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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Evangelização portuguesa na Índia

A fé fez Portugal grande, e ela foi como que a “linfa vital que alimentou a nação lusitana desde o berço, e foi, se não a única, certamente a principal fonte de energia, que elevou a Pátria ao apogeu da sua glória de nação civil e nação missionária ‘dilatando a fé e o império’” (Pio XII, Carta ao Cardeal Patriarca de Lisboa e a todos os prelados portugueses no 8º centenário da fundação de Portugal).

Com este espírito, os missionários e navegantes portugueses espalharam-se por todas as costas, pelo Brasil e por todo o vasto Oriente.

À frente desta empresa grandiosa, encontrava-se o Infante Dom Henrique, que ao mesmo tempo era o Grão-mestre da Ordem de Cristo.

A Santa Sé mostrou-se imediatamente entusiasmada com os empreendimentos portugueses e o Papa Martinho V, em 1418 dirigiu um apelo a toda a cristandade, para que auxiliasse o rei de Portugal na luta contra os sarracenos. Além disso, os Sumos Pontífices deram plenos poderes aos reis de Portugal sobre as terras descobertas e conquistadas. Assim, Nicolau V, na bula Romanus Pontifex de 8 de Janeiro de 1415, além do absoluto domínio sobre essas terras, concedia aos reis de Portugal a faculdade de nelas erigir, fundar e dotar igrejas.

O Papa Calisto III confirmou os poderes dados por Nicolau V, e Sisto IV declarou pela bula Aeterni Regis Clementia de 21 de junho de 1481, que toda a jurisdição e poder espiritual desde o Cabo do Bojador até às Índias pertencia a Portugal (Silva Rego, o Padroado Português do Oriente, pags. 10 e 11).

Além destes poderes e faculdades concedidas aos reis de Portugal, os Papas outorgaram muitos benefícios e graças espirituais àqueles que, ao serviço dos reis de Portugal, se ocupavam nas empresas marítimas.

Em 1506, o Papa Júlio II concedeu indulgência plenária a todos os missionários e demais fiéis, que contritos e confessados, falecessem na Índia ou no seu caminho. Paulo III a pedido do rei de Portugal, concedeu indulgência plenária a todos os portugueses que pedissem a Deus, pelo triunfo das armas lusitanas contra os turcos, que pretendiam tomar a praça de Diu (Breve Pastoralis aeterni de 18 de junho de 1539, corpo Diplomático IV, pag 41, Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal III).

Os Sumos Pontífices continuaram esta cadeia de privilégios e concessões porque viam o grande alcance da obra missionária e cristianizadora de Portugal naquelas longínquas terras, contrabalanceando o mal que o protestantismo nascente ia fazendo na Europa.

Descoberta do caminho para as Índias

Uma armada portuguesa, comandada pelo Conde da Vidigueira, Vasco da Gama, despede-se de Lisboa. Era o dia 8 de julho de 1497.
Sob asas protetoras do auxílio Divino, os novos cruzados – cruzados do mar – embrenham-se no Atlântico com o intuito de dobrar o cabo das tormentas e, pelo Índico adentro, atingirem as famosas terras do Oriente. Na verdade, antes de embarcar, toda a tripulação vai à Igreja de Nossa Senhora de Belém, onde “todos se confessam e recebem o divino e angélico Pão por viático de tão larga, piedosa e incerta navegação (Codice 1646, Egerton – Documentação ultramarina portuguesa, pag 270, Lisboa 1960).

Prantos e pessimismos não faltam, mas há também muita esperança.

Em fins de julho, as Canárias e Cabo Verde já ficam para trás. A 4 de Novembro, os marinheiros avistam terra desconhecida, mas ninguém lhes fornece dados suficientes para poderem concluir onde foram parar. Avançam um pouco mais e vão ter a uma baía – a Baia dos Vaqueiros – onde se demoram perto de duas semanas no convívio com os indígenas e em trocas de amistosos presentes. Esta paragem termina com a agressão inesperada dos nativos e é preciso Vasco da Gama mandar disparar alguns tiros para os assustar, sem lhes fazer dano.

A 8 de Dezembro, fazem-se, novamente, ao largo e depois de uma semana de constante luta contra os caprichos do Atlântico, chegam ao último ponto conhecido dos navegadores portugueses: o Rio do Infante, onde só Bartolomeu Dias tinha chegado. Dali para frente, tudo é novo.

