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domingo, 22 de setembro de 2019

A multidão, o linchamento e a execução sumária: o caso de Hautefaye


Napoleão III
Nos anais dos grandes processos do século XIX, “o caso de Hautefaye”, embora pouco conhecido do público, ocupa um lugar especial na memória dos juristas. Isto porque se tratou de um crime terrível, segundo o termo consagrado – que possui a particularidade de ter sido cometido, se acreditarmos nos acusados, por amor ao Segundo Império; e que foi julgado – há quase cento e cinquenta anos – pelos tribunais da República, tendo já Napoleão III sido afastado do poder após a capitulação de Sedan.


O frio entrava pela grande porta aberta ante uma aurora descolorida de fevereiro. Na soleira, a neve suja, pisada, criara uma poça barrenta. Esgotados pela espera e pela longa viagem que os trouxera, de furgão, de Périgueux até esta longínqua aldeia de Hautefaye, perdida nos confins do Périgord, do Limousin e de Charentes, os quatro condenados nada diziam. Desde as sete horas (era dia 6 de fevereiro de 1871, o processo tinha começado em agosto de 1870), duzentos homens de um regimento de infantaria de linha alternavam-se, formados em quadrado, com as armas prontas no meio da vila. No centro desse quadrilátero, diante do mercado, o cadafalso. Súbito, um ruído surdo sobressaltou os soldados: M. Roques, o carrasco, acabava de pessoalmente, verificar as boas condições da guilhotina: o gume da navalha caiu surdamente, no vazio.


“Atenção: sentido!” – à voz de comando, os calcanhares bateram. Embora se desejasse uma execução exemplar, tomava-se cuidado para que não houvesse grande afluxo de povo, e chegaram a pedir aos párocos que os sinos não soassem durante a noite. Eram os temores de revolta. Contudo, alguns curiosos chegavam às escondidas em pequenos grupos. Eles eram apenas uma centena.

Dois a dois apareceram os prisioneiros, mãos atadas às costas, acompanhados dos seus confessores. Eles se detiveram a dez passos do cadafalso, perto do pequeno grupo de oficiais. O procurador tirou de sua algibeira o seu relógio de prata que marcava 8 horas e vinte e cinco minutos. Dois dos condenados abaixaram obstinadamente os olhos para não verem a inexorável máquina mortífera. Mazière olhava-a, dominando-se com esforço. 

O velho Piarrouty fixava-a num misto de bravata e de curiosidade. Foi ele o primeiro do grupo a ser empurrado para a escada, seguido pelo padre Mounier, que segurava um crucifixo de cobre. O velho, cuja cólera se extinguira, resignado a terminar ali a sua vida miserável, beijou o metal frio da cruz e os ajudantes do carrasco arrastaram-no. Houve um ruído bem mais surdo do que o anterior, quando a guilhotina fora testada. A navalha, desta vez, não funcionara em vão.


Acompanhado pelo Padre Lavergne, Buisson subiu com dificuldade os degraus, precedendo de perto Mazière, que era assistido pelo abade Gouzot. Chambort, a quem o abade Vannier aconselhava calma, quis falar quando se encontrou no cadafalso: — “Enfim, somos gente de bem”, gritou. Mas os ajudantes empurraram-no violentamente sobre a prancha e tudo acabou...


A cortina acabava de cair sobre a tragédia de Hautefaye. Estes quatro homens consideravam-se pessoas de bem. Eles afirmaram-no com frequência e os seus advogados já os tinham apresentado como tal ao longo do processo. Como esses infelizes chegaram a esta situação dramática?


Três dias de feira clima propício para boatos e manipulações


Tudo começara numa atmosfera de feira, onde se bebe muito e as línguas se soltam para compensar as longas semanas de trabalho solitário nos campos.


As origens profundas do problema residiam num conflito antigo, de já algumas décadas, entre os pequenos nobres, proprietários rurais, que os campos ingratos do Nontronnais tornava hostis aos impostos e os nostálgicos da monarquia de Carlos X, seus rendeiros e colonos, para os quais Napoleão III era o último herdeiro da tradição igualitária da Revolução. Nesta ocasião, já quase nenhum era republicano, como acabava de demonstrar o último plebiscito de 1870. No campo, os republicanos eram considerados, sobretudo, como hábeis manipuladores decididos a fazer de tudo para derrubar o Império;  e entre eles, colocava-se, embora isto nos parece curioso hoje em dia, os nobres rurais; o plano deles consistia, assegurava-se, em favorecer a vinda de uma República, que logo demonstraria a sua incapacidade para governar, e que seria suplantada facilmente pelo rei, chamado pelos seus fiéis...


As primeiras e desastrosas notícias da guerra declarada a 2 de agosto, começaram a chegar, espalhadas por uma imprensa já pessimista. Conforme elas eram transmitidas de boca em boca, eram ampliadas pelo medo; elas encontrariam uma repercussão extraordinária nas festas populares de Hautefaye, que o calendário, fortuitamente, iria prolongar por três dias; porque a feira do dia 16 caía na terça-feira; a véspera, dia 15, era feriado, porque o 15 de Agosto era festa nacional do imperador, da imperatriz e do pequeno príncipe imperial. Desde sábado à tarde, portanto, uma intensa animação reinava na vila, onde se encontravam, excepcionalmente, para negócios, camponeses e ricos proprietários.


Guerra Franco Prussa
A decepção, a cólera da gente do povo diante dos sangrentos reveses de Napoleão, levava-os a observar os seus adversários dos castelos, com olhares agressivos. Uma palavra imprudente, ou pequeno gesto, era rapidamente interpretado como demonstração de alegria ante as derrotas imperiais. A isto, acrescenta-se, o álcool, o contágio coletivo, a fatalidade de uma palavra mal compreendida seria suficiente para desencadear uma explosão e a máquina infernal encontraria ali um eco.


No dia 16 de agosto a feira de Hautefaye atingiu o seu auge. Por volta das duas horas da tarde, fazia-se sentir um calor pesado, opressivo; a tempestade rondava. Jamais se vira tal influência na cidade. Sem dúvida os acontecimentos pressagiavam algo. Queria-se conhecer as novidades, encontrar os amigos, aqueles que tinham recebido ordem de partir para servir no exército, buscavam um pouco de segurança e, em vez disto, lhes eram anunciadas derrotas e mortes. Piarrouty, um velho miserável que ganhava o seu pão trabalhando como trapeiro, acabava de saber que o seu filho fora morto, numa carga de cavalaria, no dia 6 de agosto, bem longe no Leste...


Da feira subia um rumor confuso: mugidos de animais picados pelas varejeiras, toques de cornetas, gritos de charlatões, discussões de camponeses em dialeto, na rebuscada lingua d’oc, discutiam sobre o preço de um boi. Os bares regurgitavam, e o vinho da região, o legítimo Bergerac, corria largamente. Na praça e nas ruas, tinha-se cuidado para não se misturar com o povinho. Os ricos proprietários de terras, castelãos interessados em negócios, fiscalizavam a venda dos seus animais ou procuravam pessoas de boa companhia. Ao se encontrarem, cumprimentavam-se com sinais de uma polidez cuidadosa. Neste dia, mais do que em qualquer outro, a multidão observava sem complacência, os belos senhores dos castelos e fiscalizavam as suas intenções.


Soldados Prussianos
—Nós vencemos os prussianos; mais isto não impediu que nos recuássemos até a Moselle, explicava com voz bastante alta um homem que se considerava entendido em assuntos militares, um dos castelões, M. de Taillart. Ele falava a um dos seus conhecidos, um proprietário da região, M. Antony, sabendo que atrás dele, pessoas que não ignoravam as suas opiniões hostis ao segundo Império, acabavam de parar e prestavam atenção.


Um estranho personagem vestido de branco


Um rapaz, trajado com cuidado, chapéu branco, camisa branca, interrompeu M. de Taillart com veemência: — O senhor é um animal; os franceses não recuam. Se a isto eles foram obrigados, a culpa é sua, porque envia dinheiro para os prussianos...


Um círculo se formara, de rostos duros, hostis.  O castelão, atingido pela injúria e acusação pública, respondeu vivamente:


— Eu seria bem tolo de enviar dinheiro ao inimigo, quando devo partir para o combater. É uma pena que enquanto os prussianos invadem as nossas fronteiras, os franceses não se entendem entre si e que, em algumas cidades como Paris, grite-se: Viva a República!


Palavras sensatas, sem dúvida, mas, do som furioso desta voz, os desordeiros que se aproximavam não ouviram senão as últimas palavras, que lhes pareceram uma fanfarronada e uma provocação.


— Quem gritou: “Viva a República”? – perguntou um rapagão que acorreu rapidamente.


— Ninguém, respondeu M. de Taillart, estupefato do rumo que tomavam os acontecimentos, ao mesmo tempo que via formar-se ao seu redor um círculo enorme de pessoas inquietas, instigadas pelo homem de branco, cujos gestos tornaram-se frenéticos.


— Bem, então gritai: — Viva Napoleão III!

M. de Taillart, angustiado, mas muito lúcido, voltou-se para o seu companheiro Antony. Encontrou-o lívido. Antony murmurou-lhe ao ouvido:


— Salve-se logo ou lhe matam.


