O exército francês encontrava-se muito reduzido e desanimado naqueles meses que antecederam o final da guerra franco-prussiana. Neste quadro de tristeza, o Padre d’Audiffret, capelão militar, narra um belíssimo fato que atesta a eficácia da proteção de Nossa Senhora aos seus filhos.
A neve cobria a cidade de Faucille, junto dos Montes Jura. As
últimas provisões estavam a ser usadas e os cavalos já começavam a ser abatidos
para servir de alimento para a tropa esfomeada.
De repente, um soldado grita:
- Rápido, capelão! O general pede que prepare um dos nossos
soldados antes que seja fuzilado.
— Mas, meu Deus, fuzilado? O que ele fez?
— Não tenho tempo para lhe explicar, venha.
Primeira intervenção do Céu
O capelão apressa-se e entra no campo preparado para a execução
e pede para abaixarem os fuzis e os canhões que já estavam direcionados sobre o
condenado. Aproximando-se do militar, o sacerdote abraça-o, paternalmente.
— Meu pobre rapaz. Já que a misericórdia dos homens o
abandona, trago-lhe a do Bom Deus. Ofereça à justiça dos homens e à de Deus o
sangue que vai ser derramado e suba para o Céu, a pátria dos arrependidos e dos
bravos.
Enquanto o sacerdote fazia o sinal da Cruz da absolvição,
algumas bombas prussianas começaram a explodir.
De todos os lados, ouviam-se gritos, que saiam do fundo do
coração de pessoas cansadas e aterrorizadas pela guerra:
— Salve-se quem puder! Os Prussianos chegaram!
O capelão permanece impávido ao lado do sargento que tinha as
mãos atadas e os olhos vendados. Devolvendo-lhe a liberdade de movimento e de
visão, disse-lhe:
— Meu amigo, este é um traço da misericórdia divina. Você tem
agora mais tempo para se preparar antes de comparecer diante de Deus.
Depois de permanecer escondido por algum tempo, o sargento
voltou a ser apanhado e seguiu a marcha do exército que se dirigia para Gex, no
departamento do Ain.
Cada batalhão que chegava, apresentava-se na Prefeitura para
receber víveres.
O sacerdote entra no edifício e depara-se com o general que,
tirando o relógio do bolso, lhe indica a sala onde tinha sido transferido o
prisioneiro e disse-lhe:
— Capelão, prepare o rapaz, porque dentro de quinze minutos
ele vai morrer. Já mandei dois homens cavarem uma fossa. Ele será fuzilado na
borda da cova.
O sacerdote dirige-se para junto do sargento, que ao lhe ver
pergunta:
— Senhor Padre, é verdade que vão fuzilar-me?
— Não se iluda, pobre rapaz.
E o soldado confessa-se com um sangue-frio admirável. Em
seguida, levantando-se, exclama:
— Padre, não vou mais ver a minha mãe? Ela ficaria tão
orgulhosa se soubesse que o filho morreu no campo de honra, na batalha! Mas
morrer fuzilado pelos seus companheiros... Não, Padre, isto é muito duro! Por
piedade para com a minha mãe, salve-me!
Num lance de desespero, o militar abre a janela para se
atirar, mas rapidamente se dá conta de que do segundo andar, a morte seria
certa. Voltando-se para os braços do seu único apoio, repete: “Salve-me!
Salve-me!”
— Meu amigo, você me parte o coração! Se eu pudesse,
colocar-me-ia até no seu lugar e morreria por si. Mas tenha a certeza de uma
coisa: O que eu não posso fazer, Nossa Senhora pode. Diga-me, sargento: ama
Maria Santíssima?
— Ah! Senhor Padre, como A amo! Eu sou da cidade d’Ela.
— Mas você é de Nazaré ou da Galileia?
— Não. Sou dos Pirenéus, da cidade de Lourdes.
— Ah! Compreendo. Mas, tem o hábito de rezar a Nossa Senhora?
— Juro que não passei um só dia desta triste guerra sem rezar
a oração “Lembrai-Vos, o píssima Virgem Maria”.
—Como, meu amigo! Você é compatriota de Nossa Senhora e reza a
Ela todos os dias? Então esteja certo de que Ela pode, e espero que Ela queira
salvá-lo. Ajoelhe-se e rezemos juntos o “Lembrai-Vos”. O socorro não tardará!
Segunda intervenção do Céu
Mal acabaram de dizer as palavras: “Mas dignai-Vos de ouvir
propício e alcançar o que Vos rogo”, desta oração infalível, que golpes
precipitados se fazem ouvir à porta.
O soldado compreendera que o quarto de hora tinha expirado e
meio chorando, exclamou:
— Eu vou morrer! Não verei mais a minha mãe!
