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domingo, 13 de abril de 2025

Plinio Corrêa de Oliveira: eco da Igreja Católica, Apostólica e Romana


 

Vós me ouvistes falar várias vezes, e nunca ouvistes de mim — quer vós, meus amigos de sempre que há trinta e quarenta anos comigo trabalhais, quer vós meus amigos de hoje que neste momento a bem dizer começais a me conhecer — a seguinte frase: eu elaborei uma doutrina, eu construí um pensamento, eu fundei uma escola, eu fiz isto, eu fiz aquilo.

 

Tudo quanto tenho feito na minha vida, por um dever de justiça, na alegria e no entusiasmo da minha alma, no reconhecimento e na gratidão, tenho apresentado como sendo doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Porque se alguma coisa em mim há de bom, não é senão resultado do fato de que Nossa Senhora me alcançou a graça — a qual não tenho palavras para agradecer e espero poder passar junto a Ela a eternidade inteira agradecendo — de ter sido batizado, ser filho da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Eu não sou, eu não pretendo ser senão um sino. Menos do que um sino: um eco do grande sino que é a Igreja Católica Apostólica Romana. Eu pretendo prolongar esse ensinamento— não como ministro, não como mestre, mas como discípulo fiel e transido de alegria pela glória de ser discípulo. Somos o eco que no meio da batalha prolonga e leva ao longe a voz do sino, fazendo-a ouvir por toda a parte.

 

Meu desejo na vida não é senão repetir. Repetir aquilo que eu ouvi da Santa Igreja. Esta fidelidade que até ao dia de hoje eu mantive e que Nossa Senhora — espero — me outorgará até o fim de meus dias.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Novas regras para os estipêndios das Missas



No dia 13 de abril de 2025, Domingo de Ramos, o Papa Francisco aprovou em forma específica um decreto do Dicastério para o Clero, sobre a disciplina das intenções das Santas Missas que entrará em vigor a partir do dia 20 de abril, Domingo de Páscoa.
 
“O costume secular e a disciplina da Igreja, explica o decreto, insistem em que cada oferta individual corresponda à aplicação distinta, por parte do sacerdote, de uma Missa por ele celebrada. A doutrina católica, aliás, manifestada também pelo “sensus fidelium”, ensina o benefício e a utilidade espiritual, na economia da graça, para as pessoas e fins para os quais o sacerdote aplica as Missas que celebra, bem como, nesta mesma perspectiva, o valor da aplicação repetida para as mesmas pessoas ou fins.
 
“Quanto à aplicação em relação à qual foi recebida uma oferta, no sentido acima exposto, a proibição de aplicar uma única Missa para múltiplas intenções, para as quais foram aceites múltiplas ofertas, foi expressa várias vezes. Esta prática, bem como a não aplicação da Missa em relação à oferta aceite, foram julgadas contrárias à justiça, como é repetidamente expresso nos documentos eclesiásticos”.
 
Contudo, nas últimas décadas, introduziu-se o costume das missas “coletivas”. As novas normas vieram esclarecer e disciplinar sobre a possibilidade de se aceitar ofertas de diferentes pessoas, cumulando numa única Missa, celebrada numa intenção “coletiva”, sempre que os ofertantes sejam informados e derem livremente o seu consentimento.
 
O decreto afirma:
Arte. 1 § 1 Sem prejuízo do cân. 945 do Código de Direito Canónico, se o conselho provincial ou a reunião dos Bispos da província, tendo em conta condições como, por exemplo, o número de sacerdotes em relação aos pedidos de intenções ou o contexto social e eclesial, dentro dos limites da sua própria jurisdição, assim o determinar por decreto, os sacerdotes podem aceitar várias ofertas de diferentes ofertantes, cumulando-as com outras e satisfazendo-as com uma única Missa, celebrada segundo uma única intenção "coletiva", se - e somente se - todos os ofertantes tiverem sido informados disso e tiverem consentido livremente.
 
§ 2º A vontade dos ofertantes nunca poderá ser presumida. Com efeito, na ausência de consentimento explícito, presume-se sempre que este não foi dado.
 
§ 3 No caso referido no § 1, é permitido ao celebrante conservar para si a oferta de uma só intenção (cf. cânones 950-952 CIC).
 
