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domingo, 15 de janeiro de 2023

Fortes críticas do Cardeal Pell ao Pontificado de Francisco

 


Durante a Quaresma de 2022, no dia 15 de março de 2022, o jornalista italiano Sandro Magister publicou no seu Blogue Sétimo Céu, um memorando com fortes críticas ao Pontificado de Francisco. O documento estava assinado por um pseudónimo: Demos.

No dia 11 de janeiro de 2023, ficamos a saber que o seu autor, segundo Sandro Magister, é o Cardeal George Pell, que faleceu aos 81 anos, no dia 10 de janeiro de 2023, no Hospital Internacional Salvator Mundi de Roma, após ter sido submetido a uma cirurgia no quadril.

 No documento, podem-se ler as seguintes críticas:

 Os comentaristas de todas as escolas, mesmo que por razões diferentes, com a possível exceção do padre Spadaro, SJ, concordam que este pontificado é um desastre sob muitos ou mais aspetos, uma catástrofe.

 1)     O sucessor de São Pedro é a rocha sobre a qual está edificada a Igreja, uma grande fonte e causa de unidade mundial. Historicamente, a partir de Santo Irineu, o papa e a Igreja de Roma têm um papel único em preservar a tradição apostólica, a regra da fé, em garantir que as igrejas continuem ensinando aquilo que Cristo e os apóstolos ensinaram. Anteriormente, o lema era: “Roma locuta. Causa finita est” [Roma falou, a causa acabou]. Hoje é: “Roma loquitur. Confusio augetur” [Roma fala, cresce a confusão].

 a) O Sínodo alemão fala de homossexualidade, de mulheres sacerdotes, de comunhão para os divorciados. E o papado se cala.

            b) O cardeal Hollerich rejeita o ensino cristão sobre a sexualidade. E o papado se cala. Isso é duplamente significativo, porque o cardeal é explicitamente herético; não usa palavras em código ou alusões. Se o cardeal continuar sem a correção romana, isso representará outra rutura mais profunda na disciplina, com poucos (ou nenhum?) precedentes na história. A Congregação para a Doutrina da Fé deve agir e falar.

         c) O silêncio é ainda mais evidente quando se choca com a perseguição ativa dos tradicionalistas e dos mosteiros contemplativos.

     2)     A centralidade de Cristo no ensino se enfraquece; Cristo é removido do centro. Às vezes, Roma parece até confusa sobre a importância de um rigoroso monoteísmo, aludindo a um certo conceito mais amplo de divindade; não propriamente panteísmo, mas como uma variante do panteísmo hindu.

            a) Pachamama é idólatra, embora talvez não tenha sido entendida como tal inicialmente.

            b) As freiras contemplativas são perseguidas, e existem tentativas para mudar os ensinamentos dos carismáticos.

            c) A herança cristocêntrica de São João Paulo II na fé e na moral é objeto de ataques sistemáticos. Muitos professores do instituto romano para a família foram afastados; a maioria dos estudantes foi embora. A Academia para a Vida está gravemente prejudicada; por exemplo, alguns de seus membros recentemente defenderam o suicídio assistido. As pontifícias academias têm membros e oradores convidados que defendem o aborto.           

3)    O não respeito pela lei no Vaticano corre o risco de se tornar um escândalo internacional. Esses problemas foram concretizados no processo em andamento no Vaticano contra 10 acusados de negligência financeira, mas o problema é mais antigo e mais amplo.  

a) O papa mudou a lei quatro vezes durante o processo para ajudar a acusação.

            b) O cardeal Becciu não foi tratado com justiça, porque foi removido do seu cargo e destituído das suas dignidades cardinalícias sem nenhuma prova. Ele não recebeu o devido processo. Todos têm direito a um devido processo.

            c) Como chefe do Estado vaticano e fonte de toda autoridade de lei, o papa se serviu desse poder para interferir nos procedimentos judiciários. 

d) O papa às vezes, se não frequentemente, governa com decretos pontifícios, motu proprio, que eliminam o direito de apelação das pessoas afetadas.

            e) Muitos membros do pessoal, muitas vezes sacerdotes, foram expulsos às pressas da Cúria vaticana, muitas vezes sem uma razão válida.

            f) As escutas telefônicas são praticadas regularmente. Não tenho certeza do quão frequentemente isso é autorizado.

            g) No processo inglês contra Torzi, o juiz criticou duramente os acusadores públicos vaticanos. Estes ou são incompetentes e/ou foram condicionados, impedidos de fornecer o quadro completo.

            h) A irrupção da Gendarmeria vaticana sob o comando do Dr. Giani, em 2017, no escritório do auditor Libero Milone, em território italiano, provavelmente foi ilegal e, de todos os modos, foi intimidatória e violenta. É possível que as provas contra Milone tenham sido fabricadas.