Passam o Rio do Cobre, vencem o Cabo das Correntes, ultrapassam o Rio dos Bons Sinais não demoram a chegar a Moçambique. O Sultão fica admirado com tão imponente visita e, num gesto de verdadeira amizade, põe-lhes 2 pilotos à disposição, que dizem conhecer o caminho até Calecute. Esta oferta, encheu de alegria os homens de Vasco da Gama, pois “já tinham visto gente falar da Índia, mas precisavam de um guia para os levar a ela” (João de Barros, Década, I, pag. 27, Lisboa 1945).

Outra vez tornam mar a dentro e, depois de uma breve paragem na ilha de São Jorge, chegam a Mombaça, em princípios de Abril, onde um grupo de nativos armados procura atrair as naus para junto da terra no intuito frustrado de assaltar a capitânia. Mais algumas semanas de viagem estão em Melinde, onde o Xeque os recebe com mostras de grande satisfação e lhes põe às ordens o célebre piloto que os conduzirá Índico fora, rumo ao velho porto de Calecute.

Um mês passa sobre este acontecimento quando, como que por milagre, começam a despontar num horizonte, não muito longínquo, leves indícios dos altos cumes das cordilheiras dos Gates. Um júbilo imenso invade a armada portuguesa. Chegam às famosas terras da Índia! Era o glorioso 20 de Maio de 1498 e a bandeira da cruz e de Portugal começa a flutuar no extremo Oriente! Os sonhos do grande Henrique de Sagres convertem-se em feliz realidade!

Evangelização e crescimento missionário

Imediatamente após regresso de Vasco da Gama a Portugal, D. Manuel enviou à Índia uma nova armada, mais numerosa, para estabelecer melhor contacto com essa terra tão longínqua e misteriosa.

Na armada seguem os primeiros 8 missionários enviados para a Índia com a intenção de lá estabelecerem missões regulares. Três deles foram massacrados em Calecut, a 16 de Novembro e os restantes chegaram a Cochim no dia 26 do mesmo mês de 1500, e fundaram ali o convento de Santo António e a Igreja de São Francisco, que se tornaram o centro de irradiação para a Ordem em todo o Oriente.

A primeira missa, que se celebrou na Índia por missionários portugueses, foi em Calecut em 1498, por Frei Pero da Covilhã, religioso da Santíssima Trindade, confessor de Vasco da Gama e também o primeiro a receber a coroa do martírio, a 7 de Julho do mesmo ano (J. Monteiro de Aguiar, Cochim, Portugal Missionário, Cucujães, 1929, pag. 05).

Em Cochim, os portugueses tiveram o primeiro contacto mais direto com aquele imenso continente, habitado por uma população onde proliferavam as inúmeras castas do hinduísmo, de mistura com o islamismo, judaísmo e nestorismo, ao qual pertenciam os chamados “cristãos de São Tomé”.
O rei de Cochim logo de princípio se tornou vassalo do rei de Portugal, permitindo a construção de uma fortaleza, e à sombra dela se ergueu uma capela dedicada a São Bartolomeu. Em 1505 chegou a Cochim o primeiro Vice-Rei da Índia, Dom Francisco de Almeida e ali manteve a corte dos Vice-Reis até que Afonso de Albuquerque conquistou Goa pela segunda vez em 25 de Novembro de 1510.
A Cochim cabe a honra de ter sido o berço da fé católica no Oriente e o centro donde irradiou a luz fulgurante do cristianismo para o Sul da Península Hindustânica.
 A cristandade naquela cidade desenvolveu-se de tal maneira, que pouco mais de uma dezena de anos depois da chegada dos portugueses, já contava dez a doze mil batizados.

Com a mudança dos vice-reis para Goa, Cochim começou a ficar em segundo plano.

Em contrapartida, a cidade de Goa tornou-se em pouco tempo grande e populosa, duma população ativa e cosmopolita, para onde convergia todo o comércio da Ásia e Oceania. Ali aportavam navios carregados das mais valiosas mercadorias.