§ 4 Toda a comunidade cristã tenha o cuidado de oferecer a possibilidade de celebrar diariamente missas de intenção única, para as quais o conselho provincial ou a reunião dos Bispos da província fixe o estipêndio estabelecido (Cf. cân. 952 CIC).
 
Arte. 2 Sem prejuízo do cân. 905 CIC, quando o sacerdote celebra legitimamente a Eucaristia várias vezes no mesmo dia, se necessário e exigido pelo verdadeiro bem dos fiéis, pode celebrar diversas Missas também por intenções "coletivas", entendendo-se que lhe é permitido reter, diariamente, apenas uma oferenda para uma só intenção dentre aquelas aceites (Cf. cânones 950-952 CIC).
 
Arte. 3 § 1 É especialmente necessário ter presente o disposto no cân. 848 CIC que estabelece que o ministro, além das ofertas determinadas pela autoridade competente, não peça nada para a administração dos sacramentos, evitando sempre que os mais necessitados sejam privados do auxílio dos sacramentos por causa da pobreza. Deve-se também observar o que é fortemente recomendado pelo cânone. 945 § 2 CIC, ou seja, “celebrar a Missa nas intenções dos fiéis, sobretudo dos mais pobres, mesmo sem receber qualquer oferta”.
 
§ 2 Para o destino das ofertas aplicar-se-á a norma do cânone 111, congrua congruis referendo. 951 CIC.
 
§ 3 O Bispo diocesano, tendo em conta as circunstâncias específicas da Igreja particular e do seu clero, pode, por lei particular, determinar que tais ofertas sejam destinadas às paróquias necessitadas da sua diocese ou de outras dioceses, especialmente nos países de missão.
 
Arte. 4 § 1 É da responsabilidade dos Ordinários educar o seu clero e o seu povo sobre o conteúdo e o significado destas normas, e zelar pela sua correta aplicação, certificando-se de que o número de Missas a celebrar, as intenções, as ofertas e as celebrações são cuidadosamente anotadas no registo apropriado, bem como examinar anualmente esses registos, pessoalmente ou por meio de outros (Cf. cân. 958 CIC).
 
§ 2 De modo particular, tanto os Ordinários como os demais Pastores da Igreja devem zelar para que seja eminentemente clara para todos a distinção entre a solicitação de uma intenção específica da Missa (mesmo que "coletiva") e o simples recolhimento durante uma celebração da Palavra ou em alguns momentos da celebração eucarística.
 
§ 3º Seja especialmente dado a conhecer a todos que a solicitação ou mesmo a aceitação de ofertas relativas aos dois últimos casos é gravemente ilícita; quando tal utilização for indevidamente difundida, os Ordinários competentes não excluirão o recurso a medidas disciplinares e/ou penais para erradicar este fenómeno deplorável.
 
Arte. 5 Tendo em vista os valores sobrenaturais ligados à venerável e louvável prática de receber a oferta dada para que uma Missa seja aplicada segundo uma intenção específica (cf. cân. 948 CIC), e também para promover o costume apreciável de transferir as intenções das Missas excedentes com as ofertas correspondentes para os países de missão, os pastores de almas cuidem de encorajar oportunamente os fiéis a mantê-la e, onde ela estiver enfraquecida, a revigorá-la e promovê-la, também através de uma catequese adequada sobre os novíssimos e sobre a comunhão dos Santos.
 
Arte. 6 Quando o conselho provincial ou a reunião dos Bispos da província não tomarem qualquer disposição sobre a matéria, mantêm-se em vigor as disposições do Decreto Mos iugiter de 22 de Fevereiro de 1991.
 
A tradução do decreto para o português apresentada acima não é a versão oficial do Vaticano.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Elisabeta Canori Moro: Uma beata que lutou heroicamente pela salvação do seu marido infiel

 


Atualmente, fala-se muito da misericórdia de que muitas famílias e cônjuges feridos ​​necessitam, sobrecarregados de problemas e conflitos que já não conseguem suportar. Talvez, no entanto, devêssemos falar primeiro da misericórdia que os mesmos cônjuges em crise poderiam humildemente exercer a partir do momento em que a família começa a fraquejar. Por vezes, para a salvar, bastaria até a misericórdia pacientemente exercida  por um só dos seus membros, capaz de esperar e de amar com esperança. Tal foi a história de Elisabetta Canori Mora (1774-1825)1 que o Papa São João Paulo II – em 1994, Ano Internacional da Família – quis beatificar juntamente com Gianna Beretta Molla, definindo-as ambas como “mulheres de amor heroico”.

