Santos do Dia
13 de janeiro
Santo Hilário (Bispo), Doutor da Igreja
Com a subida ao trono imperial de Constâncio II, filho de
Constantino, o Grande (337), o arianismo voltou a erguer a cabeça. Esta heresia
- que minou o cristianismo na sua base, ao não reconhecer o Verbo, senão como
uma criatura, a mais perfeita de todas, é verdade, mas recusando-se a admitir
que Jesus Cristo é Deus encarnado - já tinha sido condenada pelo Concílio de
Nicéia (325) e, no princípio, vigorosamente reprimida por Constantino. Mas a
intriga de Ário e os seus seguidores, especialmente de Eusébio, bispo de
Nicomédia, fez com que, no final da sua vida, o velho imperador se tornasse mais
conciliador para com os hereges. Quando Constâncio II sucedeu a seu pai, a
balança parecia, humanamente falando, pender igualmente para a Ortodoxia e para
a heresia. Mas, esta última ira quebrar o equilíbrio a seu favor, graças ao
apoio da Imperatriz Eusébia (352).
Foram anos dolorosos aqueles vividos pela Igreja entre 352 e
361. As subtilezas, prevaricações, intrigas, inveja dos Orientais levaram a uma
pergunta de bom senso e de justiça que os Ocidentais teriam resolvido
rapidamente. As partes foram conseguindo cada vez maior apoio, dividindo-se a
favor ou contra a adoção de uma palavra, primeiramente apresentada pelos Padres
de Nicéia, e depois transformada em expressão necessária da verdade dogmática -
necessária, já que se ela fosse retirada, parecia dar razão ao erro. Dir-se-ia
que o Pai e o Filho eram da mesma substância (homoousioi) ou simplesmente de
substância similar (hornoiou-síoz)? Se o segundo termo cavava entre eles um
abismo, o primeiro não identificava as duas pessoas divinas?
A linguagem dos antigos Padres gregos confundia, por usar, muitas
vezes, uma ou outra palavra, através das quais traduzimos hoje os conceitos diferentes
de substância e de pessoa. Era fácil subtilizar sobre as palavras, para
encontrar a ocasião, valiosa para o espírito litigioso dos gregos, discussões
intermináveis, de persistir em brigas exercidas com o intuito de dominar, à
custa da verdade.
A intrusão do despotismo em questões de fé fez com que a controvérsia
de ideias se transformasse em perseguição. Uma vez que o imperador tomou parte em
favor de alguns homens, sem atingir talvez a sua fé pessoal, usou e abusou da
sua autoridade omnipotente para tentar dobrar diante dele a fé de todo o mundo.
Quando Constâncio II morreu, a fé, como uma boa espada que
volta a ficar direita depois de ser dobrada, voltou à normalidade, íntegra. Se
o mundo, de acordo com a palavra de São Jerónimo, gemeu ao ver-se de repente ariano,
ele não demorou para rejeitar o veneno. Ele voltou a ser católico para resistir
à perseguição pagã de Juliano, o Apóstata.
Mesmo diante de Constâncio II, não faltaram defensores da ortodoxia.
Ao lado do valente Atanásio, a verdadeira fé teve os seus confessores e
mártires. O mais ilustre destes foi Santo Hilário.
Embora saibamos muito pouco sobre os seus primeiros anos,
parece que "ele não nasceu cristão, mas tornou-se "(Tillemont). Os seus pais, nobres e ricos, viviam em Poitiers
(ou talvez Clere, no Anjou), quando este filho lhes foi dado. Eles instruíram-no
com grande cuidado nas ciências, especialmente, nas letras e casaram-no, antes dele
conhecer a verdade católica. Ele mesmo conta, no começo de seu livro sobre a
Trindade, como a preocupação com a fim do homem e a vida eterna abriram-lhe os
olhos. O absurdo dos dogmas pagãos, horrorizavam-no. E, o encontro com a
Sagrada Escritura, especialmente o Evangelho de São João, fez o resto. Batizado,
ele começou por trazer à sua fé a sua esposa e a sua filha. Mas não foram
apenas com estas duas queridas criaturas que ele limitou o seu apostolado; o
seu zelo era tão grande para com todos, que logo depois da morte de Maxêncio, bispo
de Poitiers, o clero e os fiéis insistiram com ele para que aceitasse o episcopado.
E ele achou impossível escapar a este chamamento.
A partir deste momento, de acordo com a lei já estabelecida
de continência para os clérigos, ele pediu à sua esposa, e obteve o seu
consentimento, para que ela o “visse no altar, transfigurado na chama do
sacrifício, amando-o apenas como um irmão" (P. Largent).
