Visualizações de página na última semana

domingo, 29 de setembro de 2024

Nações-chave: França e países ibero-americanos

 


Sabemos que Deus criou uma nação-chave no Antigo Testamento: Israel. Haveria também no Novo Testamento alguma nação-chave? Com toda a certeza podemos responder afirmativamente. Porém, é necessário distingui-las em dois graus. No primeiro diríamos que as nações chave do Novo Testamento são os povos cristãos. Mas -- e aqui entramos no segundo grau -- dentro dos povos cristãos haverá alguma nação-chave?

São Pio X diz, numa de suas encíclicas, que Deus criou uma nação-chave, um povo eleito, entre os cristãos: a nação francesa. E' ela que, naturalmente, influencia o mundo inteiro. No campo das virtudes, por exemplo, quando são praticadas pelos franceses, irradiam-se pelo mundo inteiro com grande facilidade. Haverá culto mais difundido que o de Santa Terezinha do Menino Jesus?

Diante disto põe-se um problema penoso e pungente: como está esta nação-chave nos nossos dias? Haverá uma esperança para ela?

Com relação à França eu sou como o judeu em relação ao povo eleito. Amo o templo, amo as ruínas do templo, e se essas ruínas se desfizerem em pó, eu amarei o pó que resultou dessas ruinas.

Devo dizer, pois, que tenho a impressão de que a França continuará a ser a nação-chave. Mas, assim como outrora tivemos o império do Oriente e o império do Ocidente, assim como na própria Cristandade havia dois impérios, o Bizantino e o Romano-Alemão, assim também teremos ao lado do império francês para as nações antigas, o império, o domínio e a hegemonia cultural de outras nações, profundamente embebido daquilo que o espírito latino e francês tem de melhor, mas trazendo também consigo outras seivas. Estas nações, como todas as nações eleitas, são capazes de conhecer as piores misérias, piores do que qualquer outro, quando não correspondem à graça de Deus, mas são também capazes das maiores glórias, desde que correspondam à Sua graça. A meu ver, estas nações são as que constituem o mundo ibero-americano.

Plinio Corrêa de Oliveira, 15/10/1958

 

A oração é um impulso do coração para Deus

 


Como é grande o poder da Oração! É como se uma rainha tivesse livre acesso ao rei em todos os momentos e pudesse obter tudo o que pede.

Não é necessário, para ser ouvida, ler num livro uma bela fórmula composta para a circunstância. Aliás, fora o Ofício Divino, que sou indigna de recitar, não tenho coragem de me obrigar a procurar nos livros as belas orações. Mesmo que as recitasse todas, não saberia qual escolher. Faço como as crianças que não sabem ler, digo simplesmente ao Bom Deus o que Lhe quero dizer, sem usar frases bonitas. E Ele compreende-me sempre...

Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o Céu, é um grito de reconhecimento e de amor tanto no meio da provação, como no meio da alegria; enfim, é algo grande, sobrenatural, que me dilata a alma e une-me a Jesus.

Santa Teresinha do Menino Jesus 

 

“Há um chamado à fidelidade que é mais bonito do que qualquer outra coisa. Mas esse chamado à fidelidade é um chamado à cruz suprema, depois à glória. Mas, é preciso passar por uma crucifixão. Ou às vezes, em ponto pequeno e modesto, por várias crucifixões” (Plinio Corrêa de Oliveira).

Foi o aconteceu, por exemplo, com Santa Joana d’Arc. Ela ouviu as vozes do Céu, combateu para livrar a França dos invasores ingleses e proclamar Carlo VII como Rei da França. Apesar de várias vitórias, foi traída por generais e até pelo clero. Foi feita prisioneira e queimada viva na praça pública. Passou por várias crucifixões, mas foi reabilitada pela Igreja, beatificada por São Pio X e canonizada por Bento XV.