 

O casamento entre Elisabetta, de uma nobre família romana, e o jovem e rico advogado Cristoforo Mora pareceu, a princípio, um conto de fadas que se tornou realidade. Disse que ficou impressionado com a sua beleza, tanto que jurou que nunca, mas nunca, procuraria outra mulher se ela se dignasse a aceitá-lo. E estava preocupado com o pensamento de que algo o pudesse manchar: a sua noiva não se devia cansar nem fazer qualquer trabalho que a pudesse desgastar. Nem sequer a deixava costurar ou bordar, para que os seus dedos não ficassem rígidos. E era também obsessivamente ciumento, tanto que impedia a esposa de ter qualquer contacto com os seus familiares.

 

Mas, passados ​​alguns meses, o ciúme obsessivo foi seguido por uma frieza glacial: tornou-se cada vez mais distraído e ausente; começou a abandonar a casa, a passar as noites noutros locais, até que a notícia de que se tinha envolvido com uma mulher de classe baixa, que o estava literalmente a gastar tudo o que recebia, correu a boca de todos. O jovem advogado nunca parecia ter dinheiro suficiente, e as suas perdas no jogo multiplicaram-se até que ficou reduzido à penúria.

 

Para pagar as dívidas crescentes de Christopher, Elizabete chegou ao ponto de se privar de todas as suas joias, mas o dinheiro parecia cair num poço sem fundo. Assim, incapazes de manter a casa de família a que estavam habituados, os dois tiveram de se mudar para um pequeno apartamento adjacente à casa rica dos sogros. Em total desrespeito pelo marido, Elizabete teve de se sustentar a si e aos filhos com o trabalho das suas mãos, e estava cada vez mais sozinha. Além disso, estava tomada por dores de estômago indescritíveis.

 

Mas aqui começou a sua esplêndida aventura mística. Esta “aventura” poderia ser interpretada de uma forma fácil, até banal: uma mulher traída pelo marido, incapaz até de criar os filhos, gravemente doente, privada de todo o afeto, sublima a sua angústia construindo para si um mundo espiritual, intenso, mas fictício.

 

Para quem tem fé, há uma explicação mais simples e luminosa. Sabemos que o matrimónio cristão, com todos os seus dons e graças, é um sacramento, isto é, um meio, um sinal de uma realidade maior e mais profunda. A realidade nela indicada é a do Amor de Jesus, Amante e Amado, que abraça juntos os dois esposos. Mas se um dos dois falha, porquê negar que Ele pode decidir mostrar a realidade do "casamento sagrado"?

 

Foi o que aconteceu a Elisabete: acolheu sacramentalmente o seu marido, que depois a negou e a traiu. Então o verdadeiro Esposo, o Único, decidiu retomar o lugar que lhe pertencia, e decidiu fazê-lo "sensivelmente", isto é, com alguma manifestação extraordinária da sua presença.  Assim, a vida mística de Isabel foi, pois, rica em orações, visões e irresistíveis transportes amorosos: viveu os seus dias em total união com o Senhor, desde quando ia à Santa Missa de manhã bem cedo e recebia a Comunhão todos os dias e depois, dedicava o resto do seu tempo a cuidar das meninas, a fazer as tarefas domésticas e a rezar.

 

Cristoforo quase nunca aparecia, regressava já noite cerrada, e Elizabeth estava sempre ali, acordada, à sua espera: decidira nunca discutir e dirigir-se-lhe apenas com boas palavras e algumas exortações para mudar de vida. No tempo livre que lhe restava, dedicava-se às tradicionais "obras de misericórdia": com a permissão da sogra (a única que a compreendia e apoiava), recolhia os restos de comida nas cozinhas para os pobres, ia aos hospitais visitar os doentes, não se furtando às tarefas mais humildes e repugnantes.

