https://www.youtube.com/watch?v=WxrBhZvvSIQ
Um povo conhecido no mundo inteiro sobretudo como
filosófico e militar, mais militar do que filosófico, é o povo alemão. Destacando‑se
como um povo militar, eles são o povo da bravura, do blitzkrieg, da
proeza militar, como já foram em certo sentido o povo da cavalaria e povo das
cruzadas.
Agora, eles ao mesmo tempo têm uma delicadeza de
alma para a canção de Natal de tal maneira, que eles compuseram a canção de
Natal universal. Quer dizer, o Stille Nacht, heilige Nacht passou a ser
a canção de Natal cantada no mundo inteiro.
Agora, por quê? Eles imaginaram o sentimento de
ternura que deveria despertar em alguém que visse no Presépio uma criança
fraquinha, com todas as debilidades físicas da infância, chorando, com frio, mas
sendo o próprio Deus!
Imaginem um país de regime monárquico que estava
nas condições em que estava a Espanha no tempo de Alfonso XIII. Quer dizer, o
rei morreu, o filho não tinha nascido, mas a rainha anunciou que ela já tinha
concebido. Era Alfonso XIII no claustro materno. Quando nasceu, era o rei de
todas as Espanhas, uma criança que cabia no berço.
Pode-se conceber que esse contraste desperta
ternura, compaixão, toda espécie de delicadeza de sentimentos.
Mas o que dizer quando se trata do Homem‑Deus? O
que é um rei da Espanha, ou qualquer outro grande do mundo, em comparação com o
Menino‑Deus? Não é nada, absolutamente. Entretanto, tão fraco… e depois,
destinado a sofrer tanto! Quando abre os seus braços para as pessoas, já forma
uma cruz; e faz pensar na dor insondável pela qual vai passar... Depois, toda a
ternura que O levou a isso por nós, para o nosso bem, para a nossa salvação,
sem outra finalidade a não ser essa.
Tudo isso desperta a ternura no mais alto grau. E
num paradoxo, porque é a ternura para com Deus! A ternura e a compaixão para
quem é infinitamente mais do que nós é um sentimento paradoxal. Altamente
paradoxal. Vejam bem, não é contraditória, é paradoxal. E, portanto, tem que
ser uma compaixão altamente delicada, uma compaixão de um alto critério de
sentimento para ser digna de ser apresentada àquele que de fato merece essa
compaixão, mas que é Deus!
Então, essa é a fórmula. A compaixão humana para o
que há de mais delicado, mas ao mesmo tempo admirativa e súplice. Aquele que
tem pena, fazendo um pedido Àquele de quem tem pena... é outro paradoxo! Isso é
de uma grande beleza.
Em qualquer canção de Natal alemã esses
sentimentos estão ligados magnificamente, e formam o espírito do Natal alemão.
Esse Natal lucra em ser considerado não só como Natal que foi na Terra Santa no
dia em que Nosso Senhor nasceu, mas o Natal como o alemão o festeja. Quer dizer,
tem que se imaginar a igrejazinha, a paroquiazinha toda coberta de neve, com o
relógio iluminado por dentro, que está indicando 10 para a meia‑noite; os aldeões
que estão vindo com os tamancos grandes, porque a neve está enchendo o caminho,
e ainda caem os flocos; a igreja está bem aquecida. Todo o mundo entra
depressa, para poder tirar os seus capotes e se sentir mais à vontade.
Ao longe estão as casinhas da aldeia, e vêem-se as
fumaças que sobem das chaminés, e é a festa de Natal que já está preparada, a
lareira que está acesa, as delícias que já estão no forno... As suculentas,
deliciosas e substanciosas delícias da culinária alemã que estão no forno, e é
a festa de Natal que segue à festa litúrgica.
Tudo isso constitui dentro da inocência da neve um
quadro só, que completa os sentimentos da canção de Natal alemã.
Vamos ao Stille Nacht. Eu vou chamar atenção antes
de começar para esse misto de submissão de espírito, reverência e compaixão de
um lado, e de outro lado alta cogitação. Começa “Stille Nacht... heilige Nacht...”
E acompanha-se na música as alternativas. Cada vez que é baixo, é a ternura
vigilante que pousa sobre o berço, que nada toque no Menino, que nada moleste o
Menino. Deixe o Menino... O Menino está chorando, mas a Mãe o consola... Aquele
desvelo! Mas depois, em certo momento, a ideia de que é Deus que está ali.
Então... “heilige Nacht!” É preciso dizer que a tradução portuguesa não dá bem
o sentido da palavra alemã, e desnatura. Só para fazer versinho de pé quebrado
em português eles se afastam do texto alemão. O alemão tem outro sabor.
O schlaf in himmlischer Rhu quer dizer
“dorme em celestial tranquilidade”. O pensamento é: o Menino está dormindo, mas
a tranquilidade com que Ele dorme, aquele Menino lá não é um Menino da Terra, é
um Menino do Céu. A tranquilidade dEle é a tranquilidade do céu. Então, uma
ênfase dada na palavra himmlischer, que quer dizer celeste.
O próprio dessa canção é que a própria inflexão da
voz, faz um comentário do sentido da palavra que está sendo cantada. Schlaf
in himmlischer Rhu, dorme em celestial tranquilidade. Primeiro diz mais
alto: dorme em celestial tranquilidade! Depois, para acentuar a ideia de quem
está dormindo ali... então, é mais baixo: schlaf in himmlischer Rhu...
Eu gosto muito da música quando cada nota comenta
um sentido da palavra. Isso vai muito de acordo com meu gosto de música. Na
canção, tão despretensiosa, Stille Nacht,
que um técnico de música dirá que é uma cançãozinha popular, eu não ligarei, eu
não me incomodo com a técnica. Eu a respeito de passagem e de longe!
Aqui há um conceito de música, que é só superado
pelo Gregoriano e por Tomás Luis de Victoria. Uma beleza!
Plinio Corrêa de Oliveira, palavras sem correções do
autor durante um jantar no Eremo do Amparo de Nossa Senhora, 3 de Janeiro de
1989.