Não basta amar a Deus, é preciso procurar a salvação e o alívio dos outros



A nossa vocação, afirmava São Vicente de Paulo aos Padres da Missão, é a de ir incendiar o coração dos homens, fazer aquilo que fez o Filho de Deus, Ele que veio trazer o fogo ao mundo para o incendiar com o seu amor. Que outra coisa podemos desejar se não que arda e consuma tudo?

Portanto, é verdade que eu sou enviado não só para amar Deus mas para fazer com que o amem.

Não me basta amar Deus se também o meu próximo não o ama. Devo amar o meu próximo como imagem de Deus e objeto do seu amor, e fazer de tudo para que os homens amem o seu Criador que os reconhece e considera como seus irmãos e que os salvou; e, com a caridade recíproca, procurar que se amem por amor a Deus, o qual tanto os amou, ao ponto de, por eles, abandonar o seu próprio Filho à morte. Portanto, este é o meu dever.

Ora bem, se é verdade que somos chamados a levar, longe ou perto, o amor de Deus, se devemos incendiar as nações, se a nossa vocação é espalhar este fogo divino em todo o mundo, se assim é, e repito, se assim é, irmãos, quanto devo eu mesmo arder deste fogo divino!

Como daremos aos outros a caridade se ela não existe entre nós? Observemos se existe, não em geral, mas em cada um, se existe no devido grau, porque se não está acesa em nós, se não nos amamos uns aos outros como Jesus Cristo nos amou e se não praticamos ações semelhantes às suas, como poderemos esperar difundir um tal amor em toda a terra? Não é possível dar aquilo que não se tem.

O exato dever da caridade consiste em fazer a cada um aquilo que, com razão, queremos que nos seja feito a nós. Faço verdadeiramente ao meu próximo aquilo que desejo dele?

Observemos o Filho de Deus. Não existe ninguém para além de nosso Senhor que tenha sido de tal modo raptado do amor pelas criaturas, ao ponto de deixar o trono de seu Pai, para vir assumir um corpo sujeito a enfermidades.

E porquê? Para estabelecer entre nós, mediante a sua palavra e o seu exemplo, a caridade do próximo. É este o amor que o crucificou e que cumpriu a admirável obra da nossa redenção.

Se tivéssemos um pouco deste amor, permaneceríamos de braços cruzados? Oh! não, a caridade não pode permanecer ociosa, esta impele-nos a procurar a salvação e o alívio dos outros.

São Vicente de Paulo

O que é a doutrina católica?



É um conjunto de verdades. Se nesse conjunto, uma só verdade fosse adulterada, a doutrina católica já não seria ela mesma.

Assim, tentar acomodá-la, adaptá-la, ajeitá-la, é trabalhar para que Ela perca sua identidade consigo mesma: em outros termos, é tentar matá-la.

E achar que o apostolado não é possível sem essa adaptação é achar que a Igreja só pode vencer morrendo!

Plinio Corrêa de Oliveira

O grave tumor que converteu pai e filha: “Ajoelhei-me no passeio em frente à igreja e rezei”


Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração, Sydney
Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração, Sydney


Conversão ao catolicismo

Deus age das formas mais inesperadas e é capaz de estar presente de forma grandiosa mesmo nas situações humanamente mais complicadas. É precisamente nesta “fraqueza” e “fragilidade” que o amor de Deus penetra mais profundamente no coração das pessoas.

Prova disso, foi o sucedido com Stephen Lacey e a sua família, que se converteu ao catolicismo e foi batizado sendo marido e pai, precisamente pela forma como conheceu Deus durante o gravíssimo cancro de que a sua filha Daisy sofreu. Um homem que não só não acreditava, como não tinha uma boa opinião sobre a Igreja, viu-se ajoelhado e a chorar à porta de uma igreja católica na Austrália. Deus consolou-o, ouviu-o e para além de realizar o milagre da cura física, realizou outro de grande significado: a sua conversão sincera e depois a do resto da sua família.

