Visualizações de página na última semana

domingo, 9 de outubro de 2022

9 de outubro: a morte de Pio XII, o Papa que condenou o nazismo e o comunismo


Nascido a 2 de março de 1876, Eugénio Maria José João Pacelli foi eleito Papa no dia 2 de março de 1939, quando o mundo já antevia o início da Segunda Guerra Mundial, tomando o nome de Pio XII.

Ainda como colaborador de Pio XI, apontou o paganismo e os erros da ideologia do nacional-socialismo e mais tarde não hesitou em condenar o comunismo

No dia 9 de outubro de 1958, aos 82 anos, entregou a sua alma a Deus.

Nos nossos dias, ainda existem pessoas que, por desconhecimento ou razões ideológicas, ainda ousam pregar desavergonhadamente os benefícios de uma doutrina e regime que fez mais de 94 milhões de vítimas em todo o mundo, conforme o historiador Stéphane Courtois.

- 20 milhões na União Soviética

- 65 milhões na República Popular da China

- 1 milhão no Vietname

- 2 milhões na Coreia do Norte

- 2 milhões no Camboja

- 1 milhão nos Estados Comunistas do Leste Europeu

- 150 mil na América Latina

- 1,7 milhões na África

- 1,5 milhões no Afeganistão

- 10 000 mortes "resultantes das ações do movimento internacional comunista e de partidos comunistas fora do poder".

Este número impressionante de vítimas inocentes é quatro vezes superior às 21 milhões do nazismo, segundo o historiador R. J. Rummel, sendo quase 6 milhões de judeus.

Logo depois da Segunda Guerra Mundial, a humanidade pedia uma condenação incontestável da ideologia Nazi. Depois do Processo de Nuremberg ficou patente que a ideologia do nacional-socialismo é criminosa e leva a crimes hediondos. Em pleno século XXI, com o recuo histórico, já não temos todos os dados para fazermos um processo do comunismo? Ou continuaremos a condenar vigorosamente o nazismo, com os seus campos de concentração – e muito bem! – e a fecharmos os olhos para os Gulags soviéticos, para a revolução cultural chinesa, o “paraíso cubano”, e tantas outras desastrosas experiências do comunismo que não só matavam e oprimiram os seus opositores, como levaram o povo à miséria?

Recordemos os ensinamentos, muito atuais e esclarecedores, do Papa Pio XI, sobre os males do comunismo, contidos na Encíclica Divinis Redemptoris de 19 de março de 1937, a condenação explícita de Pio XII a este regime, a excomunhão aos que professam, defendem e divulgam a doutrina materialista e anticristã dos comunistas, reafirmada por vários Papas.

Extratos da Divinis Redemptoris de Pio XI

“Depois da miserável queda de Adão, como consequência dessa mácula hereditária, começou a travar-se o duro combate da virtude contra os estímulos dos vícios; e jamais cessou aquele antigo e astuto tentador de enganar a sociedade com promessas falazes. É por isso que, pelos séculos afora, as perturbações se têm sucedido umas às outras até à revolução dos nossos dias, a qual ou já surge furiosa ou pavorosamente ameaçada atear-se em todo o universo e parece ultrapassar em violência e amplitude todas as perseguições que a Igreja tem padecido; a tal ponto que povos inteiros correm perigo de recair em barbárie, muito mais horrorosa do que aquela em que jazia a maior parte do mundo antes da vinda do Divino Redentor.

Vós, sem dúvida, Veneráveis Irmãos, já percebestes de que perigo ameaçador falamos: é do comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da Civilização Cristã.

Mas diante destas ameaçadoras tentativas, não podia calar-se nem de fato se calou a Igreja Católica. Não se calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo despreza e impugna. Já desde os tempos em que certas classes de eruditos pretenderam libertar a civilização e cultura humanística dos laços da religião e da moral, os Nossos Predecessores julgaram que era seu dever chamar a atenção do mundo, em termos bem explícitos, para as consequências da descristianização da sociedade humana. E pelo que diz respeito aos erros dos comunistas, já em 1846, o Nosso Predecessor de feliz memória, Pio IX, os condenou solenemente, e confirmou depois essa condenação no Sílabo. São estas as palavras que emprega na Encíclica Qui pluribus: “Para aqui (tende) essa doutrina nefanda do chamado comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana” (Encíclica Qui pluribus, 9 de novembro de 1846: Acta Pii IX, vol. I, pág. 13. Cf. Sílabo, IV: A.A.S., vol. III, pág. 170). Mais tarde, outro Predecessor Nosso de imortal memória, Leão XIII, na sua Encíclica Quod Apostolici muneris (28 de dezembro de 1878: Acta Leonis XIII, vol. I, pág. 40), assim descreveu distinta e expressamente esses mesmos erros: “Peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo”; e com a clarividência do seu espírito luminoso demonstrou que o movimento precipitado das multidões para a impiedade do ateísmo, numa época em que tanto se exaltavam os progressos da técnica, tivera origem nos desvarios duma filosofia que de há muito porfia por separar a ciência e a vida da fé da Igreja.

Nós também no decurso do Nosso Pontificado, com insistente solicitude fomos várias vezes denunciando as correntes desta impiedade que víamos crescendo e rugindo cada vez mais ameaçadoras. Efetivamente, quando em 1924 voltava da Rússia a Nossa missão de socorro, numa alocução especial dirigida ao universo católico (18 de dezembro de 1924: A.A.S., vol. XVI (1924), págs. 494-495), condenamos os erros e processos dos comunistas. E pelas Encíclicas Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928: A.A.S., vol. XX (1928), págs. 165-178), Quadragesimo anno (15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228), Caritate Christi (3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 177-194), Acerba animi (29 de setembro de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 321-332), Dilectissima Nobis (3 de junho de 1933: A.A.S., vol. XXV (1933), págs. 261-274), levantamos a voz em solenes protestos contra as perseguições desencadeadas contra o nome cristão, tanto na Rússia, como no México, como finalmente na Espanha. E estão ainda bem frescas na memória as alocuções por Nós pronunciadas, o ano passado, quer por ocasião da inauguração da Exposição mundial da Imprensa Católica, quer na audiência concedida aos refugiados espanhóis, quer também em Nossa Mensagem radiofônica pela festa do santo Natal. Até os mais encarniçados inimigos da Igreja, que desde Moscou, sua capital, dirigem esta luta contra a civilização cristã, até eles mesmos, com seus ataques ininterruptos, dão testemunho, não tanto por palavras como por atos, que o Sumo Pontificado, ainda em nossos tempos, não só não cessou de tutelar com toda a fidelidade o santuário da religião cristã, mas tem dado voz de alarme contra o enorme perigo comunista, com mais freqüência e maior força persuasiva que nenhum outro poder público deste mundo.

Julgamos dever Nosso levantar de novo a voz; e fá-lo-emos por meio deste documento de maior solenidade, como é costume desta Sé Apostólica, mestra da verdade; e com tanto maior satisfação o faremos, quando é certo que assim correspondemos aos desejos de todo o universo católico. Confiamos até que o eco da nossa voz será acolhido de bom grado por todos aqueles que, de espírito liberto de preconceitos, desejem sinceramente o bem da humanidade. Esta nossa confiança vem em certo modo aumentá-la o fato de vermos estas Nossas admoestações confirmadas pelos péssimos frutos, que Nós prevíramos e anunciáramos haviam de brotar das ideias subversivas, e que de fato se vão pavorosamente multiplicando nas regiões já dominadas pelo comunismo, ou ameaçam invadir rapidamente os outros países do mundo.

A doutrina comunista que em nossos dias se apregoa, de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho de tal modo impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco equitativa repartição dos bens deste mundo dá como consequência a miséria anormal de muitos. Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhos com um salário de miséria.

Ora, a doutrina que os comunistas em nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências capciosas e sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a ideia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade, porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de ruínas, tome o aspeto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênero humano.


Além disso, o comunismo despoja o homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida espiritual; e ao mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. E, como a pessoa humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que, para assim dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos naturais, que dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos à coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez que sustentam o princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que proceda de Deus, até mesmo a dos pais; porquanto, como asseveram, tudo quanto existe de autoridade e subordinação, tudo isso, como de primeira e única fonte, deriva da sociedade. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade sobre bens naturais ou sobre meios de produção; porquanto, dando como dão origem a outros bens, a sua posse introduz necessariamente o domínio de um sobre os outros. E é precisamente por esse motivo que afirmam que qualquer direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão econômica, tem de ser radicalmente destruído.

Além disto, como esta doutrina rejeita e repudia todo o caráter sagrado da vida humana, segue-se por natural consequência que para ela o matrimônio e a família é apenas uma instituição civil e artificial, fruto de um determinado sistema econômico: por conseguinte, assim como repudia os contratos matrimoniais formados por vínculos de natureza jurídico-moral, que não dependam da vontade dos indivíduos ou da coletividade, assim rejeita a sua indissolúvel perpetuidade. Em particular, para o comunismo não existe laço algum da mulher com a família e com o lar. De facto, proclamando o princípio da emancipação completa da mulher, de tal modo a retira da vida doméstica e do cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública e da produção coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do lar e dos filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito que lhes compete de educar os filhos, o qual se considera como direito exclusivo da comunidade, e, por conseguinte, só em nome e por delegação dela se pode exercer.

