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domingo, 21 de outubro de 2012

Aforismos



Não é sábio o que sabe muitas coisas, mas sim o que sabe coisas úteis.
O homem julga-se sempre superior ao que é, e estima-se muito menos do que vale.
Aquele que despreza o pobre, insulta o seu criador; e o que se alegra com a ruina de outrem, não ficará impune.
Até o insensato passará por sábio, se estiver calado; e por inteligente se cerrar os lábios.
Quando a alma está agitada, o repouso do corpo é um suplício.
O arrependimento é um novo batismo.
O receio de fazer ingratos, não dispensa de fazer bem.
A melhor maneira de guardar um segredo é esquecê-lo.
O coração contente alegra o semblante; com a tristeza da alma se abate o espírito.
O temor do Senhor é a disciplina da Sabedoria; e a humildade precede à glória.
Mais vale ser humilhado com os mansos, do que repartir os despojos com os soberbos.
Bem como a prata se prova ao fogo, e o ouro no crisol, assim o Senhor prova os corações.

O mendigo insultado nunca se vingou



 
O favorito de um sultão atirou uma pedra a um pobre, que lhe pedia esmola. O infeliz ultrajado não se atreveu a dizer palavra: apanhou a pedra e guardou-a, prometendo, cedo ou tarde, quando se lhe oferecesse ocasião, atirar com ela naquele homem soberbo e cruel.

Passado algum tempo, foram dizer-lhe que o favorito perdera a graça do sultão, e que, por ordem deste era conduzido pelas ruas montado num camelo e exposto aos insultos da populaça. A esta notícia, o mendigo correu a buscar a pedra, mas depois de um momento de reflexão, foi lança-la num poço.

-- Agora conheço, disse ele, que ninguém deve vingar-se. Quando o nosso inimigo é poderoso, é imprudência fazê-lo. Quando é infeliz, torna-se vileza e crueldade.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Beato P. Antonio Rosmini, “profeta” que sentiu cem anos antes os problemas tratados no Concílio



Conselheiro dos Papas Pio VIII, Gregório XVI e Beato Pio IX, missionário desvelado, defensor da Igreja e da fé, António Rosmini nasceu em Rovereto no dia 24 de Março de 1797 e faleceu em Stresa a 1 de Julho de 1855, dedicando a sua vida aos estudos de filosofia, política, ascética e pedagogia.

O espírito sacerdotal resplandeceu nesse ministro do Altar. Ao terminar os estudos jurídicos e teológicos na Universidade de Pádua, recebeu a Ordenação sacerdotal em 1821 e tornou-se um pároco exemplar em Rovereto, sua cidade natal. Depois foi cónego de Milão, incansável atleta de Cristo, sacerdote modelar e polemista incomparável. Foi escritor de fecundidade famosa, de estilo elegante e profundo, amigo íntimo do poeta Alessandro Manzoni.

Imediatamente demonstrou grande interesse e inclinação para os estudos filosóficos, encorajado neste sentido pelo Papa Pio VIII, que lhe pedira para conduzir os homens à religião através da razão, e mais de uma vez colocou-se contra enganadores e falsos movimentos de pensamento como o sensismo e o iluminismo.

Político profundo, ao lado de Gioberti intentou uma concordata do Rei Carlos Alberto da Sardenha com Pio IX. Pio IX nomeou-o ministro da instrução, cargo que não aceitou. Quando em 1848 o Santo Padre se refugiou em Gaeta, Rosmini aconselhou-o a permanecer em Benavento, onde reinava absoluta calma. 

Depois retirou-se completamente do campo da Política.

A filosofia atraiu-o poderosamente, pretendendo harmonizar as doutrinas Kantianas com Santo Agostinho e São Tomás. A Santa Sé condenou em 1849 dois livros seus: “Constituição segundo a Justiça social” e “Cinco chagas da Igreja", por decreto de 12 de agosto. Rosmini submeteu-se publicamente. Depois de sua morte foram condenadas 40 proposições extraídas das suas obras.

Em 1828 fundou o Instituo da Caridade e o das Irmãs da Providência, “idealizados e queridos como ambientes propícios à formação humana, cristã e religiosa de quantos tinham partilhado o mesmo espírito, adaptando-se às contingências históricas, civis e culturais do seu tempo. Na audiência de 12 de Janeiro de 1972, Paulo VI definiu-o "profeta", que em antecipação de um século sentiu e indicou problemas da humanidade e pastorais, debatidos depois no Concílio Vaticano II.

A sua obra "As cinco chagas da Santa Igreja" é considerada precursora dos temas conciliares. Uma delas fazia o Beato P. António Rosmini sofrer demais:  a separação entre fiéis e clero durante as funções litúrgicas, pela impossibilidade dos primeiros seguirem as orações formuladas em latim, adiantando a proposta de seguir as línguas próprias de cada povo. Devido à novidade de algumas suas ideias sobre a reforma da Igreja, a obra foi, como acima referido, posta no Índex em 1849, com todas as polémicas que se seguiram.