O castelão possuía um vivo espírito de decisão e foi isto que o salvou do pior.


— Viva Napoleão; gritou ele.


Depois, aproveitando-se do momento de incerteza que a sua exclamação produziu no povo, saltou o muro de pedra contra o qual o tinham acuado insensivelmente, e pôs-se a correr por um campo de urzes, para ganhar a proteção de um  bosque próximo.


— Segurai-o, segurai-o... Ele nos escapa, o bugre, gritava despeitado o homem de branco.


Dois ou três camponeses lançaram-se em perseguição do nobre, mas atrapalhados pelos seus tamancos ou sapatos grossos e 
ferrados, logo se detiveram, sem fôlego.


Efervescência insólita e o contágio


Castelo de Bretanges
Enquanto circulava na feira, nas ruas e bares a incrível nova de que um nobre tinha gritado: “Viva a República”! e que tinha escapado à vingança popular, que tal desafio merecia. Ora nesta hora, chegou em Hautefaye um jovem castelão, de porte quase delicado, chamado Alain de Moneys. Ele morava com a sua família no castelo de Bretanges, situado num país verdejante, mas pobre e montanhoso na comuna vizinha de Beaussac. Era um pessoa amável, quase humilde, que tinha tomado o lugar do seu pai, o conde, para dirigir os negócios das suas terras. Monarquista, como todos os proprietários de castelos, ele era descrito e não provocava ninguém. Também era patriota, já que tinha assinado, poucos dias antes, em Périgueux, o alistamento voluntário por todo o tempo da guerra e esperava que o chamassem para o corpo de cavalaria em formação em Limoges. Desde a sua chegada à vila de Hautefaye, Alain observou uma efervescência insólita. 


– O seu primo de Taillart acaba de amotinar a multidão ao gritar “Viva a república”!, explicou-lhe Bréthenoux, um outro castelão, seu conhecido.


– Ora, eu não vejo Camille há muito tempo, mas eu o conheço bem para estar certo de que ele não disse isto. Não posso acreditar!

Vivamente atingido, Bréthenoux replicou:


— Bem, segui-me até ao lugar de onde ele acaba de sair, aí encontrareis outras pessoas que o ouviram com os seus próprios ouvidos. Ele fugiu a correr pelo campo de urzes...


Os dois homens aproximaram-se do grupo de curiosos que tinha ficado no local da discussão.


— Aqueles que ouviram M. Taillart gritar: “Viva a República, abaixo Napoleão”, levantem a mão, inquiriu Bréthenoux, que tinha subido no muro para dominar a multidão.


Três mãos levantaram-se logo; outras hesitaram, mas foram arrastadas pelo contágio gregário e ergueram-se também. Foram umas vinte, que por causa de uma estúpida gloriola atestaram terem sido testemunhas de um facto incrível. Alain de Moneys, em quem reconheceram um nobre pelo seu aspecto e seu modo de vestir esmerado, foi logo cercado. A multidão, de um modo cruel mas sem dúvida inconsciente, afastou-o do muro por onde poderia saltar e fugir.


— Ah, queres defender o outro?


— Estás de acordo com ele.


— É o primo do que acaba de fugir?!...


Uma presa fácil e a fúria da multidão


Alain de Moneys
Uma presa acabara de escapar, mas uma outra se apresentava em seu lugar, por troca inesperada. O círculo cheio de ódio, vociferante, fechava-se ao redor do recém chegado. Bréthenoux, estupefato ante o que acontecia e que ele tão tolamente tinha começado, gesticulava em vão sobre o muro, tentando explicar, mas ninguém o ouvia.


Acreditando viver um pesadelo, Alain procurou em vão um rosto que não estivesse alterado pelo ódio. Ele queria gritar mas, mais de surpresa que de desespero, mas a sua voz afogava-se na garganta; dos seus lábios só saíam um murmúrio:


— Não! Eu sou soldado! Eu vou partir para a guerra...


Ninguém o ouvia. O atropelo crescia ainda mais. Aqueles que se encontravam fora do grupo e aos quais alguém dizia que se tratava de um nobre que estava publicamente desejando a queda do império e a vitória dos prussianos, procuravam abrir caminho com os cotovelos e ficavam surpresos de se encontrar face a face com um homenzinho de rosto jovem, pálido de medo...


Na multidão, os mais covardes se sentiram então com coragem. Um soco atingiu Alain nas costas, enquanto alguém o segurava pela orelha. Ele voltou-se e por resposta, gritou com voz estrangulada:

— Viva a França! Viva o Imperador!


Mas já não o escutavam; seu julgamento estava concluído; não se escutava também Bréthenoux, que, empoleirado no muro, perdia o fôlego gritando:


— Não o espanqueis, não o espanqueis, eu o conheço bem!


Os primeiros golpes foram dados. Maldosamente, um homem chamado Buisson, com um aguilhão de picar os bois, fincou-o atrás da orelha do jovem castelão; o sangue correu num longo filete e à sua vista o furor da multidão exacerbou-se. Dois homens cheios de ódio, os irmãos Camprot, pessoas muito robustas de 20 e 22 anos, começaram a bater-lhe com os seus pesados bastões de madeira. Um grito terrível, sem dúvida lançado pelo homem de branco, fez-se ouvir:


— É um prussiano, é preciso enforcá-lo! Morte ao prussiano!


— Não, diziam algumas vozes mais prudentes, levemo-lo ao administrador.


Contudo estas vozes foram rapidamente cobertas pelo clamor repetido inúmeras vezes: “É preciso enforcá-lo!”


A cerejeira e o ferreiro


Mas onde enforcá-lo? Alguns lembraram que havia na estrada de Ferninas uma enorme cerejeira, em frente ao jardim do presbitério. Alain foi empurrado, arrastado e conduzido pela multidão até à árvore. Mas, uma decepção esperava os condutores. Os seus galhos eram muito oblíquos, ou muito fracos. Os golpes redobraram sobre Alain. Não se sabe mais o que fazer. Os habitantes de Hautefaye, apavorados, entram todos nas suas casas, precipitadamente.


Nesta multidão sem cabeça, vai aparecer um líder. Ninguém o conhecia; mais tarde sabe-se-á somente que este homem alto, robusto e decidido, é ferreiro na aldeia de Fouvrière. Com uma presteza de tocador de tambor, ele passou por cada uma das pessoas do grupo a sua longa bengala que tinha uma ponta de chumbo, gritando: “Batei, é um prussiano. Acabai com ele!”


E face ao seu apelo, os golpes redobram. Alguns pensavam saber quem ele era: o auxiliar do administrador de Hautefaye, afirmou alguém à guisa de suposição. Chambort – porque este era o nome do ferreiro – ouviu e não desmente.


Aqueles que queriam salvar Alain de Moneys, gritaram: “O administrador!”. Bem poucas pessoas até então tinham pensado no primeiro magistrado da localidade. A sua casa, por um acaso feliz, era bem próxima da cerejeira. O administrador Mathieu foi, infelizmente, um poltrão. Advertido do que passava, impelido a agir, cingiu de má vontade a sua faixa tricolor e avançou para os desordeiros. Levantou os braços para tentar obter silêncio. Em vão. Ele permaneceu entre os desordeiros, sem reagir. Foi, entretanto, para a sua casa que os seus amigos encaminharam disfarçadamente de Moneys. Alain bateu na porta. Ela foi entreaberta um breve instante, mas a mulher do administrador, atemorizada pela desordem, fechou-a logo. Ela teria agido de outra forma se o seu marido houvesse mandado. Ora, Mathieu permanecia impávido e aborrecido...


Buisson e Mazière seguravam o infeliz castelão pelo colarinho: “É preciso matá-lo, é preciso fazê-lo sofrer”, gritavam. Os olhos de Chambort caíram então sobre umas enormes vigas, próprias para trabalhos de ferreiros; por experiência própria, ele sabia bem como as usar, tirando o máximo proveito...


Alain de Moneys, meio desfalecido, não resistiu um só momento. As suas roupas estavam rasgadas; do seu ferimento corria, sobre o seu rosto, sangue já endurecido. Entretanto, no meio destes homens furiosos, alguns procuravam salvá-lo, interpondo-se, recebendo mesmo alguns golpes em seu lugar, como Antony, Brèthenoux, Lamouroux, Pascal, Chaulet, Tamisier, Penazol, Mazerat. Mas eles agiam cada um por sua vez, isoladamente, e eram logo rudemente afastados. Um deles, o mais obstinado, Philippe Dubois, foi chamado à parte por um serrador, Beauvais de Roumaillac, que urrou: “É preciso queimá-lo e se tu o defendes, serás queimado também”!


Chambort continuava com o seu plano, quando lhe vieram comunicar uma incrível novidade: “O sacerdote acabava de sair do presbitério com uma pistola na mão”


A pistola do Pároco


O Padre de Saint Pasteur, pároco de Hautefaye, avisado do que ocorria, resolveu tentar alguma coisa para libertar Alain de Moneys, saindo do presbitério, que era perto. Tomou uma velha pistola descarregada – ele não possuía munição – só para impressionar a multidão. Assim que abriu a porta do jardim, compreendeu quão inútil era a sua tentativa. Chambort, com alguns mais exaltados, abandonando por um instante a sua vítima, colocaram-se diante do padre, apostrofando-o com insolência:


— Então, os canalhas procuram defender uns aos outros... Padres, bebedores do suor do pobre povo...