Com a conquista e ocupação dos portugueses, não se registou nenhum choque de civilizações, porque os naturais foram acarinhados e elevados a alto nível económico, social e intelectual. Palácios suntuosos, habitações magníficas, templos esplendorosos, coroaram imediatamente os outeiros citadinos. Pouco mais de meio século, foi o suficiente para que pouca diferença tivesse de Lisboa quanto a pompa, conforto e gozos materiais, sendo comum o provérbio “quem viu Goa não precisa ver Lisboa”. Ao lado de todo este progresso material, os portugueses souberam erguer o suntuoso edifício da religião cristã, pois as populações desde a sua conquista, começaram a ser evangelizados pelos missionários franciscanos. O número de conversões era tão grande, que São Francisco Xavier ao chegar a Goa ficou encantado por a encontrar quase toda cristã, com muitas igrejas (P. António Lourenço Farinha, S. Francisco Xavier, Torres Novas, 1950, pag. 53).

Nesta altura, as paróquias e comunidades já existentes na Índia eram governadas por um Vigário Geral, dependente do Vigário de Tomar, sede da Ordem de Cristo, até 1514, passando então a depender do Bispo do Funchal.

Em 1532 foi nomeado Vigário Geral da Índia o Padre Dr. Miguel Vaz Coutinho, do clero secular, sacerdote de vida austera, abrasado de fé, dotado de energia invulgar e com alma forte de apóstolo (P. António Lourenço Farinha, S. Francisco Xavier, Torres Novas, 1950, pag. 135). Este homem excecional conseguiu impulsionar a cristianização em Goa e regiões circunvizinhas.

Os missionários, notando a escassez de obreiros evangélicos, desde a primeira hora se empenharam na preparação de jovens indígenas, com o intuito de mais tarde serem seus auxiliares valiosos, como catequistas ou sacerdotes. Graças a esses esforços pode Dom Fernando Vaqueiro, “bispo de anel”, quando da sua passagem pela Índia em 1532, ordenar alguns naturais.

Mas a atividade missionária não se limitou só a Cochim e a Goa, mas espalhou-se por todo o Oriente.
Em Cananor, cidade visitada por Frei Pero da Covilhã em 1489 e por Vasco da Gama em 1498, tinha em 1500 uma dezena de sacerdotes do clero secular e em 1523 os cristãos já ultrapassavam os setecentos e as condições de evangelização foram melhorando com a ida de mais cinco missionários.
Cranganor logo em 1502 colocou-se debaixo da proteção do rei de Portugal. Ali a evangelização desenvolveu-se, sobretudo, entre os chamados “cristãos de São Tomé”. Afonso de Albuquerque mandou o padre indiano Antonio da Costa a Lisboa, para aprender a pregar e se instruir melhor nas verdades católicas. Igualmente mandaram para Lisboa alguns jovens para ali receberem a conveniente formação.

Em São Tomé de Meliapor, desde 1523 e em Ceilão desde 1520, os missionários trabalharam ardorosamente pela implantação do reino de Deus, não obstante as tremendas dificuldades encontradas. O mesmo acontecia ao norte de Goa, em Chaul, onde funcionava uma paróquia portuguesa desde 1521.

 Em Malaca, cidade conquistada por Afonso de Albuquerque em 1511, formou-se um centro notável de irradiação do Evangelho para todo o Extremo Oriente.

As Molucas também começaram a ser evangelizadas em 1522 com pessoas de Goa.

Em Ormuz, existia igualmente um núcleo cristão florescente.

Era este o panorama geral dos principais centros missionários no Oriente, todos eles dependentes de Goa, desde a criação desta como diocese em 31 de Janeiro de 1533 por Clemente VII e confirmada por Paulo II a 3 de Novembro de 1534. O seu primeiro bispo, Dom João de Albuquerque, só chegou a Goa em 1538, tomando oficialmente posse a 25 de Março de 15398. A diocese de Goa abrangia todas as paróquias ou comunidades existentes ou futuras, desde o Cabo da Boa Esperança até a China.

Primeiros grandes desafios: Castas, escravatura e sari

Um dos problemas mais difíceis de se resolver, que se depararam os portugueses ao chegarem à Índia e ao contactarem os indígenas, foi o das castas.

O imenso número de castas existentes, sobressaíam pela quantidade os brâmanes e os párias ou intocáveis, que estavam no polo oposto com referência aos primeiros. Os párias, propriamente, nem sequer pertenciam a casta nenhuma e de tal maneira eram desprezados pelos das outras castas, que não podiam aproximar-se nem ter relações sociais com eles.

Os portugueses desconhecendo estes costumes, mas sobretudo porque não faziam distinção de raças, reconhecendo em todos, os mesmos direitos, conviviam tanto com uns como com outros. Esta sua atitude acarretou-lhes imediatamente o rótulo de impuros e de indesejáveis com o consequente afastamento do seu convívio.

