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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Comunhão Eucarística vetada aos divorciados recasados

A propósito de algumas objeções contra a doutrina da Igreja acerca da recepção da Comunhão eucarística da parte de fiéis divorciados recasados

Joseph Card. Ratzinger (1998)

A Carta da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a recepção da Comunhão eucarística da parte de fiéis divorciados recasados, de 14 de Setembro de 1994, teve um forte eco em diversas partes da Igreja. Em paralelo com muitas reações positivas ouviram-se também não poucas vozes críticas. As objeções essenciais contra a doutrina e a praxe da Igreja são apresentadas a seguir de forma simplificada.

Algumas objeções mais significativas – sobretudo a referência à praxe considerada mais flexível dos Padres da Igreja, que inspiraria a praxe das Igrejas orientais separadas de Roma, assim como a chamada aos princípios tradicionais da epiqueia e da «aequitas canonica» ­ foram estudadas de modo aprofundado pela Congregação para a Doutrina da Fé. Os artigos dos professores Pelland, Marcuzzi e Rodriguez Luño(2) foram elaborados durante este estudo. Os resultados principais da pesquisa, que indicam a orientação de uma resposta às objeções feitas, serão aqui igualmente resumidas.

1. Muitos consideram, alegando alguns trechos do Novo Testamento, que a palavra de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio permite uma aplicação flexível e não possa ser classificada numa categoria rigidamente jurídica.

Alguns exegetas realçam criticamente que o Magistério em relação à indissolubilidade do matrimônio citaria quase exclusivamente uma só perícope – isto é Mc 10, 11-12 – e não consideraria de modo suficiente outros trechos do Evangelho de Mateus e da primeira Carta aos Coríntios. Estes trechos bíblicos mencionariam uma certa «exceção» à palavra do Senhor sobre a indissolubilidade do matrimônio, isto é, no caso de «porneia» (Mt 5, 32; 19, 9) e no caso de separação por motivo de fé (1 Cor 7, 12-16). Estes textos seriam indicações de que os cristãos em situações difíceis teriam conhecido já no tempo apostólico uma aplicação flexível da palavra de Jesus.

A esta objeção deve-se responder que os documentos magisteriais não pretendem apresentar de modo completo e solícito os fundamentos bíblicos da doutrina sobre o matrimônio. Eles deixam esta importante tarefa aos peritos competentes. Contudo o Magistério ressalta que a doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio deriva da fidelidade em relação à palavra de Jesus. Jesus define claramente a praxe veterotestamentária do divórcio como uma consequência da dureza do coração humano. Ele remete – além da lei – para o início da criação, para a vontade do Criador, e resume o seu ensinamento com as palavras: «Não separe o homem aquilo que Deus uniu» (Mc 10, 9). Por conseguinte, com a vinda do Redentor, o matrimônio é reconduzido à sua forma originária a partir da criação e subtraído ao arbítrio humano – sobretudo ao arbítrio do marido; na realidade, não havia de fato para a esposa a possibilidade de divórcio. A palavra de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio é a superação da antiga ordem da lei na nova ordem da fé e da graça. Só assim o matrimônio pode fazer plenamente justiça à vocação de Deus ao amor e à dignidade humana e tornar-se sinal da aliança de amor incondicionado de Deus, isto é, «Sacramento» (cf. Ef 5, 32).

A possibilidade de separação, que Paulo expõe em 1 Cor 7, refere-se a matrimônios entre um cônjuge cristão e um não-batizado. A reflexão teológica sucessiva esclareceu que só os matrimônios entre batizados são «sacramento» no sentido estreito da palavra e que a indissolubilidade absoluta é válida só para estes matrimônios que se situam no âmbito da fé em Cristo. O chamado «matrimônio natural», tem a sua dignidade a partir da ordem da criação e, por conseguinte, está orientado para a indissolubilidade, mas pode ser dissolvido em determinadas circunstâncias por motivo de um bem maior – no caso, a fé. Assim a sistematização teológica classificou juridicamente a indicação de São Paulo como «privilegium paulinum», isto é, como possibilidade de dissolver para bem da fé um matrimônio não sacramental. A indissolubilidade do matrimônio verdadeiramente sacramental permanece salvaguardada; portanto, não se trata de uma exceção à palavra do Senhor. Sobre este aspecto voltaremos mais adiante.

Em relação à reta compreensão das cláusulas sobre a «porneia» existe uma vasta literatura com muitas hipóteses diversas, até contrastantes. Entre os exegetas não existe absolutamente unanimidade sobre esta questão. Muitos consideram que se trata aqui de uniões matrimoniais nulas e não de exceções à indissolubilidade do matrimônio. Contudo a Igreja não pode edificar a sua doutrina e a sua praxe sobre hipóteses exegéticas incertas. Ela deve ater-se ao ensinamento claro de Cristo.

2. Outros objetam que a tradição patrística deixaria espaço a uma praxe mais diferenciada, que melhor faria justiça às situações difíceis; a propósito, a Igreja católica poderia aprender do princípio de «economia» das Igrejas orientais separadas de Roma.