Provavelmente por volta de 350, Hilário recebeu a unção
episcopal. Pouco tempo depois, quando ele já era bispo, os hereges levantaram audaciosamente
o estandarte de Ário. O Imperador, instigado por eles, declarou, primeiro,
guerra a Atanásio, o patriarca de Alexandria e o defensor mais enérgico da Fé. Depois,
pretendeu curvar o Ocidente e o Oriente às suas preferências dogmáticas. Ele baniu
Lúcifer de Cagliari, Dionísio de Milão, Eusébio de Vercelli, que resistiam ao
erro; logo depois, o velho e venerável Ósio, bispo de Córdoba e até o papa Libério
tiveram que partir para o exílio. Clérigos e fiéis estavam aterrorizados. Hilário,
atreveu-se a tomar então a palavra para defender a verdade. Primeiro, reuniu um
Concílio de bispos, que condenou e rejeitou energicamente os principais
fautores das medidas tirânicas. E ele não hesitou em apresentar ao imperador,
em termos inteligentes e medidos, mas muito firme e muito explícito, a sua
defesa à Igreja e aos bispos sancionados e exilados. Juliano, que seria
posteriormente conhecido como o apóstata, governava a Gália. Diante da sua
inércia e indiferença, Saturnino, Bispo de Arles, um dos excomungados do
Concílio organizado por Hilário, convocou os seus partidários para uma reunião
em Béziers. O bispo de Poitiers teve a ousadia de ir até lá. Mas o que fazer
diante de oponentes que não quereriam ouvi-lo e que esperavam conseguir “enganar
o próprio Cristo "?
A sua voz foi abafada pelo clamor e os seus opositores
conseguiram de Juliano uma ordem de exílio. Em junho de 356, Hilário de Poitiers
e Ródão, de Toulouse, tiveram que partir para a Frígia. Ródão morreria ali; Hilário,
mais do que nunca se mostraria como soldado da verdade católica.
Assim que chegou ao exílio, preocupou-se em estabelecer, em face aos erros da heresia, a verdadeira doutrina
tradicional. Esta é a origem do seu Tratado da Trindade, em doze volumes, onde
a geração eterna do Verbo e a sua consubstancialidade com o Pai são, sucessivamente, estabelecidas. Hilário não foi o primeiro a tratar do assunto; mas o seu trabalho "excede
o dos seus antecessores pela precisão da doutrina e pela extensão da execução.
Ele é o primeiro dos latinos a lutar contra o arianismo e a criar uma linguagem,
introduzindo num idioma até aquela altura rebelde as precisões da doutrina
católica e das delicadezas do pensamento grego” (Largent).
Ao mesmo tempo, talvez, a pedido de alguns colegas do
episcopado da Gália, enviou-lhes uma longa carta, onde, enquanto exortava-os a
manterem-se firmes nas definições conciliares, pretendia esclarecer as
suspeitas mútuas que separavam os bispos orientais, dos ocidentais; e deixando
a linha de uma inflexibilidade intransigente e de uma indulgência
comprometedora ou suspeita, estendeu uma mão compassiva àqueles que uma
fraqueza humana retinha nas fileiras semi-arianas. Esta carta provocou muitas
críticas da parte de alguns confessores da fé, como Lúcifer de Cagliari, que
chegou ao ponto de cessar toda a comunicação com Hilário. Mas ele não
acreditava ser necessário partir ainda mais a cana meio rachada, através de uma
ortodoxia apresentada com ferocidade.
No entanto, no mesmo ano em que Hilário terminou o seu
Tratado da Trindade, em 359, Constâncio II ainda estava tentando
restaurar a unidade da fé, tal como sonhava o seu imperialismo. Ele,
inicialmente, tinha pensado convocar um Concílio universal em Constantinopla; mas
um terremoto assustador e, em seguida, um imenso incêndio, arruinaram a cidade
e destruíram o seu plano. Os arianos, acreditando poder dominar mais facilmente
qualquer resistência, aconselharam-no a convocar os bispos, simultaneamente em
dois Concílios, um em Rimini, para o Ocidente e o outro em Selêucia da Isauria,
para o Oriente. Nenhum dos dois
mereceriam o título de ecuménico. O de Rimini foi realizado, lamentavelmente, sob
a violenta pressão dos bispos hereges Ursácia e Valens, diante de uma quase total deserção
do episcopado. No outro de Selêucia, Hilário foi convocado e nele participou corajosamente.