Já algumas bordoadas caíam sobre os ombros do sacerdote. Uma pessoa aproximou-se por detrás e deu-lhe um grande golpe na cabeça com um guarda chuva de feira. Compreendendo que não poderia abrir caminho entre a multidão, o Pároco, porque era um homem corpulento, empurrou algumas pessoas e entrou no presbitério. Mas não conseguiu fechar a porta atrás de si; os desordeiros conseguiram entrar na casa.


— Cura, vai-nos oferecer bebida, levantar o teu copo conosco e brindar à saúde do imperador...


Aflita, a velha senhora que servia o sacerdote, a um sinal do sacerdote, trouxe, tremendo, copos e garrafas... O vinho de safra antiga foi consumido em quantidade...


— Viva o imperador! Viva a imperatriz! Gritou o padre elevando o seu copo.


Entretanto, as pessoas interessadas em salvar Alain aproveitaram o repouso que esta diversão lhes proporcionava. Arrastaram Alain até um estábulo de porcos, junto à casa do administrador. Antony explicava: Nós vamos fechá-lo aqui, enquanto esperamos para o transferir a Nontron ou Mareuil.


Um breve momento de repouso


Mas na multidão, muitos não eram tolos. O velho trapeiro Piarrouty, quis usar ainda uma arma improvisada, mas terrível, o grande peso de metal com que ele pesava os seus fardos de trapos. Com ele deu tal pancada no crânio da sua vítima que, segundo testemunhas, entrou na cabeça de Alain. Um velho, Brouillet, conselheiro municipal da comuna de Feuillade, calçado com pesados sapatos ferrados, com um forte pontapé arrancou uma mecha de cabelos do castelão. Finalmente, a porta do estábulo fechou-se atrás de Alain de Moneys, separando-o, por algum tempo, dos seus torturadores.


As pessoas que para lá o tinham conduzido, procuravam confortá-lo. Dubois tinha instalado o infeliz sobre a palha e dava-lhe alguns figos que tinha guardado no bolso ao sair de casa para que comesse. Cheio de reconhecimento, Alain beijava as mãos destas pessoas que o auxiliavam e falava-lhes da sua mãe.


– Para toda essa gente, para quem nada fiz, gostaria de comprar uma barrica de vinho e oferecer-lhes, murmurava.


Duas horas de martírio


Mas eles apuraram os ouvidos. Não havia dúvida; a arruaça recomeçava:


— Onde está o prussiano? Gritou alguém com ódio.


— Meus amigos, escutai-me; eu sou o administrador de Hautefaye. Se houve alguma coisa, far-se-á justiça...


Esta voz suave, sem energia e calor, era facilmente afogada pela vociferação dos líderes.


– Abri a porta do estábulo, se não quereis que a arrombemos, gritou Chambort.


Bouteaudou, moleiro de Connezac, procurou corajosamente impedir. Mas Chambort mandou buscar uma escada pequena, subiu ao telhado do estábulo e levantou as telhas para descer. Eles estão lá, gritou num tom de vitória. Mudemos de roupa, tomai minha camisa, quem sabe vós podereis fugir, propôs Dubois a Alain. Mas era muito tarde... O infeliz foi arrancado do estábulo. O seu calvário ia durar ainda duas longas horas. Procuraram abrir o albergue Mondon. O estalajadeiro, que lá se encontrava, tremia: “Se eu cometer a loucura de deixá-los entrar, vão quebrar tudo aqui”.


Um comerciante de cavalos, de coração generoso, não se conteve mais:


— Se eu encontrasse aqui 50 homens decididos, faríamos parar este horror, gritou.


Ele chamava-se Laroussie. Mas as suas palavras não encontraram eco. Golpeado, carregado e arrastado pela multidão até à feira, Alain de Moneys murmurava de vez em quando: “Viva a França, Viva o imperador”!


Numa última tentativa dos seus defensores, uma proposta singular saiu da boca de Dubois: “Fuzilemo-lo! Ide apanhar os vossos fuzis”.


Houve um momento de indecisão. E Alain perdeu os sentidos. Pensaram que tivesse morrido e a multidão rodeou-o. Depois, ao reabrir os olhos, os furiosos diziam que ele queria enganá-los e renasceu sua cólera.


A fogueira


Então aconteceu algo desconcertante. Reunindo as suas últimas forças, compreendendo que não podia esperar nenhuma piedade dos seus perseguidores, sangrando, ofegante, Alain levantou-se e correu para um refúgio, junto à charrete de um comerciante de lã; arrancando uma vara da charrete, enfrentou a multidão. Mas após uns instantes, por estar muito fraco, escondeu-se sob o meio de locomoção, para se proteger dos golpes. Dali foi rapidamente retirado pelos pés e arrastado. A sua cabeça batia nas pedras do caminho.


Ouviu-se então um grito horrível:


— Vamos queimá-lo! Os prussianos nos queimariam também se pudessem!


No lugar de uma grande poça seca pelo calor do verão, improvisaram uma fogueira, com alguns galhos. O corpo semi nú de Alain de Moneys foi jogado de lado, coberto com a madeira e depois com os feixes de lenha. Ele teve um sobressalto, quando compreendeu que ia morrer de modo tão horrível.  Quando o arranjo estava bem alto, Chambort nele subiu e, como se fosse sacerdote de alguma religião sangrenta, gritou:


— Viva Napoleão! Viva o Imperador!


E descendo disse:


— Cabe às crianças e aos mais jovens acender o fogo. Dois meninos aproximaram-se, mas eles não tinham fósforos. Chambort vasculhou os seus bolsos. Ele também não os tinha. Ele deu então uma moeda às crianças para que os fossem buscar na mercearia. A multidão aproximava-se da fogueira, curiosa. Aqueles que procuravam ver Alain de Moneys e que o distinguiam entre os galhos, recuavam espavoridos: estava bem vivo e com a respiração ofegante.


O pequeno Limay riscou um fósforo na sua calça de veludo e entregou-o ao pequeno Lajou...


— Apagai-o, crianças, ordenou Dubois.


— Acendei, crianças!, comanda Chambort, estendendo um molho de palha. Logo a fogueira cresceu, atingindo com as suas chamas as grandes árvores vizinhas.


— Viva o Imperador! Viva Napoleão III!, grita a multidão.

De repente, um cheiro horrível espalhou-se e um estalido fez-se ouvir. Um golpe de vento espalhou a fumaça e mostrou o corpo de Alain de Moneys cuja gordura começava a queimar. Os espectadores, mesmo os mais sanguinários, sentiram a garganta seca. Alguns querem voltar aos bares, mas na aldeia a exaltação acabou. Os habitantes esconderam-se nas suas casas e as janelas foram fechadas.


Na praça, ao voltar, Chambort se gabou com alguns comparsas:


— Acabamos de queimar um prussiano que gritava “Viva a república! Abaixo o imperador!”. Nós fizemo-lo para salvar a França. Napoleão devia dar-nos uma grande recompensa...


Um exaltado, não satisfeito ainda, propunha uma ação ainda maior: “Hoje, nós somos 80 é preciso ir queimar o castelo de Bretanges...”

Mas como a aldeia, uma hora antes regorgitando de gente, se tinha esvaziado, uma vaga inquietação dominou o último desordeiro, que se separou dos outros com uma última gabolice:


— Hoje nós queimamos um famoso porco em Hautefaye. E poderemos fazer o mesmo a todos aqueles que nos contrariarem.


A normalidade e o processo criminal


Alguns mercadores que tinham, rapidamente, protegido os seus pacotes nas carruagens, ao passarem pela praça, trouxeram a notícia de que os guardas de Nontron chegavam. A hora das contas ia soar.

O assassínio de Hautefaye encontrou grande repercussão na opinião pública, por causa da sua particular crueldade. Disso noticiou o Journal Officiel, que escreveu a 23 de Agosto: “O crime cometido e que excitou um legítimo horror, está a ser objeto de uma investigação, conduzida com vigor e rapidez...”


O administrador de Hautefaye foi destituído no dia 24 de Agosto e o vice- prefeito de Nontron arrancou-lhe publicamente a faixa. O prefeito propôs a supressão da comuna, cujo território seria repartido entre as comunas vizinhas... Mas a atenção geral foi solicitada para outras notícias, bem mais graves que o caso de Hautefaye. No momento mesmo em que queimavam vivo Alain de Moneys, dava-se a batalha de Rezonville, a mais sangrenta do século. No dia 1 de setembro deu-se a capitulação do imperador à frente de 120 mil homens em Sedans... a 4 de setembro, a República, cujo nome tinha provocado a revolta de Hautefaye, foi proclamada em Paris!


A investigação conduzida com rigor, desvendou alguns detalhes. Um primeiro inquérito levantou a suspeita de que perto de mil pessoas poderiam ser incluídas no caso, tendo elas incitado a bater, tendo batido ou deixado bater, ou ainda tendo ajudado os criminosos. Na prefeitura de Périgueux, a aflição foi geral, ante a idéia de ver chegar tal multidão na vetusta e exígua prisão da cidade.


