Por muitos anos fui sacerdote católico, mas por diversas
razões - talvez até por ter entrado no estado clerical sem ter verdadeira vocação
- renunciei ao ministério sagrado. Tendo o desejo de me unir a uma mulher em
matrimónio, renunciei até à Fé católica e tornei-me protestante. Feita a profissão
ao protestantismo fui chamado a oficiar na cidade X. Assim, conheci a filha de
um comerciante protestante e o casamento deveria realizar-se depois de seis
semanas.
Uma noite, encontrava-me em companhia do pastor
protestante e de um jovem estudante de teologia na pérgula do jardim do
ministro. Enquanto conversávamos, um jovem entrou apressado e pediu ao pastor
que assistisse um moribundo.
-- Não poderia ir no meu lugar, irmão? Pediu-me o
pastor. Entristece-me que o primeiro exercício do seu ministério entre nós,
seja triste, mas não posso deixar os meus convidados.
Manifestei a minha prontidão e segui o mensageiro
que, rapidamente, conduziu-me junto do leito de um homem, cujos dias sobre a
terra estavam evidentemente contados.
-- Sou o novo predicador e estou aqui no lugar do
pastor, que agora está ocupado, disse ao moribundo, cuja fisionomia estava
muito pálida.
Ele balançou tristemente a cabeça e respondeu:
-- Há aqui um equívoco! Eu pedi um sacerdote católico!
-- Mas, o senhor não é membro da igreja evangélica?
Perguntei-lhe, surpreso.
-- Sim, sim! Interrompeu-me. Mas eu quero morrer
católico.
-- Mas como é isto? Repliquei-lhe. O senhor não
acredita no Redentor, que morreu por nós na Cruz? Se acreditar firmemente n’Ele
e colocar toda a sua confiança n’Ele, certamente, Ele será para o senhor um
juiz misericordioso.
O doente esboçou um sorriso amargo. E respondeu:
-- Só a fé não me basta. Eu quero confessar-me e
receber a absolvição. Eu fui um padre católico. Abandonei a minha fé e fiz-me
protestante. Eu sei que só a fé não basta, mas parece que o Céu me recusa esta
última graça de poder confessar-me com um sacerdote e receber a absolvição.
Deu um grande suspiro e as lágrimas correram-lhe
pela pálida face.
Não consigo exprimir o que senti naquele momento.
Que encontro! Um padre apóstata num leito e um outro sacerdote caído ao seu
lado. O estado do pobre doente era tal que não havia tempo a perder.
- Se era sacerdote católico sabe que em caso de
morte todo padre tem plenos poderes. Também eu fui sacerdote, mas, como o
senhor, apostatei e tornei-me protestante. Como vê, tenho a faculdade de ouvir
a sua confissão e dar-lhe a absolvição.
O pobre homem olhava-me maravilhado e quando ouviu
o que acabara de lhe dizer a sua face ganhou cor e vida. Segurou a minha mão e
confessou-se com lágrimas de sincero arrependimento. Rezou a penitência que lhe
tinha indicado e alguns poucos minutos depois, diante de mim, faleceu.
Não procurarei escrever o que senti naquele
momento. Aquele encontro não era um aviso do Céu para mim?
A minha fisionomia tornou-se quase tão pálida,
quanto a do cadáver. Fixei os olhos com o olhar imóvel e sobre os lábios que
ficaram silenciosos para sempre.
Coloquei as minhas mãos sobre as do morto e
prometi a Deus que iria mudar de vida. Pareceu-me vislumbrar o fundo do abismo que
estava diante de mim e no qual estava deslizando loucamente.
Tomei a resolução de nem sequer voltar para a casa
do pastor. Renunciei à condição de predicador e pedi para a minha noiva
esquecer-se de mim. Parto, disse-lhe, agora mesmo para um Mosteiro Trapista, a
fim de expiar as minhas culpas com penitências. Que o Céu tenha pena de mim!
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