Afirma-se que o Magistério atual se apoiaria unicamente sobre um
fundamento da tradição patrística, mas não sobre toda a herança da Igreja antiga. Ainda que os Padres se ativessem claramente ao princípio doutrinal da indissolubilidade do matrimônio, alguns deles toleraram a nível pastoral uma certa flexibilidade em relação a situações particularmente difíceis. Sobre este fundamento as Igrejas orientais separadas de Roma teriam desenvolvido mais tarde juntamente com o princípio da «akribia», da fidelidade à verdade revelada, o da «oikonomia», da condescendência benévola em determinadas situações difíceis. Sem renunciar à doutrina da indissolubilidade do matrimônio, eles permitiriam em determinados casos um segundo e até um terceiro matrimônio, que por outro lado é diferente do primeiro matrimônio sacramental e está marcado pelo caráter da penitência. Esta praxe nunca teria sido condenada explicitamente pela Igreja católica. O Sínodo dos Bispos de 1980 sugeriu que se estudasse a fundo esta tradição, para fazer resplandecer melhor a misericórdia de Deus.

O estudo do Padre Pelland mostra a direção, na qual se deve procurar a resposta a estas questões. Para a interpretação de cada um dos textos patrísticos permanece naturalmente competente o historiador. Devido à difícil situação textual as controvérsias também no futuro não diminuirão. Sob o ponto de vista teológico deve-se afirmar:

a. Existe um consenso claro dos Padres em relação à indissolubilidade do matrimônio. Considerando que ela deriva da vontade do Senhor, a Igreja não tem poder algum em matéria. Precisamente por isto o matrimônio cristão foi desde o início diverso do matrimônio da civilização romana, mesmo se nos primeiros séculos ainda não existia qualquer ordenamento canônico próprio. A Igreja do tempo dos Padres exclui claramente divórcio e novas núpcias, e isto por fiel obediência ao Novo Testamento.

b. Na Igreja da época dos Padres os fiéis divorciados recasados nunca foram admitidos oficialmente à sagrada comunhão depois de um tempo de penitência. Ao contrário, é verdade que a Igreja nem sempre revogou rigorosamente aos países individualmente concessões em matéria, mesmo se elas eram qualificadas como não compatíveis com a doutrina e com a disciplina. Parece ser verdade também que alguns Padres, por exemplo Leão Magno, procuraram soluções «pastorais» para raros casos extremos.

c. Em seguida chegou-se a dois desenvolvimentos contrapostos:

- Na Igreja imperial pós-constantiniana procurou-se, depois do enlace cada vez mais forte entre Estado e Igreja, uma maior flexibilidade e disponibilidade ao compromisso em situações matrimoniais difíceis. Até a reforma gregoriana manifestou-se também uma tendência semelhante em âmbito gálico e germânico. Nas Igrejas orientais separadas de Roma este desenvolvimento prosseguiu ulteriormente no segundo milênio e levou a uma praxe cada vez mais liberal. Hoje em muitas Igrejas orientais existe uma série de motivações de divórcio, aliás, existe já uma «teologia do divórcio», que de modo algum é conciliável com as palavras de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimônio. No diálogo ecumênico este problema deve ser absolutamente enfrentado.

- No Ocidente foi recuperada, graças à reforma gregoriana, a concepção originária dos Padres. Este desenvolvimento encontrou de certa forma uma sanção no Concílio de Trento e foi reproposto como doutrina da Igreja no Concílio Vaticano II.

A praxe das Igrejas orientais separadas de Roma, que é consequência de um processo histórico complexo, de uma interpretação cada vez mais liberal – e que se afastava sempre mais da palavra do Senhor – de alguns obscuros trechos patrísticos assim como de uma influência não negligenciável da legislação civil, não pode, por motivos doutrinais, ser assumida pela Igreja católica. A este propósito não é exata a afirmação segundo a qual a Igreja católica teria simplesmente tolerado a praxe oriental. Certamente Trento não pronunciou condenação formal alguma. Apesar de tudo, os canonistas medievais falavam dela continuamente como de uma praxe abusiva. Além disso, há testemunhos segundo os quais grupos de fiéis ortodoxos, que se tornavam católicos, tinham que assinar uma confissão de fé com uma indicação clara da impossibilidade de um segundo matrimônio.

3. Muitos propõem a autorização de exceções da norma eclesial, com base nos princípios tradicionais da epiqueia e da aequitas canonica.

Alguns casos matrimoniais, assim se diz, não podem ser regulados em foro externo. A Igreja poderia não só enviar para normas jurídicas, mas deveria também respeitar e tolerar a consciência dos indivíduos. As doutrinas tradicionais da epiqueia e da aequitas canonica poderiam justificar do ponto de vista da teologia moral, isto é, do ponto de vista jurídico, uma decisão da consciência que se afaste da norma geral. Sobretudo na questão da recepção dos sacramentos a Igreja deveria aqui fazer progressos e não só opor proibições aos fiéis.

As duas contribuições do Padre Marcuzzi e do Prof. Rodríguez Luño ilustram esta complexa problemática. A este propósito devem-se distinguir claramente três âmbitos de questões:

a. Epiqueia e aequitas canonica são de grande importância no âmbito das normas humanas e puramente eclesiais, mas não podem ser aplicadas no âmbito de normas, sobre as quais a Igreja não tem qualquer poder discricional. A indissolubilidade do matrimônio é uma destas normas, que remontam ao próprio Senhor e por isso são designadas como normas de «direito divino». A Igreja também não pode aprovar práticas pastorais – por exemplo, na pastoral dos Sacramentos –, que estejam em contradição com o claro mandamento do Senhor. Por outras palavras: se o matrimônio precedente de fiéis divorciados recasados era válido, a sua nova união em circunstância alguma pode ser considerada em conformidade com o direito, e por isso, por motivos intrínsecos não é possível uma recepção dos sacramentos. A consciência do indivíduo está vinculada a esta norma, sem exceções(3).

