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domingo, 14 de outubro de 2012

Precisamos urgentemente de novos apologistas e reevangelizadores!



Quando o cristianismo começava a difundir-se pelo mundo, qual grão de mostarda que semeado dá origem a uma frondosa árvore, inimigos seus apareceram, procurando travar-lhe o passo. Não olhando a pessoas nem a coisas, o ódio ao cristianismo arquitetava toda a sorte de tramas e cruéis tormentos para o massacre dos valorosos defensores da fé. Os cristãos eram apresentados no circo, em cuja arena morriam despedaçados pelos dentes das feras; eram crucificados e, banhados em óleo, ardendo como tochas, outros eram presos e finalmente decapitados. O simples pretexto de que era uma nova religião, contrária à religião do Estado era motivo de captura.
Grandes luminares do Cristianismo de então se levantaram contra a injustiça e a calúnia. A golpes de pena, de lógica nos seus raciocínios, belamente expostos no seu “Apologeticum” insurgiu-se, por exemplo, Tertuliano.

Com as perseguições surgem também os primeiros escritos anticristãos. As suas doutrinas adulteram e mais ainda negam as verdades da Igreja. Insurgem-se contra supostos crimes cujos delinquentes eram os cristãos. Se a religião cristã preceitua o crime, e induz os seus seguidores a comer e beber o Sangue de Cristo, é forçoso destruí-la. É a vez de sair à liça e à luz do dia a verdade. “Não se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire” (Mt 5, 15).

Servindo-se da sua cultura superior e firmados na robustez da sua fé, surgem então homens que nos deixam as mais belas páginas da doutrina cristã tão importantes no estudo do dogma católico: as apologias. As calúnias forjadas por espíritos avessos ao cristianismo minavam as inteligências de muitos e lançavam-nas na dúvida.

Ao longo destes vinte e um séculos já percorridos depois do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, o ódio de morte à Igreja não desarmou. Numa parte do mundo continua a perseguição; noutra a calúnia.

Olhando para o mundo anuímos na sua materialização. Os problemas na ordem do dia, as crises, dizem respeito, simplesmente, ao aspeto económico, político e social. Procurando as causas dos males, esquece-se uma que é a principal: a ausência de Nosso Senhor Jesus Cristo na sociedade.
Percorre-se a galeria dos grandes vultos que dirigem o mundo, e das figuras notáveis que, pela palavra escrita ou falada, orientam a opinião pública. Por muito otimistas que sejamos, temos de reconhecer que são poucos, desoladoramente poucos os homens que possuem conhecimento sério da doutrina de Cristo e menos ainda aqueles que, tendo-a na inteligência, a conservam no coração, para que os seus atos sejam em tudo projeção luminosa da fé cristã.

Triste realidade, mas… realidade! Jesus Cristo continua a ser o grande desconhecido dos nossos dias. Ao mundo que dramaticamente sofre por falta de luz sobrenatural na inteligência e de vida divina na alma, urge anunciar a mensagem cristã, o Evangelho.
A prosa suave e encantadora de Renan, de Strauss, traçou um Cristo muito deformado, não vendo em Nosso Senhor senão um homem superior que por hábeis engenhos e fraudes alucinava e enganava a população! É preciso difundir a verdadeira fisionomia de Jesus Cristo e o seu Evangelho.
Quando se visita não só o nosso país, mas toda a Europa, encontram-se formosíssimas igrejas e catedrais que atestam uma crença que existiu, mas que, infelizmente, se apagou ou escureceu. Espalhados pelos campos, em muitas aldeias, despontam numerosas capelas erigidas por gente que outrora compreendia o que é amar e servir a Deus.
Hoje, em torno da maioria delas ronda o ceticismo. Por dentro aridez e gelo, quando não é suspeição e ódio. Apagou-se nos espíritos a luz viva da fé e nos corações a chama de um amor puramente cristão. Povoações que com verdade e justiça foram reputadas fervorosas, com um passado glorioso, jardim de tantas vocações, por forças de doutrinas corruptoras e de desvairadas provocações do vício, por vezes originadas por quem dirige e tem obrigação de orientar, vieram tornar-se terríveis centros de perseguição e indiferentismo religioso.
Quantos homens por este mundo fora vegetam, morrem à míngua de Cristo porque não o conhecem ou não o querem conhecer?

