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sábado, 14 de maio de 2011

Fra Angélico, teologia em cores e imagens

O saber era o fundamento da Ordem Dominicana e todos os seus conventos deviam ser considerados estabelecimentos de instrução. A ciência era o pão nosso de cada dia dos Frades Pregadores. Dizia São Bernardo que, entre os homens instruidos, há os que querem saber para saber, os que querem saber para vender a sua ciência, e os que querem saber para ensinar aos outros; e que esta última forma de saber é honra e caridade.

Fazia parte do programa dominicano estudar para saber, e saber para ensinar. Fra Angélico ensinava pintando. Os seus quadros, à parte a unção religiosa que desprendem, são verdadeiras lições de teologia traduzidas em cores e imagens, mas da teologia de São Tomás de Aquino, que ele tratava de espalhar e difundir, de acordo com o espírito da Ordem e com a bula do Papa Urbano V, datada de 1369, na qual este Pontífice mandou respeitar e divulgar como verdadeiramente católica a doutrina do grande Santo.

Fra Angélico, apóstolo da arte cristã, casto de corpo e de espírito, genial na pintura e puríssimo na sua vida humana, indiferente à glória, às honras e às riquezas, que não invejava a fortuna alheia, que não sabia o que eram nem o interesse nem a cobiça, estava, como nenhum outro, à altura de cumprir a sublime missão de um artista cristão, que era de reproduzir os milagres operados em virtude e por virtude da fé, escrever a cores as páginas que o lherosimo, a agonia e o amor escreveram; pedir à linha, aos matizes, ao claro-escuro, que falem uma linguagem que só a alma compreenda. E, de facto, ele escreveu a cores toda a história religiosa do mundo, perpetuou na tela as cenas da Bíblia, deu forma tangível aos Anjos do Paraíso, foi o pintor da Fé, da Esperança e da Caridade!

Todas as tardes, à hora do Angelus ou Ave-Marias, postava-se à porta do Convento e ali esperava o cortejo dos mendigos do bairro, aos quais oferecia uma sopa, um óbulo, um vestido, acompanhando a dádiva de palavras afectuosas. E ao vê-los tão de perto, emagrecidos pela miséria, mas esclarecidos pela fé, Angélico retinha nos olhos as curvas dos corpos e a expressão dos semblantes dessa indigente multidão, para as reproduzir mais tarde naqueles quadros da Capela Nicolina, em que Santo Estêvão e São Lourenço fazem prédicas ao povo e distribuem esmolas aos pobres de Cristo.
A Capella Nicolina foi o último labor artístico de Angélico. Sentindo que a idade e o cansaço físico já não animavam para novas empresas, arrecadou conscienciosamente a paleta e o ponciel, contentando-se de remirar-se nas obras dos discípulos que amorosamente lhe alegravam os ócios da velhice. Foi grande até ao derradeiro dia; até à hora da morte foi o pintor famoso “ultra alios pictores italicos”.
No dia 18 de Março de 1455, aos 68 anos de idade, totalmente consagrados à arte e à religião, no convento dominicano de Santa Maria de Minerva, onde viveu os últimos oito anos da sua bem-aventurada existência, Fra Giovanni Angélico de Fiesole pediu a Unção dos Enfermos e expirou no Senhor.
A sua morte foi semelhante à sua vida: uma apoteose de sobrenatural formosura. Os frades não eram os únicos que assistiam o moribundo: certamente, em honra do  famosíssimo pintor, ali estavam também os Anjos dos seus quadros e dos seus painéis.
Luis Guimarães Filho, Fra Angelico, Ed. Vozes 

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