b. Ao contrário, a Igreja tem o poder de esclarecer quais condições devem ser cumpridas, para que um matrimônio possa ser considerado indissolúvel segundo o ensinamento de Jesus. Em sintonia com as afirmações paulinas em 1 Coríntios 7 ela estabeleceu que só dois cristãos podem contrair um matrimônio sacramental. Ela desenvolveu as figuras jurídicas do «privilegium paulinum» e do «privilegium petrinum». Com referência às cláusulas sobre «porneia» em Mateus e em Atos 15, 20 foram formulados impedimentos matrimoniais. Além disso, foram indicados cada vez mais claramente motivos de nulidade matrimonial e foram amplamente desenvolvidos os andamentos processuais. Tudo isto contribuiu para delimitar e esclarecer o conceito de matrimônio indissolúvel. Poder-se-ia dizer que deste modo também na Igreja ocidental foi dado espaço ao princípio da «oikonomia» sem, contudo, tocar a indissolubilidade do matrimônio como tal.

Situa-se nesta linha também o ulterior desenvolvimento jurídico no Código de Direito Canônico de 1983, segundo o qual também as declarações das partes têm força probatória. Em si, segundo o parecer de pessoas competentes, parecem praticamente quase excluídos os casos nos quais um matrimônio nulo não é demonstrável como tal por vias processuais. Dado que o matrimônio tem essencialmente um caráter público-eclesial e é válido o princípio fundamental «Nemo iudex in propria causa» («Ninguém é juiz na própria causa»), as questões matrimoniais devem ser resolvidas em foro externo. No caso em que fiéis divorciados recasados considerem que o seu precedente matrimônio nunca tinha sido válido, eles são por conseguinte obrigados a dirigir-se ao competente tribunal eclesiástico, que deverá examinar o problema objetivamente e com a aplicação de todas as possibilidades juridicamente disponíveis.

c. Certamente não se exclui que em processos matrimoniais ocorram erros. Nalgumas partes da Igreja ainda não existem tribunais eclesiásticos que funcionem bem. Por vezes os processos duram de maneira excessivamente longa. Nalguns casos terminam com sentenças problemáticas. Não parece aqui, em linha de princípio, estar excluída a aplicação da epiqueia em «foro interno». Na Carta da Congregação para a Doutrina da Fé de 1994 este aspecto é mencionado, quando é dito que com os novos procedimentos canônicos deveria ser excluída, «na medida do possível», qualquer diferença entre a verdade verificável no processo e a verdade objetiva (cf. Carta 9). Muitos teólogos são do parecer que os fiéis devam absolutamente conformar-se também em «foro interno» com os juízos do tribunal, a seu parecer, falsos. Outros consideram que em «foro interno» são concebíveis exceções, porque no ordenamento processual não se trata de normas de direito divino, mas de normas de direito eclesial. Contudo, esta questão exige ulteriores estudos e esclarecimentos. Com efeito, deveriam ser elucidadas de maneira muito clara as condições para o verificar-se de uma «exceção», com a finalidade de evitar arbítrios e de proteger o caráter público – subtraído ao juízo subjetivo – do matrimônio.

4. Muitos acusam o atual Magistério de involução em relação ao Magistério do Concílio e de propor uma visão pré-conciliar do matrimônio.

Alguns teólogos afirmam que na base dos novos documentos magisteriais sobre as questões do matrimônio estaria uma concepção naturalista, legalista do matrimônio. A ênfase seria dada ao contrato entre os esposos e aos «ius in corpus». O Concílio teria superado esta compreensão estática e descrito o matrimônio dum modo mais personalista como pacto de amor e de vida. Assim teria aberto a possibilidade de resolver de maneira mais humana situações difíceis. Desenvolvendo esta corrente de pensamento alguns estudiosos perguntam se não se pode falar de «morte do matrimônio», quando o vínculo pessoal do amor entre dois esposos já não existe. Outros levantam a antiga questão se não tem o Papa, em tais casos, a possibilidade de dissolver o matrimônio.

Mas quem ler atentamente os recentes pronunciamentos eclesiásticos reconhecerá que eles, nas afirmações centrais, se fundam em «Gaudium et spes» e com características totalmente personalistas desenvolvem ulteriormente, no sulco indicado pelo Concílio, a doutrina nela contida. É, contudo, inadequado introduzir uma contraposição entre a visão personalista e a jurídica do matrimônio. O Concílio não se afastou da concepção tradicional do matrimônio, mas desenvolveu-a ulteriormente. Por exemplo, quando se repete continuamente que o Concílio substituiu o conceito estreitamente jurídico de «contrato» com o conceito mais amplo e teologicamente mais profundo de «pacto», não se pode esquecer a propósito que também no «pacto» está contido o elemento do «contrato» mesmo se é colocado numa perspectiva mais ampla. Que o matrimônio vá muito mais além do aspecto meramente jurídico mergulhando na profundidade do humano e no mistério do divino, na realidade foi sempre afirmado com a palavra «sacramento», mas certamente com frequência não foi realçado com a clareza que o Concílio conferiu a estes aspectos. O direito não é tudo, mas é uma parte irrenunciável, uma dimensão do todo. Não existe um matrimônio sem normativa jurídica, que o insere num conjunto global de sociedade e Igreja. Se a reorganização do direito depois do Concílio se estende também ao âmbito do matrimônio, então isto não é traição do Concílio, mas execução da sua tarefa.