Aconteceu quando, após meses de fortes dores de cabeça na filha, os médicos descobriram finalmente um enorme tumor na cabeça da menina. Fizeram-nos logo ir ao hospital infantil porque era urgente fazer uma cirurgia que, além disso, representava um grande risco para a Daisy. No entanto, não havia outras opções. Poucas horas antes da operação e enquanto a filha dormia, Stephen saiu do hospital tentando assimilar e dar sentido ao que de repente estava a viver.

“Estava a regressar pela Rua Avoca (em Sydney) em direção ao hospital quando vi uma grande igreja neogótica: Nossa Senhora do Sagrado Coração. Fui educado numa família da Igreja de Inglaterra, mas nunca fui batizado. O meu trisavô foi um ministro metodista que veio da Inglaterra na década de 1850 e estabeleceu-se em Hay, em Riverina. A minha avó e os meus pais eram do tempo em que os católicos eram vistos com desconfiança e chamados de “Tykes”. “O meu avô, o único católico da família, não foi aceite como membro dos Maçons de Gosford”, diz Stephen.

Apesar desta formação – recorda este pai – nessa noite não se importou com a história da sua família. “Não me importava o tipo de igreja, só precisava de rezar a Deus pela minha menina”, afirmou.

“Nunca esquecerá aquele momento” explica ao Catholic Weekly, o semanário da Arquidiocese de Sydney: “Como a igreja estava fechada, ajoelhei-me no passeio e rezei como nunca o tinha feito. Não tentei regatear. Não fiz promessas ridículas que não pudesse cumprir. Simplesmente orei em nome de Jesus para que Daisy sobrevivesse à operação.”

No dia seguinte à cirurgia, receberam uma chamada. Era o médico. A operação tinha corrido na perfeição. Ele e a sua mulher não paravam de chorar. Mas ainda tinham muitas provas e obstáculos a ultrapassar. O grande tamanho do tumor (um astrocitoma pilocítico), a sua posição no cerebelo e a própria operação fizeram com que Daisy tivesse de passar vários dias na unidade de cuidados intensivos. Além disso, sofria de síndrome da fossa posterior, um conjunto de sintomas que incluíam mutismo, irritabilidade e instabilidade (ataxia).

“É o pior caso que já vi”, disse o neurologista. A Daisy já não conseguia andar ou falar. Ela nem se conseguia mexer.

Depois de sobreviver à UCI, Daisy passou seis longos meses na unidade de neurologia. “A minha mulher e eu revezávamo-nos na enfermaria com a Daisy, dormindo num colchão no chão ao lado dela que eu ‘tomei emprestado’ de uma cama do corredor e para o qual as enfermeiras fizeram vista grossa”, conta.

Desta forma, Stephen acrescenta que “todas as manhãs, a Daisy tinha de suportar uma série de terapias e depois eu deixava-a descansar enquanto subia até Nossa Senhora do Sagrado Coração para rezar por ela. “Ali conheci o maravilhoso Padre Peter Hearn e tivemos muitas conversas enriquecedoras”.

A sua oração foi novamente atendida. Daisy recebeu o dom da voz. Por esta altura, ela já estava suficiente bem para que ele a levasse de carro até à igreja, onde rezava ao seu lado.

Quando finalmente conseguiram regressar a casa, Stephen começou a frequentar a igreja mais próxima, a St. Brandam’s, onde o padre John Milligan aceitou batizá-lo. Um ano depois, foi batizada e confirmada pelo próprio Arcebispo Anthony Fisher OP.

A Daisy tem agora 11 anos. As suas ecografias anuais estão bem e a sua ataxia é quase impercetível. “É o ser humano mais resiliente que já conheci. Eu e ela assistimos à missa várias vezes por semana”, diz o pai, orgulhoso.