Qualquer hindu que se convertesse ao cristianismo, era imediatamente expulso da sua casta, perdendo todos os direitos e bens da família e era considerado como um impuro. Este ancestralismo castista, constituía um obstáculo gravíssimo para as conversões.

Perante esta situação tão degradante a que os neoconvertidos ficavam sujeitos, as autoridades portuguesas tiveram de adotar medidas que os protegessem e mesmo favorecessem a conversão de outros, concedendo-lhes certas regalias e privilégios e impedindo qualquer violência que contra eles fizessem os inimigos da religião.

Assim, o recrutamento dos cristãos fazia-se quase sempre entre as classes mais baixas, porque mostravam melhores disposições para a receção do batismo, não querendo dizer que se excluíssem as classes ou castas mais nobres e elevadas.

Como o acesso dos missionários a estas classes nobres, sobretudo, brâmanes, se tornava mais difícil, foi necessário empregar métodos de evangelização diversos. Assim, alguns missionários “fazendo-se tudo para todos, para salvar a todos”, na frase de São Paulo, adotaram o aspeto e modo de vida dessas classes, vestindo-se e comendo como eles. Deste modo apareceram os “saniásses” em tudo semelhantes aos brâmanes, que se destinavam só a evangelizar as classes nobres e os “pandarás”, também destinados aos nobres, mas que igualmente podiam administrar os sacramentos às classes mais baixas.

Destes últimos, sobressai o vulto insigne de São João de Brito, que se vestiu de “pandará”, para poder levar o Evangelho, tanto aos Brâmanes e classes nobres, como aos párias e intocáveis. Por este método estranho, conseguiu São João de Brito, levar para Deus milhares de almas naquele vasto Maduré, onde combateu o bom combate, recebendo a do Justo Juiz a coroa da glória, alcançada pelo martírio em 1693.

Duarte Pacheco Pereira, depois de uma das célebres batalhas navais que ousou sustentar contra o Samorim de Calecute em 1504 e da qual saiu vencedor, muito embora só dispusesse do reduzido número de 70 portugueses metropolitanos, 4 navios e a ajuda de alguns “poleás”, ou seja, párias, propôs ao Rei que, como recompensa da bravura e grande auxílio por estes prestados,  os nobilitasse elevando-os à casta superior dos “naires”. Todavia, qual não foi o seu espanto, quando os pobres “poleás” lhe explicaram que na Índia cada um morria na casta onde tinha nascido e isto era uma honra de que nenhum se desfazia (Silva Reco, Curso de Missionologia, Lisboa, 1956, pag 365).
No entanto, pouco a pouco e sem que para tal fosse necessária a intervenção direta do Governo, a conversão ao cristianismo foi mudando esta conjuntura social e em breve deixou de haver, principalmente entre cristãos, diferenciações de castas no seus primitivo sentido de categorias insociáveis de seres humanos.

O caso da escravatura também não foi fácil de solucionar. A civilização elevada que os portugueses foram encontrar naquelas paragens fazia com que os “grandes senhores” tomassem para uso pessoal escravos de que dispunham a seu belo prazer. Eles eram ao lado dos cavalos o artigo de venda mais disputado e de si faziam a animação e a importância de uma feira.

Outra chaga que na Índia esperava pelos portugueses para se ver sanada era o “sati”, um uso bárbaro e cruel, próprio da maior parte dos povos da península hindustânica, que consistia em queimar viva a viúva na mesma fogueira em que se queimava o cadáver do marido (Grande Enciclopédia portuguesa brasileira, XXVII, Lisboa, Rio de Janeiro, pag. 792).

Os portugueses que perante as castas e o uso da escravatura foram condescendentes usando principalmente os meios indiretos para combaterem estes costumes e que em toda a parte onde chegavam respeitavam os ritos, os usos e os costumes indígenas, foram intransigentes como “sati”. Afonso de Albuquerque – o Vice-Rei a quem as mulheres indígenas acendiam velas depois da sua morte – foi o instrumento por meio do qual se acabou com este tão antinatural e angustiante costume.

Neste campo, como em muito outros, os portugueses superaram todos os outros povos denominados civilizadores. Com efeito, duzentos anos antes dos ingleses, “depois de muitas hesitações e ponderações políticas” aboliram este uso bárbaro que já não havia sequer vestígios dele nos territórios ou por onde tivesse havido presença portuguesa.