Que viria a ser, então, a sociedade humana, baseada em tais fundamentos materialistas? Viria a ser uma coletividade, sem outra hierarquia mais do que a derivada do sistema econômico. Teria por missão única a produção de riqueza por meio do trabalho coletivo, e único fim o gozo dos bens da terra num paraíso ameníssimo de delícias onde cada qual “produziria conforme as suas forças e receberia conforme as suas necessidades”. É também de notar que o comunismo reconhece igualmente à coletividade o direito, ou antes a arbitrariedade quase ilimitada, de sujeitar os indivíduos ao jugo do trabalho coletivo, sem a menor consideração do seu bem-estar pessoal; mais ainda, o direito de os forçar contra a sua vontade e até pela violência. E nesta sociedade comunista proclamam que tanto a moral como a ordem jurídica não brotam de outra fonte mais do que do sistema econômico do tempo o que, por conseguinte, de sua natureza são valores terrestres transitórios e mudáveis. Em suma, para resumirmos tudo em poucas palavras, pretendem introduzir uma nova ordem de coisas e inaugurar uma era nova de mais alta civilização, produto unicamente duma cega evolução da natureza: “uma humanidade que tenha expulsado a Deus da terra”.

E, quando as qualidades e disposições de espírito, que se requerem para realizar semelhante sociedade, tiverem sido alcançadas por todos em tal grau, que por fim tenha surgido aquele ideal utópico de sociedade, que eles sonham, sem distinção de classes então o Estado político, que ao presente unicamente se organiza como instrumento de domínio dos capitalistas sobre os proletários, perderá totalmente a razão de ser e, por necessidade natural, se dissolverá! Todavia, enquanto se não tiver chegado a essa idade de ouro, os comunistas empregam o governo e o poder público como o mais eficaz e universal instrumento, para atingirem o seu fim.

Aqui tendes, Veneráveis Irmãos, diante dos olhos do espírito, a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção! Sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa humana.

Mas donde vem que tal sistema, que a ciência já há muito ultrapassou e a realidade dos fatos vai cada dia refutando, possa difundir-se tão rapidamente por todas as partes do mundo? Facilmente poderemos compreender esse fenômeno, se refletirmos que são muito poucas as pessoas que têm penetrado a fundo a verdadeira natureza e fim do comunismo; ao passo que são muitíssimos os que cedem facilmente à tentação, habilmente apresentada sob as promessas mais deslumbrantes. É que os propagandistas deste sistema afivelam esta máscara de verdade, a saber: que não querem outra coisa mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras; que pretendem não somente dar remédio oportuno aos abusos provocados pela economia liberal, mas também conseguir uma distribuição mais equitativa dos bens terrenos: objetivos estes que certamente ninguém nega se possam atingir por meios legítimos. Contudo os comunistas, por esses processos, explorando sobretudo a crise econômica, que em toda a parte se sente, conseguem atrair ao seu partido aqueles mesmos que, em virtude da doutrina que professam, abominam os princípios do materialismo e os monstruosos crimes que não raro se perpetram. E, como em qualquer erro há sempre qualquer centelha de verdade, como acima vimos que sucedia até mesmo nesta questão, este aspeto de verdade põem-no em relevo com requintada habilidade, com o fim de dissimularem e ocultarem, quanto convém, aquela odiosa e desumana brutalidade dos princípios e dos métodos de comunismo; e desse modo conseguem seduzir até espíritos nada vulgares, os quais muitas vezes a tal ponto se deixam entusiasmar que eles próprios se tornam uma espécie de apóstolos, que vão extraviar com esses erros sobretudo os jovens, facilmente expostos a se deixarem enredar por esses sofismas. Além disso, os arautos do comunismo não ignoram que podem tirar partido, tanto dos antagonismos de raça como das dissensões e lutas em que se entrechocam as diferentes facões políticas, como enfim daquela desorientação que lavra no campo da ciência, onde a própria ideia de Deus emudece, para se infiltrarem nas Universidades e corroborarem os princípios da sua doutrina com argumentos pseudocientíficos.

A difusão tão rápida das ideias comunistas que se vão sorrateiramente infiltrando por países grandes ou pequenos, cultos ou menos civilizados, e até nas partes mais remotas do globo, tem sem dúvida por causa esse fanatismo de propaganda encarniçada, como talvez nunca se viu no mundo. E essa propaganda, emanada duma fonte única, adapta-se astutamente às condições particulares dos povos; dispõe de grandes meios financeiros, de inúmeras organizações, de congressos internacionais concorridíssimos, de forças compactas e bem disciplinadas; propaganda quer por jornais, revistas e folhas volantes, pelo cinema, pelo teatro, pela radiofonia, pelas escolas enfim e pelas Universidades, pouco a pouco vai invadindo todos os meios ainda os melhores, sem darem talvez pelo veneno, que cada vez mais vai infecionando os espíritos e os corações.

Outro auxiliar poderoso, que contribui para a avançada do comunismo, é sem dúvida a conspiração do silêncio na maior parte da imprensa mundial, que não se conforma com os princípios católicos. Conspiração dizemos: porque aliás, não se explica facilmente como é que uma imprensa, tão ávida de esquadrinhar e publicar até os mínimos incidentes da vida cotidiana, sobre os horrores perpetrados na Rússia, no México e numa grande parte de Espanha pode guardar, há tanto tempo, absoluto silêncio; e da seita comunista, que domina em Moscou e tão largamente se estende pelo universo em poderosas organizações, fala tão pouco. Mas todos sabem que esse silêncio é em grande parte devido a exigências duma política, que não segue inteiramente os ditames da prudência civil; e é aconselhável e favorecido por diversas forças ocultas que já há muito porfiam por destruir a ordem social-cristã.

Entretanto, aí estão à vista os deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram radicar-se e dominar, - e aqui pensamos com particular afeto paterno nos povos da Rússia e do México, - aí, como eles próprios abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir radicalmente os fundamentos da religião e da civilização cristãs, e extinguir completamente a sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude. Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões.

Até em países, onde - como sucede na Nossa amadíssima Espanha - não conseguiu ainda a peste e o flagelo comunista produzir todas as calamidades dos seus erros, desencadeou, contudo, infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem monumentos insignes de arte e de ciência, tudo foi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século.

Ninguém de são critério, quer seja simples particular, quer homem de Estado, cônscio da sua responsabilidade, ninguém absolutamente, repetimos, pode deixar de estremecer de sumo horror, se refletir que tudo quanto hoje está sucedendo na Espanha, pode amanhã repetir-se também em outras nações civilizadas.

Nem se pode asseverar que semelhantes atrocidades são consequências fatais de todas as grandes revoluções, como excessos esporádicos de exasperação, comuns a qualquer guerra: não, são frutos naturais do sistema, cuja estrutura não obedece a freio algum interno. Um freio é necessário ao homem, tanto individualmente como socialmente considerado; e é por isso que até os povos bárbaros reconheceram o vínculo da lei natural, esculpida por Deus na alma de cada homem. E, quando a observância dessa lei foi tida por todos como um dever sagrado, viram-se nações antigas atingir um tal esplendor de grandeza, que espanta, ainda mais até do que é razão, aqueles que só superficialmente compunham os documentos da história humana. Mas quando se arranca das mentes dos cidadãos a própria ideia de Deus, necessariamente os veremos precipitar-se na crueldade mais selvagem, e na ferocidade dos costumes. Luta contra tudo o que é divino

É este o espetáculo que atualmente com suma dor contemplamos: pela primeira vez na história estamos assistindo a uma insurreição, cuidadosamente preparada e calculadamente dirigida contra “tudo o que se chama Deus” (cfr. 2 Tess 1, 4). Efetivamente, o comunismo por sua natureza opõe-se a qualquer religião, e a razão por que a considera como o “ópio do povo”, é porque os seus dogmas e preceitos, pregando a vida eterna depois desta vida mortal, apartam os homens da realização daquele futuro paraíso, que são obrigados a conseguir na terra.

Mas não é impunemente que se despreza a lei natural e o seu autor, Deus; a consequência é que os esforços dos comunistas, assim como nem sequer no campo econômico puderam até hoje realizar o seu desígnio, assim também no futuro jamais o poderão conseguir. Não negamos que esses esforços na Rússia contribuíram não pouco para sacudir os homens e as suas instituições, daquela longa e secular inércia em que jaziam, e que puderam, empregando todos os meios e processos; ainda mesmo ilegitimamente, fazer alguma coisa para promover o progresso material; mas sabemos por testemunhos absolutamente insuspeitos, e alguns bem recentes ainda, que de fato nem sequer neste ponto se conseguiu o que tanto se prometera. E não se esqueça, que aquela ditadura, toda terrorismo e crueldade, impôs a inumeráveis cidadãos o jugo da escravidão. Porque é de notar que também no terreno econômico é imprescindível alguma norma de probidade a que se conforme, por dever de consciência, quem exerce algum cargo; ora isso é indiscutível que o não podem dar os princípios comunistas, nascidos dos sofismas do materialismo. Por conseguinte, nada mais resta do que aquele pavoroso terrorismo que se está vendo na Rússia, onde os antigos camaradas de conspiração e de luta se vão dando a morte uns aos outros; mas esse terrorismo criminoso, longe de conseguir pôr um dique à corrupção dos costumes, nem sequer pode evitar a dissolução da estrutura social. Um pensamento paternal para os povos oprimidos da Rússia

Com isto, porém, não é nossa intenção condenar em massa os povos da União Soviética, aos quais, pelo contrário, consagramos o mais vivo afeto paterno. É que, de facto, sabemos que muitos deles gemem sob o jugo da mais iníqua escravidão, que lhes foi imposta por homens, pela maior parte estranhos aos verdadeiros interesses daquele povo; e que muitos outros foram enganados por promessas e esperanças falazes. O que Nós condenamos é o sistema e seus autores e fautores que consideraram aquela nação como o terreno mais apto para lançarem a semente do seu sistema, há muito tempo preparada, e de lá a disseminarem por todas as regiões do globo.