O capelão abre a porta e um desconhecido apresenta-se:
— Senhor Padre, não ouve o barulho aqui em frente da
Prefeitura?
— Senhor, ouço-o muito bem. Mas permita-me perguntar com quem
tenho a honra de falar.
— Sou o chefe do Tribunal de Gex. A ordem e paz foram
perturbadas e o meu dever é restabelecê-las. A população inteira pede que o
sargento seja libertado. Estas pessoas honestas não querem que o primeiro
sangue derramado aqui seja de um francês. Se esta execução acontecer, o senhor
padre terá de tratar de novas misérias, algo que certamente não quer. Ajude-me,
então, a salvar o sargento.
— Senhor, este é todo o meu desejo, respondeu o sacerdote,
mas, infelizmente, o juramento de honra impede-me de intervir neste caso.
— Então, devemos deixar que o fuzilem?
— Não, Senhor, podemos fazer algo melhor. Vem-me uma ideia:
Peçamos ao comandante encarregado da execução de mostrar a ordem escrita, pois
eu sei que ela não existe e até tem havido muito murmúrio dos soldados sobre
este fuzilamento. Foi num momento de cólera que o general disse ao Comandante:
“Fuzilemos este rapaz!”.
Rapidamente, o magistrado sai da sala e, ao encontrar o
comandante, interpela-o:
— O Senhor tem uma ordem escrita?
— Não, respondeu o comandante.
— Como, o Senhor ousaria fuzilar um homem apenas com uma ordem
verbal? Ou o Senhor apresenta a ordem escrita ou opor-me-ei à execução.
O comandante, que queria escapar do cumprimento da ordem,
dirige-se à sala do General, que se encontrava com os cotovelos apoiados na
soleira da janela, observando com ansiedade o movimento popular e pede-lhe a
ordem escrita.
— Vou já tratar disto, afirma o General.
Absolvição e alegria pela proteção de Nossa Senhora
O Conselho de Guerra foi convocado para examinar o caso e em
poucos minutos acabou por absolver o sargento. Com efeito, o motivo da sua
condenação não merecia nem um quarto de hora de prisão.
Sentindo-se humilhado e descontente, o general enrolando o seu
bigode, manda chamar o capelão.
— Senhor Padre, apesar do dissabor ao ver a minha ordem
revertida, ficaria encantado se fosse o capelão a anunciar ao sargento que ele
foi inocentado.
O sacerdote voltou para junto do prisoneiro, que se encontrava
mais deitado do que ajoelhado e interpelou-o:
— Sargento, o que Nossa Senhora lhe disse durante a minha
ausência?
— O Senhor padre sabe melhor do que eu, respondeu o sargento
com uma voz muito fraca e desanimada.
— Pois bem, meu amigo! Nossa Senhora encarregou-me de lhe
anunciar uma muito boa notícia: você terá muito tempo ainda para se preparar
para morrer.
O Sacerdote não queria anunciar abruptamente a graça obtida,
pois acreditava que a mudança de ânimo muito rápida poderia matar com mais
precisão do que dez balas. Por isso, aproxima-se do prisioneiro e diz-lhe:
— Acompanhe-me por favor.
— Para ser morto?
— Não, meu amigo, dou-lhe a minha palavra de honra e de
sacerdote. Siga-me, por favor.
Tremendo e apoiando os braços no capelão, o sargento chega até
à Praça central, onde estava reunida a multidão, que ansiava ver o condenado.
— É ele ! Ali está o sargento que vai ser fuzilado, ouvia-se
de todos os lados.
— Não ainda, afirmou o capelão, acompanhando com um gesto que
incutia confiança e respeito.
Os dois dirigiram-se para a Capela da Visitação, situada do outro lado da praça. A multidão, ignorando a decisão do Conselho de
Guerra, não compreendia nada desta cena imprevista. Quanto ao sargento, pouco
confiante ainda no que lhe aconteceria, não cessava de repetir:
— Senhor Padre, onde está a levar-me?
Entraram na capela e dirigiram-se para a capela de Nossa
Senhora, enquanto a multidão curiosa invadia o estreito espaço.
— Sargento, coloque-se de joelhos e rezemos juntos o
“Lembrai-Vos”, diante de Nossa Senhora.
Acabada a oração, o sacerdote ajuda o sargento a levantar-se e
diz-lhe:
— Meu amigo, você não vai ser fuzilado. Voltará a ver os
Pirenéus e dirá à sua mãe deste mundo que a sua Mãe do Céu o salvou por causa
da oração do “Lembrai-Vos”, que recita diariamente.
O ex-condenado e o seu consolador saem do lugar sagrado no
meio de aclamações da multidão que a boa notícia deixara muito contente.
— Viva o sargento! Gritava o povo.
— Viva Nossa Senhora que salvou o sargento! Respondeu o
capelão.
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