A sua bravura impediu os excessos de uma minoria de exaltados, comandados por
Acácio, bispo de Cesaréia. Quando este, indignado, conseguiu fazer com que o
Concílio fosse dissolvido pela partida irritada do representante de Constâncio
II, Hilário seguiu Acácio até Constantinopla, provocando-o, desafiando-o a uma
discussão, para a qual o herege, assim como seus seguidores, não queriam a
qualquer preço. Para se livrar desse oponente intratável, pareceu-lhes não
haver outra solução a não ser a de o mandar de volta para a Gália. Constâncio II
concordou com o pedido, sem revogar, contudo, o decreto de exílio. Depois de
defender a fé no Oriente, Deus permitiu que Hilário a levasse de volta ao Ocidente.
Mas ele não queria partir sem antes manifestar a sua oposição
contra o perseguidor coroado, indignação que ele tinha conseguido conter até aquela
altura, na esperança de ser ouvido. As suas invectivas contra Constâncio II estouraram
como trovão e fulminaram o criminoso imperador que usava o seu poder para
corromper os fiéis de Cristo. Entre os rumores desta raiva santa, ele caminhava
em direção à sua terra natal. Diante desta notícia, Martinho, que acabara de
deixar o exército e vivia numa ermida de uma ilha do golfo de Génova,
apressou-se a encontrar com este mestre ilustre, com quem se afeiçoara. Mas, só
conseguiu encontrá-lo em Poitiers. Colocando-se sob o seu cuidado e direção,
não demorou em fundar, não longe da sua cidade, a ilustre abadia de Ligugé,
onde nos últimos anos da sua vida, Hilário procurou hospedagem para seguir um
regime de penitência monástica.
O bispo viajava lentamente em direção à Gália, acolhido e
aclamado por todos como um vencedor, em todos os lugares reforçava a coragem,
abafava as intrigas, pacificava os corações. Graças a ele, os líderes oficiais
do arianismo francês, como Saturnino de Arles e Paterne de Périgueux, foram
deposto das suas sedes episcopais, os outros, os fracos, os arrependidos, encontraram
misericórdia.
Esta sabedoria restaurou a paz, arruinando a heresia, e o seu
sucesso fez com que Hilário fosse chamado a resolver na Itália as mesmas
questões de divisão provocadas pelo arianismo. Constâncio II tinha acabado de
morrer em Mopsuestia (361). Juliano, o Apóstata, sucedeu-o e, com o desejo de
perturbar a Igreja e não com intuitos de justiça, permitiu a todos os exilados,
ortodoxos ou hereges, retornarem às suas igrejas. Assim, Eusébio de Vercelli retornou
do exílio. Passando por Alexandria, consultou Atanásio e os dois santos concordaram em prosseguir uma
política de conciliação, posição concorde com a de Hilário. Ele esforçou-se por
unir os seus esforços aos do bispo de Poitiers. A ação deles foi coroada de
sucesso, quase que universalmente, tendo sido abençoada pelo Papa Libério, apesar
da oposição irredutível de Lúcifer de Cagliari. Apesar disto, a heresia tinha fortificado
a sua posição em Milão, governada pelo bispo Auxêncio. Em vão, Hilário dirigiu-se
à consciência reta e cristã do Imperador Valentiniano (364). Auxêncio conseguiu
enganar Valentiniano que era melhor político que teólogo, ordenando a saída de
Hilário de Milão. O santo obedeceu; mas não sem antes proferir palavras muito
duras contra o imperador, como tinha feito contra Constâncio. Doce e
misericordioso para os fracos, Hilário guardava toda a sua energia vingativa
contra aqueles que ao erro juntavam a trapaça ou a violência.
Depois disto, ele viveu inteiramente para o seu rebanho.
Provavelmente, durante este período escreveu os seus comentários sobre os Salmos,
onde "Ele adopta uma medida certa entre os que, fixando-se no sentido literal
e puramente histórico, acreditam não dever procurar outro significado, e os que,
referindo tudo a Jesus Cristo, imaginam que os salmos não têm nenhum sentido literal
"(Dom Ceillier).
A sua caridade foi exercida não só por palavras e esmolas,
mas por milagres. Ele fez muitos e a sua reputação como taumaturgo aumentou consideravelmente
depois da sua morte, ocorrida no dia 13 de janeiro de 368.
Ele foi enterrado ao lado da sua esposa e da sua filha Abra,
na basílica São João e São Paulo, que hoje traz o seu nome. Ele é venerado por grandes
estudiosos e multidões.
Santo Hilário recebeu o título Hilário foi enterrado ao lado
da sua
de Doutor da Igreja concedido pelo Beato Papa Pio IX em 13 de
maio de 1851.