São precisos novos apologistas, urgentemente! Contudo, o perfil destes novos defensores da fé e reevangelizadores do mundo deve obedecer a critérios específicos: “o mundo de hoje precisa de pessoas que anunciem e testemunhem que é Cristo quem nos ensina a arte de viver, o caminho da verdadeira felicidade, porque é Ele mesmo o caminho da vida; pessoas que tenham elas mesmas, antes de tudo, o olhar fixo em Jesus, o Filho de Deus: a palavra do anúncio deve estar sempre imersa numa relação profunda com Ele, numa vida intensa de oração. O mundo de hoje precisa de pessoas que falem com Deus, para poder falar de Deus” (Papa Bento XVI, Discurso 15 de Outubro de 2011).

sábado, 13 de outubro de 2012

Indulgências plenárias para o Ano da Fé



O Papa Paulo VI proclamou em 1967 um primeiro Ano da fé, para recordar o décimo nono centenário do martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo.
O segundo Ano da Fé, proclamado pelo Papa Bento XVI, irá de 11 de Outubro a 24 de Novembro de 2013 e está “particularmente dedicado à profissão da fé verdadeira e à sua interpretação recta com a leitura, ou melhor, a piedosa meditação das Actas do Concílio e dos Artigos do Catecismo da Igreja Católica, publicado pelo Beato João Paulo II, trinta anos após o início do Concílio, com a intenção clara de «induzir os fiéis a aderir melhor a ele e a promover o conhecimento e a aplicação do mesmo»”.
Para enriquecer com o dom de sagradas indulgências uma série de práticas especiais de piedade a serem realizadas durante este tempo, a Penitenciaria Apostólica apresentou um decreto, dando “a todos os fiéis a «oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado... nas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro; nas [suas] casas e no meio das [suas] famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo».
Além disso, todos os fiéis, individual e comunitariamente, serão chamados a dar testemunho aberto da sua fé diante dos outros, nas circunstâncias peculiares da vida quotidiana: «A própria natureza social do homem exige que ele exprima externamente os actos religiosos interiores, entre em comunicação com os demais em assuntos religiosos e professe de modo comunitário a própria religião» (Decl. Dignitatis humanae, 7 dic. 1965: AAS 58 [1966], 932).
Dado que se trata antes de tudo de desenvolver ao máximo nível — na medida do possível nesta terra — a santidade de vida e de alcançar, portanto, no grau mais alto a pureza da alma, será muito útil o grande dom das Indulgências que a Igreja, em virtude do poder que lhe foi conferido por Cristo, oferece a todos os que, com as devidas disposições, cumprirem as prescrições especiais para as obter. «Com a Indulgência — ensinava Paulo VI — a Igreja, valendo-se do seu poder de ministra da Redenção levada a cabo por Cristo Senhor, comunica aos fiéis a participação desta plenitude de Cristo na comunhão dos Santos, oferecendo-lhes em grandíssima medida os meios para alcançar a salvação» (Carta Ap. Apostolorum Limina, 23 de Maio de 1974: AAS 66 [1974] 289). Assim se manifesta o «tesouro da Igreja», do qual constituem «um desenvolvimento ulterior também os méritos da Bem-Aventurada Mãe de Deus e de todos os eleitos, desde o primeiro justo até ao último» (Clemente VI, Bula Unigenitus Dei Filius, 27 de Janeiro de 1343).