4)    A situação financeira do Vaticano é grave. Nos últimos 10 anos (pelo menos) quase sempre houve déficits financeiros. Antes da Covid, esses défices eram de cerca de 20 milhões de euros ao ano. Nos últimos três anos, foram cerca de 30-35 milhões de euros ao ano. Os problemas remontam a antes do Papa Francisco e também do Papa Bento XVI.

            a) O Vaticano enfrenta um pesado déficit dos fundos de pensão. Por volta de 2014, os especialistas da Cosea [Comissão de Estudos sobre as Atividades Econômicas] estimavam que em 2030 o déficit seria de cerca de 800 milhões de euros. Isso antes da Covid.

            b) Estima-se que o Vaticano perdeu 217 milhões de euros no prédio da Sloane Avenue, em Londres. Nos anos 1980, o Vaticano foi obrigado a desembolsar 230 milhões de dólares após o escândalo do Banco Ambrosiano. Devido à ineficiência e à corrupção, nos últimos 25-30 anos, o Vaticano perdeu pelo menos outros 100 milhões de euros e provavelmente vários mais, talvez 150-200 milhões.

             c) Apesar da recente decisão do Santo Padre, os processos de investimento não foram centralizados (como recomendado pela Cosea em 2014 e tentado pela Secretaria da Economia em 2015-2016) e permanecem desprovidos do conselho de especialistas. Durante décadas, o Vaticano lidou com financistas de má reputação, evitados por todos os banqueiros que gozam de estima na Itália.

            d) O rendimento das 5.261 propriedades imobiliárias vaticanas continua escandalosamente baixo. Em 2019, a receita média (antes da Covid) era de quase 4.500 dólares por ano. Em 2020, era de 2.900 euros por propriedade.

            e) O papel mutável do Papa Francisco nas reformas financeiras (progressos incompletos, mas substanciais na redução da criminalidade, muito menos bem-sucedidos, exceto no IOR, em termos de rentabilidade) é um mistério e um enigma.

            Inicialmente, o Santo Padre defendeu fortemente as reformas. Depois, impediu a centralização dos investimentos, opôs-se às reformas e à maioria das tentativas de desmascarar a corrupção e defendeu (então) o arcebispo Becciu, no centro do establishment financeiro vaticano. Depois, em 2020, o papa se voltou contra Becciu, e, no fim, 10 pessoas foram processadas e acusadas. Ao longo dos anos, poucas ações penais foram iniciadas a partir das indicações de infração da AIF [Autoridade de Informação Financeira].

            Os auditores da Price Waterhouse & Cooper foram afastados, e o auditor geral Libero Milone foi forçado a renunciar em 2017, com acusações inventadas. Estavam chegando perto demais da corrupção na Secretaria de Estado.

 

5)    A influência política do Papa Francisco e do Vaticano é insignificante. Intelectualmente, os escritos papais mostram um declínio em relação aos níveis de São João Paulo II e do Papa Bento XVI. As decisões e as linhas políticas são muitas vezes “politicamente corretas”, mas houve graves falhas em defender os direitos humanos na Venezuela, em Hong Kong, na China continental e agora na invasão russa.

Não houve nenhum apoio público aos fiéis católicos na China que foram perseguidos intermitentemente pela sua fidelidade ao papado por mais de 70 anos. Nenhum apoio público vaticano à comunidade católica na Ucrânia, particularmente aos greco-católicos.

             Esses temas deveriam ser revisitados pelo próximo papa. O prestígio político do Vaticano está agora em um nível baixo.

 

6)    Em um nível diferente, menor, deveria ser regularizada a situação dos tradicionalistas tridentinos (católicos).

            Em um nível ainda mais modesto, deveria ser novamente permitida a celebração das missas “individuais” e com pequenos grupos pela manhã na Basílica de São Pedro. Neste momento, essa grande basílica, no início da manhã, é como um deserto.

            A crise da Covid encobriu a forte queda no número de peregrinos presentes nas audiências papais e nas missas.

            O Santo Padre tem pouco apoio entre seminaristas e jovens sacerdotes, e existe uma ampla desfiliação na Cúria vaticana.

            O próximo conclave

1) O Colégio dos Cardeais foi enfraquecido por nomeações excêntricas e não foi mais reconvocado após a rejeição das posições do cardeal Kasper no consistório de 2014. Muitos cardeais são desconhecidos uns dos outros, acrescentando uma nova dimensão de imprevisibilidade ao próximo conclave.

            2) Depois do Vaticano II, as autoridades católicas muitas vezes subestimaram o poder hostil da secularização, do mundo, da carne e do diabo, especialmente no mundo ocidental, e superestimaram a influência e a força da Igreja Católica.

