Na véspera do
Sínodo da Amazónia, recordemos o velho plano de uma "tutela especial" para os índios da Amazónia e a denúncia feita pelo Professor Plinio Corrêa de Oliveira:
"Santo Padre,
afastai o perigo com que se defronta a unidade do Brasil".
Na segunda quinzena
de janeiro deste ano, 52 missionários de quatorze Prelazias e Dioceses,
reunidos em Manaus, publicaram extensa Declaração sobre "a situação de
calamidade em que se encontram numerosos povos indígenas da região, espoliados
de suas terras e de suas culturas, especialmente pela ganância de poderosos
latifundiários". O trecho entre aspas é do "Osservatore Romano"
(19 de fevereiro, edição semanal em português).
O órgão oficioso do
Vaticano prossegue:
"O Comunicado
Mensal da CNBB, em seu número de janeiro, está publicando a íntegra da
importante Declaração, bem como das Conclusões do Curso (realizado por aqueles
missionários sobre problemas indígenas), das quais destacamos aqui o título
"Autodeterminação": "Os grupos indígenas têm o direito à
autodeterminação já consagrado em tantas cartas internacionais assinadas pelo
Brasil, e seus membros têm direito de serem reconhecidos como pessoas
responsáveis. Reconhecemos que o índio tem o seu direito especial, anterior ao
nosso corpo jurídico. Tornamos nossa a decisão tomada pelo índio presente em
nosso curso: "Lutar pela autodeterminação; mesmo que nos sujeitemos a
prisões e a massacres, vamos conseguir a autodeterminação do povo
indígena".
De nenhum modo sou
especializado em assuntos indígenas e missionários. Não sei, portanto, se na
terminologia específica da matéria, a palavra "autodeterminação" tem
um sentido peculiar. Na linguagem corrente – a minha, a dos leitores do
"Osservatore", como da "Folha de São Paulo"- ela indica o
direito que tem uma nação de decidir sobre seus próprios destinos. É idêntico a
soberania. Pode ela significar também, de modo mais restrito, autonomia de um
grupo étnico, regional ou cultural face ao todo político no qual esteja
encaixado. Assim se poderia falar de "autodeterminação"- obviamente
limitada – dos Estados ou províncias dentro de uma federação, ou até dos
municípios dentro do Estado ou da província.
A pergunta se põe
desde logo; o que entendem por "autodeterminação" os missionários
autores da Declaração? Pedem para os grupos indígenas autonomia? Ou chegam ao
extremo de pedir para eles a soberania?
A segunda hipótese,
verdadeiramente louca, parece ter impressionante consonância com o contexto.
Como vimos, a Declaração alude ao "direito à autodeterminação já
consagrado em tantas cartas internacionais assinadas pelo Brasil". A
referência às "cartas internacionais" faz pensar mais em soberania,
pois que é basicamente de soberania que elas tratam.
As palavras que
seguem parecem caminhar no mesmo sentido, pois apresentam nossos tão
diversificados índios como constituindo um só "povo indígena". Uma
nação, dir-se-ia, disposta a reivindicar sua "autodeterminação" com o
"animus" característico de um povo subjugado, que luta por sua
independência. Dizem os missionários que querem para o "povo
indígena" a tal "autodeterminação" ainda que se sujeitem "a
prisões e a massacres". É difícil ler essas palavras sem pensar numa
guerra de secessão indígena, chefiada por sacerdotes e freiras progressistas e
esquerdistas.
Por mais
desnorteante que tudo isto seja, o restante da Declaração dos 52 missionários
conduz à mesma impressão.
Eles pleiteiam que
os índios constituam, à margem do regime representativo brasileiro, todo um
sistema próprio, com "assembléias indígenas tribais, regionais, nacionais
e a sua participação em encontros internacionais". Ou seja, uma espécie de
democracia indígena intertribal, na qual não está representado o brasileiro não
indígena.
Segundo a
Declaração, no interior de cada tribo indígena o poder emanará da própria
tribo. Ele não será laico (como infelizmente o é no Estado brasileiro), mas
religioso-fetichista. Pois que "em ordem à autodeterminação", a
Declaração quer que seja reconhecida "a autoridade dos chefes indígenas,
pajés e outros líderes religiosos, anciãos, dentro de suas concepções sociais e
familiares".
Ou seja, cada tribo
seria uma pequena unidade mais ou menos monárquica ou democrática, com aspectos
pronunciadamente teocráticos.
Naturalmente, cada
peça de todo este mosaico tribal evoluiria ( se é que evoluirá) inspirada
apenas por suas próprias peculiaridades. E sem maior atenção à morfologia
política e sócio-econômica do resto do Brasil. Tanto mais quanto, para
assegurar a autodeterminação, a Declaração pede que "as missões sejam as
primeiras a romper, na prática, com o regime de tutela a que sujeitaram os
índios".
O mais curioso é
que os missionários, rompendo o "regime de tutela", pedem "uma
tutela especial". Não do poder Executivo, em relação ao qual se mostram
abespinhados e agressivos, mas do Legislativo, o qual deveria ter uma "CPI
do Índio" permanente, para "fiscalizar" a Presidência da
República. Privilégio que nenhuma classe ou setor de brasileiros possui.
E chegamos mais uma
vez à autodeterminação. Pois os índios constituiriam no Brasil um corpo
privilegiado, um corpo pelo menos semi-estrangeiro, cuja situação seria melhor
que a de todos os brasileiros.
A frouxidão do nexo
com o Brasil se revela por inteiro nesta reivindicação: "As entidades
internacionais, como a Comissão dos Direitos Humanos da ONU, sejam regularmente
informadas dos crimes cometidos contra populações indígenas". O que
importa dizer que a ONU funcionaria como uma imensa CPI internacional, a
fiscalizar permanentemente a CPI do Legislativo brasileiro, a qual por
sua vez fiscalizaria o Executivo.
A ONU... Bem se
sabe o que isso significa. Bastará que, na hora da votação, as nações do mundo
comunista tenham interesse nisto, para que votem reconhecendo como demonstrados
os crimes mais inverossímeis. E para obter maioria na ONU, elas se lançarão às
barganhas. Uma calúnia contra o Brasil poderá ser mercadejada por um Brejnev
qualquer como se mercadeja um frango ou um peixe numa feira.
Quem não percebe
que as reivindicações missionárias estão abrindo assim pontos de pouso em plena
selva amazônica para a bota russa? – A bota? As botas? Quantas botas? Centenas?
Milhares? Quantos milhares?
O Papa poderá fazer
cessar tudo isto de um momento para outro. E situar a defesa dos direitos dos
índios em termos que não representem a depredação do Brasil.
E, francamente,
duvido de que, sem a vontade dele, algo de rápido e prático logre ser feito.
Para ele se voltam
pois, aflições, preces e esperanças que são minhas, porém não só minhas.
Artigo do
Professor Plinio Corrêa de Oliveira plublicado no jornal "A Folha de São Paulo" no dia 14
de outubro de 1978, intitulado “Ao Papa Ignoto”
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