Se a Igreja aceitasse a teoria segundo a qual um matrimônio morre quando os dois cônjuges deixam de se amar, então com isto aprovaria o divórcio e defenderia a indissolubilidade do matrimônio só verbalmente, e não de modo factual. A opinião, segundo a qual o Papa poderia eventualmente dissolver um matrimônio sacramental consumado, irremediavelmente fracassado, deve portanto ser qualificada como errônea. Um tal matrimônio não pode ser dissolvido por ninguém. Na celebração nupcial, os esposos prometem reciprocamente a fidelidade até a morte.

Ao contrário, exige ulteriores aprofundados estudos a questão sobre se cristãos não crentes – batizados, que nunca creram ou já não crêem em Deus – podem deveras contrair um matrimônio sacramental. Por outras palavras: dever-se-ia esclarecer se deveras cada matrimônio entre dois batizados é «ipso facto» um matrimônio sacramental. Com efeito, também o Código indica que só o contrato matrimonial «válido» entre batizados é ao mesmo tempo sacramento (cf. CIC, cân. 1055, § 2). A fé pertence à essência do sacramento; falta esclarecer a questão jurídica sobre qual evidência de «não fé» tenha como consequência que um sacramento não se realize(4).

5. Muitos afirmam que a atitude da Igreja na questão dos fiéis divorciados recasados é unilateralmente normativa e não pastoral.

Uma série de objeções críticas contra a doutrina e a praxe da Igreja refere-se a problemas de caráter pastoral. Diz-se, por exemplo, que a linguagem dos documentos eclesiais seria demasiado legalista, que o rigor da lei prevaleceria sobre a compreensão de situações humanas dramáticas. O homem de hoje já não poderia compreender esta linguagem. Jesus teria sido disponível para com as necessidades de todos os homens, sobretudo daqueles à margem da sociedade. A Igreja, ao contrário, mostrar-se-ia mais como um juiz, que exclui dos sacramentos e de certos encargos públicos pessoas feridas.

Pode-se sem dúvida admitir que as formas expressivas do Magistério eclesial por vezes não são vistas como facilmente compreensíveis. Elas devem ser traduzidas pelos pregadores e pelos catequistas numa linguagem, que corresponda às diversas pessoas e ao seu respectivo ambiente cultural. O conteúdo essencial do Magistério eclesial a este propósito deve, contudo, ser mantido. Não pode ser alterado por supostos motivos pastorais, porque ele transmite a verdade revelada. Certamente é difícil tornar compreensíveis ao homem secularizado as exigências do Evangelho. Mas esta dificuldade pastoral não pode levar a compromissos com a verdade. João Paulo II na Carta Encíclica «Veritatis splendor» rejeitou claramente as soluções chamadas «pastorais», que se colocam em contraste com as declarações do Magistério (cf. ibid. 56).

No que diz respeito à posição do Magistério sobre o problema dos fiéis divorciados recasados, deve-se ainda frisar que os recentes documentos da Igreja unem de modo muito equilibrado as exigências da verdade com as da caridade. Se no passado, na apresentação da verdade, por vezes a caridade não resplandeceu o suficiente, hoje ao contrário, existe o grande perigo de silenciar ou de comprometer a verdade em nome da caridade. Sem dúvida a palavra da verdade pode ferir e ser desagradável. Mas é o caminho rumo à cura, rumo à paz, rumo à liberdade interior. Uma pastoral que pretenda deveras ajudar as pessoas deve fundar-se sempre na verdade. Só aquilo que é verdadeiro pode decisivamente ser também pastoral. «Conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á» (Jo 8, 32).

Notas:

1 Este texto retoma a terceira parte da Introdução do Cardeal Joseph Ratzinger no número 17 da Coleção «Documentos e Estudos», dirigida pela Congregação para a Doutrina da Fé, Sulla pastorale dei divorziati risposati, LEV, Città del Vaticano, 1998, p. 20-29. As notas foram acrescentadas.

2 Cf. Angel Rodríguez Luño, L'epichea nella cura pastorale dei fedeli divorziati risposati, ibid., p. 75-87; Piero Giorgio Marcuzzi, S.D.B., Applicazione di «aequitas et apikeia» ai contenuti della Lettera della Congregazione per la Dottrina della Fede, 14 de Setembro de 1994, ibid., p. 88-98; Gilles Pelland, S.J.,La pratica della Chiesa antica relativa ai fedeli divorziati risposati, ibid, p. 99-131.

3 A este propósito é válida a norma reafirmada por João Paulo II na Carta apostólica pós-sinodal «Familiaris consortio», n. 84: «A reconciliação pelo sacramento da penitência - que abriria o caminho ao sacramento eucarístico - pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimônio. Isto tem como consequência, concretamente, que quando o homem e a mulher, por motivos sérios - quais, por exemplo, a educação dos filhos - não se podem separar, “assumem a obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cônjuges”». Cf. também Bento XVI, Carta apostólica pós-sinodal «Sacramentum caritatis», n- 29.

4 Durante um encontro com o clero da Diocese de Aosta, realizado a 25 de Julho de 2005, o Papa Bento XVI afirmou em relação a esta difícil questão: «é particularmente dolorosa a situação de quantos tinham casado na Igreja, mas não eram verdadeiramente crentes e só o fizeram por tradição, e depois, contraindo um novo matrimônio não válido, converteram-se, encontraram a fé e agora sentem-se excluídos do Sacramento. Este é realmente um grande sofrimento e quando fui Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé convidei várias Conferências Episcopais e especialistas a estudarem este problema: um sacramento celebrado sem fé. Se realmente é possível encontrar nisto uma instância de nulidade, porque ao sacramento faltava uma dimensão fundamental, não ouso dizer. Eu pessoalmente pensava assim, mas dos debates que tivemos compreendi que o problema é muito difícil e ainda deve ser aprofundado». 

