Todos nós somos atormentados por vícios e defeitos dos quais, por alguma
razão, parece nunca conseguirmos libertar-nos. Por causa desses pecados,
continuamente magoamo-nos – e pior ainda, magoamos os nossos entes queridos, os
nossos amigos, os nossos cônjuges e os nossos filhos. Muitos de nós católicos,
por causa deles, voltamos repetidamente ao confessionário, frustrados por
continuarmos confessando os mesmos pecados de sempre.
Isso não quer dizer que não saibamos, no fundo do coração, que essas
afeições são erradas. No entanto, às vezes algo em nós não quer assumir o
compromisso de mudar. E assim rezamos como o jovem Santo Agostinho: “Deus,
dai-me continência e castidade, mas não agora!”
Mas esta não é a única razão para o nosso fracasso em mudar. De facto, às
vezes não é por causa de qualquer apego ou falta de vontade consciente, mas
apenas pela experiência incapacitante da nossa própria incapacidade. Sem a
graça de Deus, somos espiritualmente coxos, e esse facto faz-se sentir
dolorosamente nos nossos repetidos fracassos, que continuam a infligir dor aos nossos
entes queridos e a nós mesmos. Infinitamente frustrados pelos nossos próprios
fracassos, rezamos uma oração ligeiramente diferente daquela que Santo
Agostinho rezou quando era jovem. Confrontados com a nossa incapacidade,
aproximamo-nos do Senhor quando estamos perto do ponto de total desânimo e rezamos:
“Ó Senhor, faça-me santo AGORA!”
•••
Podemos inspirar-nos para esta oração num santo muito menos conhecido: o
mártir chinês São Marcos Ji Tianxiang, um cristão devoto e médico do final do
século XIX. O que diferencia Ji de muitos outros santos é que ele morreu
atolado num vício do qual nunca conseguiu libertar-se: o vício paralisante do
ópio. Depois de contrair uma dolorosa doença estomacal, automedicou-se com a
droga viciante e viu-se irreparavelmente dependente dela pelo resto da vida.
Enquanto os avanços na medicina moderna permitem-nos ver o vício como uma
doença a ser curada ou controlada, Ji e os seus entes queridos certamente
experimentaram a sua dependência como uma falha moral também.
A devoção de Ji à fé católica nunca diminuiu, apesar do seu vício ao ópio.
Ele voltava fiel e frequentemente ao confessionário, trazendo o seu pecado
diante de Nosso Senhor e pedia-Lhe perdão. No entanto, seu vício também nunca o
deixou. Não importa quantas vezes ele se confessou, e não importa quantas vezes
ele pronunciou a sua resolução de mudar de vida. Ele continuava a cair sempre no
vício. Aqueles ao seu redor, incluindo a sua família, seus amigos e até mesmo o
padre a quem ele confessava regularmente os seus pecados, suspeitavam que ele
tinha abandonado todo o desejo de viver uma vida verdadeiramente cristã,
virtuosa. De fato, o confessor chegou até a proibi-lo de receber os sacramentos
até que se tivesse libertado do vício. Essa situação continuou por 30 anos – e
ainda assim, em todo esse tempo, Ji permaneceu comprometido com a sua fé e com
a Igreja. Ele nunca abandonou a sua esperança na graça de Deus.
•••
Santo Agostinho ensinou que o desejo de rezar sempre é equivalente a orar
sempre de fato. Obviamente, sendo criaturas temporais, não podemos rezar
literalmente com as nossas palavras a cada momento do dia. Devemos dormir, comer,
caminhar, trabalhar, ocupar-nos de inúmeras atividades que acarretam
interações sociais, etc. Os homens não são de facto tão proficientes em
realizar multitarefas, então a injunção de São Paulo para se rezar sempre
parece impraticável. No entanto, a solução simples de Agostinho para esse
problema é a de afirmar que o desejo em si conta. Desenvolver uma vida de
oração saudável e holística é, portanto, uma questão de cultivar esse desejo e
manter a chama sempre viva.
Da mesma forma, a santidade é, em última análise, uma questão de ter um
desejo sincero por Deus. O desejo sincero de ser santo é em si um sinal de que
Deus já plantou as sementes da santidade no coração da pessoa. Por causa disso,
o pecador que tem este desejo pode estar confiante na graça salvadora de Deus.
Isso não quer dizer, obviamente, que ele pode ser presunçoso e tomar a
graça divina como certa e continuar a pecar sem qualquer resolução real
para mudar de vida. Esta é a atitude que caracterizou a oração defeituosa do
jovem Agostinho: “Faça-me santo, mas não agora”. É a disposição de quem diz a
si mesmo: “Está tudo bem, continua a pecar. Ainda não é preciso mudar de vida!”.
No entanto, se a pessoa está consciente de que precisa de mudar de vida já,
confia na graça de Deus e alimenta um desejo sincero dentro de si mesmo de ser
santo, a oração “torna-me santo agora” não significa presunção, mas manifestação
da virtude teologal da esperança e, portanto, contém as próprias sementes da
santidade. O pecador que reza assim, sinceramente, pode assegurar-se de que
“está tudo bem” – não que esteja tudo bem, por ele ser imperfeito e continuar
pecando, mas porque é imperfeito e precisa mudar. Pois ele é amado por Deus e,
desde que responda a esse amor com sinceridade de coração, pode ter a certeza
de que Deus o mudará - embora o tempo de Deus, não seja o mesmo dele.
E foi o que aconteceu com São Marcos Ji Tianxiang, celebrado pela Igreja no
dia 7 de julho.
Em 1900,
surgiu na China a violenta Rebelião dos Boxers, que pretendia expulsar pela
força todos os estrangeiros e colonialistas da China. Inevitavelmente, a
presença do cristianismo ali passou a ser percebida pelos rebeldes como herança
do colonialismo ocidental, e assim a rebelião também levou muitos cristãos ao
martírio. Milhares foram massacrados, Ji e sua família entre eles. Ainda
viciado em ópio, Ji mostrou uma coragem maravilhosa diante dos seus carrascos e
implorou para ser morto por último para poder ficar com cada um dos membros da
sua família, confortando-os enquanto eram decapitados um a um. Finalmente, ele
também foi decapitado, enquanto entoava confiantemente a Ladainha à Santíssima
Virgem.
A história
de São Marcos Ji Tianxiang faz um contraste interessante com a de Santo
Agostinho, que viveu na lama do vício durante a sua juventude – enquanto fazia
a oração insincera da presunção – mas acabou sendo salvo desses vícios pela
intervenção milagrosa de Deus. Ji, pelo contrário, nunca se libertou dos seus
vícios, mas manteve fielmente uma sincera devoção, do fundo do coração, até ao
momento do seu heroico martírio. Ji foi salvo dos seus vícios apenas no momento
da sua morte - confirmando que o tempo de Deus, não era o seu e que a sua
esperança não era vã.
Jonathan Culbreath 06 de julho de 2022, traduzido do inglês da revista
“America”, com pequenas adaptações.