A Penitenciaria Apostólica, que tem o múnus de regular o que diz respeito à concessão e ao uso das Indulgências, e de estimular o espírito dos fiéis a conceber rectamente e a alimentar o desejo piedoso de as obter, solicitada pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, em consideração atenta da Nota com indicações pastorais para o Ano da fé, da Congregação para a Doutrina da Fé, com a finalidade de alcançar o dom das Indulgências durante o Ano da fé, estabeleceu as seguintes disposições, emitidas em conformidade com a mente do Augusto Pontífice, para que os fiéis sejam mais estimulados ao conhecimento e ao amor pela Doutrina da Igreja Católica e obtenham frutos espirituais mais abundantes.
Ao longo de todo o Ano da fé, proclamado de 11 de Outubro de 2012 até ao fim do dia 24 de Novembro de 2013, poderão alcançar a Indulgência plenária da pena temporal para os próprios pecados, concedida pela misericórdia de Deus, aplicável em sufrágio pelas almas dos fiéis defuntos, a todos os fiéis deveras arrependidos, que se confessem de modo devido, comunguem sacramentalmente e orem segundo as intenções do Sumo Pontífice:
      1) Cada vez que participarem em pelo menos três momentos de pregações durante as Missões Sagradas, ou então em pelo menos três lições sobre as Actas do Concílio Vaticano II e sobre os Artigos do Catecismo da Igreja Católica, em qualquer igreja ou lugar idóneo;
      2) Cada vez que visitarem em forma de peregrinação uma Basílica Papal, uma catacumba cristã, uma Igreja Catedral, um lugar sagrado, designado pelo Ordinário do lugar para o Ano da fé (por ex. entre as Basílicas Menores e os Santuários dedicados à Bem-Aventurada Virgem Maria, aos Santos Apóstolos e aos Santos Padroeiros) e ali participarem nalguma função sagrada ou pelo menos passarem um tempo côngruo de recolhimento com meditações piedosas, concluindo com a recitação do Pai-Nosso, a Profissão de Fé de qualquer forma legítima, as invocações à Bem-Aventurada Virgem Maria e, segundo o caso, aos Santos Apóstolos ou Padroeiros;
       3) Cada vez que, nos dias determinados pelo Ordinário do lugar para o Ano da fé (por ex. nas solenidades do Senhor, da Bem-Aventurada Virgem Maria, nas festas dos Santos Apóstolos e Padroeiros, na Cátedra de São Pedro), em qualquer lugar sagrado participarem numa solene celebração eucarística ou na liturgia das horas, acrescentando a Profissão de Fé de qualquer forma legítima;
       4) Um dia livremente escolhido, durante o Ano da fé, para a visita piedosa do batistério ou outro lugar, onde receberam o sacramento do Batismo, se renovarem as promessas batismais com qualquer fórmula legítima.
Os Bispos diocesanos no dia mais oportuno deste tempo, por ocasião da celebração principal (por ex. a 24 de Novembro de 2013, na solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo, com a qual será encerrado o Ano da fé) poderão conceder a Bênção Papal com a Indulgência plenária, lucrável por parte de todos os fiéis que receberem tal Bênção de modo devoto.
Os fiéis verdadeiramente arrependidos, que não puderem participar nas celebrações solenes por motivos graves (como, em primeiro lugar, todas as religiosas que vivem nos mosteiros de clausura perpétua, os anacoretas e os eremitas, os encarcerados, os idosos, os enfermos, assim como quantos, no hospital ou noutros lugares de cura, prestam serviço continuado aos doentes), obterão a Indulgência plenária nas mesmas condições se, unidos com o espírito e o pensamento aos fiéis presentes, particularmente nos momentos em que as Palavras do Sumo Pontífice ou dos Bispos diocesanos forem transmitidas pela televisão e rádio, recitarem em casa ou onde o impedimento os detiver (por ex. na capela do mosteiro, do hospital, da casa de cura, da prisão...) o Pai-Nosso, a Profissão de Fé de qualquer forma legítima e outras preces segundo as finalidades do Ano da fé, oferecendo os seus sofrimentos ou as dificuldades da sua vida.