            Estamos mais fracos do que há 50 anos, e muitos fatores estão fora do nosso controle, pelo menos em curto prazo, por exemplo, a queda no número dos fiéis, a frequência das presenças nas missas, o desaparecimento ou a extinção de muitas ordens religiosas.

             3) O papa não precisa ser o melhor evangelizador do mundo, nem uma força política. O sucessor de Pedro, como chefe do Colégio dos Bispos, que também são os sucessores dos apóstolos, tem um papel fundamental para a unidade e a doutrina. O novo papa deve entender que o segredo da vitalidade cristã e católica vem da fidelidade aos ensinamentos de Cristo e às práticas católicas. Não vem da adaptação ao mundo ou do dinheiro.

            4) As primeiras tarefas do novo papa serão a retomada da normalidade, a retomada da clareza doutrinal na fé e na moral, a retomada do justo respeito ao direito e a garantia de que o primeiro critério para a nomeação dos bispos seja a aceitação da tradição apostólica. A competência e a cultura teológica são uma vantagem, não um obstáculo para todos os bispos e sobretudo para os arcebispos.

 Esses são fundamentos necessários para viver e pregar o Evangelho.

5) Se as reuniões sinodais continuarem em todo o mundo, elas consumirão muito tempo e dinheiro, provavelmente desviando energias da evangelização e do serviço em vez de aprofundarem essas atividades essenciais.

            Se for dada autoridade doutrinal aos sínodos nacionais ou continentais, teremos um novo perigo para a unidade da Igreja mundial, razão pela qual a Igreja alemã, por exemplo, já agora tem posições doutrinais não compartilhadas por outras Igrejas e incompatíveis com a tradição apostólica.

            Se não houver uma correção romana de tais heresias, a Igreja se reduzirá a uma vaga federação de Igrejas locais, com visões diferentes, provavelmente mais próxima de um modelo anglicano ou protestante, do que de um modelo ortodoxo.

            Uma prioridade imediata para o próximo papa deve ser a de eliminar e evitar um desenvolvimento tão perigoso, exigindo unidade no essencial e não permitindo diferenças doutrinais inaceitáveis. A moralidade da atividade homossexual será um desses pontos críticos.

    6) Embora o clero jovem e os seminaristas sejam quase completamente ortodoxos, às vezes bastante conservadores, o novo papa deverá estar ciente das mudanças substanciais feitas na liderança da Igreja desde 2013, talvez especialmente na América do Sul e Central. Há um novo salto no avanço dos protestantes “liberais” na Igreja Católica.

            É improvável que um cisma ocorra à esquerda, onde habitualmente não se fazem dramas sobre as questões doutrinais. É mais provável que um cisma venha da direita, e isso é sempre possível quando as tensões litúrgicas são inflamadas e não atenuadas.

            Unidade nas coisas essenciais. Diversidade nas não essenciais. Caridade em tudo.

            7) Apesar do seu perigoso declínio no Ocidente e da intrínseca fragilidade e instabilidade em muitos lugares, se deveria levar seriamente em consideração a viabilidade de uma visita apostólica à ordem dos jesuítas. Eles estão em uma situação de catastrófico declínio numérico, de 36.000 membros durante o Concílio a menos de 16.000 em 2017 (provavelmente com 20-25% deles com mais de 75 anos de idade). Em alguns lugares, há também um catastrófico declínio moral.

            A ordem é altamente centralizada, suscetível à reforma ou ruína de cima. O carisma e a contribuição dos jesuítas foram e são tão importantes para a Igreja que não se deveria permitir que desapareçam imperturbáveis da história ou que simplesmente se reduzam a uma comunidade afro-asiática.

            8) É preciso enfrentar a desastrosa queda numérica dos católicos e a expansão dos protestantes na América do Sul. Isso foi muito pouco mencionado no Sínodo Amazônico.

            9) Obviamente, é preciso trabalhar muito nas reformas financeiras no Vaticano, mas esse não deveria ser o critério mais importante na escolha do próximo papa.

            O Vaticano não tem dívidas substanciais, mas os contínuos déficits anuais acabarão levando à falência. Obviamente, serão tomadas medidas para remediar, para separar o Vaticano de cúmplices criminosos e equilibrar receitas e despesas. O Vaticano deverá demonstrar competência e integridade para atrair doações substanciais que ajudem a resolver esse problema.

            Apesar da melhoria dos procedimentos e de uma maior transparência, as contínuas dificuldades financeiras representam um grande desafio, mas são muito menos importantes do que os perigos espirituais e doutrinais que a Igreja deve enfrentar, especialmente no Primeiro Mundo.

 Demos (Quaresma de 2022)