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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Senhor vem a nós agora

Esperamos o aniversário do nascimento de Cristo; e segundo a promessa do Senhor, nós o veremos brevemente. A Escritura exige de nós uma alegria tal que o nosso espírito, elevando-se acima de si próprio, avance rapidamente de qualquer maneira ao encontro do Senhor. Que antes mesmo da sua vinda, o Senhor vem a nós. Que antes mesmo de aparecer ao mundo inteiro ele vem-nos visitar familiarmente, ele que disse: “Eu não vos deixarei órfãos; voltarei para vós” (Jo 14,18). Na verdade há aqui, segundo o mérito e o fervor de cada um, uma vinda do Senhor frequente e familiar que, num certo período intermédio entre a sua primeira e a sua última vinda, nos modela sobre uma e nos prepara para a outra. Se o Senhor vem a nós agora, é para que a sua primeira vinda ao meio de nós não seja inútil e que a última não deva ser a da cólera. Pela sua vinda actual, com efeito, ele trabalha a reformar o nosso orgulho à imagem da sua primeira vinda na humildade, para refazer em seguida o nosso modesto corpo à imagem do corpo glorioso que ele nos mostrará aquando do seu regresso. É por isso que é preciso lembrarmo-nos de todos os nossos votos e pedir com fervor esta vinda familiar que nos dá a graça da primeira vinda e nos promete a glória da última. A primeira foi humilde e escondida, a última será resplandecente e magnífica; aquela de que falamos é escondida, mas é igualmente magnífica. Digo escondida, não porque seja ignorada por aquele no qual ela tem lugar, mas porque ela advém secretamente. Só a sua presença é luz da alma e do espírito: nela se vê o invisível e se conhece o desconhecido. Esta vinda do Senhor põe a alma daquele que o contempla numa doce e feliz admiração. Então, do profundo do homem, brota este grito: “Senhor, quem é semelhante a ti?” (Sl 34,10). Os que fizeram esta experiência sabem-no, e agrada a Deus que os que não a fizeram provem o desejo de a fazer!
Bem aventurado Guerric dIgny (1080-1157), abade cisterciense - 2º Sermão para o Advento

O Senhor que salva os homens

O Verbo de Deus veio habitar no homem; fez-se «Filho do Homem» para habituar o homem a receber Deus e para habituar Deus a habitar no homem, como foi vontade do Pai. Eis por que o sinal da nossa salvação, Emanuel nascido da Virgem, foi dado pelo próprio Senhor (Is 7,14). É de facto o próprio Senhor que salva os homens, pois estes não podem salvar-se a si próprios. [...] Disse o profeta Isaías: «Revigorai, ó mãos abatidas, ó vacilantes joelhos! Dai ânimo à vossa coragem, corações pusilânimes! Tomai ânimo, não temais! Eis o nosso Deus, que vem para nos vingar; Ele vem em pessoa, e vem para nos salvar» (35,3-4). Porque é pela intervenção de Deus, e não pela do homem, que recebemos a salvação.
Eis outro texto onde Isaías prediz que Quem nos salvará não é homem nem ser incorpóreo: «Não será um mensageiro, não será um anjo, será o próprio Senhor a salvar o seu povo. Porque o ama, perdoar-lhe-á; Ele próprio o libertará» (63,9). Mas tal Salvador é homem também, verdadeiramente, e portanto visível: «Eis, Cidade de Sião, que os teus olhos verão o nosso Salvador» (33,20). [...] Disse um outro profeta: «Ele próprio virá, far-nos-á misericórdia, e lançará os nossos pecados ao fundo do mar» (Mi 7,19). [...] De Belém, aldeia da Judeia (Mi 5,1), é que deverá sair o filho de Deus, que é Deus também, para difundir o seu louvor por toda a terra [...]. Portanto Deus fez-se homem; e o próprio Senhor nos salvou, ao dar-nos o sinal da Virgem.

Santo Ireneu de Lião (c.130-c. 208), bispo, teólogo e mártir - Contra as heresias
III, 2, 2

O teu inimigo está no fundo do teu coração

Josué atravessou o Jordão para atacar a cidade de Jericó. Mas São Paulo esclarece-nos: "Nós não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas contra os Principados, Potestades, contra os Dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares" (Ef 6, 12). As coisas que foram escritas são imagens e símbolos. Porque Paulo diz noutra passagem: "Todas estas coisas lhes sucederam para nosso exemplo e foram escritas para nos servirem de advertência, a nós que chegámos aos fins dos tempos" (1 Cor 10, 11). Pois bem, se estas coisas foram escritas para nossa instrução, por que te demoras? Tal como Josué, partamos para a guerra, tomemos de assalto a mais vasta cidade do mundo, que é a maldade, e destruamos as muralhas orgulhosas do pecado.