L’Osservatore Romano, 29 de novembro de 2011


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Colaboração Comunismo-Nazismo

Não sei porque no Ocidente certos intelectuais de esquerda e a midia em geral, apresentam sempre a ideia de que o Nazismo está ligado à direita (adeptos, segundo eles, das ditaduras e da restrição à liberdade) e os comunistas à esquerda (defensores da liberdade perfeita, num mundo de apoios mútuos e sociais).

Ora, a verdade histórica é bem diferente : os comunistas colaboraram com os nazis e os dois sistemas têm muitos fins comuns. Portanto, tendo a tolher as liberdades à força e impondo uma visão ditatorial do mundo. Não seria mais correcto dizer que os dois regimes são de extra-esquerda?!

Os links dos videos abaixo fazem parte de um documentário 

lançado em 2008 sobre o comunismo na União Soviética e as relações germano-soviéticas antes de 1941 escrito e dirigido por Edvins Snore e patrocinado pela grupo da União Européia das Nações do Parlamento Europeu. Snore passou 10 anos coletando informações e dois anos filmando em vários países.
Ele apresenta várias entrevistas com historiadores ocidentais e russos, como Norman Davies e Boris Sokolov, o escritor russo Viktor Suvorov, o dissidente soviético Vladimir Bukovsky, membros do Parlamento Europeu e os participantes, bem como as vítimas do terror Soviético.
 
Explica também a estreita conexão filosófica, política e organizacional entre os regimes Nazis e Soviético antes e durante as primeiras fases da II Guerra Mundial  .
Por outro lado, destaca o Grande Expurgo, bem como o genocídio do Holodomor, o massacre de Katyn, a colaboração da polícia secreta soviética (NKVD) com a Gestapo nazi, deportações em massa na União Soviética e experiências médicas nos Gulags.

Será que alguém ainda tem dúvidas sobre a tragédia que representa o modelo Nazi ou comunista na nossa sociedade?

Seria preciso acrescentar ainda um ponto que não foi apresentado neste documentário: as perseguições religiosas e os mártires, tanto da era Nazi quanto da Soviética.
http://www.youtube.com/watch?v=Lr0dT8tvR5o&feature=related – Parte 1

http://www.youtube.com/watch?v=KQkjrrDp7LQ&feature=related – Parte 2

http://www.youtube.com/watch?v=jS3mwy3Xars&feature=related – Parte 3

http://www.youtube.com/watch?v=F32FOKVj6vQ&feature=related – Parte

http://www.youtube.com/watch?v=o84mdbFAeG8&feature=related – Parte 5

http://www.youtube.com/watch?v=oU_87356nJ4&feature=related – Parte 6



terça-feira, 8 de novembro de 2011

Crise vocacional em Portugal

São impressionantes, os números recentemente divulgados pelo presidente da Comissão Episcopal das vocações e bispo de Aveiro, D. António Francisco dos Santos: os seminários das dioceses portuguesas (14 menores, até ao 12º ano, e 11 maiores, faculdades de Teologia) perderam 37 alunos em 2011, e contam com cerca de 500 e 411 seminaristas, respectivamente.
Uma das dioceses onde o número de seminarista se vai mantendo é Braga, mas com apenas 21 alunos no Seminário menor e 28 no maior.
Peçamos ao Santo Cura de Ars, padroeiro dos sacerdotes, que a messe do Senhor nunca fique sem trabalhadores, pois nunca precisamos tanto de santos e sábios ministros de Cristo como hoje.

Arrependamo-nos e façamos penitência

Façamos penitência enquanto vivemos na terra. Somos barro nas mãos de um artífice. O oeliro pode recompor o vaso que lhe sai defeituoso ou se lhe desfaz nas mãos, enquanto o está a modelar; mas depois de o introduzir no forno já não o retoca mais. Assim também nós, enquanto estamos neste mundo, façamos penitência e arrependamo-nos sinceramente de todos os pecados cometidos, enquanto é tempo, para sermos salvos pelo Senhor.
Depois de partirmos deste mundo, já não poderemos confessar os nossos pecados nem fazer penitência. Por isso, irmãos, façamos a vontade do Pai, conservemos casto o nosso corpo e guardemos os mandamentos do Senhor, e assim, alcançaremos a vida eterna. Diz o Senhor no Evangelho: “Se não fostes fiéis no pouco, quem vos confiará o muito? Eu vos digo: Quem é fiel no pouco também será fiel no muito”. Quer dizer: conservai o corpo casto e o carácter cristão imaculado, para que sejais dignos de receber a vida.
E nenhum de vós ouse afirmar que o nosso corpo não será julgado nem ressuscitará. Considerai bem: em que situação fostes redimidos e iluminados, senão enquanto vivíeis neste corpo? Por isso devemos guardar o corpo como um templo de Deus. Assim como fostes chamados neste corpo, também neste corpo vos apresentareis. Se Cristo Senhor, que nos salvou , sendo antes apenas espírito, Se fez homem e assim nos chamou, também nós receberemos a recompensa neste corpo.
Amemo-nos, portanto, uns aos outros, para chegarmos todos ao reino de Deus. Enquanto temos tempo para sermos curados, entreguemo-nos a Deus, nosso médico, e dêmos-Lhe a retribuição devida. Que retribuição? A penitência de um coração sincero. Deus conhece previamente todas as coisas; conhece tudo o que se passa no coração. Tributemos-Lhe o nosso louvor, não só com a boca mas também com todo o coração, para que nos receba como seus filhos. Porque o Senhor disse: “Os meus irmãos são aqueles que fazem a vontade de meu Pai”.   
Homilia de um autor do século II   (Cap. 8, 1-9, Funk I. 152 – 156)