Queremos, pois, mais uma vez expor, como em breve síntese, os sofismas teóricos e práticos do comunismo, como eles se manifestam principalmente nos princípios e métodos da ação do bolchevismo: a esses sofismas, todos falsidade e ilusão, contrapor a luminosa doutrina da Igreja; e de novo exortar a todos insistentemente a lançar mãos dos meios, com que é possível não somente livrar e salvaguardar deste horrendo flagelo a civilização cristã, a única em que pode subsistir uma sociedade verdadeiramente humana, mas ainda fazê-la avançar, a passo cada dia mais acelerado, para o genuíno progresso da humanidade.

Como em todos os períodos mais tormentosos da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é uma sincera renovação da vida privada e pública, segundo os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo, a fim de serem verdadeiramente o sal da terra, que preserve a sociedade humana de tal corrupção.

Com sentimentos de profunda gratidão para com o Pai das luzes, de quem desce “toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito” (Tg 1, 17), vemos por toda a parte sinais consoladores dessa renovação espiritual, não só em tantas almas singularmente escolhidas, que nestes últimos anos se têm elevado ao cume da mais sublime santidade, e em tantas outras, cada vez mais numerosa, que generosamente caminham para a mesma luminosa meta, mas também no reflorescimento de uma piedade sentida e vivida, em todas as classes da sociedade, até nas mais cultas, como pusemos em relevo no Nosso recente Motu proprio In multis solaciis, de 28 do passado outubro, por ocasião da reorganização da Pontifícia Academia das Ciências (A.A.S., vol. XXVIII (1936), págs. 421-424).

Não podemos, contudo, negar que muito resta ainda por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em países católicos, demasiados são os que são católicos quase só de nome; demasiados, aqueles que, seguindo embora mais ou menos fielmente as práticas mais essenciais da religião que se ufanam de professar, não se preocupam de melhor a conhecer, nem de adquirir convicções, mais íntimas e profundas, e menos ainda de fazer que ao verniz exterior corresponda o interno esplendor de uma consciência reta e pura, que sente e cumpre todos os seus deveres sob o olhar de Deus. Sabemos quanto o Divino Salvador aborrece esta vã e falaz exterioridade, Ele que queria que todos adorassem o Pai “em espírito e verdade” (Jo 4, 23). Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa, não poderá hoje, que tão violento sopra o vento da luta e da perseguição, resistir por muito tempo, mas será miseravelmente submerso por este novo dilúvio que ameaça o mundo; e assim, enquanto se prepara por si mesmo a própria ruína, exporá também ao ludibrio o nome cristão.

E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias...” (Tg 5, 1-3).

Mas os pobres, por sua vez, esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.


E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias...” (Tg 5, 1-3).

Mas os pobres, por sua vez, esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.

Ao princípio, o comunismo mostrou-se tal qual era em toda a sua perversidade; mas bem depressa se capacitou de que desse modo afastava de si os povos; e por isso mudou de tática e procura atrair as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes do comunismo fingem ser os mais zelosos fautores e propagandistas do movimento a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz, recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes que nem por sombras aludem ao comunismo, fundam associações e periódicos que servem depois unicamente para fazerem penetrar as suas ideias em meios, que doutra forma lhe não seriam facilmente acessíveis, procuram até com perfídia infiltrar-se em associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, sem renunciarem um ponto a seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade das consciências. Há até quem, reportando-se a certas alterações recentemente introduzidas na legislação soviética, deduz que o comunismo está em vésperas de abandonar o seu programa de luta contra Deus.

Procurai, Veneráveis Irmãos, que os fiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair como vítimas do seu erro; e quanto mais se distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã as regiões aonde o comunismo consegue penetrar, tanto mais devastador lá se manifesta o ódio dos “sem-Deus”.

Não podemos pôr termo a esta Carta Encíclica, sem dirigir uma palavra àqueles mesmos filhos Nossos que estão já contagiados ou tocados do mal comunista. Exortamo-los vivamente a que ouçam a voz do Pai que os ama; e rogamos ao Senhor que os ilumine, para que deixem o caminho que os despenha a todos numa imensa e catastrófica ruína, e reconheçam também eles que o único Salvador é Jesus Cristo Senhor Nosso: “porque não há sob o céu nenhum outro nome dado aos homens, pelo qual possamos esperar ser salvos” (At 4, 12)”.

Pio XII: Excomunhão para os que professam, defendem e divulgam o comunismo

Em 15 de julho de 1948, L'Osservatore Romano publicou um decreto emanado pelo Santo Ofício, no qual afirmava que estavam excomungados os que propagavam "os ensinamentos materialistas e anti-cristãos do comunismo".

A 1 de julho de 1949, o Santo Ofício publicou mais um decreto condenatório, no qual proibia os católicos de favorecerem, votarem ou se filiarem em partidos comunistas; e de ler, publicar ou escrever qualquer material que defendesse o comunismo (citando o cânone 1399 do Código de Direito Canónico de 1917, atualmente revogado). Este decreto voltou também a confirmar a excomunhão automática, ipso facto (ou latae sententiae).

Pio XII ordenou a publicação do Decreto no dia 1 de julho de 1949 na Acta Apostolicae Sedis, que levou à excomunhão de católicos que defendiam abertamente o comunismo. Também condenou o comunismo em outras ocasiões, como por exemplo na Carta Apostólica Dum maerenti animo — A Igreja perseguida na Europa do Leste (29 de junho de 1956)[28] e na Carta Apostólica "Sacro vergente anno" – A Consagração da Rússia ao Coração Imaculado de Maria (7 de julho de 1952).

O texto completo do decreto de 1949, escrito em latim e foi traduzido da seguinte maneira:

Recordamos que “a Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício, por mandato e com a autoridade do Sumo Pontífice Pio XII, promulgou um decreto no dia 1o. de julho de 1949, no qual proscreve categoricamente o comunismo e toda colaboração com ele. (A.A.S., voL XLI, pág. 334).

I – É lícito aos católicos dar seu nome e prestar sua ajuda aos partidos comunistas?

Resposta: Não é lícito, o comunismo é materialista e anticristão; com efeito, os chefes comunistas, inclusive quando dizem por palavras que não combatem a religião, na realidade, contudo, tanto pela doutrina como pela ação, mostram-se inimigos de Deus, da verdadeira Religião e da Igreja de Cristo,

II – É lícito editar, difundir ou ler livros, revistas, jornais e folhetos que defendem a doutrina ou atividades comunistas, ou neles escrever?

Resposta: Não é lícito; está proibido ipso jure (cânon 1399 do Código de Direito Canônico).

III – Os fiéis que, consciente e livremente, tenham incorrido nos atos de que tratam os números I e II, podem ser admitidos aos Sacramentos?

Resposta: Não podem ser admitidos, em conformidade com o princípio geral de que se deve negar os Sacramentos àqueles que não estão nas devidas disposições para recebê-los.

lV – Os fiéis que professam a doutrina materialista e anticristã dos comunistas e principalmente aqueles que a defendem e divulgam, incorrem, ipso facto, na excomunhão reservada de modo especial à Sé Apostólica, como apóstatas da Fé católica?

Resposta: Sim, incorrem.

(A.A.S., voL XLI, pág. 334. – Colocamos cada resposta logo em seguida à respetiva pergunta para maior facilidade de compreensão).

Nos anos seguintes, o Santo Ofício continuou a emitir condenações, como a excomunhão do padre Jan Dechet, que foi nomeado bispo pelo governo comunista checoslovaco, a 18 de fevereiro de 1950, a da filiação a organizações da juventude comunista, a 28 de setembro de 1950, a usurpação de funções da Igreja pelo Estado, a 29 de junho de 1950, a ilegitimação de bispos ordenados pelo Estado, a 9 de abril de 1951 e publicações que favoreciam o comunismo totalitário, a 28 de junho e 22 julho de 1955.

João XXIII confirma condenação aos candidatos comunistas

A 4 de abril de 1959, o Papa João XXIII autorizou a publicação do Dubium, um documento do Santo Ofício de 25 de março, que confirmava o decreto contra o Comunismo de 1949, escrito em latim e que pode ser traduzido nos seguintes termos:

Foi perguntado no dia 25 de março de 1959 à Suprema Sagrada Congregação se é permitido aos cidadãos católicos ao elegerem os representantes do povo, darem o seu voto a partidos ou a candidatos que, mesmo se não proclamam princípios contrários à doutrina católica e até reivindicam o nome de cristãos, apesar disto se unem de facto aos comunistas e os apoiam por sua ação.