Olhas em teu redor, para veres que caminho tomar, que campo de batalha escolher? Vais certamente espantar-te com as minhas palavras, que no entanto são verdadeiras: limita a procura a ti mesmo. É em ti que se encontra o combate que deves travar, é no teu interior que está o edifício do mal e do pecado que é necessário destruir; o teu inimigo está no fundo do teu coração. Não sou eu que o digo, é Cristo; escuta-O: "Do coração procedem os maus pensamentos, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias" (Mt 15, 19). Tens noção do poder deste exército inimigo, que avança contra ti do fundo do teu coração? Pois esses são os teus verdadeiros inimigos.

Orígenes (c. 185-253), sacerdote e teólogo - Homilias sobre Josué, nº 5

O ardor com que Deus nos procura

Imaginai a desolação de um pobre pastor cuja ovelha se tresmalhou. Em todos os campos vizinhos só ouve a voz dessa infeliz que, tendo abandonado o grosso do rebanho, corre nas florestas e pelas colinas, passa pelas partes mais densas dos bosques e pelos silvados, lamentando-se e gritando com todas as forças e não podendo resolver-se a voltar sem ter encontrado a sua ovelha e a ter trazido para o redil.

Aqui está o que o Filho de Deus fez, assim que os homens se desviaram, pela sua desobediência à direcção do seu Criador; ele desceu à terra e não rejeitou nem cuidados nem fadigas para nos restabelecer no estado de que tínhamos decaído. É o que ele faz ainda todos os dias com aqueles que se afastaram dele pelo pecado; ele segue-os, por assim dizer, não cessando de os chamar até que os tenha reposto no caminho da salvação. E seguramente, se não fizesse isso, vós sabeis o que seria feito de nós depois do primeiro pecado mortal: ser-nos-ia impossível retornar. É preciso que seja ele a fazer tudo primeiro, que nos dê a sua graça, que nos procure, que nos convide a termos piedade de nós mesmos, sem o que não sonharíamos nunca em pedir-lhe misericórdia...
O ardor com que Deus nos procura é sem dúvida um efeito de uma enorme misericórdia. Mas a doçura que acompanha este zelo indica uma bondade ainda mais admirável. Não obstante o desejo extremo que ele tem de nos fazer voltar, nunca usa de violência, não usa para isso senão os caminhos da doçura. Em toda a história do Evangelho não vejo nenhum pecador que tenha sido convidado à penitência a não ser por ternura e por benefícios.

São Cláudio de la Colombière, jesuíta - Sermão pregado em Londres diante da duquesa dYork

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Abrir as portas do coração a Deus

“A terra está cheia, Senhor, da tua misericórdia; ensina-me as tuas vontades" (Sl 118,64). Como é que a terra está cheia desta misericórdia do Senhor senão pela Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, cuja promessa o Salmista, que a via de longe, de alguma maneira celebra? Está cheia dela porque a remissão dos pecados foi dada a todos. O sol tem ordem para se erguer sobre todos e é isso que acontece todos os dias. Com efeito, foi para todos que se ergueu em sentido místico o Sol de Justiça (Ml 3,20); veio para todos, sofreu por todos, por todos ressuscitou. E, se sofreu, foi certamente para “tirar o pecado do mundo” (Jo 1,29)…

Mas, se alguém não tem fé em Cristo, priva-se a si mesmo deste benefício universal. Se alguém, fechando as suas janelas, impede os raios de sol de entrar, não se pode dizer que o sol não nasceu para todos, pois esta pessoa fugiu do seu calor. No que diz respeito ao sol, não se deixa atingir por ele; quanto ao que tem falta de sabedoria, esse priva-se da graça de uma luz proposta a todos.

Deus faz-se pedagogo; ilumina o espírito de cada um, derramando nele a luz do seu conhecimento, com a condição, todavia, de que abras a porta do teu coração e acolhas a claridade da graça celestial. Quando duvidas, apressa-te a procurar porque “aquele que procura encontra e, àquele que bate, abrir-se-á" (Mt 7,8).

Santo Ambrósio (cerca de 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja - Sermão 8 sobre o salmo 118 

A Transfiguração: a manifestação por adiantamento do último dia

Aproximava-se a hora da Paixão… Nesse momento os discípulos não deviam estar com o espírito abalado; não devia acontecer que aqueles que, um pouco antes, tinham confessado pela voz de Pedro que ele era o filho de Deus (Mt 16,16) acreditassem, vendo-o pregado na cruz como um culpado, que ele era um simples homem. Por isso os fortaleceu com esta visão admirável.