domingo, 2 de outubro de 2011

Os sacerdotes não se devem calar diante do lobo que ataca o rebanho

O dever dos Pastores de não se calarem diante da investida dos lobos sobre o rebanho, não tendo medo de dizer a verdade, e ser arauto da vinda do rigoroso juiz, foi assim ensinado pelo Papa São Gregório Magno na sua regra pastoral:
O Pastor deve saber guardar silêncio com discrição e falar com oportunidade, de modo que nem diga o que deve calar nem cale o que deve dizer. Porque assim como a palavra discreta leva ao erro, também o silêncio imprudente confirma no erro os que deviam ser ensinados. Muitas vezes os pastores incompetentes, pelo temor de perder a estima dos homens, não se atrevem a dizer livremente a verdade;  e deste modo, segundo a palavra da Verdade, não atendem à guarda do rebanho com o zelo de verdadeiros pastores, mas comportam-se como mercenários: fogem ao vir o lobo, refugiando-se no silêncio.
Por isso o Senhor os repreende por meio do Profeta: “São cães mudos, incapazes de ladrar”. E insiste noutro lugar: “Não acudistes às brechas nem reconstruístes a muralha em defesa da casa de Israel, para que pudesse resistir no combate no dia do Senhor”. Acudir às brechas é opor-se aos poderes deste mundo, falando com inteira liberdade em defesa da grei. Resistir no combate no dia do Senhor é lutar por amor da justiça contra os ataques da iniquidade.
Dizer de um pastor que teve medo de dizer a verdade, que é senão dizer que voltou as costas ao inimigo com o seu silêncio? Mas se ele vai em defesa do rebanho, é como se levantasse a muralha da casa de Israel contra os seus inimigos. Por isso, também ao povo que recaía na infidelidade disse o Senhor: “Os teus profetas anunciaram-te apenas coisas falsas e insensatas; não te manifestaram a tua iniquidade para te conduzirem à penitência”. Na Sagrada Escritura dá-se por vezes o nome de profetas aos doutores que, denunciando a instabilidade das coisas presentes, anunciam as realidades futuras. Aqueles a quem a palavra divina acusa de proclamar coisas falsas são os que temem denunciar a culpa dos pecadores e os lisongeiam com falsas seguranças; não revelam aos culpados uma palavra de repreensão e assim lhes ocultam a sua iniquidade.
Ora a repreensão é a chave com que se abre ou revela aos pecadores a sua culpa: com a repreensão abre-se-lhes a consciência para verem a sua iniquidade, que muitas vezes é ignorada pelo próprio que a cometeu. Por isso diz São Paulo que o bispo deve ser capaz de “exortar na sã doutrina e de refutar os que falam contra ela”. Também o profeta Malaquias declara: “os lábios do sacerdote são os guardas da ciência, da sua boca se espera a instrução, porque é o mensageiro do Senhor dos Exércitos”. E o Senhor adverte ainda por meio do profeta Isaías: “Clama sem cessar, levanta como trombeta a tua voz”.
Ora aquele que recebe o sacerdócio assume esta missão de arauto, para ir proclamando em alta voz a vinda do rigoroso juiz que se aproxima. Mas se o sacerdote não cumpre o ministério da pregação, que voz se pode esperar desse arauto mudo? Foi por esta razão que o Espírito Santo desceu sobre os primeiros pastores em formas de línguas; assim fez compreender que aqueles sobre quem Ele desce, tornam-se imediatamente seus mensageiros.
(Regra Pastoral de São Gregório Magno, Lib. 2, 4; PL 77, 30-31)

Relação entre mestre e o súbdito

São Gregório de Nissa, ao escrever sobre a vida cristã e o caminho para a Perfeição, apresenta um modelo de relação entre os mestres e os súbditos que faz com que a nossa vida na terra seja semelhante à dos Anjos no Céu.

Quem despreza totalmente as seduções da vida terrena e rejeita toda a glória mundana, sentir-se-á também movido a renunciar à própria vida. Renunciar à propria vida significa não buscar nunca a própria vontade, mas seguir sempre a vontade de Deus como sua única norma segura, e depois nada possuir que não seja necessário ou comum. Quem assim procede está livre e disponível para cumprir o que lhe mandarem os superiores, realizando-o prontamente, com alegria e esperança, como bom servo de Cristo, redimido para o bem comum de seus irmãos. Isto é o que quer também o Senhor quando diz: “Quem quiser ser o primeiro e o maior entre vós, seja o último de todos e o servo de todos”.
É necessário, porém, que tal servidão entre os homens seja gratuita, e aquele que exerce há-de submeter-se a todos e servir os seus irmãos como se fosse devedor de todos e de cada um deles. Na verdade, quem está constituído em autoridade deve esforçar-se por trabalhar mais que os outros pelo bem comum e ser para os súbditos um exemplo de humildade e uma imagem de serviço, considerando os seus irmãos como um tesouro que lhe foi confiado por Deus.
Por isso, os superiores devem comportar-se com a solicitude de bons educadores, como quem trata crianças de tenra idade que seus pais lhe confiaram.
Se vos sentirdes assim vinculados uns aos outros, tanto os súbditos como os mestres, aqueles obedecendo com satisfacção às ordens e preceitos, estes promovendo com alegria os irmãos ao estado de perfeição, se assim procurais honrar-vos mutuamente, então a vossa vida na terra será semelhante à dos Anjos no Céu.
(São Gregório de Nissa, sobre a vida cristã, PG 46, 297-298)

