visitar a sua prima Santa Isabel, o seu primeiro gesto foi o de cumprimentar o
casal. Na multiplicação dos pães, Nosso Senhor Jesus Cristo fez com que a
multidão se sentasse e, só depois, ofereceu os alimentos. Muitos santos ajoelhavam-se
diante dos pobres, como o Salvador na noite da Quinta-feira Santa, diante dos
seus discípulos, para lavar-lhes os pés e até as chagas. Para eles, servir aos
pobres era servir a Jesus na pessoa do infeliz. Era a Ele que davam comida,
enquanto saciavam os famintos; era a Ele que refrescavam, quando davam de beber
aos sedentos; era a Ele que acolhiam, quando recebiam nas suas casas os que
viviam nas ruas ou quando lhes ofereciam roupas; era a Ele que visitavam quando
regularmente se dirigiam aos hospitais e prisões.
Quando a pessoa do doente, do
pobre, do indigente é vista sob este prisma, ela fica engrandecida e até enobrecida.
Muitas vezes, Deus quis encorajar os santos a revelarem aos que os cercavam
qual era o verdadeiro motivo da sua caridade, operando milagres. Às portas de
Amiens, em França, São Martinho cortou a sua capa em dois para vestir um pobre
que tremia de frio. Pouco depois, Jesus apareceu-lhe, vestindo o manto dado ao
infeliz. Santa Isabel da Hungria cuidou de um leproso e chegou a oferecer o seu
leito, deitando-o sobre a sua cama. Como o gesto foi praticado por caridade,
seu marido não viu o leproso, mas um crucifixo. São Francisco de Assis cavalgava
por uma planície, quando avistou na estrada um leproso. Normalmente, um jovem
elegante, como era o Pobre de Assis, tapava o nariz para não sentir o cheiro forte
das partes do corpo apodrecidas pela doença. Naquele dia, a graça de Deus tocou
o seu coração. Ele desmonta, deposita a sua esmola na mão enfaixada e beija-a com
respeito. Antes de retomar a viagem, feliz pela sua boa ação, volta-se e vê que
o pobre homem desaparecera misteriosamente, sugerindo-lhe que era o próprio
Cristo que tinha aparecido ao seu servo na forma de leproso.
Talvez hoje, com a diminuição
da fé, tenhamos perdido algo desse respeito pelos pobres, pelos doentes, pelos
sofredores. A nossa atenção vai mais para os excelentes avanços científicos, para
os remédios que devem tomar, do que com a suavidade, o respeito e carinho que
merecem. Por vezes, esses infelizes não pedem caridade, mas justiça e chegam,
eles mesmos, a ajudar quem é ainda mais miserável do que eles, porque sabem
que há mais alegria no dar, do que no receber.
Tomando novamente o exemplo
de Nossa Senhora, durante a visitação, consideremos que Ela ficou com Santa
Isabel por aproximadamente três meses. Não se tratava de fazer uma visita
rápida: cumprimentar, felicitar e sair. Ela quis ensinar-nos que o sucesso de
todas as obras de caridade está na perseverança. O demónio leva tempo, dez,
vinte, quarenta anos para levar uma alma à sua perdição, e nós, para levarmos
uma alma a Deus, para a trazer de volta a Ele pelo exercício da caridade, devemos
ter paciência, sermos perseverantes, pois só assim os nossos esforços não serão
em vão.
É claro que para se chegar à
alma, é preciso primeiro ajudar os corpos, dar pão aos famintos, antes de lhes consolar
com belas palavras, contar-lhes um fato edificante, um exemplo de vida e
convidar-lhes a voltarem-se para Deus e Nossa Senhora. Ninguém, a menos que não
tenha coração, recusaria alimento a um miserável exausto e fraco. Contudo, não
devemos esquecer-nos de que o fim último da nossa caridade deve ser sempre
chegar, para além do corpo, ao coração.
Quando ocorre um acidente, uma
guerra, como foi o caso da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, a Europa
inteira emocionou-se e foram organizados envios de bens, que aliviavam o
sofrimento material, o que é excelente num primeiro momento. Mas qual foi a
ajuda para o aplacar a dor dos corações? Já o grande São Bernardo de Claraval afirmava
que a angústia das almas, move-nos menos do que a do corpo. E ele dava o
exemplo, adaptado à sua época onde os animais substituíam os tratores, etc: “Um
animal cai e muitos braços são oferecidos para o levantar. Uma alma afunda-se no
pecado, ninguém vem em seu auxílio”. No entanto, concluía o Santo, a caridade feita
às almas prevalece sobre a atenção dada aos corpos.
E isto, porque devemos amar o
nosso próximo como Jesus o ama. O Bom Pastor veio para dar a vida às suas
ovelhas, não a do corpo, mas a vida sobrenatural da alma, abrindo-lhes as
portas do Céu. É para garantir esta salvação das almas que Jesus pregou, viveu
e morreu na cruz. À beira do poço de Jacó, Ele esperou a mulher samaritana. Ele
ansiava por essa alma, pelo seu retorno a Deus. Ele via a angústia moral dela e
teve pena, porque conhecia a sua fraqueza.
Também hoje Nosso Senhor tem
pena das nossas fraquezas! Para que não caiamos pelo caminho, fez-Se alimento,
esconde-Se, sob as espécies de pão, na Eucaristia. Fortalecidos por este
alimento celestial, temos mais coragem para escalar o árduo caminho do dever e
sermos fiéis à nossa vocação específica, como pais de família, solteiros,
sacerdotes ou religiosos.
No Horto das Oliveiras, Nosso
Senhor pensou nas almas e especialmente naquelas que não iriam querer saber da
sua Paixão e Morte, e sofreu ainda mais no seu coração. Ainda na cruz, esquecendo-Se
das enormes torturas pelas quais passou, continuou a pensar nelas e bradou: “Tenho
sede!” Não era um pouco de água que os seus lábios ressecados pediam. O seu Divino
Coração queria almas, é delas que Ele tinha sede.
Seguindo o exemplo do Divino
Mestre, a Igreja continua a sua missão evangelizadora de salvar almas. O
missionário deixa os seus pais, os seus entes queridos, o seu país e parte para
terras longínquas, não para fazer fortuna, mas para conquistar almas para
Cristo. A religiosa que deixa o mundo e trabalha infatigavelmente num hospital ou
numa enfermaria, também espera ganhar almas para Deus. E é, justamente, por
temerem que essa caridade abra os corações para Deus e Nossa Senhora que uma
corrente moderna e alguns políticos querem expulsá-los e não os querem à junto do
leito dos moribundos, aceitando, no máximo, que tratem do corpo, mas nunca da
alma.
Salvar almas também deve ser
o objetivo de todo o cristão. À nossa volta, na nossa família, no nosso local
de trabalho, há almas mortas que precisam de ser ressuscitadas, almas doentes
que requerem cuidados delicados, almas perdidas que procuram o seu caminho.
Conviver com essas angústias sem ajudá-las é indigno de um discípulo de Jesus.
Este apostolado é um esforço
enorme, especialmente nos nossos dias! Mas recordemos de que seremos julgados pela
nossa fé, nossas orações, por termos sido bons samaritanos, por termos cumprido
os mandamentos e estejamos confiantes de que, com a ajuda de Nossa Senhora, um
dia ouviremos o doce convite dirigido àqueles que praticaram a caridade:
"Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o Reino que vos está
preparado desde a criação do mundo" (Mt 25, 34).