Assim, quando o vissem traído, em agonia, implorando que lhe fosse afastado o cálice da morte e arrastado ao tribunal do sumo sacerdote, lembrar-se-iam da subida ao Tabor e compreenderiam que era por sua livre vontade que se entregava à morte… Quando vissem os golpes e os escarros na sua face, não se escandalizariam, relembrando-se do seu brilho que ultrapassava o do sol. Quando o vissem revestido pelo escárnio do manto escarlate, lembrar-se-iam que esse mesmo Jesus estivera vestido de luz no monte. Quando o vissem crucificado na cruz entre dois malfeitores, lembrar-se-iam que ele tinha aparecido entre Moisés e Elias como o seu Senhor. Quando o vissem sepultado na terra como um morto, pensariam na nuvem luminosa que o envolvera.

Aqui está pois um motivo para a Transfiguração. E talvez haja um outro: o Senhor exortava os seus discípulos a não tentarem economizar a sua própria vida; ele dizia-lhes: “se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mt 16,24). Mas renunciar a si mesmo e ir ao encontro de uma morte vergonhosa, isso parece difícil; é por isso que o Salvador mostra aos seus discípulos qual o tipo de glória de que serão julgados dignos os que imitarem a sua Paixão. Com efeito a Transfiguração não é senão a manifestação por adiantamento do último dia “onde os justos fulgirão na presença de Deus” (Mt 13,43).

Teófanes de Cerameia (séc. XII), monge de S. Basílio - Homilia sobre a Transfiguração

A humildade é a ama e a governanta da caridade

[Disse Deus a Santa Catarina:] Pedes-me para Me conheceres e Me amares, a Mim, a Verdade suprema. Eis a via para quem quer chegar a conhecer-Me perfeitamente e a experimentar-Me, a Mim, a Verdade eterna: nunca abandones o conhecimento de ti mesma e, abaixada até ao vale da humildade, em ti mesma Me conhecerás. E desse conhecimento retirarás tudo quanto te faz falta, tudo aquilo de que precisas. Nenhuma virtude tem vida em si mesma, se a não tirar da caridade; ora, a humildade é a ama e a governanta da caridade.
No conhecimento de ti mesma te tornarás humilde, pois por ele verás que nada és por ti mesma e que o teu ser vem de Mim, pois Eu amei-vos antes de que vós existísseis. Foi por causa deste amor inefável que tive por vós que, querendo voltar a criar-vos pela graça, vos lavei e vos recriei no sangue derramado por Meu Filho único com tão grande fogo de amor.
Só este sangue, e apenas ele, dá a conhecer a verdade àquele que, por via desse conhecimento de si mesmo, dissipou a névoa do amor próprio. É então que, nesse conhecimento de Mim Mesmo, a alma se abrasa de um amor inefável, e é devido a este amor que sofre uma dor contínua. Não é uma dor que a aflija ou a seque (longe disso dado que, pelo contrário, a fecunda); mas, por ter conhecido a Minha verdade, os seus próprios pecados, a ingratidão e a cegueira do próximo causam-lhe uma dor intolerável. Aflige-se porque Me ama pois, se não Me amasse, não se afligiria.

Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, Doutora da Igreja, co-padroeira da Europa - Diálogos, cap. 4

Fome de Deus

Sinto que, sem cessar, por todo o lado, a Paixão de Cristo está a acontecer de novo.
Nós estamos prontos para participar nesta paixão? Estamos prontos para partilhar os sofrimentos dos outros, não apenas onde domina a pobreza mas também por toda a parte da terra? Parece-me que a grande miséria e o sofrimento são mais difíceis de resolver no Ocidente. Ao encontrar alguém esfomeado na rua, oferecendo-lhe uma tigela de arroz ou uma fatia de pão, posso apaziguar-lhe a fome. Mas aquele que foi pisado, que não se sente desejado, amado, que vive no medo, que se sente rejeitado pela sociedade, esse experimenta uma forma de pobreza bem mais profunda e dolorosa. E é muito mais difícil encontrar remédio para ela.