 

Denunciado por comportamentos imorais pelas irmãs que queriam garantir a herança da família, Cristoforo arriscou a prisão e só conseguiu evitá-la prometendo arrepender-se, mas voltou para junto da família ainda mais furioso, ao ponto de tentar matar a mulher. Mais tarde, disse que, de cada vez, sentia uma força superior a parar o seu braço.

 

Todos aconselharam Elizabete a sair de casa e a esconder-se em algum lugar, mas ela não quis. E os próprios familiares não conseguiam compreender como conseguia estar sozinha à noite com um marido que ameaçava matá-la. Elisabete tinha questionado o seu Senhor Jesus sobre isso e recebera como resposta "que eu não abandonasse estas três almas, isto é, as duas filhas e o marido, enquanto Ele as quisesse salvar por meio de mim"... Até o confessor, perante o risco que ela corria, sugeriu que ela se separasse do marido, mas ela respondeu: "Coloquei a salvação destas três almas à frente do meu ganho espiritual"; e tranquilizou-o dizendo que adormeceu rezando como uma criança: "O meu espírito descansou docemente nos braços do Senhor e um raio de luz envolveu-me e tornou este descanso seguro."

 

O mais incrível da história não é a referência ao raio de luz que a protegia, mas o facto de duas almas estarem em contacto conjugal tão próximo: uma imersa na escuridão ameaçadora do vício, a outra imersa na luz protetora da sua amizade conjugal com Cristo. E não se trata de duas histórias que se opõem e se anulam, mas de uma conjunção misteriosa.

 

Assim, a vida de Elisabete fluiu numa relativa serenidade – entre o trabalho, a oração e os seus filhos – tudo pontilhado de momentos de graça em que Jesus lhe ilustrou, com visões simbólicas, as mais belas verdades da fé. E quando as suas filhas cresceram e começaram a preocupar-se com a sua manutenção e comportamento, Jesus disse-lhe: “Não temas, pois Eu mesmo serei o teu pai e o dono da casa. De agora em diante não terá apenas o necessário para si e para a sua família, mas mais do que o suficiente.” Assim, por uma extraordinária conjugação de circunstâncias, aquela casa que não tinha conseguido tornar-se uma "igreja doméstica" devido às ausências do marido mulherengo e perdulário, tornou-se uma "verdadeira igreja" pela intervenção do Esposo celeste que decidira substituir pessoalmente o cônjuge faltoso. E os milagres foram inúmeros.

 

Entretanto, Elisabete inscreveu-se na Ordem Terceira dos Trinitários – uma antiga Ordem criada para a libertação dos cristãos reduzidos à escravidão – e da sua espiritualidade retirou uma paixão crescente pelos mais pobres e abandonados. A salvação de todos tornara-se a sua preocupação e, por isso, pedia com uma insistência cada vez maior a salvação do marido, que continuava a viver com a sua amante. Um dia, quando as suas filhas, exasperadas, desejavam o castigo divino à mulher que lhes tinha tirado o pai, Elisabete interveio "com força e energia", explicando às raparigas que deveriam "rezar sempre ao Senhor, dizendo-Lhe que queria ter ao seu lado no paraíso aquela mulher que atordoara o seu marido e lhe tinha causado tanto mal". Em vez disso, dirigiu um estranho desejo ao marido e disse-lhe: "A noite de Natal também chegará para ti", como se o único defeito do pobre homem fosse não ter sido ainda envolvido pela ternura da Encarnação. Há mais de um ano que ela vinha prevendo o dia exato da sua morte; De facto, Deus dera-lhe uma amostra disso momento a momento numa visão, e ela descreveu-o assim: "Parecia estar a morrer nos braços de Jesus e de Maria, desfrutando de um paraíso de contentamento". Quando o dia fatídico se aproximou, disse às suas filhas: "Estou a deixar-vos para irem ter com o vosso pai, Jesus de Nazaré", pelo que recomendou que respeitassem sempre o seu pai e o ajudassem sempre.