Apontamentos sobre o ideal, a vontade e a autoridade



Santo Agostinho

Sem ideal a vida não tem rumo. Com um ideal sem beleza, a vida não tem elevações.
O ideal é o norte ou a bússola para orientar a vontade e o esforço; a atitude do espírito, a disposição da alma; favorável ao esforço, a decisão é o querer; o exercício quotidiano é a acção, tónico para que o ideal não se esvaia.
A vontade é a força motriz e a razão formal de todo o verdadeiro acto humano. Mais que a inteligência e demais faculdades humanas, ela exerce papel predominante na vida livre e racional do homem.
Que é a inteligência sem vontade? Será mais que uma pérola atirada a uma esquina, da qual ninguém se apercebe? Não, por certo. “Inteligências sem vontades são valores perdidos ou, pelo menos, lamentavelmente diminuídos” (Dom Manuel Trindade Salgueiro, Papel da vontade na Educação, Coimbra, 1934, pag. 52).
E de mãos dadas, a vontade e a inteligência? São um Santo Agostinho de Hipona, um São Tomás de Aquino, um Spinoza, um Newton, um Ozanam, homens que encheram o mundo e os tempos com o seu valor.
Onde buscar o perfeito equilíbrio moral? Em vontades anémicas e movediças? Por certo que não. Não foram assim os nobres exemplos que nos fascinam ao lê-los. Estes foram sim os que mantiveram bem retesado o arco da vontade contra a qual se despedaçaram as rebeliões dos sentidos e da carne.

Aliás, só pela valorização da vontade, o homem consegue dominar e disciplinar o apetite concupiscente. Para se conseguir a vitória da continência absoluta ou na continência matrimonial, na luta entre a razão e os sentidos, só a vontade forte faz inclinar a balança a favor da razão.


Vida comunitária e autoridade
Fosse a nossa vontade suficientemente forte para nos forçar a obedecer com presteza e alegria, e para olhar os nossos irmãos e as comunidades espalhadas por esse mundo de Cristo como santos, e não com sentimentos de indiferença ou até de inimizade, de inimigos que se aborrecem e digladiam debaixo do mesmo tecto, como tantas vezes sucede.
E para que serve a autoridade? Para comandar. E para que serve o comando? Para educar as pessoas dentro da ordem.
E educar é fazer que alguém se desentranhe de si mesmo, e fazer de uma criança um homem, de um homem um cristão, de um cristão um santo, um eleito, quantos os que contraíram o débito da sua personalidade, da sua reputação, da sua religião – e que religião, a cristã! – o débito de bem pensar e bem sentir para bem agir, a uma vida que se vive a todo o momento, que se renuncia a si mesma para que à semelhança do Apóstolo das gentes, se fizesse tudo para todos para ganhar a todos!
Por isso, o autoritarismo prejudica a autoridade. E a autoridade, em última análise, não serve senão para servir.


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Espírito de Quaresma

 
De todos os tempos litúrgicos nenhum há, certamente, mais cheio de ensinamentos, mais rico de admiráveis fórmulas do que os quarenta dias de preparação para as solenidades pascais, que constituem a Quaresma – tempo de penitência, em que as almas se devem purificar para compartilhar das glórias da Ressurreição, já que se animam com Jesus por meio dos sacrifícios do jejum e mais práticas da ascese cristã.

A Quaresma era o tempo da última preparação dos catecúmenos para o Batismo, que lhes era administrado na noite de Sábado Santo para o Domingo de Páscoa. A exemplo dos 40 dias passados por Jesus no deserto para se preparar para a sua missão pública, os catecúmenos preparavam-se para o primeiro Sacramento com seis semanas de jejum e de oração.

Uniram-se-lhes mais tarde, nas intensas orações e nos jejuns, os penitentes públicos, que esperavam ser absolvidos na Quinta-feira Santa; mais tarde ainda, mas não antes do século IV, o jejum das seis semanas anteriores à Páscoa foi estendido a todos os fiéis. Mas como ao Domingo não se jejuava, havia apenas 36 dias de jejum, nos 42 dias que a Quaresma durava. Não faltavam os escrupulosos. Moisés, Elias, os habitantes de Níneve, Jesus Cristo, todos tinham jejuado 40 dias; eles também queriam passar 40 dias no jejum.