“No ano passado, ambos organizámos uma festa para o artista Michael Galovic criar um ícone para a nossa igreja. Mostra São Brandam a lutar num oceano tempestuoso. À medida que as ondas sobem à sua volta, ele estende a mão a Jesus para o salvar. É algo que a Daisy e eu conhecemos muito bem”, conclui.

Catholic Weekly e Religion en Libertad, 29 de setembro de 2024

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Conselho de São Bernardo sobre os maus pensamentos


Rejeite o mau pensamento assim que ele se apresentar à sua mente. Se o rejeitar, ele deixá-lo-á, ou se não o abandonar, não o contaminará, enquanto tiver horror dele.

O pensamento que não é rejeitado causa prazer, esse prazer dá origem ao consentimento; o consentimento produz ação; da ação surge o hábito; do hábito segue-se uma espécie de necessidade, que conduz finalmente à impenitência e ao desespero. E assim como a víbora é morta pelas crias que carrega no seu ventre, assim recebemos a morte através dos nossos maus pensamentos, quando os alimentamos no nosso coração.

São Bernardo de Claraval

Conseil de Saint Bernard sur les mauvaises pensées

Rejetez la mauvaise pensée dès qu’elle commence, et dès qu’elle se présente à votre esprit. Si vous la rejetez, elle vous quittera, ou si elle ne vous quitte pas, elle ne vous souillera point, tandis que vous l'aurez en horreur.

La pensée qui n'est pas rejeté, cause le plaisir, ce plaisir fait naître le contentement ; le consentement produit l'action ; de l’action vient l’habitude ; de l'habitude suit une espèce de nécessité, qui entraîne enfin l’âme dans l’impénitence et le désespoir. Et comme la vipère est tuée par les petits qu'elle porte dans son sein, aussi nous recevons la mort par nos mauvaises pensées, quand nous les nourrissons dans nos cœurs.

Saint Bernard de Clairvaux

Em defesa dos princípios da Tradição e da Civilização Cristãs



Para que compreendamos bem como servir a Nossa Senhora, em nosso século, é preciso que tenhamos em bastante consideração as circunstâncias peculiares dele.

Vivemos, em nossos dias, num processo revolucionário que, tendo começado com o protestantismo e com o humanismo do século XVI, alcançou um triunfo universal pela Revolução Francesa no século XVIII, e pela extensão dos princípios desta ao mundo inteiro, no século XIX, e pelo comunismo. Nós estamos, portanto, no clímax de uma longa série de apostasias. Nisto está a marca dominante dos acontecimentos dos nossos dias e das circunstâncias dentro das quais a Igreja age, vive e luta atualmente.

Em outras épocas, a Igreja também tem tido adversários a enfrentar. Nunca, talvez (e nesse sentido são tão numerosas as citações pontifícias que eu me dispenso de as lembrar) teve ela que enfrentar uma tão profunda investida, que a ataque com tal furor em todos os pontos da sua doutrina, dos seus costumes, das suas instituições e das suas leis. Nunca os seus inimigos mostraram tanta coerência, tanta unidade de objetivos, e tanto rancor quanto em nossos dias. Assim, e seja qual for o ângulo do qual vejamos o panorama hodierno, é preciso que coloquemos no centro de toda a nossa perspetiva esse fenômeno: a investida multissecular das forças do mal, chegada hoje a seu paroxismo.

Vivemos, como há pouco afirmamos, dentro de um processo revolucionário que mina e corrói uma realidade gloriosa, luminosa e entretanto agonizante, isto é, a Civilização Cristã. Assim, portanto, temos um inimigo a atacar e um patrimônio a defender. O patrimônio é todo o imenso e inapreciável tesouro de tradições desses vinte séculos de Civilização Cristã que tivemos atrás de nós. Patrimônio esse que não deve ser considerado como um valor estático, mas ao qual pelo contrário, cada século foi dando o seu contributo. Também nós, pela nossa fidelidade e pela nossa luta, acrescemos este glorioso acervo. Em face de nós está essa revolução, que é justamente o contrário de tudo o que amamos. Nós a devemos atacar em todas as suas manifestações.

