Um
mercador voltava de uma feira, onde fizera grandes negócios. Colocara as suas belas moedas de ouro numa bolsa de pele e seguiu viagem . Ia assim por vales e
montes. Ao chegar à cidade de Amiens, passou diante de uma igreja e, como de
costume, entrou para rezar diante da Mãe de Deus. Pousou a bolsa a seu lado e, quando se levantou, distraído, esqueceu-se de a apanhar, partindo assim sem
ela.
Existia
na cidade um burguês que, ele também, tinha o costume de ir rezar aos pés da
Santíssima Virgem. Ajoelhando-se no lugar que o outro acabara de deixar,
encontrou a bolsa, selada e guarnecida com um pequeno fecho. Compreendeu logo
que a bolsa deveria conter moedas de ouro. E pensou:
- Meu
Deus, o que devo fazer? Se mando apregoar pela cidade o que encontrei, não
faltará quem a reclame contra todo o direito.
Por
isso, decidiu guardar a bolsa num cofre até aparecer alguém que por ela
procurasse. Voltou para a casa e, com um pedaço de giz, escreveu na porta: “se
alguém perdeu algo, que venha aqui”.
Nesse
ínterim, o mercador deu-se conta do seu esquecimento.
-
Pobre de mim! – exclamou – perdi tudo. Estou arruinado.
E
voltou à igreja na esperança de recobrar o dinheiro perdido, mas a bolsa já lá não
estava. Foi ter com o sacerdote, mas este afirmou não ter nenhuma informação.
Perturbado,
deixou a igreja e pôs-se a vagar pela cidade. Ao passar pela casa do burguês
que tinha encontrado a bolsa, viu as palavras escritas na porta e o burguês
debruçado na janela.
Aproximou-se
e perguntou:
-
Sois vós, senhor, o dono desta casa?
-
Sim, senhor, enquanto Deus o permitir. Em que vos posso servir?
- Ah,
senhor, por Deus, dizei-me quem escreveu estas palavras na vossa porta.
O
burguês fingiu nada saber e respondeu-lhe:
-
Senhor, passa por aqui muita gente, sobretudo estudantes que gostam de escrever
onde quer que lhes passe pela cabeça. Mas, perdestes algo?
-
Tudo o que possuía, respondeu o mercador.
- O
que, precisamente?
- Uma
bolsa de couro, guarnecida de um fecho e selada, repleta de moedas de ouro,
descrevendo com muitos detalhes o fecho e o selo.
O
burguês compreendeu sem dificuldade que aquele homem dizia a verdade e
conduzindo-o a seu quarto, devolveu-lhe a bolsa.
Ao
ver a lealdade do burguês, o mercador ficou todo embaraçado:
- Meu
Bom Deus – pensou – não sou digno de possuir esse tesouro. Este honesto burguês
é mais digno disso do que eu. Voltando-se para ele, afirmou:
-
Senhor, este dinheiro estará melhor colocado nas vossas mãos do que nas minhas.
Vo-lo entrego e recomendo a minha vida a Deus.
- Ah,
caro amigo, exclamou o burguês, tomai a vossa bolsa, por favor. Dela não tenho
nenhum direito.
-
Não, disse o mercador, não a mereço. Permita Deus que não a retome.
E
fugiu, a correr. O burguês seguiu-o com o passo apressado, gritando:
-
Ladrão, ladrão, prendei-o!
Os
vizinhos, que o conheciam bem, saíram e detiveram o mercador, conduzindo-o
diante do burguês:
-Ei-lo.
Mas o que ele vos roubou, perguntaram?
-
Senhores, ele quis roubar-me a honra e a lealdade, que conservei por toda a
vida.
E
contou toda a história aos vizinhos, que obrigaram o mercador a ficar com as
suas moedas de ouro.
Fabliaux et
contes du Moyen Âge, Classiques Hatier