Somente com João Paulo II ocorreu a completa reabilitação da sua figura. Na carta encíclica Fides et ratio, o predecessor de Bento XVI colocou Rosmini "entre os pensadores mais recentes nos quais se realiza um fecundo encontro entre saber filosófico e palavra de Deus", concedendo a introdução da causa de beatificação.

Precedentemente também João XXIII fez o retiro espiritual sobre as Máximas de perfeição cristã de Rosmini, idealizadas para definir o fundamento espiritual sobre o qual todos os cristãos pudessem garantir um caminho na perfeição, assumindo-a como própria regra de comportamento.

Também Paulo VI não foi indiferente ao pensamento do Beato P. António Rosmini: por ocasião do 150º aniversário de fundação do Instituto da Caridade, enviou uma mensagem ao então Padre-Geral, na qual elogiava a intuição rosminiana ao dar importância à missão caritativa já no nome que designava o instituto. O seu sucessor, João Paulo I, formou-se em Teologia Sagrada na Universidade Gregoriana de Roma com uma tese sobre "A origem da alma humana segundo António Rosmini".

A Congregação do Instituto da Caridade foi fundada em 1828 no Santuário do Monte Calvário em Domodossola, com a aprovação pontifícia de Gregório XVI em 1839. Formado por sacerdotes e leigos com votos simples e perpétuos, mas também por religiosos e bispos "adscritos", o organismo nasceu com uma finalidade muito precisa: o exercício da caridade universal, união daquelas formas que Rosmini enumera como "caridade espiritual", "caridade intelectual" e "caridade temporal". Uma ordem, contudo, susceptível de mudanças de acordo com as exigências expressas pelo próximo. Sucessivamente, em 1832, foram fundadas as Irmãs da Providência, cujo carisma é o mesmo do ramo masculino.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A luz de Claudel continua a brilhar



Nascido em Villeneuve-sur-Fère, a 6 de agosto de 1868,numa família indiferente em matéria religiosa, Louis Charles Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper, mais conhecido pelo seu nome artístico de Paul Claudel, cedo se deixou prender pelos laços do materialismo, tão em voga na época em que viveu.

O primeiro choque sofreu-o quando lhe vieram parar às mãos as “Illuminations” e, alguns meses depois, “Une saison en enfer” de Rimbaud.

Durante as cerimónias do Natal de 1886 na Catedral de Notre Dame de Paris, Claudel, que tinha entrado para encontrar motivos artísticos para as suas composições literárias, para do lado direito, ao fundo, junto  da segunda coluna. Subitamente teve fé, acreditando em um Deus pessoal, transcendente, afável e paternal.

Vinha ao encontro de Claudel esse Deus que ele em criança conhecera e na mocidade desvairada nunca mais recordara. Este choque, maior que o de Rimbaud, havia de repercutir-se na sua vida inteira.

Apesar de ter pensado em dedicar-se à vida monástica, como beneditino, Claudel acabou por entrar para o corpo diplomático da França, em que serviu de 1893 a 1936. 

Ao se retirar da vida pública, recolhido no seu castelo de Brangues, intensificou os seus escritos.
A obra de Claudel é de um lirismo encantador, de uma força e amplidão que só Vitor Hugo atingiu. Reveste-a um caráter de universalidade que o escritor aprendeu no contacto direto com os homens espalhados por todas as partes da terra.

Foi, porém, no género dramático que o génio de Claudel melhor se realizou.

Os personagens dos seus dramas movem-se entre o Céu e a Terra. De um lado os esplendores celestes, do outro a sedução constante das misérias terrenas. Alegria verdadeira, só a possui quando neles a graça venceu a natureza.

Isto não quer dizer que lhes falte a verdade psicológica. É quando nos múltiplos problemas  exigências da vida se debatem que se lhes apresenta a ansiedade da salvação eterna. Claudel entrou na imortalidade concedida por Deus aos seus filhos e recebeu, já neste mundo, essa glória dos homens que tanto custo a chegar. 

A paixão pela Bíblia, livro que sempre amou, desde os primeiros anos da conversão, com ele morreu, depois de o ter consolado nos longos anos da velhice, pois o escritor viria a morrer aos 86 anos, em 1955.

Compete a nós católicos tornar conhecida a obra de um filho ardente e obediente da Igreja, de um escritor e poeta que soube encarar e cumprir a missão de reconduzir os homens a Deus, através das coisas criadas.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Das armas ao convento: a vida de Frei Luís de Sousa



Frei Luís de Sousa

Manuel de Sousa Coutinho, autor da vida do Beato Frei Bartlomeu dos Mártires é uma das estrelas de primeira grandeza, que brilham no firmamento dos grandes mestres da língua portuguesa. A clareza serena, suave e elegante do seu estilo e a fluência natural e espontânea da sua linguagem, fazem do quarto filho de Lopo de Sousa Coutinho, militar valente e um dos muitos que escreveram páginas gloriosas sobre a epopeia portuguesa em terras orientais, e de D. Maria de Noronha, dama da rainha D. Catarina, um dos melhores prosadores lusitanos.

