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domingo, 3 de novembro de 2019

O dinheiro, a honra e a lealdade


Um mercador voltava de uma feira, onde fizera grandes negócios. Colocara as suas belas moedas de ouro numa bolsa de pele e seguiu viagem . Ia assim por vales e montes. Ao chegar à cidade de Amiens, passou diante de uma igreja e, como de costume, entrou para rezar diante da Mãe de Deus. Pousou a bolsa a seu lado e, quando se levantou, distraído, esqueceu-se de a apanhar, partindo assim sem ela.
Existia na cidade um burguês que, ele também, tinha o costume de ir rezar aos pés da Santíssima Virgem. Ajoelhando-se no lugar que o outro acabara de deixar, encontrou a bolsa, selada e guarnecida com um pequeno fecho. Compreendeu logo que a bolsa deveria conter moedas de ouro. E pensou:
- Meu Deus, o que devo fazer? Se mando apregoar pela cidade o que encontrei, não faltará quem a reclame contra todo o direito.
Por isso, decidiu guardar a bolsa num cofre até aparecer alguém que por ela procurasse. Voltou para a casa e, com um pedaço de giz, escreveu na porta: “se alguém perdeu algo, que venha aqui”.
Nesse ínterim, o mercador deu-se conta do seu esquecimento.
- Pobre de mim! – exclamou – perdi tudo. Estou arruinado.
E voltou à igreja na esperança de recobrar o dinheiro perdido, mas a bolsa já lá não estava. Foi ter com o sacerdote, mas este afirmou não ter nenhuma informação.
Perturbado, deixou a igreja e pôs-se a vagar pela cidade. Ao passar pela casa do burguês que tinha encontrado a bolsa, viu as palavras escritas na porta e o burguês debruçado na janela.
Aproximou-se e perguntou:
- Sois vós, senhor, o dono desta casa?
- Sim, senhor, enquanto Deus o permitir. Em que vos posso servir?
- Ah, senhor, por Deus, dizei-me quem escreveu estas palavras na vossa porta.
O burguês fingiu nada saber e respondeu-lhe:
- Senhor, passa por aqui muita gente, sobretudo estudantes que gostam de escrever onde quer que lhes passe pela cabeça. Mas, perdestes algo?
- Tudo o que possuía, respondeu o mercador.
- O que, precisamente?
- Uma bolsa de couro, guarnecida de um fecho e selada, repleta de moedas de ouro, descrevendo com muitos detalhes o fecho e o selo.
O burguês compreendeu sem dificuldade que aquele homem dizia a verdade e conduzindo-o a seu quarto, devolveu-lhe a bolsa.
Ao ver a lealdade do burguês, o mercador ficou todo embaraçado:
- Meu Bom Deus – pensou – não sou digno de possuir esse tesouro. Este honesto burguês é mais digno disso do que eu. Voltando-se para ele, afirmou:
- Senhor, este dinheiro estará melhor colocado nas vossas mãos do que nas minhas. Vo-lo entrego e recomendo a minha vida a Deus.
- Ah, caro amigo, exclamou o burguês, tomai a vossa bolsa, por favor. Dela não tenho nenhum direito.
- Não, disse o mercador, não a mereço. Permita Deus que não a retome.
E fugiu, a correr. O burguês seguiu-o com o passo apressado, gritando:
- Ladrão, ladrão, prendei-o!
Os vizinhos, que o conheciam bem, saíram e detiveram o mercador, conduzindo-o diante do burguês:
-Ei-lo. Mas o que ele vos roubou, perguntaram?
- Senhores, ele quis roubar-me a honra e a lealdade, que conservei por toda a vida.
E contou toda a história aos vizinhos, que obrigaram o mercador a ficar com as suas moedas de ouro.
Fabliaux et contes du Moyen Âge, Classiques Hatier

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