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sexta-feira, 1 de março de 2019

A recusa do Papa São Estêvão I às novidades doutrinárias

Debates sobre o donatismo

Quanto mais se cresce no fervor e na piedade, com maior presteza se põe barreira às novidades doutrinárias.

Existe uma grande quantidade de exemplos, mas para não alongar-me muito, citarei apenas um, adequadíssimo para a nossa finalidade, tomando-o da história da Sé Apostólica.

Todos poderão ver, com mais clareza do que a própria luz, com quanta fortaleza, diligência e zelo os veneráveis sucessores dos santos Apóstolos têm defendido sempre a integridade da doutrina recebida uma vez para sempre.

Sucedeu que o bispo de Cartago, Agripino, de piedosa memória, teve a ideia de fazer com que os hereges fossem rebatizados; e isto contra a Escritura, a norma da Igreja universal, a opinião dos seus colegas, os costumes e os usos dos Padres. Isto deu origem a grandes males, porque não só oferecia a todos os hereges um exemplo de sacrilégio, mas também foi ocasião de erro para não poucos católicos.

Dado que em todas as partes se protestava contra esta novidade, e em cada sítio os bispos tomavam diferentes posturas com respeito a ela, segundo lhes ditava o seu próprio zelo, o Papa Estevão, de santa memória, bispo da Sé Apostólica, somou-se com maior força à oposição dos seus colegas, pois entendia que devia superar a todos na proteção à fé, dada a autoridade da sua Sé.

Escreveu então uma carta à África e decretou nestes termos: “Nenhuma novidade, mas só o que tem sido transmitido”.
Sabia aquele homem santo e prudente que a mesma natureza da religião exige que tudo seja transmitido aos filhos com a mesma fidelidade com a qual tenha sido recebido dos pais, e que, ademais, não nos é lícito levar e trazer a religião por onde nos pareça, mas temos que a seguir por onde quer que ela nos conduza.

E é próprio da humanidade e da responsabilidade cristã não transmitir aos que nos sucedem as nossas opiniões pessoais, mas conservar o que foi recebido dos nossos antecessores e superiores.

Como ficou, então, a situação? Como haveria de acabar senão da maneira comum e normal? Foram fiéis aos ensinamentos da tradição e rechaçaram a novidade. Então não houve quem defendesse a inovação? Muito pelo contrário, houve um tal desdobramento de ingénuos, uma tal profusão de eloquência, um número tão grande de partidários, tanta verosimilhança nas teses, tal acúmulo de citações da Sagrada Escritura, ainda que interpretada num sentido totalmente novo e errado, que de nenhuma maneira, creio eu, se poderia superar toda aquela concentração de forças, se a inovação tão fortemente abraçada, defendida, louvada, não tivesse caído por si mesma, precisamente por causa da sua novidade.

O que ocorreu com os decretos daquele Concílio africano e quais foram suas consequências? Graças a Deus não serviram para nada. Tudo se dissipou como num sonho e numa fábula e foi abolido como coisa inútil, desprezado, não levado em conta. Mas foi aqui que se produziu uma situação paradoxal.

Os autores daquela opinião são considerados católicos, e em troca os seus seguidores são hereges; os mestres foram perdoados e os discípulos condenados.

Quem escreveu os livros erróneos serão chamados filhos do reino, enquanto o inferno acolherá os seus defensores. Quem pode ser tão louco até o ponto de pôr em dúvida que o beato Cipriano, luz esplendorosa entre todos os santos bispos e mártires, reina junto com os seus colegas, eternamente, com Cristo? E, ao contrário, quem poderia ser tão sacrílego que negasse que os donatistas e as outras pestes, que presunçosamente queriam rebatizar, apoiando-se na autoridade daquele Concílio, arderão, eternamente, com o diabo?

(São Vicente de Lerins, Commonitorio, Regras para conhecer a Verdadeira Fé)