 

Morreu na data prevista, por volta das duas da manhã, e tinha acabado de completar cinquenta anos. Quando Cristoforo regressou a casa, por volta das quatro da manhã, nem queria acreditar que Elizabete já não estava viva. Ficou ali, encostado à parede, a soluçar, como se estivesse estupefacto. A partir desse dia, nunca mais foi o mesmo. Não contou a ninguém, mas pouco antes de Elizabete morrer, a sua amante também morreu nos seus braços. Tinha mudado: finalmente demonstrava interesse por tudo o que até então desprezava. Já não se preocupava com a sua elegância e com as suas roupas, passava longas horas na igreja e virava sempre o seu velho chapéu nas mãos, chorando. Pode dizer-se que orava com o chapéu no rosto. O facto é que, lá dentro, no fundo, tinha colado um retrato de Elizabete e ficava a olhar para ele e a chorar. Disse que "a tinha transformado numa santa com os seus abusos".

Nove anos se passaram desde a morte de Isabel, e uma notícia inesperada espalhou-se por Roma: um certo Padre celebrava a sua primeira missa na Ordem dos Frades Menores Conventuais. António, ordenado sacerdote excepcionalmente aos sessenta e um anos de idade, depois de ter completado, nessa venerável idade, todos os seus estudos teológicos. O nome Antonio era o que assumira na vida religiosa, mas no mundo era conhecido como "o advogado Cristoforo Mora": segundo a promessa de Elisabetta, também ele tinha finalmente tido "a sua noite de Natal". E morreria também – depois de onze anos de remorsos, orações e penitências passados ​​num convento – com fama de santo.

 

Vamos agora resumir a lição que toda a história nos transmite. A misericórdia de que a família necessita é, antes de mais, a de compreender que no matrimónio cristão tudo é sacramento: o amor que os dois cônjuges conseguem comunicar um ao outro é a parte bela do sacramento; o amor que o cônjuge não quer ou não consegue dar, com as dores que daí decorrem, deve tornar-se a parte virginal do sacramento, aquela que se refere diretamente a Cristo e invoca diretamente a sua presença. Se apenas um dos cônjuges tomar consciência disso, a vida será repleta de misericórdia e poderá ser repleta de milagres.

 

P. Redi, Elisabetta Canori Mora. Um amor fiel dentro das paredes da casa, Città Nuova, Roma 1994.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

O quarto Rei Mago


 


Artabano, este era o nome do quarto Rei Mago, que morava nas montanhas da Pérsia. Era um médico, alto, moreno, de olhos bem escuros: a fisionomia de um sonhador, a mente de um sábio. Um homem de coração manso e espírito indomável.

Era um homem de posses. A sua moradia era rodeada de jardins bem tratados com árvores de frutas e flores exóticas. As suas vestes eram de seda fina e o seu manto da mais pura lã. Era seguidor de Zoroastro e numa noite se reuniu em conselho com nove membros da mesma seita. Eram todos sábios!

Artabano falou-lhes sobre a nova estrela que vira e o seu desejo de segui-la. Disse-lhes:

-- Como seguidores de Zoroastro aprendemos que os homens vão ver nos céus, em tempo apontado pelo Eterno, a luz de uma nova estrela e nesse dia, nascerá um grande profeta e Ele dará aos homens a vida eterna, incorruptível e imortal, e os mortos viverão outra vez! Ele será o Messias.

E continuou:

-- Os meus três amigos Gaspar, Melchior, Baltazar e eu, vimos a grande luz brilhante de uma nova estrela há vários dias e vamos sair juntos para Jerusalém para ver e adorar o Prometido, o Rei de Israel. Vendi a minha casa e tudo o que possuo e comprei estas joias: uma safira, um rubi e uma pérola para oferecer como tributo ao Rei. Convido-os para virem comigo nesta peregrinação para juntos adorarmos o rei!”

Artabano preparou o seu melhor cavalo, chamado Vasda, e de madrugada saiu às pressas, a fim de poder encontrar-se no dia e na hora marcados com Gaspar, Melchior e Baltazar, que já estavam a caminho, ele precisava cavalgar noite e dia. A noite começou a cair e faltavam mais ou menos três horas de viagem para chegar ao sítio de encontro, quando na estrada, perto de umas palmeiras, o seu cavalo Vasda, pressentindo alguma coisa desconhecida, parou junto a um objeto escuro perto da última palmeira. A luz das estrelas revelou a forma de um homem caído na estrada. Um pobre hebreu entre os muitos que moravam por perto. Compadecido, Artabano tratou-o por muitos dias, oferecendo-lhe pão, vinho, e ervas curativas.