Os Eminentíssimos e Reverendíssimos Padres, responsáveis pela proteção da fé e da moral, responderam com seguinte decreto:

Não, segundo a diretiva do Decreto do Santo Ofício de 1 de julho de 1949, n. 1 (A.A.S., vol. XLI, 1949, p. 334).

No dia 2 de abril do mesmo ano, o Papa João XXIII, na audiência ao Cardeal Pró-secretário do Santo Ofício, aprovou a decisão dos Padres e ordenou a sua publicação, no dia 4 de Abril de 1959.

O novo Código de Direito canónico de São João Paulo II e a rejeição ao socialismo e comunismo no Catecismo da Igreja Católica

Em 1983, o Código de Direito Canónico de 1917, no qual se baseou os decretos contra o comunismo, foi abrogado pelo novo Código de Direito Canónico, publicado pelo Papa São João Paulo II, em 1983.

No cânon 6 do novo Código, está explicitado que, "com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados: o Código de Direito Canónico promulgado no ano de 1917; as outras leis, quer universais quer particulares, contrárias às prescrições deste Código, a não ser que acerca das particulares se determine outra coisa; quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código; as outras leis disciplinares universais respeitantes a matéria integralmente ordenada neste Código. Os cânones deste Código, na medida em que reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em consideração também a tradição canónica."

Contudo, o novo Código reserva aos apóstatas da fé, aos hereges e aos cismáticos a pena da excomunhão latae sententiae (cânon 1364), de forma mais abrangente e geral do que no Código anterior.

Por fim, o Catecismo da Igreja Católica (1992) afirma que a Igreja rejeita as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo", e por outro lado, recusa, na prática do "capitalismo", o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano.

Papa Francisco: Críticas ao capitalismo e apoio indireto ao comunismo?

A condenação dos Papas ao comunismo foi clara e evidente. Contudo, muitos católicos ficaram perplexos quando, em 2013, o Papa Francisco criticou o capitalismo e a ineficiência das políticas pró-mercado na sua primeira Exortação Apostólica (Evangelii Gaudium). Na ocasião, o Pontífice chegou a afirmar que a política pró-mercado é apenas uma opinião "que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante", e desde então várias características de seus discursos têm sido comparadas à retórica socialista, condenada por Pio XI. Em junho de 2014, o Papa respondeu que os comunistas é que se teriam apropriado da bandeira de defesa aos pobres, que está no centro do Evangelho cristão, declarando em tom descontraído que na verdade seriam os comunistas que apresentam similaridades com os princípios cristãos, e não o contrário.

Em 2015, numa entrevista na Bolívia, o Papa Francisco adotou novamente um discurso anticapitalista, sem afirmar com clareza a sua oposição à utopia comunista. O Papa pregou “mudança de estruturas” e disse que mesmo entre a elite económica que se beneficia do sistema “muitos esperam uma mudança que os libere dessa tristeza individualista que os escraviza”. Além disso, propôs que a economia deveria trabalhar ao serviço dos povos, ao invés de ser um mecanismo para acumulação de capital, defendendo que a verdadeira função da economia seria "a administração correta da casa comum".

De tal maneira as palavras do Papa foram compreendidas como um apoio ao comunismo que, no mesmo encontro, recebeu de presente do presidente boliviano Evo Morales um crucifixo estilizado na forma da foice e martelo (um dos símbolos do bolchevismo), uma reprodução da escultura do sacerdote jesuíta Luis Espinal, que tinha ligação com movimentos sociais bolivianos e foi assassinado por paramilitares em 1980.

Na ocasião, percebendo a instrumentalização que seria feita do presente, o Santo Padre manifestou visível desconforto com a peça, a princípio hesitando em recebê-la, para logo após devolvê-la. Durante entrevista ao jornal italiano La Repubblica do dia 11 de novembro de 2016, Francisco afirmou que “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam”. Ao ser questionado se uma sociedade mais marxista era necessário, respondeu que “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não, mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade.”

Francisco já havia expressado a mesma opinião em 2014, em uma entrevista ao jornal italiano Il Messaggero. “Eu só posso dizer que os comunistas têm roubado a nossa bandeira. A bandeira dos pobres é cristã. A pobreza está no centro do Evangelho, os pobres estão no centro do Evangelho”, disse o papa na ocasião, citando o capítulo 25 do Evangelho de Mateus, que retrata que o critério do julgamento divino será a ajuda ao necessitado. “Os comunistas dizem que tudo isso é comunismo. Sim, como não: vinte séculos depois!”, ironizou Francisco.

Audiência do Sr. Dr. Plinio Correa de Oliveira com Pio XII


Antes de encerrar este artigo, já muito longo, recordemos a audiência do Sr. Dr. Plinio Correa de Oliveira com o Papa Pio XII, contada numa carta dirigida a sua mãe, Senhora Dona Lucilia:

“Roma, 13.VI.50.

Mãezinha queridíssima do coração

Querido Papai

Escrevo-lhes a 1:30 da manhã, depois de ter tomado apontamentos desde 11 horas da noite até agora. Estou com todas as minhas orações para fazer. Tenho um mundo de contatos, tipo marquês Pallavicino, Príncipe Lancelotti, Príncipe Ruffo, Príncipe Chigi, Embaixador da Espanha junto ao Vaticano, etc. Mas, o mais formidável foi o Papa.

Íamos telegrafar para aí pedindo orações, quando veio — com uma rapidez inusitada — a notícia de que o Papa nos receberia em audiência especial no dia seguinte. Corre-corre tremendo para aprontar o relatório, que ficou concluído à ultimíssima hora. (…)

Atravessamos salões e salões. Na passagem, os Suíços e os “gendarmes” pontifícios apresentavam armas. Os salões cheios de diplomatas e de peregrinos. Afinal chegamos ao salão do Papa. Este foi muito amável comigo. Quando lhe disse que era o autor de Em Defesa da Ação Católica, disse apertando-me a mão com afeto: “Então uma bênção especial”.

Pedi bênção especial para a Senhora e Papai, pelo que, traduzindo mal, disse “mes parents”, o que quer dizer propriamente só os pais. Pedi também bênção especial para meus companheiros de trabalho. O Papa concedeu tudo muito afetuosamente, e benzeu os objetos de piedade que lhe levei.

Outros pormenores, só de viva voz poderei contar…

Para Papai, um longo e afetuoso abraço. Para Mamãe, milhões e milhões de beijos. A ambos peço a bênção, Plinio”.

(Revista Dr. Plinio, Junho/2005, n. 87, p. 5)

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O amor de São Francisco de Assis à Eucaristia e ao sacerdócio

 


Numa carta enviada a toda a Ordem, São Francisco de Assis exorta:

 Ouvi, filhos do Senhor e meus irmãos, e dai atenção às minhas palavras (Act  2,  14). Prestai os ouvidos (Is 55, 3) do vosso coração e obedecei à voz do Filho de Deus. Guardai de todo o vosso coração os seus mandamentos, e cumpri com perfeição os seus conselhos. Louvai-O a Ele, porque é bom (Sl 135, 1), e exaltai-O por meio das vossas obras (Tb 13, 6) pois, para isto Ele vos enviou ao mundo: para que, por palavras e obras, deis testemunho da sua voz e a todos façais saber que não há outro Omnipotente senão Ele (Tb 13, 4). Perseverai na disciplina (Heb  12,  7)  e  na  santa  obediência;  e  o  que  Lhe  prometestes,  cumpri-o  com  bom  e  firme propósito.  Como a filhos, oferece-Se a nós o Senhor Deus (Heb 12, 7).

 Da veneração do Corpo do Senhor

E por isso a todos vós, irmãos, imploro no Senhor, beijando-vos os pés e com quanta caridade eu posso, que presteis toda a reverência e toda a honra que puderdes, ao santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem tudo o que há no céu e sobre a terra foi pacificado e reconciliado (Cl 1, 20).

Da celebração da Santa Missa

Rogo ainda no Senhor a todos os meus irmãos, que são e serão e desejam ser sacerdotes do Altíssimo, que, quando quiserem celebrar missa, puros e com pureza e respeito celebrem o verdadeiro sacrifício do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com santa e pura intenção, e não por qualquer motivo terreno, nem por temor ou consideração de qualquer pessoa, como para agradar aos homens (Ef 6, 6; Cl 3, 22). Mas que toda a sua vontade, tanto quanto ajude a graça do Omnipotente, a Ele dirijam, não desejando agradar senão a Ele só, que é o soberano Senhor. Porquanto neste mistério só Ele opera como lhe agrada. E pois Ele nos diz:  Fazei isto em memória de mim (Lc  22,  19;  1Cor  11,  24),  se  alguém  fizer  de  outro  modo, torna-se noutro Judas traidor, réu do Corpo e Sangue do Senhor (1Cor 11, 27).

Lembrai-vos, meus irmãos sacerdotes, do que está escrito acerca da lei de Moisés: os que a transgrediam, mesmo nas coisas corporais, sem qualquer comiseração eram punidos de morte (Heb 10, 28), por sentença do Senhor. Quão maiores e mais terríveis suplícios merecem sofrer quem calca aos pés o Filho de Deus e ousa profanar o sangue do Testamento, com que foi santificado, e ultraja o espírito da graça?  (Heb  10,  29). 

