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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

O quarto Rei Mago


 


Artabano, este era o nome do quarto Rei Mago, que morava nas montanhas da Pérsia. Era um médico, alto, moreno, de olhos bem escuros: a fisionomia de um sonhador, a mente de um sábio. Um homem de coração manso e espírito indomável.

Era um homem de posses. A sua moradia era rodeada de jardins bem tratados com árvores de frutas e flores exóticas. As suas vestes eram de seda fina e o seu manto da mais pura lã. Era seguidor de Zoroastro e numa noite se reuniu em conselho com nove membros da mesma seita. Eram todos sábios!

Artabano falou-lhes sobre a nova estrela que vira e o seu desejo de segui-la. Disse-lhes:

-- Como seguidores de Zoroastro aprendemos que os homens vão ver nos céus, em tempo apontado pelo Eterno, a luz de uma nova estrela e nesse dia, nascerá um grande profeta e Ele dará aos homens a vida eterna, incorruptível e imortal, e os mortos viverão outra vez! Ele será o Messias.

E continuou:

-- Os meus três amigos Gaspar, Melchior, Baltazar e eu, vimos a grande luz brilhante de uma nova estrela há vários dias e vamos sair juntos para Jerusalém para ver e adorar o Prometido, o Rei de Israel. Vendi a minha casa e tudo o que possuo e comprei estas joias: uma safira, um rubi e uma pérola para oferecer como tributo ao Rei. Convido-os para virem comigo nesta peregrinação para juntos adorarmos o rei!”

Artabano preparou o seu melhor cavalo, chamado Vasda, e de madrugada saiu às pressas, a fim de poder encontrar-se no dia e na hora marcados com Gaspar, Melchior e Baltazar, que já estavam a caminho, ele precisava cavalgar noite e dia. A noite começou a cair e faltavam mais ou menos três horas de viagem para chegar ao sítio de encontro, quando na estrada, perto de umas palmeiras, o seu cavalo Vasda, pressentindo alguma coisa desconhecida, parou junto a um objeto escuro perto da última palmeira. A luz das estrelas revelou a forma de um homem caído na estrada. Um pobre hebreu entre os muitos que moravam por perto. Compadecido, Artabano tratou-o por muitos dias, oferecendo-lhe pão, vinho, e ervas curativas.

O hebreu recuperou-se e erguendo as mãos aos céus disse:

-- Que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó o abençoe. Nada tenho para lhe pagar, mas ouça-me: Os nossos profetas dizem que o Messias deve nascer, não em Jerusalém, mas em Belém de Judá.

Assim, já era muito mais de meia-noite e vários dias de atraso, quando Artabano montou de novo no seu cavalo Vasda e num galope rápido prosseguiu ao encontro dos seus amigos.

Aos primeiros raios do sol, chegou ao lugar do encontro. Mas… onde estavam os três magos? Artabano desmontou e ansioso, estudou todo o horizonte. Nem sinal da caravana de camelos dos seus amigos! Então entre uma pilha de pedras achou um pergaminho e a mensagem:

-- Não pudemos esperar mais, vamos ao encontro do Rei de Israel. Siga-nos através do deserto.

Artabano entrou no deserto e finalmente chegou em Belém, levando o seu rubi e a sua pérola para oferecer ao Rei. Mas as ruas da pequena vila. pareciam desertas. Pela porta aberta de uma casinha pobre, Artabano ouviu a voz de uma mulher cantando suavemente. Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu bebé.

Três dias passados Ela falou-lhe sobre os três magos que estiveram na vila a que disseram terem sido guiados por uma estrela ao lugar onde José de Nazaré, sua esposa Maria, e o seu bebé Jesus estavam hospedados. Eles trouxeram prendas de ouro, incenso e mirra para o menino. Depois, desapareceram tão rapidamente quanto apareceram. E a família de Nazaré também saiu à noite, em segredo, talvez para o Egito.

O bebé que estava nos seus braços fitou o rosto de Artabano e sorriu-lhe e estendeu-lhe os seus bracinhos.

A Jovem mãe colocou o bebê no leito e preparou um almoço para o estranho hóspede que veio à sua casa. Subitamente, ouviu-se uma grande comoção nas ruas: gritos de dor, o chorar de mulheres, tocar de trombetas e o clamor:

-- Soldados! os soldados de Herodes estão a matar as nossas crianças!

A jovem mãe, branca de terror, escondeu-se no canto mais escuro da casa, cobrindo o filho com o seu manto para que ele não acordasse e chorasse.

Mas Artabano colocou-se em frente à porta da casa impedindo a entrada dos soldados. Um capitão aproximou-se para afastá-lo. A face do rei mago estava calma como se estivesse a observar as estrelas. Fitou o soldado e disse-lhe:

-- Estou sozinho aqui e à espera para dar esta joia ao prudente capitão que vai deixar-me em paz.

E mostrou o rubi brilhando na palma da sua mão como uma grande gota de sangue.

Os olhos do capitão brilharam com o desejo de possuir tal joia!

- Marchem, avancem, pois não há criança aqui!” Gritou aos seus soldados.

