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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Acaso, sorte e azar não existem

Nada acontece no mundo sem ordem ou permissão de Deus, ensina o catecismo católico. Todos os acontecimentos da nossa vida merecem o nosso respeito, e passaria por leviano aquele que pretendesse não ver neles senão o resultado do cego acaso.

Em vez de dizer: “É o acaso que decide a maior parte das coisas”, deveríamos afirmar: “Foi uma recompensa, provação ou castigo”.

Sob muitos aspetos, os diversos fatos das nossas vidas, assemelham-se a uma distribuição de prémios. Da mesma forma que o estudante preguiçoso, quando vê um bom aluno ser premiado, tenta acusar a sorte de favorecer o colega, desprezando o duro trabalho do outro, assim também nós, muitas vezes, tendo trabalhado pouco ou nada, queixamo-nos e afirmamos que não tivemos sorte.

Na vida não há cálculos matemáticos, e por isso, nem sempre o homem laborioso e honrado tem a sua recompensa neste mundo – recordemos o exemplo de Job, descrito nas Sagradas Escrituras.

Mas, pelo simples fato de ser uma pessoa honrada e laboriosa, tem mais probabilidade de ter bons resultados, do que uma outra que vive sem moral e não trabalha.

Estou convencido de que, se se tirasse do número de desempregados, por exemplo, os que são desregrados, preguiçosos, pouco delicados e desagradáveis com os colegas e enfadonhos, o número deles diminuiria prodigiosamente. Porque muitos daqueles que falam da sua falta de sorte, deveriam antes falar do seu mal comportamento, e em vez de terem inveja da feliz situação dos vizinhos, melhor fariam, se lhes imitassem o amor pelo trabalho, a sua sobriedade, a sua economia, as suas virtudes domésticas, o seu amor e temor de Deus, que assim, também eles, para falar como eles falam, haviam de ver “a sorte mudar-se em seu favor”.

Em lugar de aceitarmos o dito: “É o acaso quem decide da maior parte das coisas”, devemos dizer: “A maior parte das vezes a culpa foi nossa. Trata-se, realmente, por mais duro que seja, de um castigo ou recompensa”. E não vamos nós, cristãos, filhos privilegiados da Providência Divina, imitar os ateus, que se envolvem, como que numa capa, em certa indolência, que eles julgam meritórias, mas invertamos um outro provérbio, também cheio de sentido e afirmemos: “Mais vale quem Deus ajuda, do que quem muito madruga!”
Ora, se apesar de tudo, de se tentar a todo custo levar a barca ao bom porto, de dar provas de que é um trabalhador assíduo, um honrado pai de família, inimigo dos bares e do jogo, a desgraça parecer persegui-lo, e em nada obtiver bons resultados, não se precipite. O seu infortúnio não é uma injustiça da parte de Deus, ou um capricho da sorte, como muitas pessoas afirmam hoje.

Antes de acusar a Deus, devemos examinar-nos a nós mesmos! Comecemos por uma pergunta simples e direta: temos cumprido os nossos deveres para com Deus? Há quanto tempo não recebemos os sacramentos? Dez, vinte ou trinta anos, talvez?! Desde que abandonamos a confissão e a comunhão, não vivemos já tão esquecidos do Criador, como se Ele não existisse, e tão esquecidos das nossas próprias almas, como se fossemos animais sem razão?
E Deus, assim ofendido, não teria o direito de nos punir, frustrando-nos todos os nossos empreendimentos e ações? Recordemos do que Deus disse através de Salomão: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os edificadores” (Salmo 127, 1).

Mas a misericórdia de Deus não puni. Quem é que não vê que estas provações, que tanto revoltam, são somente o exercício do mais evidente direito da parte de Deus, mas ainda um grande rasgo de misericórdia a respeito do pecador?
Quantos homens há, a quem uma prosperidade sem nuvens conservou-os sempre afastados de Deus, e que a rude mão da desgraça reconduz à fonte de toda a consolação! E depois, quantas vezes, no duro caminhar das nossas vidas, tentando sempre seguir os mandamentos, não ofendemos, ainda assim, de mil maneiras a Deus, Nosso Senhor? Não temos sempre bastantes faltas a expiar? E não devemos ser reconhecidos, pelo fato de Deus no-las fazer expiar neste mundo, em vez de padecermos no purgatório?

Finalmente, as desgraças de todos os géneros que se abatem sobre uma alma são uma provação, um meio que Deus oferece aos seus servos fiéis, para aumentar os seus merecimentos, e por conseguinte, a sua recompensa. Recordemos mais uma vez o exemplo de Job.  

É sabido que o aço é melhor, uma vez passado pelo fogo ardente. Também a virtude, é mais meritória, quanto maior foi o fogo das tribulações, por que passou.

Como seria injusto nos queixarmos de todas essas ocasiões, que Deus nos oferece, de podermos aumentar o nosso tesouro para a outra vida!
Como é feliz o cristão, se conhece a sua felicidade! Que fonte inesgotável de alegria e de consolação, ele tem dentro de si mesmo!

Que importa que a fortuna lhe seja adversa, pois que conhece e bendiz a mão, que distribui os castigos e as recompensas? Para ele, Deus é um pai cheio de ternura que, por diversos caminhos, mas sempre com misericórdia, o conduz ao termo do seu destino. Destes caminhos, o mais seguro e o mais sagrado é o das provações, aquele que o nosso divino modelo seguiu primeiro, e que um piedoso autor chama de “caminho real da Santa Cruz” (Tomás de Kempis, Imitação de Jesus Cristo, cap. 12, livro II).

Concluamos com uma oração: Ensinai-nos, Senhor, a bendizer-vos em todas as coisas. Fazei com que, reconhecidos na prosperidade e resignados na adversidade, saibamos ver, tanto numa como na outra, nas manifestações da vossa bondade, outros tantos meios diversos, mas igualmente seguros de chegar até Vós, se os empregarmos com reta intenção.