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Cegos de corpo e alma

Quem me dera ter agora neste auditório a todo o mundo! Quem me dera que me ouvira agora a Espanha, que me ouvira a França, que me ouvira a mesma Roma! Príncipes, reis, imperadores, monarcas do mundo: vedes a ruina dos vossos reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências, vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo?
Ou o vedes ou não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se não o remediais, como o vedes? Estais cegos...
Príncipes, eclesiásticos, grandes, maiores, supremos, e vós, ó prelados, que estais em seu lugar: vede os destroços da fé, o descaimento da religião, vedes o desprezo das leis divinas, vedes a irreverência dos lugares sagrados, vedes o abuso dos costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias, vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de tantas almas, dentro e fora da Cristandade?
Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos...
Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar e da Terra; vedes as obrigações que se descarregam sobre o vosso cuidado, vedes o peso que carrega sobre as vossas consciências, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes a desatenção do governo, vede as injustiças, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes os respeitos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e os gemidos de todos?
Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos...
Pais de família que tendes casa, mulher, filhos, criados: vedes o desconcerto e descaminho de vossas famílias, vedes a vaidade da mulher, vedes o pouco recolhimento das filhas, vedes a liberdade e más companhias dos filhos, vedes a soltura e descomedimento dos criados, vedes como vivem, vedes o que fazem e o que se atrevem a fazer, fiados muitas vezes na vossa dissimulação, no vosso consentimento e na sombra do vosso poder?
Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos...
Homem cristão, de qualquer estado e de qualquer condição que sejas: vês a fé e o carácter que recebeste no baptismo, vês a obrigação da lei que professas, vês o estado em que vives há tantos anos, vês os encargos da tua consciência, vês as restituições que deves, vês a ocasião de que te não apartas, vêrs o perigo da tua alma e da tua salvação, vès que estás actualmente em pecado mortal, vês que se te toma a morte nesse estado te condenas sem remédio, vês que se te condenas hás de arder no inferno enquanto Deus for Deus, e que hás de carecer do mesmo Deus por toda a eternidade?
Ou vemos tudo isso, cristãos,  ou não o vemos. Se o não vemos, como somos tão cegos? E se o vemos, como o não remediamos?!
(Padre António Vieira, Sermão da Quaresma sobre o tema da Cura do cego de nascença).
Estas palavras pronunciadas pelo grande pregador na Igreja da Misericórdia de Lisboa no ano de 1669, mostram-nos que os desvarios e desgovernos são de todos os tempos. Para nos remirmos de tão funesta desordem, embebamos o nosso espírito na oração, na boa leitura ou na meditação e certamente, as escamas cairão dos nossos olhos!

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Conselhos do Papa aos novos Bispos: acolher os novos carismas e santidade