O processo criminal não nos dá pistas das intervenções que fizeram com que desaparecessem nomes da lista infamante. Mas é certo que amizades políticas ou particulares importantes estão por detrás dela. Após uma difícil sessão de análise na vice-prefeitura de Nontron, reduziu-se de 80 a 21 o número de culpados. Uma primeira sessão de julgamento foi prevista, a título extraordinário, para o dia 26 de setembro. Mas o sítio de Paris pelos alemães, cortando as ligações com o ministério do Interior, obrigou a que fosse transferida para outubro. Ela não pôde se realizar nesta ocasião e uma decisão administrativa quis rever o processo na justiça da Gironda.  Os magistrados de Bordeaux fizeram de tudo para não terem diante de si um tal dossier.  Finalmente, foi decidido que o processo começaria a 13 de dezembro de 1870, em Périgueux.


Um processo entre dois regimes


A despeito do horror do crime que se ia julgar, em razão das circunstâncias políticas, o processo, sob certos aspectos, pareceu ridículo... A ocasião era muito boa para se fazer a análise de um regime detestado há vinte anos pelos republicanos, muitos deles advogados locais. Quanto à magistratura, ela permanecia no momento, mal colocada entre o Império, ao qual os juízes deviam o seu cargo, e a República, ainda na infância, de futuro incerto...

A presidência dos debates foi entregue ao conselheiro Bronchon, assistido pelos senhores Boyes e Boissarie. O ministério público era sustentado por M. Jorand. Os esforços destes senhores, que pareciam, no dizer de uma testemunha, “pisar sobre ovos”, eram para evitar qualquer “deslize” nas intervenções. Ofendia-se o imperador, mas na medida exata. Fez-se um processo à base de bons sentimentos, ao pé do crucifixo. “Contemplai os vossos antepassados”, “buscai merecer a piedade de Deus,” dizia o presidente com voz severa. E os acusados, conquistados por tanta bondade, tranquilizados por este combate de floretes sem ponta, choravam ou batiam no peito:


— Nós estávamos loucos ou bêbados... Alain de Moneys, certamente, é que era um bravo cavalheiro. Eles reconheceram todas as acusações que lhes eram imputadas e as testemunhas foram muito parcas.  O fato do grupo ser constituído de 21 pessoas, levava-os a pensar: “Não podem nos guilhotinar a todos...”


O julgamento durou 3 dias. A opinião pública estava calma, mesmo entre os republicanos. Viu-se que os acusados eram homens comuns: Chambort tinha uma  cabeça enérgica e rude; Mazière com o seu queixo pontudo, tinha aspecto de texugo, e procurava passar desapercebido; o mais perigoso parecia Piarrouty, o velho trapeiro; mas o seu filho tinha acabado de morrer em combate, o que merecia compaixão. A 20 de dezembro declarou-se o veredicto: 4 condenações à morte: Chambort, Buisson (o homem do aguilhão sangrento), Mazière e Piarrouty, cujo nome verdadeiro era Leonard; uma condenação perpétua a trabalhos forçados, onze a 8 e 6 anos, uma a cinco anos e 5 a um ano de prisão. Quanto aos 2 jovens de menos de 16 anos que tinham acendido a fogueira, um foi enviado a uma casa de correção e o outro entregue à sua família...


Ouvindo a sentença, os condenados à morte, mesmo o robusto Chambort, vacilaram; somente Piarrouty lançou contra o presidente uma avalanche de injúrias e ameaças.


O doutor Guilbert, um bom médico da cidade de Périgueux, conhecido pelas suas opiniões liberais, foi nomeado, após o dia 4 de setembro, prefeito da Dordogne, pelo governo da República. Ele incumbiu com paciência a sua ingrata tarefa. Um dos problemas que mais o incomodavam eram os autos do processo de Hautefaye, cujos condenados esperavam, presos, um perdão duvidoso. A opinião pública tornara-se favorável aos acusados. As atrocidades da guerra contribuíram para modificar o estado de espírito das pessoas de bem. A morte de Alain teria sido mais horrível do que a de dezenas de mulheres e crianças queimadas com os francos atiradores nas casas de Châteaudun? A França já não lamentava tantos danos e sofrimentos, para serem  acrescentados ainda mais os insignificantes condenados à morte de Hautefaye? O próprio prefeito Guilbert tinha passado, insensivelmente, da indignação ante a atrocidade do assassinato, para uma espécie de mansidão frente à inutilidade do castigo que se preparava. Quando lhe chegou a ordem decisiva, ele desdobrou-se na esperança das últimas tentativas.  Fora prescrito que a guilhotina seria erguida nos lugares do assassinato, em Hautefaye, e que tudo acabaria na segunda-feira, 6 de fevereiro, ao amanhecer. M. Guilbert enviou, no sábado, um despacho, seguido de um telegrama desesperado, no qual, habilmente, ele invocava um argumento eleitoral: “Parece-me urgente suspender as 4 execuções de Hautefaye.  Elas produziriam um efeito deplorável. Se não se pode suspender, que se conceda o perdão. Estes homens manifestam os melhores sentimentos, desde que foram condenados. Resposta imediata”.


A condenação à morte


A resposta com efeito, veio rapidamente: “O Ministro da Justiça partiu ontem cedo para Paris. Os vossos dois despachos foram encaminhados, na ausência dele, M. Gambetta, o Primeiro Ministro, respondeu que o Conselho tinha deliberado e que a execução deve ter lugar, sem nenhuma graça e adiamento”.


O prefeito Guilbert não pestanejou; apresentou o papel amarelo ao seu chefe de gabinete, dizendo-lhe somente, com voz surda:

— Cuide para que tudo se faça segundo as ordens; mas recomende que isto acabe logo; os pobres já sofreram muito durante a viagem!

Habitualmente, no domingo, à tarde, tudo era calmo na prisão. Mas os condenados à morte, nas suas celas, correntes nos pés, aguçaram os ouvidos distinguindo ruídos de passos e ranger de fechaduras. 

Os 4 infelizes compreenderam logo que um grupo de oficiais encaminhava-se para o calabouço. Eles agitaram-se ante uma ideia: “É a graça certamente, é a graça...”


“Meu filho, chegou a hora...” 


Na penumbra, quando a porta da cela se abriu, Chambort reconheceu um padre, pela sua batina e breviário.


— Meu filho, sê corajoso. É a sua última hora. Ela soará para você amanhã, ao amanhecer. Esteja seguro de que a justiça do Céu será mais misericordiosa do que a dos homens...


O procurador lia atentamente a rejeição do recurso de perdão. Um urro de animal ferido interrompeu-o... Toda gente dizia que deviamos ser perdoados. Assassinos! Tomando uma pesada moringa de barro, o condenado lançou-a sobre os visitantes, que fecharam a porta bruscamente. Chambort ficou um momento a chorar, mordendo o seu colchão de palha.


Uma hora mais tarde, dois guardas apareceram com um cacete nas mãos.


— Chambort, é preciso que lhe coloquemos a camisa de força; até a execução, é a lei; deixe-nos fazer...


Docilmente o condenado estendeu os braços, depois, rebelando-se, cruzou-os sobre o peito:


— Eu deixarei, se me disserem o que foi feito aos outros, foram perdoados?


— Não, fareis a viagem juntos...


No dia seguinte, os outros condenados, foram conduzidos à capela; tinham lhes prometido uma surpresa. Eles, que só pensavam no perdão, esperavam ainda. A surpresa era a presença do bispo, Dom Dabert, que viera pessoalmente celebrar-lhes uma última Missa. Eles confessaram-se... comungaram. E acabaram de perder toda a esperança neste mundo.


Foram empurrados depois para a praça, onde volteavam os cavalos dos guardas ao redor de um veículo verde, alugado em Francheville. Os sacerdotes subiram na carroça, acompanhados por um homenzinho cuidadosamente vestido de cinzento.


— Nós pararemos em Brantôme, por volta da meia noite, para trocar os cavalos, disse em tom paternal. Era M. Roques, o carrasco...


Duas personagens enigmáticas


Na grande feira de Saint Memoire, uma canção, ao som da música “Fualdes”, em língua d’oc e em francês, narrava a tragédia de Hautefaye, com vinte e duas quadras. Centenas de impressos, apresentando “a cabeça dos assassinos e da sua infeliz vítima, com o relato do terrível crime”, foram vendidos. No dia seguinte ao das execuções, decorreram as eleições de deputados a Assembléia Nacional. A lista republicana recebeu 28.890 votos contra 80.162; no cantão onde se encontrava Hautefaye, os republicanos foram arrasados.


Em toda a região, a lembrança deste acontecimento sangrento permanece bem viva, embora todas as testemunhas já tenham desaparecido há muito. Mas ainda se conta, nas famílias, o relato da passagem da guilhotina e do carrasco, em Mareuil especialmente, onde, no albergue, ninguém quis servi-lo. Foi uma jovem empregada que se encarregou disso e que recebeu, em recompensa, uma moeda de Luís de ouro, preciosamente conservada...