Nascido em 1555, em Santarém, a vida de Manuel de Sousa Coutinho, ou Frei Luís de Sousa, como se chamava em religião, é uma destas existências agitadas e aventurosas, cheias de romanesco, aureoladas de sonhos fantásticos e carregadas de tragédias. Teria encetado, por algum tempo, os estudos universitários em Coimbra; mas, talvez depois da morte inesperada do pai, trespassado pela espada ao desmontar, cedo o vemos seguir a carreira das armas.

Aos 22 anos, navegando numa galé para Malta, onde pretendia alistar-se na Ordem de Malta, foi capturado pelos corsários na Sardenha e conduzido a Argel. No cárcere teve a ventura de conhecer Miguel Cervantes, o famoso autor de Don Quixote de la Mancha, de quem se tornou íntimo. Resgatado em 1577, resolve voltar à Pátria, todavia demora-se em Valência e aí trava amistosas relações com o humanista espanhol Jaime Falcão. Considerando-o como um mestre a quem devia todo o seu saber, nomeadamente o conhecimento da arte poética de Horácio, edita a obra do espanhol, intitulada Ópera Poética.

De volta a Portugal, depois da tremenda derrota de Alcácer Quibir, onde morreu o rei D. Sebastião, que não deixou herdeiro, e quando sobre a nação pairava a nuvem sombria da incerteza e da traição, contraiu matrimónio em 1583 com D. Madalena de Vilhena, viúva de D. João de Portugal, filho de D. Manuel de Portugal, a quem Luís de Camões endereçou a Ode VII como gratificação pelo patrocínio à publicação de Os Lusíadas, morto cinco anos antes em terras africanas.

Nomeado capitão-mor de Almada, ali fixou residência numa esplêndida moradia onde costumava veranear. Entretanto, uma peste começa a flagelar a Capital, e os Governadores do Reino deixam Lisboa e vão-se instalar naquela vila, requisitando a casa de Manuel de Sousa Coutinho. Este, ferido por esta acintosa atitude, lançou-lhe o fogo, exclamando: “Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos e excelentes Governadores destes Reinos”.

Desde este ato de intrepidez, a sua misteriosa vida reparte-se ainda por terras de Espanha e da América do Sul, muito provavelmente no Perú. Até que, regressando a Portugal, resolveu, por consentimento mútuo com a esposa, ingressar na religião, professando a 8 de Setembro de 1614, indo ele para o convento de São Domingos de Benfica e ela para o do Sacramento, tomando o nome de Sóror Madalena das Chagas. Esta separação dos dois esposos, talvez motivada pela morte da única e estremecida filha D. Ana de Noronha, despertou um tão forte interesse explicativo que veio a engendrar a obra-prima do teatro garretano – Frei Luís de Sousa, - cuja historicidade é bastante contestada.

Cortados os laços das mundanas vaidades e vivendo com os olhos em Deus na austeridade de um convento dominicano, Manuel de Sousa Coutinho (agora Frei Luís de Sousa) exerceu com desvelo o cargo de enfermeiro, o único que considerava digno da sua baixeza, e procurou trilhar, com humildade, pelas vias da santidade.

Mas o homem põe e Deus dispõe. Em 1616 falecia o cronista da Ordem, Fr. Luís de Cácegas, deixando um grande número de apontamentos e informes desarrumados. Frei Luís de Sousa é encarregado de pôr em “ordem e estilo” todo aquele precioso manancial.

A tarefa era árdua não só para quem já entrava na casa dos sessenta, mas ainda para quem, como ele, desejava sepultar no esquecimento do mosteiro toda influência do mundo. No entanto, obedece. O antigo humanista, agora oculto sob o hábito grosseiro e austero, ia revelar-se o “mais perfeito prosador da língua”, na expressão de Almeida Garret, ou “o principal entre os nossos escritores clássicos” como o considera Alexandre Herculano, que classifica de “maravilhoso o seu estilo”.

Efetivamente, o autor da Vida do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires, da vida de S. Domingos e dos Anais de D. João III, é bem o modelo acabado do prosador, onde não cabe mais nada a fazer senão admirar, tanto a elegância da linguagem e simplicidade da forma, como o encanto das descrições e a propriedade de imagens. Em pleno período barroco, numa época em que o gogorismo dominou e manchou os grandes escritores do século, Fr. Luís de Sousa conseguiu ilibar-se desse modo contrafeito de escrever, onde a clareza da ideia é sacrificada à exuberância de elementos ornamentais.

Tinha razão o seu biógrafo D. Francisco Alexandre Lobo, bispo de Viseu, ao traçar o seguinte elogio: “em toda a parte procedeu como a corrente serena, que caminha sempre igual, sem topar em penedos e se despenhar em catadupas”.