Assim se explica um dos aspetos essenciais de todo apostolado realmente adequado a nossos dias. Tal aspeto merece uma explanação conveniente para que compreendamos bem o que vem a ser "in concreto", e em sua plenitude, a perseverança na consagração a Nossa Senhora, em nossos dias. Com efeito, costuma-se dizer que o católico deve ser o homem do seu tempo, que deve ter a vista aberta para todos os progressos, que deve ser um homem que se acomoda tanto quanto possível às circunstâncias da época em que vive. Ninguém poderia dizer que em si mesmas essas expressões são falsas. Mas devemos saber distinguir uma aceitação inteligente e cheia de discernimento das condições da época, de uma aceitação simplória, impensada, fraca, tíbia, que abrange não só o que as condições da época tem de bom, mas o que o espírito da Revolução instilou veladamente até em muitas das boas condições da nossa época. De modo que há aceitações a fazer e deve-se ser homem do tempo. E é exatamente a linha divisória entre uma coisa e outra que deve ser por nós marcada com todo o cuidado.

Em que sentido um católico pode e deve ser homem do seu tempo?

Toda época costuma diferenciar-se da anterior por se ver nesta alguns defeitos, que lhe ferem a atenção e que deseja corrigir. Mas, ao mesmo tempo, acontece que muitas vezes uma época dissente de outra anterior porque discrepa, também, das qualidades desta. Em relação ao passado próximo de que provimos, nós não queremos, não devemos e não podemos aceitar tudo, mas devemos até rejeitar certos elementos com cuidado. A época passada apreciava, por exemplo, a oratória florida, farfalhante, verbosa e torrencial, que se manifestava em todas as ocasiões possíveis. Um aniversário, uma formatura, um casamento, o regresso de uma longa viagem, tudo era ocasião para um discurso. E tais discursos eram tão padronizados que já havia manuais que continham peças oratórias de circunstâncias, por exemplo para o moço que se forma em Direito. Essas peças podiam ser repetidas em todo o Brasil, desde o Amazonas até ao Rio Grande do Sul, em Portugal e nas Colônias. Evidentemente, para nós, que achamos que o tipo do homem romântico, que nos antecedeu, era pouco eficiente, tinha o espírito povoado de sonhos vácuos e uma imaginação em fogo, que ele nem primava pelo rigor da lógica nem pelo desejo de traduzir em fatos concretos aquilo com que sonhava, para nós, toda essa abundância de discursos se patenteia supérflua. Os poucos discursos que se fazem hoje devem ser rápidos, numa linguagem menos convencional, menos hirta, em uma linguagem viva e não numa linguagem morta. Para nós, todas as flores daquela retórica estão já gastas pelo uso e, portanto, devem ser relegadas ao museu.

Segundo os cânones do romantismo passado, por exemplo, o gosto pela tristeza era um atributo essencial do espírito. Um moço, segundo o estilo em voga, deveria ser doente e infeliz, deveria exalar a sua infelicidade e a sua doença numa guitarra, deveria trocar a noite pelo dia, deveria ser um daqueles sonhadores de garoa e de orgias tão típicas da velha Faculdade de Direito de São Paulo. A nós, hoje, nos parece que tudo isso está errado. Sem falar na orgia, parece-nos que essa glorificação da melancolia, esse amor à doença, essa mania de se sentir triste são antinaturais e ridículas.

