"Tarde Te
amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia
dentro do meu coração... Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade,
buscava algo que não achava... Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou,
porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e
consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.
Tu estavas dentro de mim e eu fora... "Os homens saem
para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos
mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos
astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na
aventura de um passeio interior". Durante os anos de minha juventude, pus
meu coração em coisas exteriores que só me afastavam cada vez mais d’Aquele a
Quem meu coração, sem saber, desejava... Eis que estavas dentro e eu fora!
Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas
comigo e não eu Contigo...
Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e o Teu grito rompeu a
minha surdez... "Fizeste-me entrar em mim mesmo... Para não olhar para
dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e
me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o
quão deformado, manchado e sujo eu estava". Em meio à luta, recorri ao meu
grande amigo Alípio e disse-lhe: “Os ignorantes arrebatam-nos o céu e nós, com
toda a nossa ciência, debatemo-nos na nossa carne”. Assim encontrava-me,
chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer
“Amanhã, amanhã”... Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha...
Uma voz que dizia: “Pega e lê. Pega e lê!”.
Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha
cegueira. Então corri à Bíblia, abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual
caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim:
"Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas
rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,13s).
Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que
me conhecia, que sabia da minha vida.
Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti,
anseio por Ti! Deus... de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é
ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus... de Quem fugir é cair, a Quem
voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus... a Quem esquecer
é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que
descobri a Deus e dei-me conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a
Quem buscava ardentemente o meu coração.
Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e
agora ardo pela Tua Paz. "Deus começa a habitar em ti quando tu começas a
amá-Lo". Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece
a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu
Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então
Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!
E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti!
Só ardo por Ti!...
Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão
nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora - e fora Te
buscava, e lançava-me, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de
todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo.... Seguravam-me
longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por
mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou
a minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, desejei-Te.
Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora
ardo em desejos pela Tua Paz!
Santo Agostinho, Confissões 10,
27-29