As misericórdias na Índia

Os missionários e conquistadores onde quer que chegassem, não se preocupavam só com o desenvolvimento material das populações, mas procuravam, sobretudo, lapidar-lhes o coração, iluminar-lhes o cérebro, formar-lhes o caráter, suavizar-lhes os sentimentos e fazer daquela matéria tosca e bruta, seres moralmente bem dotados.

O poeta filósofo Rabindranath Tagore, pedia aos Ocidentias que não lhes mandassem para a Índia, somente fórmulas e máquinas. Pedia que se lhes enviassem, sobretudo, almas! (Dom José da Costa Nunes, Cartas aos Sacerdotes da Arquidiocese de Goa, Lisboa, 1947, pag 275). Tagore lançou este grito lancinante, porque observava que os dominadores da Índia, os ingleses, tinham levado para lá grande bem estar material, com todos os progressos modernos, mas que se tinham esquecido da missão espiritual, que sobre eles pesava, não tendo seguido o exemplo português.

Em finais do século XV, um movimento novo de caridade cristã nascia em Portugal, sob o olhar materno da Rainha D. Leonor. Este movimento cedo começou a ser chamado pelo nome genérico de Misericórdias, que mais não eram senão confrarias constituídas pelos membros que a ela quisessem pertencer, não atendendo à categoria social, mas à dignidade pessoal de cada um. O regulamento destas confrarias era simples e pode ser assim resumido: Praticar ativamente as obras de misericórdia tanto espirituais como corporais.

Na Metrópole, em breve as Misericórdias alcançaram a simpatia de todos os cidadãos, explicando-se assim o fato de passado pouco mais de meio século sobre a sua fundação, encontrarem-se por toda a parte e cheias de espírito vivificador, o que é para admirar, numa época de tantos desvarios morais e tanta falta de prática religiosa.

Fazer bem era o lema, sempre lembrado, que guiava os confrades em todas as suas atitudes. Eles deviam visitar os enfermos pobres recolhidos nos hospitais ou em casas particulares, socorrendo-os na medida de suas posses com dinheiro, alimentos e remédios. Eles não podiam esquecer os presos sem recursos e os pobres envergonhados, ou seja, os nobres ou ricos que caíram na miséria. Para os que estavam brigados com o resto da família, eles seriam o traço de união conciliando-os e arraigando-os na prática da verdadeira fraternidade. Para todos, eles comprometiam-se a ser “fazedores de Misericórdia”.

E os portugueses não se esqueceram de reproduzir nos “mundos novos” o que se passava na Capital no campo da saúde e assistência social, transportando para o Oriente os hospitais e as Misericórdias.
Em 1509, no regresso vitorioso da batalha naval de Diu, o Vice-Rei D. Francisco de Almeida, ordena “a instalação de um hospital em Cananor, “porque os ares ali eram bons para os feridos” e outro em Chaul (J. G., O Além-mar português, Estrutura da Nação, Lisboa 1961, pag 39).

Afonso de Abuquerque estabelece do mesmo modo um hospital em Goa, numa dependência do palácio do Sultão – Hospital Real de Goa – no qual São Francisco Xavier esteve hospitalizado e praticou enfermagem com elevado espírito de caridade. Em 1595 constrói-se um grande edifício com o nome de Hospital Real de Todos os Santos, talvez para rivalizar com o seu homónimo em Lisboa.

Na altura em que o Padre Paulo Camerino substituiu como superior da Companhia de Jesus, São Francisco Xavier, construiu-se ainda em Goa um outro hospital para os pobres “para nele se recolherem e curarem das suas enfermidades como pede a caridade cristã. E esta obra acabou-se com muita glória de Deus e permanece e corre por conta da Santa Casa da Misericórdia, que com igual liberalidade, a sua grande caridade cabe o sustentar com todo o necessário para a cura das enfermidades corpóreas, não faltando as do espírito” (Codice 146, Egerton – Documentação Ultramarina portuguesa, Lisboa, 1960, pag 617).

Mas, as Misericórdias em Goa, como em toda a parte onde se estabeleciam, além de se encarregarem do funcionamento dos hospitais não deixavam de amparar e dirigir todos os desamparados e, é por isso, que vemos, não com pequena admiração, como os confrades de Goa tinham tanto a peito o casamento das raparigas indígenas, dirigindo-as para uma vida moral e integrando-as num ambiente cristão.

Continua…

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