E Artabano voltando-se para os Céus rezou:

-- Deus da Verdade, perdoa o meu pecado! Eu disse uma coisa que não era, para salvar uma criança. E duas das minhas dádivas já se foram. Dei aos homens o que havia reservado para Deus. Poderei ainda ser digno de ver a face do Rei?

E Artabano prosseguiu na sua procura entre as pirâmides do Egito, em Heliopólis, na nova Babilónia às margens do Nilo… Numa humilde casa em Alexandria, procurou o conselho de um velho rabi que lhe falou das profecias e do sofrimento do Messias prometido e rejeitado pelos homens. E lembrou-se que o Rei que procurava não O ia encontrar num palácio ou entre os ricos e poderosos, mas entre os pobres e os humildes, os que sofrem e são oprimidos.

E Artabano passou por lugares onde a fome era grande. Fez a sua morada em cidades onde os doentes morriam na miséria. Visitou os oprimidos nas prisões subterrâneas, os escravos nos mercados de escravos…

Em toda a população de um mundo cheio de angústia ele não achou ninguém para adorar, mas muitos para ajudar! Ele alimentou os que tinham fome, cuidou dos doentes, e confortou os prisioneiros… E os anos passaram… 33 anos.

E os cabelos de Artabano já não eram pretos, eram brancos como a neve nas montanhas. Velho, cansado e pronto para morrer era ainda um peregrino à procura do Rei de Israel e agora em Jerusalém onde tinha estado muitas vezes na esperança de achar a família de Belém.

Os filhos de Israel estavam agora na cidade santa para a festa da Páscoa do Senhor e havia uma agitação e excitamento singular. Vendo um grupo de pessoas da sua terra, Artabano perguntou-lhe o que se passava e para onde o povo se dirigia.

-- Para o Gólgota! Dois ladrões vão ser crucificados e com eles, um homem chamado Jesus de Nazaré, que dizem ter feito coisas maravilhosas para o povo. Mas os sacerdotes exigiram a Sua morte, porque disse ser o Filho de Deus. Pilatos O condenou a ser crucificado porque disseram ser Ele o Rei dos Judeus - responderam-lhe.

-- Os caminhos de Deus são mais estranhos do que o pensamento dos homens, pensou Artabano. “Agora é o tempo de oferecer a minha pérola para livrar da morte o meu Rei!”

Ao seguir a multidão em direção ao portal de Damasco, um grupo de soldados apareceu arrastando uma jovem rapariga com vestes rasgadas e o rosto cheio de terror.

Ao ver o mago, a jovem reconheceu-o como da sua própria terra e libertando se dos guardas atirou-se aos pés de Artabano:

-- Tende piedade! Pelo Deus da pureza, salvai-me! Meu pai era mercador na Pérsia, mas faleceu e agora serei vendida como escrava para pagar seus dívidas! Salvai-me!

Artabano tremeu. Era o velho conflito da sua alma entre a fé, a esperança e o impulso do amor. Duas vezes as dádivas consagradas foram dadas para a humanidade. E agora? Uma coisa ele sabia:

-- Salvar essa jovem indefesa era um gesto de amor. E não é o amor a luz da alma?

Ele tirou a pérola de junto do seu coração. Nunca ela pareceu tão luminosa! Colocou-a na mão da jovem:

-- Este é o teu pagamento, o último dos tesouros que guardei para o Rei!

Enquanto ele falava uma escuridão profunda envolveu a terra que tremeu consultivamente! Casas caíram, os soldados fugiram, mas Artabano e a jovem protegeram-se debaixo do telhado sobre as muralhas do Pretório.

-- O que tenho a temer? - pensou. E para quê viver? Não tenho mais esperança de encontrar o Rei, a procura terminou, eu falhei.

Mas mesmo esse pensamento trouxe-lhe paz, pois sabia que tinha vivido cada dia da sua vida da melhor maneira que soube. Se tivesse que viver de novo a sua vida não poderia ser de outra maneira.

Mais um tremor de terra e uma telha desprendeu-se do telhado e feriu o velho mago na cabeça. Repousou no chão e deitou a cabeça nos ombros da jovem com o sangue a escorrer do ferimento.

Ao debruçar-se sobre ele, ela ouviu uma voz suave, como música vindo da distância. Os lábios de Artabano moveram-se como em resposta e ela escutou o que o velho mago disse na sua própria língua:

-- Não meu Senhor! Quando Vos vi com fome e Vos dei de comer? Ou com sede e Vos dei de beber? Ou quando Vos vi enfermo ou na prisão e fui visitar-Vos?

Por 33 anos, procurei-Vos, mas nunca vi a Vossa face, nem Vos servi, meu Rei!

E uma voz suave fez-se ouvir, mas desta vez dos Céus. A jovem também compreendeu as palavras: “Em verdade, em verdade vos digo que quando o fizeste a um destes meus irmãos a Mim o fizeste!”.

Uma alegria radiante iluminou a face calma de Artabano. Um suspiro longo e aliviado saiu dos seus lábios. A viagem para ele tinha terminado. O quarto mago compreendeu que tinha encontrado o seu Rei durante toda a sua vida!

Henry Van Dyke