O hebreu recuperou-se e erguendo as mãos aos céus disse:

-- Que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó o abençoe. Nada tenho para lhe pagar, mas ouça-me: Os nossos profetas dizem que o Messias deve nascer, não em Jerusalém, mas em Belém de Judá.

Assim, já era muito mais de meia-noite e vários dias de atraso, quando Artabano montou de novo no seu cavalo Vasda e num galope rápido prosseguiu ao encontro dos seus amigos.

Aos primeiros raios do sol, chegou ao lugar do encontro. Mas… onde estavam os três magos? Artabano desmontou e ansioso, estudou todo o horizonte. Nem sinal da caravana de camelos dos seus amigos! Então entre uma pilha de pedras achou um pergaminho e a mensagem:

-- Não pudemos esperar mais, vamos ao encontro do Rei de Israel. Siga-nos através do deserto.

Artabano entrou no deserto e finalmente chegou em Belém, levando o seu rubi e a sua pérola para oferecer ao Rei. Mas as ruas da pequena vila. pareciam desertas. Pela porta aberta de uma casinha pobre, Artabano ouviu a voz de uma mulher cantando suavemente. Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu bebé.

Três dias passados Ela falou-lhe sobre os três magos que estiveram na vila a que disseram terem sido guiados por uma estrela ao lugar onde José de Nazaré, sua esposa Maria, e o seu bebé Jesus estavam hospedados. Eles trouxeram prendas de ouro, incenso e mirra para o menino. Depois, desapareceram tão rapidamente quanto apareceram. E a família de Nazaré também saiu à noite, em segredo, talvez para o Egito.

O bebé que estava nos seus braços fitou o rosto de Artabano e sorriu-lhe e estendeu-lhe os seus bracinhos.

A Jovem mãe colocou o bebê no leito e preparou um almoço para o estranho hóspede que veio à sua casa. Subitamente, ouviu-se uma grande comoção nas ruas: gritos de dor, o chorar de mulheres, tocar de trombetas e o clamor:

-- Soldados! os soldados de Herodes estão a matar as nossas crianças!

A jovem mãe, branca de terror, escondeu-se no canto mais escuro da casa, cobrindo o filho com o seu manto para que ele não acordasse e chorasse.

Mas Artabano colocou-se em frente à porta da casa impedindo a entrada dos soldados. Um capitão aproximou-se para afastá-lo. A face do rei mago estava calma como se estivesse a observar as estrelas. Fitou o soldado e disse-lhe:

-- Estou sozinho aqui e à espera para dar esta joia ao prudente capitão que vai deixar-me em paz.

E mostrou o rubi brilhando na palma da sua mão como uma grande gota de sangue.

Os olhos do capitão brilharam com o desejo de possuir tal joia!

- Marchem, avancem, pois não há criança aqui!” Gritou aos seus soldados.

E Artabano voltando-se para os Céus rezou:

-- Deus da Verdade, perdoa o meu pecado! Eu disse uma coisa que não era, para salvar uma criança. E duas das minhas dádivas já se foram. Dei aos homens o que havia reservado para Deus. Poderei ainda ser digno de ver a face do Rei?

E Artabano prosseguiu na sua procura entre as pirâmides do Egito, em Heliopólis, na nova Babilónia às margens do Nilo… Numa humilde casa em Alexandria, procurou o conselho de um velho rabi que lhe falou das profecias e do sofrimento do Messias prometido e rejeitado pelos homens. E lembrou-se que o Rei que procurava não O ia encontrar num palácio ou entre os ricos e poderosos, mas entre os pobres e os humildes, os que sofrem e são oprimidos.