O encontro anual com os Bispos nomeados durante o ano ofereceu-me a possibilidade de sublinhar alguns aspectos do ministério episcopal. Hoje, gostaria de meditar brevemente convosco sobre a importância do acolhimento, por parte do Bispo, dos carismas que o Espírito suscita para a edificação da Igreja. A consagração episcopal conferiu-vos a plenitude do sacramento da Ordem que, no seio da Comunidade eclesial, é posto ao serviço do sacerdócio comum dos fiéis, do seu crescimento espiritual e da sua santidade. Com efeito, o sacerdócio ministerial — como bem sabeis — tem a finalidade e a missão de fazer viver o sacerdócio dos fiéis que, em virtude do Baptismo, participam à sua maneira do único sacerdócio de Cristo, como afirma a Constituição conciliar Lumen Gentium: «O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente um do outro, e não apenas em grau, contudo ordenam-se mutuamente um para o outro: na verdade ambos participam, a seu modo peculiar, do único sacerdócio de Cristo» (n. 10). Por este motivo, os Bispos têm a tarefa de vigiar e trabalhar a fim de que os baptizados possam crescer na graça e em conformidade com os carismas que o Espírito Santo suscita nos seus corações e nas suas comunidades. O Concílio Vaticano II recordou que, enquanto unifica a Igreja na comunhão e no ministério, o Espírito Santo enriquece-a e dirige-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos, adornando-a com os seus frutos (cf. ibid., n. 4). A recente Jornada Mundial da Juventude em Madrid demonstrou, mais uma vez, a fecundidade da riqueza dos carismas na Igreja, precisamente hoje, e a unidade eclesial de todos os fiéis reunidos ao redor do Papa e dos Bispos. Uma vitalidade que fortalece a obra de evangelização e a presença da Igreja no mundo. E vemos, podemos quase tocar, o facto de que também hoje o Espírito Santo está presente na Igreja, cria carismas e fomenta a unidade.
O dom fundamental que sois chamados a alimentar nos fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais consiste, antes de tudo, na filiação divina, que é participação de cada um na comunhão trinitária. O essencial é que nos tornemos realmente filhos e filhas no Filho. O Baptismo, que faz dos homens «filhos no Filho» e membros da Igreja, é a raiz e a fonte de todos os outros dons carismáticos. Mediante o vosso ministério de santificação, vós educais os fiéis a participar cada vez mais intensamente no ofício sacerdotal, profético e real de Cristo, ajudando-os a edificar a Igreja em conformidade com os dons reebidos de Deus, de maneira concreta e co-responsável. Com efeito, devemos ter sempre presente o facto de que as dádivas do Espírito, quer sejam extraordinárias quer simples e humildes, são sempre concedidas gratuitamente para a edificação de todos. O Bispo, enquanto sinal visível da unidade da sua Igreja particular (cf. ibid., n. 23), tem a tarefa de unificar e harmonizar a diversidade carismática na unidade da Igreja, favorecendo a reciprocidade entre o sacerdócio hierárquico e o sacerdócio baptismal.
Portanto, acolhei os carismas com gratidão, para a santificação da Igreja e a vitalidade do apostolado! E este acolhimento e gratidão ao Espírito Santo, que age também hoje no meio de nós, são inseparáveis do discernimento, que é próprio da missão do Bispo, como reiterou o Concílio Vaticano II, que confiou ao ministério pastoral o juízo a respeito da autenticidade dos carismas e do seu exercício ordenado, sem extinguir o Espírito, mas examinando e considerando aquilo que é bom (cf. ibid., n. 12). Isto parece-me importante: por um lado, não extinguir, mas por outro, distinguir, ordenar e considerar, examinando. Por isso, deve ser sempre claro o facto de que nenhum carisma dispensa da referência e da submissão aos Pastores da Igreja (cf. Exortação Apostólica Chirstifideles laici, 24). Acolhendo, julgando e ordenando os vários dons e carismas, o Bispo presta um serviço grandioso e inestimável ao sacerdócio dos fiéis e à vitalidade da Igreja, que resplandecerá como esposa do Senhor, revestida da santidade dos seus filhos.
Este ministério complexo e delicado exige que o Bispo alimente com atenção a sua própria vida espiritual. Somente assim cresce o dom do discernimento. Como afirma a Exortação Apostólica Pastores Gregis, o bispo torna-se «pai» precisamente porque é «filho» da Igreja (cf. n. 10). Por outro lado, em virtude da plenitude do sacramento da Ordem, é mestre, santificador e Pastor, que age no nome e na pessoa de Cristo. Estes dois aspectos inseparáveis chamam-no a crescer como filho e como Pastor no seguimento de Cristo, de maneira que a sua santidade pessoal manifeste a santidade objectiva, recebida mediante a consagração episcopal, porque a santidade objectiva do sacramento e a santidade pessoal do bispo caminham juntas. Portanto, caros Irmãos, exorto-vos a permanecer sempre na presença do Bom Pastor e a assimilar cada vez mais os seus sentimentos e as suas virtudes humanas e presbiterais, mediante a oração pessoal que deve acompanhar as vossas importantes jornadas apostólicas. Na intimidade com o Senhor encontrareis conforto e sustento para o vosso ministério exigente. Não tenhais medo de confiar ao Coração de Jesus Cristo todas as vossas preocupações, persuadidos de que Ele cuida de vós, como já admoestava o apóstolo Pedro (cf. 1 Pd 5, 6). A oração seja sempre alimentada pela meditação da Palavra de Deus, pelo estudo pessoal, pelo recolhimento e pelo justo descanso, a fim de que possais, com tranquilidade, saber ouvir e acolher «o que o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2, 11) e conduzir todos para a unidade da fé e do amor. Com a santidade da vossa vida e a caridade pastoral sereis de exemplo e de ajuda para os sacerdotes, vossos primeiros e indispensáveis colaboradores. Tereis o cuidado de fazer com que eles cresçam na co-responsabilidade, como guias sábios dos fiéis que, juntamente convosco, são chamados a edificar a Comunidade com os seus dons, os seus carismas e com o testemunho da sua própria vida, para que a Igreja dê testemunho de Jesus Cristo na coralidade da comunhão, a fim de que o mundo creia. E precisamente hoje, esta proximidade dos sacerdotes em relação a todos os problemas é de enorme importância.
 (Papa Bento XVI, discurso aos participantes no encontro promovido pela Congregação para os Bispos com os novos Bispos, 15/9/2011)


Não bastam os estudos, é preciso escutar os outros

A ligação entre a Graça de Deus e a atenção prestada à Palavra de Deus e ao que os outros nos dizem é um tema interessante que mereceria um estudo profundo.
No dia 24 de Setembro de 2011, o Papa Bento XVI fez um discurso espontâneo a 60 seminaristas no qual explicou a necessidade de ouvirmos a Palavra de Deus que vem através dos outros, sejam eles fundadores, sacerdotes ou mesmo amigos, leigos.
“São Paulo escreveu que a fé vem da escuta, não da leitura. Precisa também da leitura, mas vem da escuta, isto é, da palavra vivente, das palavras que os outros me dirigem e que posso escutar; das palavras da Igreja através de todos os tempos, da palavra atual que esta me dirige por meio dos sacerdotes, bispos, irmãos e irmãs”, afirmou.
“Nós somos Igreja: sejamos Igreja! Sejamos Igreja precisamente nesse abrir-nos e ir além de nós mesmos; sejamos Igreja junto aos outros.”

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A descoberta do talento de Giotto

Nos arredores de Florença, Cimabue, pintor, criador de mosaicos e o introdutor da perspectiva na pintura durante o Renascimento, passeava a cavalo, quando se deparou com um pastor de tenra idade, a desenhar carneiros sobre uma pedra com um pedaço de carvão.

Os animais e a lã eram tão reais, tão perfeitos, que o insígne Cimabue levou o pastor para a cidade a fim de estudar a arte da pintura.

Esse pastor de carneiros veio a ser, anos depois, o imortal Giotto, que resplandece em todo o século áureo de Florença, vindo até a sobrepujar Cimabue, escurecendo a glória do seu protector.