Ao encerrar este processo, existem duas silhuetas que não se podem: a de um homem, elegantemente vestido de branco, que instigava a multidão e a de um tipo furioso, vestido de negro; “ele era muito estranho, dir-se-ia que era uma mulher avantajada, vestida de homem”, contou uma testemunha no interrogatório.


Deles nunca se falou no processo. Provocadores? Encarnações de Fatalidade? Sobre este assunto a acusação e a defesa uniram-se no silêncio...


(cfr. Jean-Louis Galet – “Historia” – agosto, 1970 – Nº 285)

terça-feira, 17 de setembro de 2019

A autodeterminação do povo indígena



Na véspera do Sínodo da Amazónia, recordemos o velho plano de uma "tutela especial" para os índios da Amazónia e a denúncia feita pelo Professor Plinio Corrêa de Oliveira:

"Santo Padre, afastai o perigo com que se defronta a unidade do Brasil".

Na segunda quinzena de janeiro deste ano, 52 missionários de quatorze Prelazias e Dioceses, reunidos em Manaus, publicaram extensa Declaração sobre "a situação de calamidade em que se encontram numerosos povos indígenas da região, espoliados de suas terras e de suas culturas, especialmente pela ganância de poderosos latifundiários". O trecho entre aspas é do "Osservatore Romano" (19 de fevereiro, edição semanal em português).

O órgão oficioso do Vaticano prossegue:

"O Comunicado Mensal da CNBB, em seu número de janeiro, está publicando a íntegra da importante Declaração, bem como das Conclusões do Curso (realizado por aqueles missionários sobre problemas indígenas), das quais destacamos aqui o título "Autodeterminação": "Os grupos indígenas têm o direito à autodeterminação já consagrado em tantas cartas internacionais assinadas pelo Brasil, e seus membros têm direito de serem reconhecidos como pessoas responsáveis. Reconhecemos que o índio tem o seu direito especial, anterior ao nosso corpo jurídico. Tornamos nossa a decisão tomada pelo índio presente em nosso curso: "Lutar pela autodeterminação; mesmo que nos sujeitemos a prisões e a massacres, vamos conseguir a autodeterminação do povo indígena".

De nenhum modo sou especializado em assuntos indígenas e missionários. Não sei, portanto, se na terminologia específica da matéria, a palavra "autodeterminação" tem um sentido peculiar. Na linguagem corrente – a minha, a dos leitores do "Osservatore", como da "Folha de São Paulo"- ela indica o direito que tem uma nação de decidir sobre seus próprios destinos. É idêntico a soberania. Pode ela significar também, de modo mais restrito, autonomia de um grupo étnico, regional ou cultural face ao todo político no qual esteja encaixado. Assim se poderia falar de "autodeterminação"- obviamente limitada – dos Estados ou províncias dentro de uma federação, ou até dos municípios dentro do Estado ou da província.

A pergunta se põe desde logo; o que entendem por "autodeterminação" os missionários autores da Declaração? Pedem para os grupos indígenas autonomia? Ou chegam ao extremo de pedir para eles a soberania?

A segunda hipótese, verdadeiramente louca, parece ter impressionante consonância com o contexto. Como vimos, a Declaração alude ao "direito à autodeterminação já consagrado em tantas cartas internacionais assinadas pelo Brasil". A referência às "cartas internacionais" faz pensar mais em soberania, pois que é basicamente de soberania que elas tratam.

As palavras que seguem parecem caminhar no mesmo sentido, pois apresentam nossos tão diversificados índios como constituindo um só "povo indígena". Uma nação, dir-se-ia, disposta a reivindicar sua "autodeterminação" com o "animus" característico de um povo subjugado, que luta por sua independência. Dizem os missionários que querem para o "povo indígena" a tal "autodeterminação" ainda que se sujeitem "a prisões e a massacres". É difícil ler essas palavras sem pensar numa guerra de secessão indígena, chefiada por sacerdotes e freiras progressistas e esquerdistas.

Por mais desnorteante que tudo isto seja, o restante da Declaração dos 52 missionários conduz à mesma impressão.

Eles pleiteiam que os índios constituam, à margem do regime representativo brasileiro, todo um sistema próprio, com "assembléias indígenas tribais, regionais, nacionais e a sua participação em encontros internacionais". Ou seja, uma espécie de democracia indígena intertribal, na qual não está representado o brasileiro não indígena.

Segundo a Declaração, no interior de cada tribo indígena o poder emanará da própria tribo. Ele não será laico (como infelizmente o é no Estado brasileiro), mas religioso-fetichista. Pois que "em ordem à autodeterminação", a Declaração quer que seja reconhecida "a autoridade dos chefes indígenas, pajés e outros líderes religiosos, anciãos, dentro de suas concepções sociais e familiares".

Ou seja, cada tribo seria uma pequena unidade mais ou menos monárquica ou democrática, com aspectos pronunciadamente teocráticos.

Naturalmente, cada peça de todo este mosaico tribal evoluiria ( se é que evoluirá) inspirada apenas por suas próprias peculiaridades. E sem maior atenção à morfologia política e sócio-econômica do resto do Brasil. Tanto mais quanto, para assegurar a autodeterminação, a Declaração pede que "as missões sejam as primeiras a romper, na prática, com o regime de tutela a que sujeitaram os índios".

O mais curioso é que os missionários, rompendo o "regime de tutela", pedem "uma tutela especial". Não do poder Executivo, em relação ao qual se mostram abespinhados e agressivos, mas do Legislativo, o qual deveria ter uma "CPI do Índio" permanente, para "fiscalizar" a Presidência da República. Privilégio que nenhuma classe ou setor de brasileiros possui.

E chegamos mais uma vez à autodeterminação. Pois os índios constituiriam no Brasil um corpo privilegiado, um corpo pelo menos semi-estrangeiro, cuja situação seria melhor que a de todos os brasileiros.

A frouxidão do nexo com o Brasil se revela por inteiro nesta reivindicação: "As entidades internacionais, como a Comissão dos Direitos Humanos da ONU, sejam regularmente informadas dos crimes cometidos contra populações indígenas". O que importa dizer que a ONU funcionaria como uma imensa CPI internacional, a fiscalizar permanentemente a CPI do Legislativo brasileiro, a qual por sua vez fiscalizaria o Executivo.

A ONU... Bem se sabe o que isso significa. Bastará que, na hora da votação, as nações do mundo comunista tenham interesse nisto, para que votem reconhecendo como demonstrados os crimes mais inverossímeis. E para obter maioria na ONU, elas se lançarão às barganhas. Uma calúnia contra o Brasil poderá ser mercadejada por um Brejnev qualquer como se mercadeja um frango ou um peixe numa feira.

Quem não percebe que as reivindicações missionárias estão abrindo assim pontos de pouso em plena selva amazônica para a bota russa? – A bota? As botas? Quantas botas? Centenas? Milhares? Quantos milhares?

O Papa poderá fazer cessar tudo isto de um momento para outro. E situar a defesa dos direitos dos índios em termos que não representem a depredação do Brasil.

E, francamente, duvido de que, sem a vontade dele, algo de rápido e prático logre ser feito.

Para ele se voltam pois, aflições, preces e esperanças que são minhas, porém não só minhas.

Artigo do Professor Plinio Corrêa de Oliveira plublicado no jornal "A Folha de São Paulo" no dia 14 de outubro de 1978, intitulado “Ao Papa Ignoto”


domingo, 15 de setembro de 2019

A Coroinha de São Miguel Arcanjo


“Faça-se a Luz!” (Gen 1,3) , com estas palavras, segundo Santo Agostinho, Deus criou os Anjos, puros espíritos, Príncipes da Corte Celeste e defensores invencíveis dos interesses de Deus.

Segundo Dionísio, Areopagita, no seu livro “Da Hierarquia Celeste”, os anjos estão divididos em três hierarquias, cada uma delas composta por três coros.

A primeira hierarquia é composta pelos Querubins, Serafins e Tronos que possuem a “plenitude de sabedoria e da ciência”. Eles têm o privilégio de ver a verdade de um modo superior. Estão muito unidos a Deus, dedicando-se permanentemente a amar, adorar e glorificá-Lo num grau mais elevado do que os outros Coros.

A segunda hierarquia é composta pelas Dominações, Potestades e Virtudes que dirigem os Planos de Deus, comunicando os Seus projetos aos Anjos da terceira hierarquia, que vigiam o comportamento da Humanidade. Eles são responsáveis pelos acontecimentos no Universo.

Finalmente, a terceira hierarquia é composta pelos Principados, Arcanjos e Anjos que executam as ordens divinas. Eles estão mais próximos dos homens e conhecem profundamente a natureza de cada pessoa, insinuando, avisando ou agindo, para que possa cumprir com exatidão a vontade de Deus.

Os Anjos no Antigo e Novo Testamento

No Antigo Testamento encontramos várias passagens da ação angélica na história da Salvação. Foram eles, por exemplo, que protegeram Lot em Sodoma e Gomorra; que visitaram o Patriarca Abraão, que os recebeu com muita alegria e lhe disseram que Deus estava contente com a sua boa vontade. 