E Artabano passou por lugares onde a fome era grande. Fez a sua morada em cidades onde os doentes morriam na miséria. Visitou os oprimidos nas prisões subterrâneas, os escravos nos mercados de escravos…

Em toda a população de um mundo cheio de angústia ele não achou ninguém para adorar, mas muitos para ajudar! Ele alimentou os que tinham fome, cuidou dos doentes, e confortou os prisioneiros… E os anos passaram… 33 anos.

E os cabelos de Artabano já não eram pretos, eram brancos como a neve nas montanhas. Velho, cansado e pronto para morrer era ainda um peregrino à procura do Rei de Israel e agora em Jerusalém onde tinha estado muitas vezes na esperança de achar a família de Belém.

Os filhos de Israel estavam agora na cidade santa para a festa da Páscoa do Senhor e havia uma agitação e excitamento singular. Vendo um grupo de pessoas da sua terra, Artabano perguntou-lhe o que se passava e para onde o povo se dirigia.

-- Para o Gólgota! Dois ladrões vão ser crucificados e com eles, um homem chamado Jesus de Nazaré, que dizem ter feito coisas maravilhosas para o povo. Mas os sacerdotes exigiram a Sua morte, porque disse ser o Filho de Deus. Pilatos O condenou a ser crucificado porque disseram ser Ele o Rei dos Judeus - responderam-lhe.

-- Os caminhos de Deus são mais estranhos do que o pensamento dos homens, pensou Artabano. “Agora é o tempo de oferecer a minha pérola para livrar da morte o meu Rei!”

Ao seguir a multidão em direção ao portal de Damasco, um grupo de soldados apareceu arrastando uma jovem rapariga com vestes rasgadas e o rosto cheio de terror.

Ao ver o mago, a jovem reconheceu-o como da sua própria terra e libertando se dos guardas atirou-se aos pés de Artabano:

-- Tende piedade! Pelo Deus da pureza, salvai-me! Meu pai era mercador na Pérsia, mas faleceu e agora serei vendida como escrava para pagar seus dívidas! Salvai-me!

Artabano tremeu. Era o velho conflito da sua alma entre a fé, a esperança e o impulso do amor. Duas vezes as dádivas consagradas foram dadas para a humanidade. E agora? Uma coisa ele sabia:

-- Salvar essa jovem indefesa era um gesto de amor. E não é o amor a luz da alma?

Ele tirou a pérola de junto do seu coração. Nunca ela pareceu tão luminosa! Colocou-a na mão da jovem:

-- Este é o teu pagamento, o último dos tesouros que guardei para o Rei!

Enquanto ele falava uma escuridão profunda envolveu a terra que tremeu consultivamente! Casas caíram, os soldados fugiram, mas Artabano e a jovem protegeram-se debaixo do telhado sobre as muralhas do Pretório.

-- O que tenho a temer? - pensou. E para quê viver? Não tenho mais esperança de encontrar o Rei, a procura terminou, eu falhei.

Mas mesmo esse pensamento trouxe-lhe paz, pois sabia que tinha vivido cada dia da sua vida da melhor maneira que soube. Se tivesse que viver de novo a sua vida não poderia ser de outra maneira.

Mais um tremor de terra e uma telha desprendeu-se do telhado e feriu o velho mago na cabeça. Repousou no chão e deitou a cabeça nos ombros da jovem com o sangue a escorrer do ferimento.

Ao debruçar-se sobre ele, ela ouviu uma voz suave, como música vindo da distância. Os lábios de Artabano moveram-se como em resposta e ela escutou o que o velho mago disse na sua própria língua:

-- Não meu Senhor! Quando Vos vi com fome e Vos dei de comer? Ou com sede e Vos dei de beber? Ou quando Vos vi enfermo ou na prisão e fui visitar-Vos?

Por 33 anos, procurei-Vos, mas nunca vi a Vossa face, nem Vos servi, meu Rei!

E uma voz suave fez-se ouvir, mas desta vez dos Céus. A jovem também compreendeu as palavras: “Em verdade, em verdade vos digo que quando o fizeste a um destes meus irmãos a Mim o fizeste!”.

Uma alegria radiante iluminou a face calma de Artabano. Um suspiro longo e aliviado saiu dos seus lábios. A viagem para ele tinha terminado. O quarto mago compreendeu que tinha encontrado o seu Rei durante toda a sua vida!

Henry Van Dyke