No século VII a Santa Igreja alargou a Quaresma mais quatro dias, começando-a, não já no sexto Domingo antes da Páscoa, mas na quarta-feira precedente.

Mas os 40 dias de jejum pareceram ainda pouco a muitos católicos piedosos dos primeiros séculos, especialmente aos anacoretas, que por isso mesmo prolongaram o jejum por 50, 60 e até 70 dias. Havia neste caso, além do jejum quaresmal, um jejum quinquagesimal, sexagesimal e septuagesimal.

Agora a Quaresma está reduzida aos seus antigos termos de 40 dias; e a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II suprimiu a lembrança do antigo jejum prolongado e dos três Domingos que precedem a quarta-feira de Cinzas e tinham o nome de Domingo da Quinquagésima, Sexagésima e Septuagésima, onde eram adotados os paramentos roxos.

A liturgia quaresmal é de penitência. Retiram-se as flores dos altares, os paramentos são roxos, e o acompanhamento musical da celebração, reduzido.

A recordação dos 40 dias que o Mestre passou no deserto penetra o espírito e a letra das fórmulas deste tempo e dá-lhes o caráter dominante e bem definido.

Esta lembrança de Jesus penitente determinou a escolha de tantas e preciosas orações que nos encantam e que a Santa Igreja nos propõe para meditação durante a Quaresma.

Os instantes pedidos do pecador para que se volte da sua iniquidade para o Senhor; as exortações às práticas penitenciais dirigidas às almas para que se purifiquem confiadas na misericórdia divina; as leituras, tão penetradas de doutrina, tiradas do Antigo e Novo Testamento; a escolha dos responsórios, antífonas e hinos, não visam outro fim, senão a uma ascese, a um trabalho mais intenso do cristão, cônscio do seu nada e da miséria a que o reduziram as suas faltas e, portanto, convicto da necessidade de regressar a Deus pelas árduas sendas da penitência.

O primeiro dia da Quaresma é a Quarta-feira de cinzas, assim chamada por causa de uma cerimónia simples, mas tocante. Na véspera queimam-se os ramos de oliveira benzidos no Domingo de Ramos do ano precedente, e juntam-se as cinzas. O sacerdote benze essas cinzas no Altar e depois deita-as sobre a cabeça dos fiéis, ou sobre a fronte, dizendo: “Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás-de voltar” (Gen 3, 19) ou “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15). Bastaria esta cerimónia para nos dar a conhecer, desde o princípio, o espírito que nos há-de guiar, os sentimentos de que nos devemos imbuir.
Todavia, para bem compreendermos como com este espírito e com estes sentimentos se conformam certas leituras, responsórios e outros passos da Sagrada Escritura, reproduzidos na liturgia do tempo, devemos lembrar que dois outros factos e elementos principais inspiram e dominam a Quaresma.

Como acima referimos, a Quaresma er uma preparação dos catecúmenos para o batismo. Para este grande ato, durante 40 dias eram os catecúmenos preparados e expunha-se-lhes o Pai-Nosso, versículo a versículo: explicava-se-lhes o livro do Génesis, a história do mundo e do homem, a obra dos seis dias, e liam-se-lhes outros autores do Velho e Novo testamento, que lhes fizessem conhecer a fé.

A isto se devia a presença no lecionário antigo do milagre que Elias fez a favor do filho da viúva de Sarepta, mostrando como Deus envia o seu projeta não aos judeus, mas aos gentios, que Ele chama para a fé; de José, vendido pelos seus irmãos, imagem de Jesus a quem os seus compatriotas repelem e atraiçoam; vendido para o Egito, o filho de Jacob salva o país estranho, como Jesus, rejeitado pelos seus, se comunica em bênçãos aos gentios; é o filho do pai de família, repelido e desprezado pelos trabalhadores da vinha, símbolo do Salvador, que a Judeia renega, e se vê obrigado a levar os seus benefícios para fora da Sinagoga; é Jacob suplantando o seu irmão primogénito, Esaú, e figurando o povo gentio que é preferido ao judaico; e o pobre Naaman curado da lepra, depois de banhado nas águas salutares do Jordão, que lembra as águas batismais, onde vai ser purificado o catecúmeno; é a admirável liturgia que canta os júbilos do que sai puro e sem mancha do banho da graça, refletindo luz, alegria e santidade; são as duas mães diante de Salomão, recordando uma a Sinagoga e outra a Igreja, verdadeira mãe, toda trêmula de amor por seus filhos…!

