Numa era em que só ouvimos falar do amor e da misericórdia
infinita de Deus - tão necessários para a nossa salvação - ainda faz sentido considerarmos
o temor de Deus, um conceito relegado ao esquecimento?
Todos estimamos a virtude, mas, infelizmente, poucos procuram
adquiri-la. Muitos nem sabem o que ela
significa, pois não sabem discernir a verdadeira da falsa virtude.
Enchemos a boca para dizer que queremos ser virtuosos, contudo
cada um de nós tem um conceito diferente do que isto significa, julgando cada
um segundo a sua própria inclinação.
Uns imaginam que ser virtuoso é não ter certos vícios e não
ser mau. Outros fazem consistir a virtude em não cometer certos pecados, como
não matar e não roubar, e não ter certos defeitos grosseiros - mesmo tendo
outros enormes - que não conhecem e não querem sequer ver. Outros, finalmente,
crêem-se virtuosos porque praticam certos atos externos de piedade, mas
negligenciam o interior das suas consciências e dos seus corações e os seus
deveres de estado, como pais, religiosos, sacerdotes, etc.
Todos as pessoas que entram nas características acima descritas
estão muito erradas! E o pior é que muitos estão convencidos de estarem no
caminho que os conduzirá ao Céu, apesar de se encontrarem na via que, se não
corrigida, será de perdição, pois como diz o livro do Provérbio: “Há caminhos
que ao homem parecem retos, mas que afinal conduzem à morte” (Pr 16, 25).
A virtude não depende das ideias dos homens, nem do tempo no
qual se vive, mas de Deus, que indica e prescreve como quer ser servido.
Vejamos o que Ele diz nas Escrituras e compreenderemos que a
virtude consiste em temê-L’O e em fugir de tudo o que Lhe possa desagradar. Ele
ensinou aos homens, diz Job, que “o temor do Senhor é a verdadeira sabedoria”
(Jo 28, 28). “Teme a Deus e observa os seus mandamentos, porque este é dever de
todo o homem (Ecl 12, 13).
Temos nesta frase de Qoelet a indicação clara da nossa
obrigação, de como devemos fazer para adquirirmos a virtude, a perfeição e a alegria:
o temor de Deus e a observância da Lei Divina, no seu todo e não apenas em
alguns mandamentos que temos mais facilidade em praticar, por uma graça de Deus.
Para isto, nascemos! Este é o fim da vida, que nos conduz à verdadeira
felicidade.
Acontece que este temor de Deus não é só servil, ou seja, não
deve ser simplesmente considerado pelo medo do castigo, mas é o temor salutar, que vem do Espírito Santo, que nos afasta do pecado,
tendo em vista as penas que a justiça divina o puniria e a vista da
infelicidade daqueles que o cometeram estarem separados de Deus. O verdadeiro
temor de Deus faz-nos, portanto, odiar o pecado, porque desagrada a Deus, e
amar o bem, porque agrada a Deus.
É preciso temer o Senhor, porque Ele é o nosso Mestre, o maior
de todos os mestres, e o mais terrível de todos os Juízes! Receemos, portanto,
de O irritar contra nós, e de nos tornamos seus inimigos. Se Ele é o nosso
criador e o melhor de todos os Pais, temamos desagradá-L’O. Se Ele é o nosso
Deus e nosso Soberano, receemos de nos separarmos d’Ele e de O perder. Como
fazer para ter este temor salutar? Devemos temer o pecado, fugir de toda a tentação,
pois só o incumprimento dos mandamentos Lhe desagrada, irrita-O contra nós,
separa-nos d’Ele e faz-nos perdê-Lo.
Esta é a verdadeira virtude! Tudo o que não conduz para esta regra
é uma falsa virtude. Aquele que não teme
ofender a Deus em qualquer um dos dez mandamentos, e não apenas em alguns, não
é virtuoso ou, pior ainda, possui uma falsa e hipócrita virtude.
Peçamos, pois, a Deus por intercessão de Nossa Senhora, que
nos conceda este temor. Se o obtivermos, seremos verdadeiramente virtuosos,
felizes, protegidos e abençoados, porque toda a malícia dos homens e dos
demónios nada poderão contra nós.
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