O homem, de facto, despreza, profana e calca aos pés o Cordeiro de Deus, quando, como diz o Apóstolo, não discernindo (1Cor 11, 29) e distinguindo o pão santo de Cristo dos outros alimentos ou das outras obras, ou o come sendo indigno, ou mesmo, sendo digno, o come de modo vão e indigno, quando é verdade que o Senhor diz pelo Profeta: “Maldito o homem que faz a obra do Senhor com hipocrisia” (Jr 48, 10).

E aos sacerdotes que se recusam a gravar deveras estas coisas sobre o coração, condená-los-á o Senhor, que diz: “Amaldiçoarei as vossas bênçãos” (Ml 2, 2).

Ouvi, irmãos meus: Se a bem-aventurada Virgem Maria é honrada, como é de justiça, porque trouxe ao mesmo Senhor em suas santíssimas entranhas, se o bem-aventurado Baptista tremeu e não ousou tocar a cabeça sagrada do seu Deus, se é venerado o Sepulcro no qual por algum tempo ele jazeu, que santidade, justiça e dignidade não se requer naquele que trata com suas mãos, recebe no coração e na boca, e distribui aos outros, como alimento, Aquele que já, agora, não  morre,  mas  vive  eternamente  glorioso,  o  Cristo,  a  quem  os  Anjos  desejam contemplar? (1Pe 1, 2).

Vede a vossa dignidade, irmãos sacerdotes, e sede santos, porque também Ele é santo (Lv 19, 2).

E, como por motivo deste mistério, o Senhor mais que a todos vos honrou, assim amai-O, reverenciai-O e honrai-O mais que todos. 

Oh! miséria grande, oh! miseranda fraqueza, terde-Lo vós assim presente, e ocupardes-vos de qualquer outra coisa do mundo!

Que o homem todo se espante, que o mundo todo trema, que o céu exulte, quando sobre o altar, nas mãos do sacerdote, está Cristo, o Filho de Deus vivo! (Jo 11, 27).

Oh! grandeza admirável, oh! condescendência assombrosa, oh! humildade sublime, oh! Sublimidade humilde, que o Senhor de todo o universo, Deus e Filho de Deus, se humilhe a ponto de se esconder, para nossa salvação, nas aparências de um bocado de pão.

Vede, irmãos, a humildade de Deus e expandi diante d’Ele os vossos corações (Sl 61, 9); humilhai-vos também vós, para que Ele vos exalte (1Pe 5, 6; Tg 4, 10).

Em conclusão: nada de vós mesmos retenhais para vós, a fim de que totalmente vos possua Aquele que totalmente a vós Se dá.

 Da Sagrada Eucaristia em comunidade

Por isso, admoesto e exorto no Senhor, que nos lugares onde moram os irmãos, uma só missa se celebre cada dia, segundo a forma da santa Igreja. E nos lugares em que houver vários sacerdotes, por amor de caridade, contentem-se os outros com ouvir a missa daquele que celebra; porque aos que celebram, como aos que não celebram, desde que sejam dignos, o Senhor Jesus Cristo os cumula de graças. O qual, ainda que O vemos em diversos lugares, todavia permanece indivisível e sem de modo nenhum se fragmentar, mas sempre Um em toda a parte, opera como Lhe apraz, com o Senhor Deus Pai e o Espírito Santo, por séculos de séculos, Ámen.

 Da veneração das palavras sagradas

Depois, porque quem é de Deus, ouve as palavras de Deus (Jo  8,  47),  devemos em consequência,  nós,  os  que  mais  especialmente  somos  incumbidos  dos  ofícios  divinos,  não  só ouvir e fazer o que Deus diz, mas ainda, para mais nos compenetrarmos da grandeza do nosso Criador e da nossa sujeição a Ele, guardar com cuidado e reverência os vasos sagrados e os livros que servem nos ofícios e  contêm  as  suas  santas  palavras. E, por isso, admoesto a todos os meus irmãos e os exorto em Cristo a que, onde quer que encontrem escritos com suas divinas palavras, os venerem o melhor que possam, e, quanto a eles respeita, se não andam bem guardados ou estão em qualquer lugar menos digno, os recolham e coloquem em lugar decente, honrando nas palavras o Senhor que as proferiu. Porque muitas coisas são santificadas pelas palavras de Deus (1Tm 4, 5), e é em virtude das palavras de Cristo que se realiza o sacramento do altar.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Um meio fácil de se chegar à perfeição

 


Durante muitos anos, dois anacoretas pediram a Deus que lhes indicasse qual deveria ser a melhor maneira de O servir na perfeição.

Certo dia, cada um, separadamente, ouviu uma voz interior que lhes dizia para irem até à cidade de Alexandria, onde encontrariam um homem chamado Eucaristo, cuja mulher chamava-se Maria, que serviam a Deus mais perfeitamente que eles. Com este casal, aprenderiam a melhor honrar e amar a Deus.

Apesar de idosos e com dificuldades de locomoção, os eremitas não hesitaram em fazer-se rapidamente à estrada. Uma vez chegados a Alexandria, bateram de porta a parte, mas sem sucesso. Ninguém conhecia Eucaristo. Depois de três dias, começaram a duvidar da auteno cidade da voz interior e já prestes a voltar para a recolhimento, quando se aperceberam de uma mulher, que se encontrava de pé ao lado de uma pobre casa. Numa última tentativa, perguntaram-lhe:

- Senhora! Por acaso, conhece um homem chamado Eucaristo?

Qual não foi o espanto ao ouvirem a resposta:

- Claro que sim! É o meu marido.

Então, a senhora, chama-se Maria?

- Quem lhes informou sobre o meu nome?

Ouvimos uma voz interior que nos disse para vir a Alexandria, para falar com o Eucaristo e a sua mulher, Maria.

Eucaristo demorou ainda algum tempo a chegar, pois passara o dia no campo, com o seu rebanho de ovelhas. Os anacoretas correram ao seu encontro, saudaram-no e pediram-lhe que lhes contasse como era o seu estilo de vida.

- Sou um pobre pastor!

Mas, não era isto o que os eremitas queriam saber.

-  Dizei-nos, por favor, a maneira com que o senhor e a sua esposa louvam e servem a Deus.

Surpreso, Eucaristo replicou:

- Irmãos, sois vós que deveis nos ensinar como fazer! Somos ignorantes e não sabemos nem amar, nem servir a Deus.

Não importa, responderam os dois anciãos. Viemos aqui da parte de Deus, para saber de vós, como O servis.

Sentindo-se que se tratava de uma ordem, Eucaristo começou a contar-lhes:

- Minha mãe amava e temia muito a Deus. Desde a minha mais tenra infância, ensinou-me que devia fazer tudo e suportar tudo por amor de Deus. Segui este conselho desde muito jovem. Obedeci, por amor de Deus. Sofri todas as correções, por amor de Deus. Privei-me de pequenas guloseimas, tão desejadas quando somos crianças, ou de certas brincadeiras, próprias às estas idades, por amor de Deus. Continuei toda a minha vida com esta prática, procurando reportar tudo a Deus. Ainda hoje, pela manhã, levanto-me, por amor de Deus. Rezo e ofereço-Lhe o meu dia. Trabalho, por amor a Ele. Descanso, quando necessito, por amor de Deus e para melhor O servir. Sofro fome, frio, calor, a minha pobreza, as minhas doenças, as más colheitas do ano, por amor de Deus. Não tive filhos, vivi sempre com a minha mulher, como minha irmã e em grande paz. Isto é tudo o que eu e a minha mulher fazemos.

Mas, vocês têm bens? Perguntaram os eremitas.

- Temos poucas coisas, respondeu Eucaristo, como este rebanho, que herdei dos meus pais. Mas Deus abençoa o que temos e nada nos tem faltado. Pelo contrário, temos conseguido poupar e utilizar apenas um terço do que ganhamos. O resto, dividimos: metade para a Igreja e a outra metade para os pobres e os viandantes. Confesso que como muito pouco, mas não posso reclamar por falta de alimentos. Aceitamos tudo o que temos, por amor de Deus.

E quanto a inimigos. Tendes? Questionou o anacoreta mais velho.

- Quem não os tem? Respondeu rapidamente Eucaristo. Procuro não fazer mal a ninguém e não falar mal de ninguém. Mesmo assim, temos inimigos. São pessoas invejosas, mas não queremos mal a eles. Procuro ajudá-las, por amor de Deus. Quando alguém fala mal da minha mulher ou de mim ou lesa-me em alguma coisa, sofro em silêncio, por amor de Deus.  

E com um sorriso, concluiu:

- Assim somos e esta é a minha conduta e a da minha mulher Maria.

Ao ouvirem este testemunho de vida santa, os anacoretas despediram-se e retornaram para o seu isolamento, cheios de admiração e consolados, por terem aprendido um meio fácil de se chegar à perfeição, acessível a todos.

No século XXI, ainda se deve falar de temor de Deus?

 


Numa era em que só ouvimos falar do amor e da misericórdia infinita de Deus - tão necessários para a nossa salvação - ainda faz sentido considerarmos o temor de Deus, um conceito relegado ao esquecimento?