O segundo fato que singularmente esclarece o estudo da liturgia quaresmal era que os cristãos, réus de faltas mais graves, tinham de se submeter às árduas e severas penitências, principalmente durante os quarenta dias que precediam a Páscoa.

A Igreja não esquecia as pobres almas, assim sob o rigor da disciplina: no princípio da Quaresma cobria-lhes a cabeça de cinza em sinal de luto e de penitência, recordando-lhes a miséria da vida e o pó de que tinham sido criados, ao qual haviam de voltar – prática que hoje se usa com todos os cristãos. Porém, para não lhes deprimir o espírito, sob um regime de austeridade, a Santa Igreja, como Mãe carinhosa, recorria solicitamente a apresentar as lições de caridade que o Mestre Divino nos legou no Santo Evangelho. Assim era a encantadora parábola que mostra o Bom Pastor todo cuidadoso para com a ovelha tresmalhada, trazendo-a aos ombros para o aprisco; a ressurreição do filho da viúva de Naim, a de Lázaro, que vêm simbolizar-nos o levantamento da morte do pecado para a vida sublime da graça divina. É a história da mulher adúltera conduzida aos pés do Mestre para se lhe cominar o duro castigo da Lei, símbolo das divinas misericórdias para com os infelizes que caíram no mal por fraqueza, mas sinceramente arrependidos.

E sempre a graça de Deus a ressuscitar para a verdadeira vida aquele que pelo pecado a perdera, é o Senhor atraindo pelos divinos laços de uma bondade sem limites, a alma que dele se afastou.
Tais eram os ensinamentos que podíamos haurir nos antigos e nos novos livros litúrgicos, neste tempo, tais são as lições que cada um dos cristãos pode aplicar a si mesmo.

A Santa Igreja conservou até hoje essas admiráveis expressões da piedade antiga principalmente para serem alimento espiritual dos fiéis em todos os séculos.

Ela quer que não nos esqueçamos de que somos pecadores, expostos constantemente às variadas ciladas dos inimigos e por isso têm para os cristãos de hoje, um interesse de atualidade de primeira ordem todas as lições litúrgicas que durante a Quaresma a Santa Igreja põe à nossa consideração quer na Santa Missa quer na Liturgia das Horas.

Embora nos possa parecer que essas lições só se referem aos catecúmenos e penitentes da antiga Igreja, elas dizem respeito a todos, pobres pecadores, que devemos trazer nos lábios os gritos de arrependimento, os apelos à divina clemência, os acentos de gratidão do pecador restituído à graça, que as fórmulas da liturgia deste tempo trazem de uma tão admirável maneira.

Devemos entrar na Santa Quaresma com a mesma convicção, com a mesma intenção da Igreja, refletida na liturgia. Purificação das manchas do pecado e desprendimento de todo o apego desordenado aos bens materiais, temporais e mundanos. Sacrifício de tudo o que pode impedir-nos de subir ao cimo da vida cristã. Renúncia que custará muito trabalho, lutas e sacrifícios. União ao Senhor na Sua vida de renúncia, de lutas e sofrimentos, convencido de que Ele, a Cabeça, vencerá também em nós, seus membros. Quanto mais união a Ele, tanto mais seguros estaremos para participar depois na Páscoa da Sua glorificação, da Sua nova vida.

Ressuscitados com Cristo, viveremos como homens novos servindo de fermento no levedamento da massa.