Também foi um Anjo que lutou com Jacob e lhe deu o nome de Israel, que quer dizer forte contra Deus. Também foi um deles, segundo Santo Estêvão, que falou com Moisés e entregou-lhe as tábuas da Lei, representando e agindo em nome de Deus.

Eles protegeram o Povo eleito, castigaram aqueles que os perseguiam, anunciaram a vinda de São João e a do Messias, serviram Nosso Senhor Jesus Cristo no deserto, confortaram-n’O no Horto das Oliveiras, assistiram-n’O na Cruz, guardaram o sepulcro e rejubilaram-se com a Ressurreição.

Durante toda a história da humanidade a proteção dos Anjos fez-se sentir e, no livro do “Apocalipse”, São João afirma que no fim dos tempos, surgirá São Miguel, com os seus anjos e derrotará satanás, lançando-o para sempre no inferno. 

Proteção de São Miguel Arcanjo

No século XIX, o papa Leão XIII teve uma visão que o perturbou: a Terra estava repleta de espíritos malignos, que visavam destruir a Igreja. Ao sair do êxtase, o Santo Padre dirigiu-se a seu gabinete e escreveu a seguinte prece a São Miguel Arcanjo, que foi durante muito tempo rezada no final de todas as missas:

“São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede o nosso refúgio contra as insidias e ciladas do demónio. Que Deus manifeste o seu poder sobre ele. Eis a nossa humilde súplica. E vós, Príncipe da Milícia Celeste, com o poder que Deus vos conferiu, precipitai no inferno a satanás e aos outros espíritos malignos, que andam pelo mundo para perder as almas. Assim seja.”

“Vivemos uma época de apostasia”, afirmava o Papa Leão XIII há dois séculos. Quase cem anos depois, o Papa Paulo VI afirmou: “A fumaça de Satanás entrou no Templo de Deus”. E hoje, Lúcifer e os seus sequazes lançaram-se contra o mundo e, especialmente, contra a Igreja com toda a fúria, procurando substituir a verdadeira fé, pela indiferença, pelo relativismo, pelo materialismo, pela corrupção, pela imoralidade, por cultos satânicos que colocam em risco a salvação dos filhos de Deus.

Os Papas constituíram São Miguel ,Padroeiro da Igreja Universal, e no dia 5 de junho de 2013, Francisco, ao inaugurar uma imagem de São Miguel Arcanjo nos jardins do Vaticano, consagrou o Estado do Vaticano ao Príncipe da Milícia Celeste.

Promessa para quem rezar a coroinha de São Miguel

Numa aparição em Portugal, a uma ilustre carmelita, Serva de Deus Antónia d’Astonac, em 1750, São Miguel Arcanjo pediu-lhe que fossem feitas em sua honra nove saudações, correspondentes aos nove coros dos Anjos, que consistiriam na recitação de um Pai Nosso e três Ave-Marias, em honra de cada um dos nove coros angélicos.

O Arcanjo prometeu-lhe que aqueles que lhe rendessem este culto teriam, quando comungassem, um cortejo de nove Anjos, escolhidos dentre os nove coros. Além disso, para a recitação quotidiana destas nove saudações , prometeu a sua assistência e a dos Santos Anjos durante toda a vida e, depois da morte e a libertação do Purgatório (Antónia d’Astonac, livro II, capítulo 74). Esta revelação privada e respectiva devoção a São Miguel foram aprovadas pelo Beato Papa Pio IX em 1851.

Rapidamente, a devoção foi difundida pelo mundo inteiro e ficou conhecida como Coroinha a São Miguel Arcanjo.

Apresentamos abaixo duas maneiras de se rezar a Coroinha de São Miguel: uma tradicional, e uma outra composta pelo Professor Plinio Corrêa de Oliveira.

A recitação da Coroinha de São Miguel inicia-se com a recitação do:

V. Deus, vinde em nosso auxílio! Senhor, socorrei-nos e salvai-nos.
R. Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém.

Deixam-se as quatro contas que pendem isoladas para o fim. Com os dedos sobre a medalha inicia-se a primeira saudação:

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste dos Serafins, fazei-nos, Senhor, dignos do fogo da perfeita Caridade.

Segue-se a recitação de um Pai-Nosso e de três Ave-Marias, seguindo as contas da coroinha ( e assim, sucessivamente)

Segunda Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste dos Querubins, pedimos Senhor a graça de trilharmos a estrada da perfeição cristã.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Terceira Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste dos Tronos, pedimos Senhor que nos deis o espírito da verdadeira humildade.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Quarta Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste das Dominações, pedimos ao Senhor nos conceda a graça de dominar nossos sentidos, e de nos corrigir das nossas más paixões.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Quinta Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste das Potestades, pedimos ao Senhor se digne de proteger nossas almas contra as ciladas e as tentações de satanás e dos demónios.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Sexta Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste das Virtudes, pedimos ao Senhor a graça de sermos, vencedores no perigoso combate das tentações.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Sétima Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste dos Principados, pedimos ao Senhor que nos dê o espírito de uma verdadeira e sincera obediência a Ele.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Oitava Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste de todos os Arcanjos, pedimos ao Senhor nos conceder o dom da perseverança na Fé e nas boas obras, a fim de que possamos chegar a possuir a glória do Paraíso.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Nona Saudação

Pela intercessão de São Miguel e do coro celeste de todos os Anjos, pedimos ao Senhor que estes espíritos bem-aventurados nos guardem sempre, e principalmente na hora da nossa morte e nos conduzam à glória do Paraíso.

Um Pai-Nosso; três Ave-Marias.

Reza-se agora em cada uma das quatro contas restantes um Pai Nosso:

Um Pai-Nosso em honra de São Miguel Arcanjo;

Um Pai-Nosso em honra de São Gabriel;

Um Pai-Nosso em honra de São Rafael;

Um Pai-Nosso em honra do nosso Anjo da Guarda.

Antífona: Glorioso São Miguel, chefe e príncipe dos exércitos celestes, fiel guardião das almas, vencedor dos espíritos rebeldes, amado da casa de Deus, nosso admirável guia depois de Cristo; vós, cuja excelência e virtudes são eminentíssimas, dignai-vos livrar-nos de todos os males, a nós que recorremos confiadamente a vós, e fazei, pela vossa incomparável proteção, que adiantemos, cada dia mais, na fidelidade em servir a Deus. Amém.

V. Rogai por nós, ó bem-aventurado São Miguel, príncipe da Igreja de CRISTO,
R. Para que sejamos dignos das Suas promessas.

Oração: Deus, Todo-Poderoso e Eterno, que, por um prodígio de bondade e misericórdia para a salvação dos homens, escolhestes para príncipe da Vossa Igreja o gloriosíssimo Arcanjo São Miguel, tornai-nos dignos, nós Vo-lo pedimos, de sermos preservados de todos os nossos inimigos, a fim de que, na hora da nossa morte, nenhum deles nos possa inquietar, mas que nos seja dado ser introduzidos por ele na presença da Vossa poderosa e Augusta Majestade, pelos merecimentos de Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.

Coroinha de São Miguel composta pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira


Como Nossa Senhora é a Rainha dos Anjos e dos homens, o Professor Plinio Corrêa de Oliveira escravo de Nossa Senhora, segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, adaptou a coroinha de São Miguel, para recitação privada, fazendo com que a súplica a Deus Nosso Senhor passasse por Maria Santíssima:

Sobre a medalha, diz-se:

V. Deus, vinde em nosso auxílio! Senhor, socorrei-nos e salvai-nos.
R. Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém.

Primeira saudação aos Serafins

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro celeste dos Serafins pedimos a Nossa Senhora que nos conceda um amor pela Igreja, ardente como o sol, estável, poderoso, irresistível, capaz de espantar todas as trevas e afugentar todos os fantasmas noturnos e infernais e de atear por toda a parte o incêndio do seu espírito.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Segunda saudação aos Querubins

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste dos Querubins pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça do enlevo pela Santa Igreja, do espírito d’Ela e da união com Maria.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Terceira saudação aos Tronos

Per intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste dos Tronos, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda o dom da sabedoria.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Quarta saudação às Dominações

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste das Dominações, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça de vencermos o unanimismo do mundo moderno e dominarmos o nosso vício capital.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Quinta saudação às Potestades

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste das Potestades, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça do ódio à Revolução satânica, igualitária e gnóstica.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Sexta saudação às Virtudes

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste das Virtudes, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça de termos no mais alto grau a devoção a Ela, a virtude da pureza, da humildade e da combatividade.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Sétima saudação aos Principados

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste dos Principados, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça da vinda imediata dos acontecimentos previstos em Fátima e da rápida implantação do Reino de Maria.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Oitava saudação aos Arcanjos

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste dos Arcanjos, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça de pertencermos ao Seu Coração Sapiencial, tão inteira e incondicionalmente quanto criaturas humanas possam pertencer.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Nona saudação aos Anjos

Por intercessão de São Miguel Arcanjo e do Coro Celeste dos Anjos, pedimos a Nossa Senhora que nos conceda a graça de correspondermos plenamente à nossa luz primordial.

Pai Nosso, 3 Ave-Marias.