Todos estimamos a virtude, mas, infelizmente, poucos procuram adquiri-la.  Muitos nem sabem o que ela significa, pois não sabem discernir a verdadeira da falsa virtude.

Enchemos a boca para dizer que queremos ser virtuosos, contudo cada um de nós tem um conceito diferente do que isto significa, julgando cada um segundo a sua própria inclinação.

Uns imaginam que ser virtuoso é não ter certos vícios e não ser mau. Outros fazem consistir a virtude em não cometer certos pecados, como não matar e não roubar, e não ter certos defeitos grosseiros - mesmo tendo outros enormes - que não conhecem e não querem sequer ver. Outros, finalmente, crêem-se virtuosos porque praticam certos atos externos de piedade, mas negligenciam o interior das suas consciências e dos seus corações e os seus deveres de estado, como pais, religiosos, sacerdotes, etc.

Todos as pessoas que entram nas características acima descritas estão muito erradas! E o pior é que muitos estão convencidos de estarem no caminho que os conduzirá ao Céu, apesar de se encontrarem na via que, se não corrigida, será de perdição, pois como diz o livro do Provérbio: “Há caminhos que ao homem parecem retos, mas que afinal conduzem à morte” (Pr 16, 25).

A virtude não depende das ideias dos homens, nem do tempo no qual se vive, mas de Deus, que indica e prescreve como quer ser servido.

Vejamos o que Ele diz nas Escrituras e compreenderemos que a virtude consiste em temê-L’O e em fugir de tudo o que Lhe possa desagradar. Ele ensinou aos homens, diz Job, que “o temor do Senhor é a verdadeira sabedoria” (Jo 28, 28). “Teme a Deus e observa os seus mandamentos, porque este é dever de todo o homem (Ecl 12, 13).

Temos nesta frase de Qoelet a indicação clara da nossa obrigação, de como devemos fazer para adquirirmos a virtude, a perfeição e a alegria: o temor de Deus e a observância da Lei Divina, no seu todo e não apenas em alguns mandamentos que temos mais facilidade em praticar, por uma graça de Deus. Para isto, nascemos! Este é o fim da vida, que nos conduz à verdadeira felicidade.

Acontece que este temor de Deus não é só servil, ou seja, não deve ser simplesmente considerado pelo medo do castigo, mas é o temor salutar, que vem do Espírito Santo, que nos afasta do pecado, tendo em vista as penas que a justiça divina o puniria e a vista da infelicidade daqueles que o cometeram estarem separados de Deus. O verdadeiro temor de Deus faz-nos, portanto, odiar o pecado, porque desagrada a Deus, e amar o bem, porque agrada a Deus.

É preciso temer o Senhor, porque Ele é o nosso Mestre, o maior de todos os mestres, e o mais terrível de todos os Juízes! Receemos, portanto, de O irritar contra nós, e de nos tornamos seus inimigos. Se Ele é o nosso criador e o melhor de todos os Pais, temamos desagradá-L’O. Se Ele é o nosso Deus e nosso Soberano, receemos de nos separarmos d’Ele e de O perder. Como fazer para ter este temor salutar? Devemos temer o pecado, fugir de toda a tentação, pois só o incumprimento dos mandamentos Lhe desagrada, irrita-O contra nós, separa-nos d’Ele e faz-nos perdê-Lo.

Esta é a verdadeira virtude! Tudo o que não conduz para esta regra é uma falsa virtude.  Aquele que não teme ofender a Deus em qualquer um dos dez mandamentos, e não apenas em alguns, não é virtuoso ou, pior ainda, possui uma falsa e hipócrita virtude.

Peçamos, pois, a Deus por intercessão de Nossa Senhora, que nos conceda este temor. Se o obtivermos, seremos verdadeiramente virtuosos, felizes, protegidos e abençoados, porque toda a malícia dos homens e dos demónios nada poderão contra nós.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

La première communion de Chateaubriand

 


L'époque de ma première communion approchait, moment où l'on décidait dans la famille de l'état futur de l'enfant. Cette cérémonie religieuse remplaçait parmi les jeunes chrétiens la prise de la robe virile chez les Romains. Madame de Chateaubriand était venue assister à la première communion d'un fils qui, après s'être uni il son Dieu, allait se séparer de sa mère.

Ma piété paraissait sincère ; j'édifiais tout le collège ; mes regards étaient ardents ; mes abstinences répétées allaient jusqu'à donner de l'inquiétude à mes maîtres. On craignait l'excès de ma dévotion ; une religion éclairée cherchait à tempérer ma ferveur.

J'avais pour confesseur le supérieur du séminaire des Eudistes, homme de cinquante ans, d'un aspect rigide. Toutes les fois que je me présentais au tribunal de la pénitence, il m'interrogeait avec anxiété.

Surpris de la légèreté de mes fautes, il ne savait comment accorder mon trouble avec le peu d'importance des secrets que je déposais dans son sein. Plus le jour de Pâques s'avoisinait, plus les questions du religieux étaient pressantes. « Ne me cachez-vous rien ? » me disait-il. Je répondais : « Non, mon père : — N'avez-vous pas fait telle faute ? — Non, mon père. » Et toujours : « Non, mon père. » Il me renvoyait en doutant, en soupirant, en me regardant jusqu'au fond de l'âme, et moi, je sortais de sa présence, pâle et défiguré comme un criminel.

Je devais recevoir l'absolution le mercredi saint. Je passai la nuit du mardi au mercredi en prières, et à lire avec terreur le livre des Confessions mal faites.

Le mercredi, à trois heures de l'après-midi, nous partîmes pour le séminaire ; nos parents nous accompagnaient.

Tout le vain bruit qui s'est depuis attaché à mon nom n'aurait pas donné à madame de Chateaubriand un seul instant de l'orgueil qu'elle éprouvait comme chrétienne et comme mère, en voyant son fils prêt à participer au grand mystère de la religion.

En arrivant à l'église, je me prosternai devant le sanctuaire et j'y restai comme anéanti. Lorsque je me levai pour me rendre à la sacristie, où m'attendait le supérieur, mes genoux tremblaient sous moi. Je me jetai aux pieds du prêtre ; ce ne fut que de la voix la plus altérée que je parvins à prononcer mon Confiteor.

« Eh bien, n'avez-vous rien oublié ? » me dit l'homme de Jésus-Christ. Je demeurai muet. Ses questions recommencèrent, et le fatal non, mon père, sortit de ma bouche. Il se recueillit, il demanda des conseils à Celui qui conféra aux apôtres le pouvoir de lier et de délier les âmes. Alors, faisant un effort, il se prépare à me donner l'absolution.

La foudre que le ciel eût lancée sur moi m’aurait causé moins d'épouvante, je m'écriai : « Je n’ai pas tout dit ! » Ce redoutable juge, ce délégué du Souverain Arbitre, dont le visage m'inspirait tant de crainte, devient le pasteur le plus tendre ; il m embrasse et fond en larmes. « Allons, me dit-il, mon cher fils, du courage ! »

Je n'aurai jamais un tel moment dans ma vie. Si l'on m'avait débarrassé du poids d'une montagne, on ne m'eut pas plus soulagé : je sanglotais de bonheur. J'ose dire que c'est de ce jour que j'ai été créé honnête homme ; je sentis que je ne survivrais jamais à un remords : quel doit donc être celui du crime, si j'ai pu tant souffrir pour avoir tu les faiblesses d'un enfant ! Mais combien elle est divine cette religion qui se peut emparer ainsi de nos bonnes facultés !

Quels préceptes de morale suppléeront jamais à ces institutions chrétiennes ?

Le premier aveu fait, rien ne me coûta plus : mes puérilités cachées, et qui auraient fait rire le monde, furent pesées au poids de la religion. Le supérieur se trouva fort embarrassé ; il aurait voulu retarder ma communion ; mais j'allais quitter le collège de Dol et bientôt entrer au service dans la marine. Il découvrit avec une grande sagacité, dans le caractère même de mes juvéniles) tout insignifiantes qu'elles étaient, la nature de mes penchants ; c'est le premier homme qui ait pénétré le secret de ce que je pouvais être. Il devina mes futures passions ; il ne me cacha pas ce qu'il croyait voir de bon en moi, mais il me prédit aussi mes maux il venir. « Enfin, ajouta-t-il, le temps manque à votre pénitence ; mais vous êtes lavé de vos péchés par un aveu courageux, quoique tardif. »

Il prononça, en levant la main, la formule de l'absolution. Cette seconde fois, ce bras foudroyant ne fit descendre sur ma tête que la rosée céleste ; j'inclinai mon front pour la recevoir ; ce que je sentais participait de la félicité des anges. Je m'allai précipiter, dans le sein de ma mère qui m'attendait au pied de l'autel. Je ne parus plus le même il mes maîtres et à mes camarades ; je marchais d'un pas léger, la tête haute, l'air radieux, dans tout le triomphe du repentir.

