Numa carta enviada a toda a Ordem, São Francisco de Assis
exorta:
Ouvi, filhos do Senhor
e meus irmãos, e dai atenção às minhas palavras (Act 2,
14). Prestai os ouvidos (Is 55, 3) do vosso coração e obedecei à voz do
Filho de Deus. Guardai de todo o vosso coração os seus mandamentos, e cumpri com
perfeição os seus conselhos. Louvai-O a Ele, porque é bom (Sl 135, 1), e
exaltai-O por meio das vossas obras (Tb 13, 6) pois, para isto Ele vos enviou
ao mundo: para que, por palavras e obras, deis testemunho da sua voz e a todos
façais saber que não há outro Omnipotente senão Ele (Tb 13, 4). Perseverai na
disciplina (Heb 12, 7)
e na santa
obediência; e o
que Lhe prometestes,
cumpri-o com bom e firme propósito. Como a filhos, oferece-Se a nós o Senhor Deus
(Heb 12, 7).
Da
veneração do Corpo do Senhor
E por isso a todos vós, irmãos, imploro no Senhor,
beijando-vos os pés e com quanta caridade eu posso, que presteis toda a
reverência e toda a honra que puderdes, ao santíssimo Corpo e Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, por quem tudo o que há no céu e sobre a terra foi
pacificado e reconciliado (Cl 1, 20).
Da celebração da Santa Missa
Rogo ainda no Senhor a todos os meus irmãos, que são e serão e
desejam ser sacerdotes do Altíssimo, que, quando quiserem celebrar missa, puros
e com pureza e respeito celebrem o verdadeiro sacrifício do Corpo e Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, com santa e pura intenção, e não por qualquer motivo
terreno, nem por temor ou consideração de qualquer pessoa, como para agradar
aos homens (Ef 6, 6; Cl 3, 22). Mas que toda a sua vontade, tanto quanto ajude
a graça do Omnipotente, a Ele dirijam, não desejando agradar senão a Ele só,
que é o soberano Senhor. Porquanto neste mistério só Ele opera como lhe agrada.
E pois Ele nos diz: Fazei isto em memória
de mim (Lc 22, 19;
1Cor 11, 24),
se alguém fizer
de outro modo, torna-se noutro Judas traidor, réu do
Corpo e Sangue do Senhor (1Cor 11, 27).
Lembrai-vos, meus irmãos sacerdotes, do que está escrito
acerca da lei de Moisés: os que a transgrediam, mesmo nas coisas corporais, sem
qualquer comiseração eram punidos de morte (Heb 10, 28), por sentença do
Senhor. Quão maiores e mais terríveis suplícios merecem sofrer quem calca aos
pés o Filho de Deus e ousa profanar o sangue do Testamento, com que foi santificado,
e ultraja o espírito da graça? (Heb 10,
29).
O homem, de facto, despreza, profana e calca aos pés o
Cordeiro de Deus, quando, como diz o Apóstolo, não discernindo (1Cor 11, 29) e
distinguindo o pão santo de Cristo dos outros alimentos ou das outras obras, ou
o come sendo indigno, ou mesmo, sendo digno, o come de modo vão e indigno,
quando é verdade que o Senhor diz pelo Profeta: “Maldito o homem que faz a obra
do Senhor com hipocrisia” (Jr 48, 10).
E aos sacerdotes que se recusam a gravar deveras estas coisas
sobre o coração, condená-los-á o Senhor, que diz: “Amaldiçoarei as vossas
bênçãos” (Ml 2, 2).
Ouvi, irmãos meus: Se a bem-aventurada Virgem Maria é honrada,
como é de justiça, porque trouxe ao mesmo Senhor em suas santíssimas entranhas,
se o bem-aventurado Baptista tremeu e não ousou tocar a cabeça sagrada do seu
Deus, se é venerado o Sepulcro no qual por algum tempo ele jazeu, que
santidade, justiça e dignidade não se requer naquele que trata com suas mãos,
recebe no coração e na boca, e distribui aos outros, como alimento, Aquele que
já, agora, não morre, mas
vive eternamente glorioso,
o Cristo, a
quem os Anjos
desejam contemplar? (1Pe 1, 2).
Vede a vossa dignidade, irmãos sacerdotes, e sede santos, porque também Ele é santo (Lv 19, 2).
E, como por motivo deste mistério, o Senhor mais que a todos
vos honrou, assim amai-O, reverenciai-O e honrai-O mais que todos.
Oh! miséria grande, oh! miseranda fraqueza, terde-Lo vós assim
presente, e ocupardes-vos de qualquer outra coisa do mundo!
Que o homem todo se espante, que o mundo todo trema, que o céu
exulte, quando sobre o altar, nas mãos do sacerdote, está Cristo, o Filho de
Deus vivo! (Jo 11, 27).
Oh! grandeza admirável, oh! condescendência assombrosa, oh!
humildade sublime, oh! Sublimidade humilde, que o Senhor de todo o universo,
Deus e Filho de Deus, se humilhe a ponto de se esconder, para nossa salvação,
nas aparências de um bocado de pão.
Vede, irmãos, a humildade de Deus e expandi diante d’Ele os
vossos corações (Sl 61, 9); humilhai-vos também vós, para que Ele vos exalte
(1Pe 5, 6; Tg 4, 10).
Em conclusão: nada de vós mesmos retenhais para vós, a fim de
que totalmente vos possua Aquele que totalmente a vós Se dá.
Da Sagrada
Eucaristia em comunidade
Por isso, admoesto e exorto no Senhor, que nos lugares onde
moram os irmãos, uma só missa se celebre cada dia, segundo a forma da santa
Igreja. E nos lugares em que houver vários sacerdotes, por amor de caridade,
contentem-se os outros com ouvir a missa daquele que celebra; porque aos que
celebram, como aos que não celebram, desde que sejam dignos, o Senhor Jesus Cristo
os cumula de graças. O qual, ainda que O vemos em diversos lugares, todavia
permanece indivisível e sem de modo nenhum se fragmentar, mas sempre Um em toda
a parte, opera como Lhe apraz, com o Senhor Deus Pai e o Espírito Santo, por
séculos de séculos, Ámen.
Da veneração das
palavras sagradas
Depois, porque quem é de Deus, ouve as palavras de Deus (Jo 8,
47), devemos em
consequência, nós, os
que mais especialmente
somos incumbidos dos
ofícios divinos, não só
ouvir e fazer o que Deus diz, mas ainda, para mais nos compenetrarmos da
grandeza do nosso Criador e da nossa sujeição a Ele, guardar com cuidado e
reverência os vasos sagrados e os livros que servem nos ofícios e contêm
as suas santas
palavras. E, por isso, admoesto a todos os meus irmãos e os exorto em
Cristo a que, onde quer que encontrem escritos com suas divinas palavras, os
venerem o melhor que possam, e, quanto a eles respeita, se não andam bem
guardados ou estão em qualquer lugar menos digno, os recolham e coloquem em
lugar decente, honrando nas palavras o Senhor que as proferiu. Porque muitas
coisas são santificadas pelas palavras de Deus (1Tm 4, 5), e é em virtude das
palavras de Cristo que se realiza o sacramento do altar.