Oração: Augusta Rainha dos Céus e Soberana dos Anjos, Vós que desde o primeiro instante de Vossa existência recebestes de Deus o poder e a missão de esmagar a cabeça de Satanás, humildemente Vos pedimos: Enviai as legiões dos Santos Anjos a perseguirem, por Vosso poder e sob as Vossas ordens, os demónios, combatendo-os em toda a parte, reprimindo-lhes a insolência e lançando-os nas profundezas do abismo.

“Quem como Deus?”, Santos Anjos e Arcanjos, defendei-nos e guardai-nos.

Ó Mãe Divina, mandai-nos os Vossos Santos Anjos para que defendam e repilam para bem longe de nós o maldito demónio, nosso cruel inimigo. Amém!

Ave-Maria a São Miguel;

Ave-Maria a São Gabriel;

Ave-Maria a São Rafael;

Ave-Maria ao Santo Anjo da Guarda.

sábado, 7 de setembro de 2019

O Nascimento da Santíssima Virgem Maria



“Celebramos [no dia 8 de setembro] o nascimento da Bem-aventurada Virgem Mãe, de quem nasceu Aquele que é a Vida de todos.

Hoje nasceu a Virgem Maria, de quem quis nascer a Salvação de todos, a fim de dar àqueles, que nascem para morrer, o poder de renascerem para a Vida.

Hoje nasceu a nossa nova Mãe, que anulou a maldição de Eva, a nossa primeira mãe. Assim, por Ela, herdamos agora a bênção, nós que, pela nossa primeira mãe, tínhamos nascido sob o golpe da eterna maldição.

Ela é certamente uma nova Mãe, aquela que renovou em juventude os filhos envelhecidos; Aquela que curou o mal de uma velhice congénita, bem como de todas as formas de envelhecimento que lhe tinham sido acrescentadas.

Ela é certamente uma Mãe nova que, por um prodígio singular, pode conceber permanecendo virgem e que trouxe ao mundo Aquele que criou todas as coisas. Que maravilhosa novidade é esta Virgindade fecunda!

Mas bem mais maravilhosa é ainda a novidade do Fruto que Ela trouxe ao mundo. Deixemos a palavra Àquela que entrou neste mistério, à própria Maria, que nos explique como e quem Ela deu à luz: Como a flor da vinha difunde o seu perfume.

Muito tempo antes do nascimento de Maria, o Espírito, que viria habitar nela, dizia em seu nome: “Como a vinha em flôr, canta Ela, produzi um doce odor” (Sl 24, 17).

É como se Ela dissesse: Assim como a flor não se altera por ter dado o seu perfume, o mesmo acontece com a Pureza de Maria, ao ter dado à luz o Salvador” (Guerrico d'Igny, Natividade de Maria, II Sermão).

Sobre a Natividade de Nossa Senhora, o Professor Plinio Corrêa de Oliveira comentou, numa conferência do dia 8 de setembro de 1966:

Culto de hiperdulia

“O que a Santa Igreja faz é imensamente sábio, pleno de tato. Considerem, por exemplo, o seguinte: o culto de latria ou adoração, a Igreja presta somente a Deus, portanto a Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o Verbo Encarnado. O culto de dulia, de veneração, de mediação, a Igreja presta aos santos. Mas a Nossa Senhora Ela presta um culto que nem é simplesmente o de dulia, nem é de nenhum modo o de latria, mas é o culto de hiperdulia, que é uma veneração como a nenhum outro santo se presta, sem nenhum paralelo, sem nenhum termo de comparação, de tal maneira Nossa Senhora está acima de todas as criaturas.

Excluindo a festa do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo e o nascimento de São João Batista, a Natividade que a Igreja celebra em seu calendário litúrgico é a de Nossa Senhora. E, além disto, há inúmeras outras festas a Ela dedicadas, enquanto para cada santo existe – em via de regra – uma festa no calendário e mais nada. Como também, em uma outra ordem de coisas, a Igreja permite e até estimula imagens dos santos, mas não permite que haja no mesmo altar mais de uma imagem do mesmo santo. Entretanto para Nossa Senhora, Ela permite que haja tanto no altar central como nos nichos ou altares laterais das igrejas outra imagem de Nossa Senhora.

Isto tudo para dar a entender que Nossa Senhora não tem termo de comparação nenhum, e introduzir este princípio teológico em mil realidades do calendário, da liturgia, da vida de piedade, com um tato e senso de proporções, que indica bem o espírito sapiencial da Igreja Católica e o oceano de sabedoria que nEla há.

Por que a Igreja festeja especialmente o santo natal de Nossa Senhora? Porque a Mãe de Deus foi tão grande que a data em que Ela entra no mundo, marca uma nova era na história do povo eleito.

Antes e depois de Nossa Senhora

Nós podemos dizer que a história do Antigo Testamento se divide –  sob este ponto de vista – em duas partes: antes e depois de Nossa Senhora. Porque se a história do Antigo Testamento é uma longa espera do Messias, esta espera tem dois aspectos: 1) o momento exato que não tinha chegado para a vinda do Messias, a Divina Providência estava portanto permitindo que esta espera se prolongasse pelos séculos dos séculos; 2) e depois o momento abençoado em que a Providência faz nascer Aquela que conseguirá que o Messias venha: Nossa Senhora.
Então, Sua vinda ao mundo é a chegada da criatura perfeita, da criatura que encontra plena graça diante de Deus, da única criatura cujas orações têm o mérito suficiente para acabar com esta espera, e fazer que, por fim, o rogo de toda a Humanidade, o sofrimento de toda Humanidade, o padecimento de todos os justos e a fidelidade de todos aqueles que tinham sido fiéis, consiga aquilo que sem Nossa Senhora não se teria obtido.

Houve os Patriarcas, os Profetas, houve inúmeras almas fiéis do povo eleito; deverá ter havido uma ou outra alma fiel em meio à gentilidade; houve sofrimentos ao longo dos séculos de espera do Messias. Mas nada disso foi suficiente para atrair a misericórdia divina e fazer chegar o momento da Redenção. Entretanto quando Deus quis, Ele fez nascer a criatura perfeita que haveria de conseguir isto. Então a entrada desta criatura perfeita no mundo dos vivos é o começo de Sua trajectória que durante todo o tempo atraiu bênçãos, atraiu graças, produziu santificação.

Já então todas as relações dos homens com Deus se modificaram, e começou então na porta do Céu, que estava trancada, como que a filtrar luzes e deixar filtrar esperanças de que ela seria aberta pelo Salvador que deveria vir. Isto tudo se deu desde o primeiro momento do nascimento de Nossa Senhora...

A presença dEla na terra era ocasião de graças insignes porque era a criatura mais contemplativa de todos os tempos, em relação a qual nenhuma outra contemplativa nem teve, tem ou terá paralelo. Ela possuía uma irradiação pessoal e uma ação de presença tão rica em bênção que era o prenúncio da vinda de Nosso Senhor.

E então a entrada desta bênção, a entrada desta graça, desta ação direta e pessoal na história do mundo é incomparável! E por causa disso, a Natividade de Nossa Senhora é uma festa que nos deve ser caríssima, é uma festa que nos deve falar muito, pois é a festa do início da derrubada do paganismo.

Prenúncio do Reino de Maria

Nós poderíamos dizer que há alguma relação disto com a situação do mundo contemporâneo? Existe!

Na época presente há como que uma nova interferência de Nossa Senhora na história do mundo que atua nas trevas do neo-paganismo.

O fato de Nossa Senhora suscitar almas que já anseiam pelo Reino de Maria, que pedem a vinda do Reino de Maria, lutam para que o Reino de Maria venha, estas almas são – “mutatis mutandis”, ou seja, com todas as devidas adaptações e reservas – como que Nossa Senhora no Antigo Testamento. Ainda não veio o triunfo do Imaculado Coração de Maria, mas sim algo que é o prenúncio desse triunfo e que já começa a difundir as suas graças, começa a determinar também movimentos entusiásticos de adesão. Isto é algo como uma Natividade que se repete e que prepara o Reino de Maria, profetizado por Ela em Fátima.

Os senhores vêm, portanto, que esta data é da maior significação. Oremos a Ela pedindo que - pondo como fundamento a Sua Natividade - assim como Ela veio à terra e imediatamente começou a pedir o advento do Messias e que acabasse aquele estado de coisas envolto pelo pecado, que Ela nos dê um desejo ardente do Reino de Maria. Um desejo que nos arrebate por inteiro, um desejo sapiencial, refletido, ponderado, sério, profundo que não deixe em nossa alma apego a mais nada. Esta seria, então, a nossa oração hoje”. (Plinio Corrêa de Oliveira, Conferência, 8/9/1966)

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Arqueólogos afirman haber hallado Emaús, donde Jesús Resucitado se apareció a dos discípulos



Un grupo de arqueólogos israelíes y franceses han hallado los restos de Emaús, un lugar de gran trascendencia en el Nuevo Testamento, y lugar en el cual se apareció Cristo Resucitado por primera vez a sus discípulos.