Nenhuma época do passado pode ou deve ser intocada. É sempre possível, por um movimento verdadeiramente progressivo, abolir defeitos e melhorar qualidades. Mas isto não basta, é preciso também que nós nos lembremos de que muitas das transformações instituídas no presente não representam um trabalho inteligente para depurar e fazer progredir as tradições que recebemos, mas, pelo contrário, constitui um esforço de destruição clara ou de falseamento sub-reptício dos valores da Civilização Cristã. O mundo contemporâneo, por efeito do laicismo, perdeu quase completamente o senso cristão da vida. Chamo a atenção para estas últimas palavras. Sabemos que um homem não fica sem senso nenhum. Ora, se ele perde o senso cristão, substitui-o pelo espírito anticristão. Portanto quase todos quantos existem hoje estão marcados, em escala maior ou menor, pelo senso anticristão da vida. Somos, infelizmente, filhos do nosso tempo e estamos todos expostos ao risco de trazer em nós, insuspeitadas, muitas das infiltrações desse senso anticristão da vida.

Como são frequentes em torno de nós as pessoas que supõem que têm verdadeiro espírito católico, porque recebem uma ou outra vez os sacramentos e praticam alguns atos de piedade. Entretanto, os seus modos de pensar, de sentir e de agir são marcados por um espírito oposto ao da Igreja. Até mesmo entre as pessoas piedosas dá-se, em escala menor embora, o mesmo fato. Nessas condições, há razão para sentirmos uma verdadeira desconfiança até de nós mesmos. E devemos com suma diligência e um grande temor nos dedicar à tarefa de distinguir em nossa época aquilo que há de bem e de mal. Obriga-nos a tal o santo receio de renunciar a alguma coisa daquele depósito de tradições católicas que recebemos dos nossos maiores, e que devemos transmitir aos pósteros, não só intacto, mas até acrescido. Está bem corrigir judiciosamente o passado. Mas modificá-lo sem esse discernimento, levianamente, a todo propósito e às vezes pelo simples gosto da modificação, eis o que não se deve de modo algum fazer. Não se pode imaginar algo mais contrário à verdadeira consagração à Nossa Senhora do que esta falta de cuidado no proteger a tradição cristã. Porquanto, se alguém se entrega sem critério nem reservas ao século, serve a dois senhores, a sua consagração não é uma consagração efetiva. Assim, embora repudiando formalmente a ideia de que devemos conservar imóvel o passado, afirmamos que nunca na História da Civilização Cristã foi täo difícil a alguém fazer esta discriminação entre os valores verdadeiros do passado e aquilo que nele deve ser retificado em nossa época.

Muitos espíritos, mesmo sinceros, imaginam e creem que a tradição não seja mais do que a lembrança, o pálido vestígio de um passado que não existe mais, que não pode voltar, e que, quando muito, é com veneração, e com gratidão, relegado num museu.

Mas a tradição é muito diferente do que um simples apego ao passado já desaparecido!

Por força da tradição, a juventude iluminada e guiada pela experiência dos anciãos, avança com passo mais seguro, e a velhice transmite e entrega confiantemente o arado a mãos mais vigorosas que continuam o sulco já iniciado. Como indica o seu nome, a tradição é um dom que passa de geração em geração; é a tocha que o corredor a cada revezamento põe na mão e confia a outro corredor, sem que a corrida pare ou diminua de velocidade. Tradição e progresso reciprocamente se completam com tanta harmonia que, assim como a tradição sem progresso se contraria a si mesma, assim também o progresso sem a tradição seria um empreendimento temerário, um salto no escuro.

Assim, pois, a nossa consagração no século, a nossa consagração a nossa Senhora é realizada, em nossos dias, pela recondução das almas e de todos os valores da sociedade temporal, para darem glória a Deus dentro das sendas da Civilização Cristã, tendo em Deus a sua causa final, tendo em Deus a sua causa exemplar, dentro de um rumo que, se é um rumo de verdadeiro progresso, é por isso mesmo, e nisso mesmo, um rumo indicado pelos princípios magníficos da Tradição Cristã.

Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Discurso, 01/11/1963

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Nunca estamos sozinhos! O Anjo da Guarda, o celeste alter ego, está sempre connosco, a proteger-nos!




