Consideremos a recompensa que Abraão pede ao Senhor. Não Lhe pede riquezas, como um avaro, nem vida longa, como quem teme a morte, nem poder, antes pede um digno herdeiro do seu trabalho. “Que me dareis, Senhor Deus, vou-me sem filhos” (Gn 15, 2). […] Agar deu à luz um filho, Ismael, mas Deus diz-lhe: “Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas” (Gn 15, 4). De quem fala Ele? Não se trata de Ismael, mas de Santo Isaac. […] Em Isaac, filho legítimo, podemos ver o verdadeiro filho legítimo, o Senhor Jesus Cristo, que, no começo do Evangelho de São Mateus, é chamado filho de Abraão (Mt 1, 1). Ele mostrou ser um verdadeiro filho de Abraão, fazendo resplandecer a descendência do seu antepassado; foi graças a Ele que Abraão, olhando para o céu, pôde ver brilhar a sua posteridade como as estrelas (Gn 15,5). O apóstolo Paulo afirma: “Uma estrela difere da outra em resplendor. Assim também é a ressurreição dos mortos” (1 Co 15, 41-42). Ao associar à sua ressurreição os homens que a morte mantinha na terra, Cristo fê-los participar no reino dos céus.
A filiação de Abraão apenas se propagou pela herança da fé, que nos prepara para o céu, nos aproxima dos anjos, nos eleva até às estrelas. Disse Deus: “’Será assim a tua descendência.’ Abraão confiou no Senhor” (Gn 15, 5-6). Ele acreditou que, pela sua encarnação, Cristo seria seu herdeiro. Para to fazer compreender, o Senhor afirmou: “Abraão viu o Meu dia e alegrou-se.” Deus considerou-o justo porque não pediu explicações, antes acreditou sem a menor hesitação. É bom que a fé se sobreponha às explicações, pois de outro modo parecia que estávamos a exigi-las ao Senhor nosso Deus, como quem as exige a um homem. Que inconveniência, acreditar nos homens quando eles dão testemunho de outro, e não acreditar em Deus, quando fala de Si! Imitemos, pois, Abraão, para herdarmos o mundo pela justificação da fé, que o tornou a ele herdeiro da terra.
Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja - Abraão, Livro I, 19-20