Este hallazgo, según cuenta el diario Haaretz, se ha producido mientras identificaban una fortificación helenística de de 2.200 años de antigüedad y que podría haber sido construida por un general seléucida que derrotó a Judas Macabeo.
En la colina de Kiryat Yearim
Esta excavación en la que podría localizarse Emaús está situada en la colina de Kiryat Yearim, muy cerca de Jerusalén. Este lugar habría albergado durante 20 años el Arca de la Alianza antes de que el Rey David la transportase a Jerusalén, afirman los investigadores al diario israelí.
Por su parte, el arqueólogo de la Universidad de Telaviv, Israel Finkelstein, y Thomas Römer, profesor del Colegio de Francia, han sugerido que la colina de Kiriath Yearim y la ciudad adyacente de Abu Ghos deben identificarse como Emaús.
Ambos explicaron que este lugar jugó un papel importante en la historia de la lucha judía contra el imperio seléucida y que aparece en el Libro de los Macabeos, muriendo Judas Macabeo en la batalla de Elasa a manos del ejército comandado por Bacchides, que a su vez acabaría fortificando varias ciudades, entre ellas Emaús.
Pero para los cristianos Emaús tiene un significado aún más importante, pues según el relato evangélico una vez resucitado fue en el camino a Emaús en el que Jesús se apareció por primera vez a dos de sus discípulos. Al principio no le reconocieron pero cuando llegaron a este pueblo y Cristo partió el pan “se les abrieron los ojos”.
Otras dos hipótesis sobre su localización
Sin embargo, no todos los especialistas están de acuerdo en que Emáus esté situado en esta fortificación sino que hay al menos otras dos hipótesis sobre la localización de esta localidad. “Tradicionalmente, la mayoría de los estudiosos han identificado el tiempo de Emaús de Jesús con lo que más tarde se convirtió en la ciudad bizantina llamada Emaús Nicopolis, ubicada en el Valle de Ayalon, cerca del cruce moderno de Latrun”, explica Benjamin Isaac, profesor emérito de historia antigua de la Universidad de Tel Aviv a Haaretz.
Según el Evangelio de San Lucas, Emaús estaba a 60 estadios de Jerusalén, casi unos 12 de kilómetros, mientras que Emaús Nicopolis está situada a 25 kilómetros. Por ello, Thomas Römer señala que existen tradiciones antiguas que vinculan a Kiriath Yearim y Abu Ghosh con Emaús. “Al menos algunos cristianos en los pasados siglos ​​no estaban de acuerdo con Eusebio y creían que la aparición de Jesús ocurrió allí en lugar de en Emaús Nicopolis. Es por eso que los cruzados, en el siglo XII, construyeron la Iglesia de la Resurrección magníficamente pintada al fresco en Abu Ghosh”. (Fundación Tierra Santa5 septiembre, 2019)




terça-feira, 3 de setembro de 2019

Os massacres de setembro e os mártires do Convento do Carmo


No dia 4 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Francesa pôs fim ao sistema feudal, fazendo desaparecer o Clero e a Nobreza, como corpos políticos.

No dia 24 de agosto de 1790 o ódio contra a Igreja acentuou-se e foi aprovada a criação da Constituição Civil do Clero, que visava fazer com que a Igreja Católica francesa ficasse submissa ao Governo, negasse implicitamente a autoridade do Papa e que visava reformá-la, através de mudanças radicais, como a supressão dos votos religiosos. 

No dia 26 de novembro, impõe-se a obrigação de jurar fidelidade a estas novas regras.

Deste então, inúmeros padres e religiosos foram sendo acusados de serem “refratários” à Constituição Civil do Clero e colocados nas prisões.

No dia 26 de agosto de 1972, a Assembleia Nacional decreta o estado de urgência e declara serem os padres não juramentados uma das causas que colocam em perigo a pátria. Poucos dias depois, já são cerca de 360 eclesiástico encarcerados em Paris, pois era preciso acabar rapidamente com o “fanatismo, a superstição e o obscurantismo”.

O dia do martírio

No dia 2 de setembro de 1792, Danton advertiu à população que “os sinos dariam o sinal para acabar com os inimigos da Pátria”.

E neste mesmo dia, pelas quatro da tarde, o sino da Igreja de Saint Sulpice tocou, dando o sinal para os sanguinários desordeiros. 

O Convento do Carmo, com o seu vasto claustro, foi o primeiro e o mais emblemático teatro destes massacres. Os miseráveis irromperam gritando: “Prestai juramento!” E ante as suas recusas, assassinaram alguns no jardim e outros, depois de um simulacro de julgamento, foram massacrados a golpes de fuzil e de sabre ao pé de uma pequena escada que dava acesso à capela, onde os prisioneiros se reuniram para se dar mutuamente a absolvição.


Os seus corpos foram - a maior parte - transportados para o cemitério de Vaugirard, onde grandes fossas tinham sido preparadas de antemão. Um certo número foi lançado num poço do convento dos Carmelitas. Mais tarde buscas foram feitas e encontrou-se grande quantidade de crânios e ossos trazendo a marca dos golpes recebidos, como se pode constatar na cripta da igreja do Carmo de Paris, onde foram recolhidos.

Um Jesuíta, Padre Saurin, que conseguiu escapar, relata como era bem diferente o clima vivido pelas duas partes. De um lado, reinava a serenidade, enquanto fora ouvia-se o grito da multidão, os tiros de canhões e o rufar dos tambores.

O Padre de la Pannonie, que apesar de ter ficado ferido, sobreviveu à tragédia do Carmo contou : « Não ouvi nenhum dos que foram massacrados reclamar!”.

Entre as três mil vítimas do massacre de setembro de 1792, 191 pessoas, mortas pela sua fé, foram beatificadas por Pio XI no dia 17 de outubro de 1926: três bispos, cento e vinte sete padres seculares, cinquenta e seis religiosos e cinco leigos. Dentre eles, encontrava-se também São Salomon Leclercq, irmão das Escolas Cristãs, canonizado em 2016 pelo Papa Francisco.

Ainda hoje é possível venerar as relíquias destes santos na cripta erigida no século XIX sob a igreja de Saint Joseph des Carmes, situada na Rua de Vaugirard, 74.


Na escada do martírio, lê-se numa pedra comemorativa, situada no jardim do Seminário do Instituto Católico de Paris, os seguintes dizeres: Hic ceciderunt (Aqui eles caíram [morreram]).


Martírio para evitar a protestantização e republicanização da Igreja

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, numa reunião do dia 1 de setembro de 1967 comentou o martírio dos contra-revolucionários, no Convento do Carmo:

“Temos aqui algumas centenas, duas centenas, perto de três centenas de sacerdotes que colocados entre o martírio e a apostasia preferiram o martírio. Foram fiéis à sua consciência sacerdotal, e evitaram assinar um ato que importava, praticamente, de um lado, na apostasia, ou melhor, na protestantização da Igreja francesa e, de outro lado, na proclamação da república dentro da Igreja. Na protestantização da Igreja porque o Papa ficava apenas como autoridade honorífica.

Mas segundo essa lei votada pelos revolucionários, o Papa perdia toda a força no que diz respeito à autoridade doutrinária. O livre exame passava a vigorar na Igreja francesa. Depois, era a republicanização, porque todos os cargos importantes da Igreja passavam a ser escolhidos por sufrágio universal, sem nenhuma interferência do Papa. Os bispos, depois de eleitos, simplesmente mandavam avisar ao Papa que tinham sido eleitos, e lhe prestavam uma homenagem que era um puro cumprimento. Quer dizer, a Igreja ficava completamente esfacelada. Eles não podiam aceitar isso e preferiram morrer.

Fidelidade e misericórdia

É evidentemente uma coisa muito bela vermos isso, mas no caso destes padres parece-me ver uma beleza particular. Sabemos que o clero na França estava numa situação [difícil]. Muito decénio antes da Revolução Francesa, São Luís Maria Grigninon de Montfort foi maltratado pelo episcopado e pelo clero. Ele foi objeto de um desprezo, de um pouco caso tal, que uma vez até à boca dele subiu o travo da amargura e ele, habitualmente tão conformado, tão humilde, tão alegre, teve este comentário, depois de ter ido a um convento onde o trataram ultrajantemente: “eu não supunha que fosse possível tratar desta forma um sacerdote”.

Arrebenta a tormenta e os historiadores verificam esta coisa bonita: que muitos desses sacerdotes resolveram corresponder à graça nesse extremo e que houve grandes mártires, não só entre os padres bons, mas também entre os padres ruins. Isso me lembra o Bom Ladrão e lembra tantos outros fatos da história da Igreja. Pessoas que não merecem, mas que a misericórdia divina acolhe e que eleva até o mais alto dos Céus.


Os senhores percebem com facilidade como isso é encorajador, como isso é alentador e como isso nos deve dar também esperanças quando da realização dos grandes acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima. Em vez de considerarmos tais acontecimentos com terror, devemos considerá-los como uma ocasião de grandes graças. Como o momento em que a Providência divina chama para junto de si até os seus filhos relapsos, até os filhos com que está descontente; em que Ela consegue, por maravilhas da graça, levar às honras dos altares gente que, segundo a ordem natural das coisas, sem isso nunca teria chegado a essas honras e talvez até estivesse no inferno.