Se a Igreja permanece intrépida no meio de tantas
tempestades é porque foi instituída por Deus e goza da assistência permanente
de Cristo que a seus Apóstolos prometeu estar com Ela até à consumação dos
séculos.
Não fora a Igreja divina, há quantos séculos teria
desaparecido da face da terra!
Origem da Igreja
Para libertar o homem do cativeiro do pecado Deus mandou à
terra o Seu próprio Filho que, trazendo hipostaticamente unidas as naturezas
divina e humanas, dando aos seus actos um valor infinito, como Mediador único e
verdadeiro entre Deus e os homens e como eterno e Sumo-Sacerdote, consumando
essencialmente pelo sacrifício da Cruz o seu múnus redentor, satisfez condigna,
superabundante e infinitamente por todos os homens.
Mas ao vir Cristo ao mundo como Legado divino fundou o Seu
reino na terra e propôs Sua doutrina como revelada pelo Pai para sucessivamente
ser acreditada e seguida por todos os homens como condição indispensável à
própria salvação.
Por isso, antes de chegar ao fim do mundo, “deve o Evangelho
ser pregado a todas as nações” (Mc 13, 10).
“E o que acreditar e for batizado, será salvo; o que porém não acreditar
será condenado” (Mc 16, 16).
Missão dos Apóstolos
Da intenção de Cristo urge, pois, que a doutrina revelada se
conserve e seja levada a todos os homens para que acreditando se batizem, e
batizando-se se salvem.
E assim, Jesus depois de cumprida a sua missão na terra,
após a Ressurreição e antes de partir para o Pai, para de lá só voltar na
consumação dos séculos cheio de poder e majestade, transferiu para os
Apóstolos, tendo São Pedro como chefe, todo o poder que do Pai havia recebido,
a própria Legação divina no seu tríplice múnus de Profeta, Sacerdote e Rei.
“Assim, como meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós.
Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15). “Eis
que me foi dado todo o poder no Céu e na terra. Ensinai todas as gentes (…)
ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei. Eis que estarei
convosco até à consumação dos séculos”. (Mt 28, 18-20).
Pela eficaz assistência de Cristo a seus Apóstolos e pela
necessidade de Sua doutrina, como meio de salvação, ser levada a todos os
homens, indispensável se torna que os seus poderes sejam comunicados a outros,
assegurando assim à Igreja uma hierarquia que goze de perenidade necessária, ou
seja, de indefetibilidade relativa, condicionada, portanto, à existência de
homens sobre a terra.
Se, portanto, a Igreja, como sociedade visível – que outra
coisa não é que os próprios Apóstolos exercendo os múnus que lhes foram
confiados por Cristo – é perene não só porque última e única economia de
Redenção até ao fim do mundo, mas também porque goza da eficaz assistência do
Espírito Santo, para que perene seja a sua hierarquia, duas condições se
requerem: que perene seja o próprio múnus hierárquico, isto é, o tríplice poder
de ensinar, santificar e governar, e que perene seja o modo hierárquico da constituição
do sujeito do múnus.
Os Bispos, continuadores dos Apóstolos
Sendo a hierarquia da Igreja, como vimos, perene, importa
saber quem foi o sujeito que após a morte dos Apóstolos obteve tal poder
hierárquico.
Percorrendo as páginas da história da Igreja, dos escritos
dos Padres Apostólicos e dos Santos Padres, nós vemos que, desde o tempo dos
Apóstolos, as Igrejas eram presididas por homens de porte nobre e santidade
esmerada, a quem chamavam Bispos.
Já o Apóstolo São João inclui no Apocalipse sete cartas aos “sete”
anjos das sete Igrejas que enumera.
Analisando este texto, pelo próprio contexto, chegamos à
conclusão que esses anjos não podiam significar anjos protetores das Igrejas porque se diziam dignos de
louvor e repreensão pelos seus atos, nem as personificações das próprias
Igrejas, pois estas são distintas, quer pelos símbolos quer pela explicação dos
mesmos símbolos.
Por exclusão de partes resta-nos, pois, a opinião de Santo
Agostinho que nos parece a mais provável e conforme ao texto: os anjos
representam os Bispos das sete Igrejas.
Ora este facto de modo algum se poderia explicar se, por
direito divino de sucessão, os Bispos não sucedessem aos Apóstolos no seu múnus
ordinário.
O próprio concílio Vaticano explicitamente define que os
Bispos são sucessores dos Apóstolos por instituição divina no poder ordinário
de jurisdição.
Eusébio de Cesareia, Tertuliano, Santo Irineu e Hegesipo, ripostando
aos que negavam a origem divina da Igreja ou a legitimidade de tal sucessão,
apresentavam como argumento principal e mais convincente os catálogos dos
Bispos de várias Igrejas remontando-os aos próprios Apóstolos.
Santo Inácio mártir, numa das suas cartas escritas a caminho
do martírio, afirma que o Bispo ocupa o lugar de Deus e é mandado por Deus.
Se a Igreja sempre acreditou em tal sucessão e se só aos
Bispos a atribuiu, é porque não duvida de que, por instituição divina, eles são
os legítimos sucessores dos Apóstolos em todo o seu poder ordinário.
Assim como o Pai enviou o Filho, assim o Filho enviou os
Apóstolos, e os Apóstolos os Bispos.
Causas da devoção ao Bispo
Daqui o amor, carinho e devoção que devemos ter ao nosso
Bispo. O Papa como Bispo da Igreja Universal e o Bispo diocesano dentro dos
seus limites jurisdicionais, são a presença viva e palpável de Deus que lhes
conferiu, na pessoa dos Apóstolos, o múnus de mestres, legisladores e juízes.
Os Bispos receberam o seu poder dos Apóstolos: “Os Apóstolos
foram feitos pregadores do Evangelho pelo Senhor; e Jesus mandado por Deus” (S.
Clemente Romano, Epistola ad Corinthios, apud M. J. Rouet de Journel,
Enchiridion Patristicum, nº 20). Cristo, portanto, por Deus, os Apóstolos por
Cristo e os Bispos pelos Apóstolos.
Daqui, as causas desta devoção ao Bispo. De facto, seu poder
vem diretamente de Deus. “Aquele que vos recebe a Mim recebe, e o que Me
recebe, recebe Aquele que Me enviou” (Mt 10, 40).
Já aconselhava Flávio Josefo: “elegei bispos dignos do
Senhor, homens mansos, verdadeiros e provados”
(Flavius Joseph, Antiquitates, Apud Konradus Kirch, Enchiridion Fontium
Historiae Ecclesiasticae Atinquae” nº 6).
O Bispo é Cristo visível no meio de nós, é a vida da própria
Igreja. Se a Igreja lhe falta a Hierarquia tal qual Deus a constituiu, logo
ruirá nos seus fundamentos, pois faltar-lhe-á a seiva que a vivifica.
O Bispo “é a palavra que ilumina, a vontade que dirige, a
fonte que dá vida e purifica e dessedenta. A Igreja sem Bispo seria um corpo sem
cérebro, sem coração, portanto, sem vida” (D. Manuel, Bispo de Priene, em Ação Católica
Portuguesa, setembro-outubro de 1955).
Por isso jamais a Santa Igreja sucumbirá pois que, na sua
Hierarquia e pela eficaz assistência do Espírito Santo, Cristo está até à
consumação dos séculos.
Ruem as instituições do mundo, esquecem-se os homens no
tropel vertiginoso do tempo, a Igreja, contudo, louvada e venerada ou
desprezada e perseguida, continua indefetível a sua missão de luz, paz e
santificação.