Roma foi a cidade em que se celebrava, com maior
brilho e variedade, o Carnaval, uma palavra que deriva do latim “carnelevare”
(carne levare), ou seja, remover a carne.
Nestes dias, tinha-se a impressão de que as hierarquias tinham sido abolidas. Os
trabalhadores manuais da mais simples condição, conviviam com os grandes
senhores, quebrando as normas sociais, à semelhança dos dias de “Saturnália”
na Roma Antiga, em que os senhores serviam os seus escravos.
O Carnaval começava onze dias antes da Quarta-feira de Cinzas e durava até à noite da Terça-feira, chamada “gorda”,
excetuando as sextas-feiras e domingos. No total, eram oito dias de festividade. Segundo o escritor Jacques
Marquet de Montbreton, barão de Norvins, que chegou a ser Chefe de Polícia em
Roma, quando esta cidade fora ocupada por Napoleão, em 1818, o Carnaval só durava um
dia, tendo sido o Papa Pio VII a acrescentar sete outros.
Já nos dias que precediam a festa, a cidade passava por uma enorme agitação. Era o vai-e-vem de pessoas que compravam as suas fantasias, tecidos e tudo o que fosse necessário para a fantasia escolhida. Os mais pobres, como nos nossos dias, faziam empréstimos ou até mesmo vendiam parte da mobília das suas casas, para adquirem um traje de Carnaval ou uma simples máscara. Trabalhadores montavam andaimes sobre alguns pontos estratégicos e arquibancadas para os espectadores.
A Via do Corso, antiga Via Lata, as Praças do Popolo, Colonna, de Veneza, etc., e as ruas adjacentes eram o teatro das animações e com muita antecedência, as janelas já estavam alugadas, por romanos ou estrangeiros, a preços muito elevados e até mesmo exorbitantes em alguns pontos mais procurados. Todas as janelas ou varandas desta parte da cidade ficavam cobertas com tecidos de cores vivas, sedas, veludos damascos, etc.
Na manhã do primeiro dia, erguia-se a "Mannaia", o cadafalso. Sim, um patíbulo! Para não estragar a festa, quando um criminoso era condenado à morte nestes
dias, antecipava-se a execução, antes do toque do sino do Capitólio, que dava
início ao Carnaval.
À uma da tarde, este sino, conhecido como "Patarina", tinha
sido levado de Viterbo para Roma pelo exército papal (naquela época o Papa
também era Rei e tinha exército para defender os Estados Pontifícios!). Ele só
tocava para anunciar a eleição de um Papa e a abertura do Carnaval. Assim que
era soado, as carruagens de dois, quatro ou seis cavalos entravam no Corso, já
repleto de "Pierrots", palhaços, dominós, marqueses, camponeses, cavaleiros e pessoas vestidas com todo o tipo de fantasias. As carruagens desciam em cortejo de duas filas, uma
subia e a outra descia a rua, assediadas pela multidão que caminhava mascarada
e fantasiada. Alguns grupos reproduziam cenas mitológicas,
outros cenas históricas, mas não com conotações políticas (pois tinham sido
proibidas pelo Papa), outros ainda juntavam-se para dar corpo a animais
fabulosos, gigantes, monstros e apresentarem-se no Corso. Muitos lançavam
confeitos (confetti), do tamanho de ervilhas, que eram de açúcar, quando atirados pelos nobres, e em gesso quando vinham dos burgueses ou plebeus. Eles
“choviam” de todos os lados, das janelas, das carruagens, e as crianças
disputavam as que caiam ao chão, quando valia a pena.
De algumas carruagens, eram atiradas flores, sacos de papel,
laranjas e até ovos cheios de farinha.
O pintor Vien deixou-nos desenhos a preto e branco e colorido com a caravana do Sultão
da Meca, onde podemos apreciar a riqueza de algumas carruagnes e dos belos trajes do Carnaval
de Roma de 1748.
Os últimos três dias de Carnaval, ou seja, sábado,
segunda-feira e terça-feira, a animação crescia nas ruas, sendo o último dia o mais tumultuoso. Às quinze horas, da Praça do Popolo e de Veneza o som das
caixas anunciava que a corrida de cavalos ia começar. Estes cavalos tinham o
nome de Barberi, dos Bérberes, apesar de poucos acreditarem ser verdadeiramente desta raça.
As caixas tocavam durante meia hora, a fim de que todas as
carruagens pudessem deixar livre a Via do Corso. A polícia, com espada na mão,
passava à galope para expulsar quem ainda ali estivesse. Um cabo grosso era
estendido na Praça do Popolo e atrás dele, doze ou quinze cavalos, cobertos com
belíssimas fitas de ouropel, sem selas, mas com jóqueis destemidos que
seguravam as suas crinas. Sobre as cabeças dos animais, plumas de diversas
cores, permitiam distinguir facilmente o vencedor.
A multidão impacientava-se diante do espetáculo e começava a gritar: “La mossa! La mossa!”, ou seja, o início da corrida! De repente, o cabo caia, e os “barberi” avançavam. Em dois minutos percorriam 1.686 metros, até chegarem diante de um grande tecido que barrava a Via del Corso, entre os palácios Torlonia e Veneza. Do alto de uma varanda do Palácio de Veneza, o juiz da corrida proclamava o vencedor. Ovacionado, o joquei recebia o prémio: um rolo de tecido precioso, fornecido pelos israelitas de Roma. Com efeito, por um trato com o governo, deixavam de ser obrigados a correr, eles também, no meio dos insultos da população, pelo facto de terem pedido e serem, de alguma forma, responsáveis pela morte de Jesus.
Esta corrida dos "barbieri" repetia-se todos os dias e com ela, concluía-se um dia de Carnaval. Contudo, na terça-feira gorda, assim que a corrida acabava, ouvia-se o grito: “moccoli ou moccoletti”.
Tratavam-se de pequenas “velas”, que aos poucos começavam a iluminar o Corso. A multidão pulava e mexia
as suas velas até ouvirem o sino que indicava a morte do Carnaval. A
obscuridade a mais profunda sucedia à iluminação feérica. Jantava-se em casa ou
nas “tratorias” e, à meia-noite Roma calava-se. A Quaresma, tempo de oração, de
penitência e caridade, substituía a festa, os dias de Carnaval.
Ao ler este relato, retirado do livro “As festas celebradas:
da Antiguidade, da Idade Média e dos tempos modernos”, de autoria de Frédéric
Bernard, editado em Paris no ano de 1883, podemos ter uma noção da evolução do
mundo em menos de dois séculos. De uma festa alegre, inocente e popular, como
tantas outras da nossa sociedade, o Carnaval passou a ser uma celebração em que
tudo é permitido, especialmente do ponto de vista da imoralidade. Estamos a
evoluir ou a regredir?