Quanto conforto nos daria nas horas das tribulações, tentações, em que nos sentimos sozinhos, termos a certeza de que um anjo da guarda está junto de nós! Embora não o sintamos nem o percebamos, ele não nos abandona um minuto sequer, e se acha à espera de nossas orações para agir por nós. Muitas vezes ele atua sem que o peçamos, mas fá-lo-á ainda mais se implorarmos a sua assistência.

O anjo da guarda é nosso mediador e advogado junto ao trono do Altíssimo e roga continuamente por nós. Portanto, é de todo congruente pedirmos a ele que nos obtenha graças e afaste de nós os perigos.

Apresento uma reflexão, a qual submeto ao juízo da Igreja por se tratar de uma opinião pessoal, que me parece conveniente e razoável.

Deus tudo faz com conta, peso e medida, de modo ordenado, e não é provável que a designação de um anjo da guarda para atender uma pessoa se produza de maneira automática. De facto, não é possível imaginar uma espécie de ponto de táxi de anjos no Céu, à espera de que nasça um homem e, a um aceno de Deus, o anjo A ou o X se dirige à Terra e começa a proteger aquele novo ser humano… Essa forma de agir em Deus não nos soa como própria de sua infinita sabedoria.

Sou mais inclinado a pensar que Deus delega a cada pessoa um anjo da guarda cuja santidade tem relação com a luz primordial daquela alma. De maneira que o anjo é um celeste modelo das virtudes que ela deve praticar o longo da vida terrena. Se pudéssemos ver nosso anjo da guarda, contemplaríamos provavelmente a personificação da nossa luz primordial, ou seja, algo que seria de certo modo parecido connosco, mas num grau de beleza ontológica e sobrenaturalmente inconcebível.

Compreendemos, então, a simpatia, a afinidade e o desejo de servir que teríamos para com ele e, reciprocamente, o vínculo especial do anjo da guarda connosco.

Quer dizer, o anjo custódio é o celeste alter ego, o outro “eu mesmo” de cada protegido. Esta é uma razão particular para que, antropomorficamente falando, tenhamos ainda mais facilidade de compreender como o anjo da guarda nos ampara.

Imaginemos que encontrássemos alguém necessitado de ajuda, sumamente parecido connosco: não é verdade que nos apressaríamos em socorrê-lo, impelidos por essa semelhança? Assim é o anjo da guarda connosco!

Plinio Corrêa de Oliveira (Conferência 02/10/1964).

 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Mortificação, tristeza e paz de alma

 


Quando se fala em geral em vida espiritual, de mortificação, de tristeza etc., as pessoas ficam arrepiadas. Elas não compreendem toda a alegria e toda a felicidade que o misto de amargura e de esperança, de tristeza e de paz, que faz com que a esperança valha muito mais que a amargura, e a paz valha muito mais do que a tristeza.

Essa terra é um vale de lágrimas! Se expiarmos os nossos pecados, se carregarmos a cruz verdadeiramente e com resignação, teremos nos nossos corações torrentes de paz, torrentes de tranquilidade, de estabilidade, de normalidade, de ordem, de cuja fruição, ninguém dentro do mundo completamente transviado pode ter a verdadeira noção.

A paz e a alegria própria às almas a quem Nossa Senhora dá a força de ver os seus defeitos completamente de frente já é um primeiro passo para se corrigir.

Mas é preciso ter esta lealdade interior por onde vemos o nosso próprio defeito de frente, não fechamos os olhos para ele. Só o eliminar dentro da alma o caos, a confusão, o mal-estar deste defeito que de vez em quando surge, com o qual nós temos cumplicidade, que nos causa horror, que depois some de novo, e que não sabemos como nos separar, que se agarra a nós, só ter a alma limpa disso e ver as coisas de frente como são, só isto é um oceano de paz existente na alma verdadeiramente católica.

Plinio Corrêa de Oliveira