Le lendemain, jeudi saint, je fus admis il cette cérémonie touchante et sublime dont j'ai vainement essayé de tracer le tableau dans le Génie dit Christianisme. J'y aurais pu retrouver mes petites humiliations accoutumées : mon bouquet et mes habits étaient moins beaux que ceux de mes compagnons ; mais ce jour-là tout fut à Dieu et pour Dieu. Je sais parfaitement ce que c'est que la Foi : la présence réelle de la victime dans le saint sacrement de l'autel m'était aussi sensible que la présence de ma mère à mes côtés. Quand l'hostie fut déposée sur mes lèvres, je me sentis comme tout éclairé en dedans. Je tremblais de respect, et la seule chose matérielle qui m 'occupât était la crainte de profaner le pain sacré.

Le pain que je vous propose sert aux anges d'aliment, Dieu lui-même le compose de la fleur de son froment. (RACINE.)

Je conçus encore le courage des martyrs ; j'aurais pu dans ce moment confesser le Christ sur le chevalet ou au milieu des lions. J'aime à rappeler ces félicités qui précédèrent de peu d'instants dans mon âme les tribulations du monde. En comparant ces ardeurs aux transports que je vais peindre ; en voyant le même cœur éprouver, dans l'intervalle de trois ou quatre années, tout ce que l'innocence et la religion ont de plus doux- et de plus salutaire, et tout ce que les passions ont de plus séduisant et de plus funeste, on choisira des deux joies ; on verra de quel côté il faut chercher le bonheur et surtout le repos.

Mémoires d’Outre-Tombe, François-René de Chateabriand, Garnier Frères, Libraires-Éditeurs, Paris, 1899, pp. 102 – 106

domingo, 18 de setembro de 2022

Que significa propriamente "manipulação"?

 


Segundo os dicionários correntes da língua portuguesa, manipulação significa, entre outras coisas, preparar com a mão, imprimir forma a alguma coisa com a mão. Mas não mencionam eles aplicações necessariamente pejorativas. O “Dictionnaire du Français Contemporain” (Larousse, Paris, 1966), inclui dois sentidos pejorativos: transformar por operações suspeitas (por exemplo, manipular estatísticas) e realizar manobra que vise enganar, fraudar (por exemplo, manipulações eleitorais).

Nestes sentidos, já entrou também para o português corrente. Diz-se, por exemplo, que um órgão de imprensa “manipula” as notícias antes de as apresentar ao público. Isto é, "arranja" os dados de tal forma que a notícia saia de acordo com os pressupostos ideológicos ou a linha política do jornal. Acusa-se um governo de “manipular” os índices de inflação, a propaganda comercial de “manipular” os consumidores, criando neles necessidades artificiais ou impingindo-lhes produtos de segunda categoria como sendo os melhores etc.

Outro dicionário francês moderno, o “Petit Robert” (PAUL ROBERT, “Dictionnaire Alphabétique Analogique de la Langue Française”, Société du Nouveau Littré, Paris, 1979) já regista em “manipulation” o significado de "domínio [emprise] oculto exercido sobre um grupo (ou um indivíduo)".

Assim, a palavra "manipulação", de uns tempos a esta parte, veio tomando aos poucos um sentido "talismânico" (cf. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, “Baldeação ideológica inadvertida e Diálogo”, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1974, 5º. ed., pp. 49 a 59). E passou a ter um significado cada vez mais amplo e indefinido, que lhe é conferido sobretudo por hábeis formas de a utilizar. Poder-se-ia dizer que essa mesma palavra vem sendo cada vez mais "manipulada" em sua significação...

Ela pode significar tudo e ao mesmo tempo nada. Quando utilizada de modo a criar suspense e mistério, se transforma numa terrível "arma semântica". Difama e pode tornar suspeita qualquer pessoa ou grupo contra o qual seja lançada, à maneira de uma acusação evidente que dispensa provas.

Provas, para quê? -- Tal como acontece com outras palavras de efeito "talismânico", basta dizer que tal ou tal atitude é “manipuladora”, para que muitas pessoas -- com base apenas em sensações inexplícitas que adquiriram não sabem como nem onde, e impressionadas pela carga emocional que acompanha o uso da palavra -- julguem que de facto a acusação está demonstrada sem necessidade de provas.


O que fica frequentemente insinuado, na utilização talismânica da palavra, é que a manipulação envolve um tipo de influência maléfica e coercitiva sobre as pessoas. Maléfica porque oculta e inadvertida, visando tão-só atender a algum interesse inconfessado do manipulador. E coercitiva porque subjuga a vontade das vítimas que, o mais das vezes, nem teriam recursos para se defender contra tal forma de influência soez.

Em outros termos, manipulação seria uma forma de "coerção mental" muito análoga a "lavagem cerebral".

Não deixa de ser desconcertante, por sinal, que em certos órgãos de comunicação social se fale tanto em manipulação, nesta época de domínio tirânico da televisão. Tal meio de influenciar penetra livremente em todos os lares, e induz crianças e adultos, por vezes nações inteiras, sem que o percebam claramente (mas não sem darem o seu consentimento, ao menos remoto, pois é voluntariamente que se expõem a tal influência), a modificarem radicalmente este ou aquele costume e, mesmo, a sua própria psicologia. A tal ponto chega, em muitos casos, esta dependência da televisão, que o seu efeito foi comparado ao de uma droga (cfr. MARIE WINN, “The Plug-in-Drug”, Bantam Books, Nova York, 2ºa. edição, 1978, 258 pp.). Tudo isto -- é de notar -- sem protesto global e eficaz da grande maioria dos responsáveis. Com que lógica, pois, temer tanto a manipulação e os manipuladores?

É um erro imaginar o homem como mero recetor passivo das influências de seu ambiente, “assim como a ideia de "lavagem cerebral" parte de um falso pressuposto -- a negação da liberdade natural e "inconfiscável" da inteligência e da vontade do homem -- também os que utilizam expressões correlatas, tais como "manipulação mental", "controle da mente", "persuasão coercitiva" etc. partem de erro análogo.

Com efeito, negam eles algo de si evidente. Ou seja, que toda pessoa está, em relação ao seu ambiente, num processo cognoscitivo e volitivo de interação. Todos influenciam a todos. Mas a todos é dado, se quiserem, conhecer e rejeitar as ações que recebem. E, portanto, não se pode imaginar uma influência como que mecânica e irresistível em sentido único, como se o homem pudesse ser reduzido duravelmente a mero recetor passivo de informações, influências e pressões.

É o que explica a psicóloga social Trudy Solomon, da “National Science Foundation”, de Washington. Após destacar que conceitos como "controle mental", "reforma de pensamento", "persuasão coercitiva" etc. não passam de reencarnações da desprestigiada expressão "lavagem cerebral", ela mostra que praticamente toda forma de influência humana pode ser abrangida por tais designações: "Pouco depois de sua introdução o conceito de lavagem cerebral foi aplicado a uma variedade de contextos, incluindo técnicas de doutrinação .... e a fenômenos do passado como a Inquisição e certos processos de bruxaria. Por causa das conotações predominantemente más e negativas que rapidamente ficaram associadas com a expressão lavagem cerebral, foram inventados vários derivados semânticos mais neutros, como controle da mente, coerção mental, reforma do pensamento, persuasão coercitiva e menticídio”. É nestas últimas encarnações que o conceito de lavagem cerebral tem sido usado ao longo dos anos, para designar praticamente toda forma de influência humana, inclusive o hipnotismo, a psicoterapia, os meios de comunicação de massa, a propaganda, a educação, a socialização [isto é, a integração das pessoas na sociedade, a educação das crianças, as mudanças de comportamento e uma miríade de formas conexas de técnicas de mudança de atitude e de comportamento" (TRUDY SOLOMON, Programming and Deprogramming the Moonies: Social Psychology Applied2, in DAVID G. BROMLEY and JAMES T. RICHARDSON, “The Brainwashing ? Deprogramming Controversy: Sociological, Psychological, Legal and Historical Perspectives”, The Edwin Mellen Press, New York-Toronto, 1983, pp. 165-166).

Depois de citar o papel de Kurt Lewin na teorização do comportamento humano sob a influência social, da interação que se dá entre a pessoa e a influência do meio social, a psicóloga afirma que "do ponto de vista cognoscitivo, o indivíduo submetido a técnicas de influência social dentro do contexto de um grupo é visto como sendo um organismo ativo, continuamente empenhado em estruturar e avaliar as informações que recebe” (TRUDY SOLOMON, op. cit., p. 172).

Portanto, carece de qualquer fundamento a ideia, muito explorada sensacionalisticamente, de um indivíduo que sofre passivamente a influência de um grupo social sem ter noção disso, e sem capacidade para apreciar as informações que lhe chegam.

(CORRÊA DE OLIVEIRA, PLINIO, Guerreiros da Virgem, Editora Vera Cruz, São Paulo, dezembro de 1985, pp. 88 a 92)

sábado, 17 de setembro de 2022

O sofrimento, a cruz e o amor

 


Cada um de nós pode dizer que o sofrimento é o companheiro inseparável de sua vida.

Desde o momento em que nos recebe à nossa entrada no mundo, o sofrimento faz-se presente com maior ou menor intensidade, mas nunca se esquece por completo de nós. Vigia-nos, por assim dizer, em cada um dos nossos dias e sabemos que no final abater-se-á sobre nós e conduzir-nos-á para fora deste mundo.

O sofrimento, como todos sabemos, assume mil formas: a doença, a pobreza, a perda daqueles que amamos, a incompreensão, o ciúme, a inveja, o ódio, as dificuldades da vida, a incerteza do amanhã, o isolamento, etc.