As pessoas têm fome de Deus. As pessoas estão ávidas de amor. Temos consciência disso? Sabemos disso? Vemos isso? Temos nós olhos para o ver? Se muitas vezes o nosso olhar se passeia sem se fixar. Como se apenas atravessássemos o mundo. Devemos abrir os olhos e ver.
Bem-aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade - No Greater Love (Não há maior amor)

A vontade em harmonia com a do Senhor

«O meu amado é um cacho de uvas de Chipre, na vinha de En-Gaddi» (Cant 1,14)... Este cacho divino enche-se de flores antes da Paixão e dá o seu vinho na Paixão... Na vinha, o cacho não mostra sempre a mesma forma, muda com o tempo: floresce, incha, fica pronto, e depois, perfeitamente maduro, vai-se transformar em vinho. A vinha promete então através do fruto: ainda não está maduro e em ponto de dar vinho, apenas espera a plenitude dos tempos. Mas ele não é absolutamente incapaz de nos satisfazer. Com efeito, antes do gosto, encanta o olfacto, na expectativa dos bens futuros, e seduz os sentidos da alma com os perfumes da esperança. É que a firme esperança da graça aguardada torna-se já satisfação para aqueles que esperam com persistência. Assim acontece com as uvas de Chipre que prometem vinho antes de o ser: pela flor – a sua flor é a esperança – dão-nos a garantia da graça futura...

Aquele cuja vontade está em harmonia com a do Senhor, porque «nela medita dia e noite», torna-se uma árvore plantada à beira dum ribeiro, que dá fruto a seu tempo e nunca perde a folhagem» (Sl 1,1-3). Por isso a vinha do Esposo que enraizou na terra fértil de Gaddi, ou seja, no fundo da alma, que é regada e enriquecida com os ensinamentos divinos, produz esse cacho florescente e desabrochado no qual pode contemplar o próprio jardineiro e o seu vinhateiro. Bem-aventurada essa terra cuja flor reproduz a beleza do Esposo! É que esse é a verdadeira luz, a verdadeira vida e a verdadeira justiça... e muitas outras virtudes, se, pelas suas obras, se torna semelhante ao Esposo, quando observa o cacho da sua própria consciência, vê lá o próprio Esposo, pois reflecte a luz da verdade numa vida luminosa e sem mancha. Por isso, essa vinha fecunda diz: «O meu cacho floresce e germina» (cf. Cant 7,13). O Esposo está, em pessoa, nesse verdadeiro cacho que se apresenta agarrado ao caule, cujo sangue constitui uma bebida de salvação para os que exultam na sua salvação.

S. Gregório de Nissa (c. 335-395), monge e bispo - Terceira homilia sobre o Cântico dos Cânticos

Nem a noite deve deter a tua misericórdia

«Felizes os misericordiosos, diz o Senhor, pois alcançarão misericórdia.» (Mt 5,7) A misericórdia não é a menor das bem-aventuranças: «Feliz o que compreende o pobre e o fraco» e também: «o homem bom compadece-se e partilha», ou ainda: «sempre o justo se compadece e empresta». Façamos, pois nossa esta bem-aventurança: saibamos compreender, sejamos bons.

Nem a noite deve deter a tua misericórdia; «não digas: volta amanhã e logo te darei» (Prov 3,28). Que não haja hesitação entre a tua primeira reacção e a tua generosidade... «Partilha o teu pão com aquele que tem fome, recolhe em tua casa o infeliz sem abrigo» (Is 58,7) e fá-lo de boa vontade. «Aquele que exerce a misericórdia, diz S. Paulo, que o faça com alegria» (Rom 12,8).

O teu mérito é redobrado pelo teu zelo; uma dádiva feita com contrariedade e por obrigação não tem nem graça nem fulgor. É com um coração em festa, não se lamentando, que se deve fazer o bem... «Então a luz jorrará como a aurora, e as tuas forças não tardarão a restablecer-se» ( 58,8). Haverá alguém que não deseje a luz e a cura?...

Por isso, servos de Cristo, seus irmãos e seus co-herdeiros (Gal 4,7), sempre que tenhamos oportunidade, visitemos Cristo, alimentemos Cristo, agasalhemos Cristo; abriguemos Cristo, honremos Cristo (cf. Mt 25,31s). Não só sentando-o à mesa, como alguns fizeram, ou cobrindo-o de perfumes, como Maria Madalena, ou participando na sua sepultura, como Nicodemos... Nem com ouro, incenso e mirra, como os magos... O Senhor do universo «quer a misericórdia e não o sacrifício» (Mt 9,13), a nossa compaixão, mais que milhares de cordeiros gordos (Miq 6,7). Apresentemos-lhe então a nossa misericórdia pela mão desses infelizes que jazem hoje pela terra, para que, no dia em que partirmos daqui, eles nos «conduzam à morada eterna» (Luc 16,9), ao próprio Cristo, nosso Senhor.

S. Gregório de Nazianzo (330-390), bispo, doutor da igreja - 14ª homilia sobre o amor aos pobres, 38.40