Se considerarmos a vida como um todo, poucos são aqueles que podem dizer que viveram mais felizes, do que tristes e preocupados.

Mas, porque acontece isto?

Como somos cristãos, devemos considerar em primeiro lugar tudo sobre o prisma da religião e do Divino Mestre. E é muito fácil, ao voltarmos o olhar para a cruz, compreendermos o sentido da dor, a sua justiça e a sua ação fecunda e benéfica.

Sim! Há uma ação fecunda e benéfica na dor!

Consideremos Nosso Senhor Jesus Cristo, o Inocente por excelência, que foi pregado na cruz, a sofrer para nos resgatar.

Se Ele, o Cordeiro Imaculado, sofreu, é justo que nós, pecadores, tenhamos nossa cota de sofrimento, que levemos, nós também a nossa cruz, que é uma parte daquela mesma que Nosso Senhor carregou.

Muito facilmente, manifestamos o nosso desejo de festejar e compartilhar a ressurreição de Jesus Cristo, a sua glória, a sua felicidade, mas quem considera com honestidade e clareza a necessidade de compartilhar também a sua cruz?

Sobre o sofrimento, que não queremos ver de frente, engamo-nos. Olhamos à nossa volta e parece-nos que os outros sofrem menos do que nós. Mas, não nos deixemos enganar pelas aparências.

O nosso dever é de nos compararmos com Jesus Cristo! Sofremos mais do que este Justo que depois de sofrer toda a Paixão ainda deu a vida por amor a cada um de nós?

Assim, para todos nós que sofremos, encontramos o grande e o verdadeiro consolo na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo! Quando sofremos e aceitamos carregar a nossa cruz, estamos a ter o mais precioso traço de semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo, a fonte onde Deus tira o perdão dos nossos pecados, o peso mais poderoso na balança da justiça, a causa mais segura da nossa salvação eterna.

Sofrer por amor e não só por justiça


Se ao menos, conseguíssemos compreender que Deus nos envia o sofrimento como um presente de predestinação, a fim de que cada um de nós sejamos outros Cristo...

Mas não paremos por aí e vamos mais longe. Não é só por um dever de justiça, pelos nossos pecados que devemos sofrer, mas seguindo o exemplo de Jesus, também pelo amor que Lhe devemos.

Deus poderia ter-nos dado as estrelas, o sol, os perfumes e harmonias da natureza, todas as riquezas da terra. Mas isto não teria sido suficiente para mostrar o seu infinito amor para connosco. Só quando Ele sucumbiu sob o peso da Cruz, depois de ter sofrido as dores da Paixão, da Crucifixão e da morte, tivemos a prova infinita do seu amor.

Também connosco acontece o mesmo. Não é quando estamos felizes que mais mostramos o nosso amor a Deus, mas quando sofremos com a incompreensão dos que nos são mais próximos, com o peso do trabalho quotidiano, com a doença que nos deixa acamados e com tantas dificuldades. Nestes momentos podemos bradar: “Senhor, eu Vos amo! Dai-me forças para suportar a dor. E se for da Vossa vontade que eu sucumba, que seja cravado convosco na Vossa Cruz!”

Este foi o ensinamento do Salvador: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos céus”. Se conseguirmos viver com este estado de espírito em relação ao sofrimento, poderemos compreender melhor os primeiros cristãos, que açoitados injusta e vergonhosamente nos tribunais ou nas arenas, mostravam-se muito felizes, porque estavam a sofrer como Jesus Cristo.

Foi assim durante toda a história da Humanidade, dos Apóstolos e mártires, passando por Santa Teresa de Jesus, por Santa Catarina de Siena, Padre Pio, os Santos pastorinhos de Fátima, etc. e será assim até ao fim do mundo. Estes heróis, reconheciam que todo o sofrimento era glorioso, se comparado com a Cruz de Cristo.

Assim, quer compreender melhor a sua vida, as suas lutas, as suas fadigas e as suas dores? Aceite-as com coragem. Verá que será consolado e viverá mais feliz, pois sofrerá por Aquele que mais ama.

O vazio dos inimigos da Cruz

Por outro lado, quão triste são aqueles que não só não aceitam a Cruz de Cristo, como querem bani-la completamente da nossa sociedade.


É deplorável a cegueira dessas pessoas, inclusive legisladores, que fazem de tudo para retirar o crucifixo, dos hospitais, das escolas e dos tribunais, lugares onde durante séculos os doentes, as crianças e até os criminosos foram consolados.

Agora, um facto curioso! Ao serem retirados os crucifixos, não existe nada que se possa colocar no seu lugar e que forme o coração no sentido do dever, nos pensamentos generosos, no incentivo da prática do bem, evitando o mal. O que se têm para apresentar a quem sofre, para o consolar? O que têm para apresentar ao homem feliz e afortunado, para lhe dizer que tem deveres de caridade para com os pobres e os mais necessitados?

Nada. Eles não têm nada!

Procura-se retirar, com cada vez maior frequência e radicalidade, Deus, a religião, a moral, os crucifixos da vida dos homens e o resultado é patente: os corações estão a ficar cada vez mais desamparados e vazios. Tornam-se rapidamente egoístas e vis, uns sempre prontos a reclamar e a revoltar-se, outros sempre duros e insaciáveis pelas riquezas, em vez de repousarem na luz, na força e consolação divina.

Assim, depois de ler este artigo, adore a cruz, com ainda maior fervor e tenha-a sempre exposta na sua casa, no seu lugar de trabalho, no seu carro e, sobretudo, no seu coração para viver e morrer em união com ela, como Jesus Cristo nosso Salvador, pois ela é penhor da ressurreição e da felicidade eterna!

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

¿Qué sería de la Europa si no hubiera sacerdotes ni soldados?


Toda civilización verdadera viene del cristianismo. Es esto tan cierto, que la civilización toda se ha reconcentrado en la zona cristiana; fuera de esa zona no hay civilización, todo es barbarie; y es esto tan cierto, que antes del cristianismo no ha habido pueblos civilizados en el mundo, ni uno siquiera.

Ninguno, señores; digo que no ha habido pueblos civilizados, porque el pueblo romano y el pueblo griego no fueron pueblos civilizados; fueron pueblos cultos, que es cosa muy diferente. La cultura es el barniz, y nada más que el barniz de las civilizaciones. El cristianismo civiliza al mundo haciendo estas tres cosas: ha civilizado al mundo haciendo de la autoridad una cosa inviolable, haciendo de la obediencia una cosa santa, haciendo de la abnegación y del sacrificio, o, por mejor decir, de la caridad, una cosa divina. De esa manera el cristianismo ha civilizado a las naciones. Ahora bien (y aquí está la solución de ese gran problema), ahora bien: las ideas de la inviolabilidad de la autoridad, de la santidad, de la obediencia y de la divinidad del sacrificio, esas ideas no están hoy en la sociedad civil: están en los templos donde se adora al Dios justiciero y misericordioso, y en los campamentos donde se adora al Dios fuerte, al Dios de las batallas, bajo los símbolos de la gloria. Por eso, porque la Iglesia y la milicia san las únicas que conservan íntegras las nociones de la inviolabilidad de la autoridad, de la santidad de la obediencia y de la divinidad de la caridad; por eso son hoy los dos representantes de la civilización europea.

No sé, señores, si habrá llamado vuestra atención, como ha llamado la mía, la semejanza, cuasi la identidad entre las dos personas que parecen más distintas y más contrarias: la semejanza entre el sacerdote y el soldado; ni el uno ni el otro viven para sí, ni el uno ni el otro viven para su familia; para el uno y para el otro, en el sacrificio, en la abnegación está la gloria. El encargo del soldado es velar por la independencia de la sociedad civil. El encargo del sacerdote es velar por la independencia de la sociedad religiosa. El deber del sacerdote es morir, dar la vida, como el buen pastor, por sus ovejas. El deber del soldado, como buen hermano, es dar la vida por sus hermanos. Si consideráis la aspereza de la vida sacerdotal, el sacerdocio os parecerá, y lo es, en efecto, una verdadera milicia. Si consideráis la santidad del ministerio militar, la milicia cuasi os parecerá un verdadero sacerdocio. ¿Qué sería del mundo, qué sería de la civilización, qué sería de la Europa si no hubiera sacerdotes ni soldados? Y en vista de esto, señores, si hay alguno que, después de expuesto lo que acabo de exponer, crea que los ejércitos deben licenciarse, que se levante y lo diga. Si no hay ninguno, señores, yo me río de todas vuestras economías, porque todas vuestras economías son utopías. ¿Sabéis lo que pretendéis hacer cuando queréis salvar la sociedad con vuestras economías sin licenciar el ejército? Pues lo que pretendéis hacer es apagar el incendio de la nación con un vaso de agua. Esto es lo que pretendéis. Queda, pues, demostrado, como me propuse demostrar, que las cuestiones económicas no son las más importantes; que no ha llegado la ocasión de tratarlas aquí exclusivamente, y que las reformas económicas no son fáciles, y, hasta cierto punto, no son posibles.

 

Donoso Cortés, Discurso sobre Europa, Congreso de los Diputados, 30 de enero de 1850